Monday, February 25, 2013

QUERIA UM DIA SER POETA...


Queria um dia ser poeta,
tocar as harpas, ouvir as musas;
cantar, chorar em rima certa,
e dos outros não ter recusas.


Queria um dia ser poeta
para compor meus lindos versos;
ver o mundo em linha recta,
como centro dos universos.
Mas como não sou poeta,
escrevo direito por linhas tortas,
à procura do meu sentir...
Tenho a vida como meta,
procuro abrir novas portas,
por onde possa vir a sair.

(In, SILVA, Porfírio Pereira da - «Proesiatando a Memória», a publicar em 2013)

Friday, February 22, 2013

Recordar o Poeta João Marcos no centenário do seu nascimento!


“Em termos de Astrologia Hermética, o neófito João Marcos apresentou-se, novamente, ao Serviço, sob o signo da Constelação de Taurus, do primeiro decanato (25 de Abril). Como não somos perito em Cartomancia, vamos usar dos nossos conhecimentos bibliográficos e culturais para caracterizar este nosso Taurino Irmão, nato e criado na Beira-Lima”.

João Gonçalves da Costa

No passado dia 6 de Janeiro de 2013 fez oito anos que desencarnou João Marcos, o grande poeta limiano da universalidade cósmica: “Eu canto deste canto do Universo / o canto da galáxia onde estou. / Procuro ouvir dos sóis e do Céu terso / resposta ao meu problema de quem sou”. Face à nossa amizade (não deixava de nos procurar, sempre que vinha a este “Lima enfeitiçado / pela vila feiticeira / que remoça a cada instante / e baila de feira em feira / para o rio enamorado”), e tão só por isso, em vida tivemos o grato prazer e privilégio de apresentar – numa imerecida tarefa – o seu brado poético “Balaio de camarinhas”, com prefácio de António Manuel Couto Viana, em cerimónia pública na Torre da Cadeia Velha (Ponte de Lima), em Agosto de 2001, cujo florilégio contou ainda com a presença de Cláudio Lima (Maçã p’ra dois, apresentado por Virgílio Alberto Vieira) e de José Ernesto Costa (Cheio do Rio Lima – Janeiro de 2001, apresentado por Franclim Castro Sousa). Na altura, aludindo à responsabilidade acrescida – para a qual não nos sentíamos devidamente dimensionados –, definimos João Marcos como o “sempre jovem e poeta” e, tal como acontecera em “Epopeia do Homem Cósmico”, a obra que ora apresentava realçava também o plano transcendente. E isso era evidente nos títulos que plasmava nas suas obras, como um “balaio cheio de palavras e um camarinho, repleto de saudade, nostalgia e retorno”. Para nós, João Marcos tinha o “tempo” – em benefício do ser – e sabia amar, para depois dar um sentido ao universo, não esquecendo a mulher, a eterna amada dos poetas: “quando Deus fez a mulher / era hora de inspiração”. A última vez que estivemos com João Marcos foi quando o acompanhamos à sua última morada – emparceirados por, entre outros, Alberto do Vale Loureiro, Álvaro Castro, Amândio Sousa Vieira, Cláudio Lima, Daniel Campelo, Fernando Aldeia, Florinda Costa, Franclim Castro Sousa, José Ernesto Costa, José Sousa Vieira, Lídia Aleixo, Maria Cândida Brandão, Maria Conceição Campos e Teresa Alves –, o espaço físico da sua Terra Natal, onde “trazem-me os dedos do vento / de mal contadas distâncias / as nostalgias difusas / sepultas num tempo informe. / E em fundo de pinhal verde / em face às verdes parreiras / agitam verdes perdidos / no espaço de espinho e rosas / morrendo em tempo insepulto”. Nesse dia, ouvimo-lo bradar: “Quero uma casa no céu / suspensa de alguma estrela / e que tenha uma janela / para o terraço que é o céu. / Suspensa de alguma estrela / fora do mundo que é meu”. Felizmente que João Marcos sempre a tivera!
   

Anos mais tarde, em homenagem póstuma a João Marcos, João Gonçalves da Costa lançou, em 25 de Abril de 2009, uma obra intitulada “João Marcos: vida e obra de um grande pensador da Beira Lima”, numa edição do jornal Cardeal Saraiva, que no passado dia 15 de Fevereiro completou cento e três anos de existência. É um livro diferente para pessoas diferentes, como diferente era João Marcos nesta vida terrena: “num documento que publicamos, em nome do próprio homenageado, que julgamos inédito, está patente o seu alto espírito de Aventura Terrestre e Epopeia Cósmica, na linha de alguns poemas que nos deixou. Por isso, devemos ser gratos para com aqueles que, tendo, embora, nascido em terras aparentemente atrasadas, dão-nos uma inusitada lição, não só de civismo e patriotismo, mas também, uma visão cósmica e uma profunda ânsia de conexão espiritual com a nossa Consciência Cósmica” – citamos João Gonçalves da Costa, limiano de Anais, Ponte de Lima, onde nasceu em Junho de 1934, profundo conhecedor das Gentes e dos Sítios, por onde tem viajado, desde há muito, muito tempo – como imagem móvel da eternidade –, onde aprendeu que a competição nem sempre é o melhor Caminho. Daí, preferir a partilha!
João (Marcos) Gonçalves Ribeiro (1913-2005) natural de Rebordões (Santa Maria), Ponte de Lima, possui uma vasta e importante obra literária, que se distribui por vários ramos e temas: Poesia, Romance, Novela, Crítica Literária e Artística, Análise Política; Intervenção Política e Sociológica, Literatura de Viagens, Defesa dos Valores da Natureza, etc. Segundo João Gonçalves da Costa, “cabe-nos, também, dar corpo aos seus Ideais, exemplos de bairrismo; ligação efectiva de amor ao torrão natal, ao Karma regional e nacional. Para além do seu labor literário, é de destacar o seu Amor à Terra Natal e a força anímica com que ele se deslocava, no seu vetusto Volkswagen, que já conhecia, de cor, os caminhos para Beira-Lima, sem nunca deixar mal o seu companheiro”. E João da Costa não deixa de agradecer ao José Ernesto Costa, “pelo convite e entusiasmo com que me envolveu neste movimento cívico e cultural, em Memória do Poeta e Escritor João Marcos, nascido a 25 de Abril, em Rebordões (Santa Maria)”. Também, há cerca de duas décadas a essa parte, havia sido o José Ernesto que nos tinha apresentado o poeta que deslizava “sob estrelas entre veigas e pomares / um Lima de magias faz-se areal no meu peito / sou feito e contrafeito / de pressas e vagares / em marcha sem sentido para um rumo sem regresso / um rio sai de mim a toda hora / em mim nasce uma fonte a cada instante”.
Na altura, aquando da saída deste maravilhoso livro – embora de difícil leitura para o comum dos mortais – de João Gonçalves da Costa, não podemos estar presentes (nem a ele aludirmos) porque, tal como houvera acontecido com Lobsang Rampa: “algum tempo mais tarde, as visões começaram a desvanecer-se. Gradualmente, a minha consciência, tanto astral como física, abandonou-me. Mais tarde ainda comecei a ficar desagradavelmente cônscio de sentir frio – o frio de jazer sobre uma laje na escuridão gelada de um túmulo. O meu cérebro sentia dedos tateantes de pensamento. Está voltando para nós. Aqui estamos! Minutos passados e uma luminosidade vaga aproximou-se. Lamparinas de manteiga. Os três velhos abades. Passaste a prova, meu filho. Aqui jazeste durante três dias. Agora viste. Morreste e tornaste a viver”. Foi assim que nos sentimos quando, “cognitivamente”, passamos por situação semelhante de 2008 a 2011, sem que tivéssemos dado pelo tempo!
Para terminarmos, e sabendo nós que outro dos grandes vates limianos (Cláudio Lima) há muito vem estudando a profícua e multifacetada obra de João Marcos (e de quem era um especial confidente), pensamos que já vai sendo tempo de perpetuarmos – de uma forma física, que bem poderá passar também pela edificação de um monumento – a memória deste grande POETA limiano, que teve a coragem de reconhecer que criava “a palavra para a transformar em amor infinito / mas a palavra se verga e contorce num doloroso grito” – simplesmente sublime. No ano em que se comemora o centenário do nascimento de João Marcos (25 de Abril), pensem nesta nossa sugestão, para a qual dispensaremos (se assim o entenderem) o nosso “precioso tempo”.
         Haja vontade!

Friday, February 15, 2013

As “mundanas” reflexões da jovem Natércia Barros


“A escrita é uma paixão e, como tal, temos desavenças. A escrita pode transformar-se numa obsessão. Imaginem o que é ressacar escrita, olhando para o teclado, frente ao computador, e nada escrever. É frustrante ter tanto para contar e, no preciso momento, nada conseguir articular, nada sair fluentemente”.

Natércia Barros

Dada a nossa propensão para acreditar na convergência de energias, em detrimento das “faces ocultas do acaso”, temos tido a felicidade de sermos bafejados com importantes encontros cognitivos, que em muito contrariam a apologia daqueles que têm vindo a afirmar que num mundo cada vez mais ocupado pela ciência e pelos modelos de pensamento que ela produz, pela tecnologia e pelos modelos de vida que ela desencadeia, o discurso filosófico perdeu a sua antiga força de verdade. Nem mesmo reforçando a ideia (deles) de que o filósofo parece estar prestes a perder o seu último privilégio: o de pensar, este tipo de gente tem conseguido resolver aquilo que preconizam como factor ameaçador da produção de sistemas ideológicos, condimentado pelas tão propalas ciências humanas. Estamos em dizer, tal como um dia escreveria Krishnamurti, que “a padronização do homem conduz à mediocridade”. É por isso que, sem hostilizarmos a ciência, continuaremos a apostar no autoconhecimento, admirando todos aqueles que se interessam (com seriedade) pelo exame dos problemas humanos, sem preconceitos ou padronizações.   
Hoje, impulsionados pelo “privilégio de pensar”, trazemos ao conhecimento dos “cultivadores do intelecto” as deambulações reflexivas – estamos cá para passar do ver ao sentir (N.B.) – de uma jovem ribatejana, com ancestralidade alto minhota. Trata-se de Natércia Barros que nasceu em Vila Franca de Xira, Ribatejo (local onde reside actualmente), a 26 de Maio de 1981. Estudou Humanidades, fez teatro amador durante dez anos, frequentou o Centro de Estudos do Autoconhecimento (C.E.A. – Fundado por Samuel Aun Weor), e trabalhou vários anos em logística. Apaixonada pela problemática existencial, e fascinada pelo ocultismo, escreve, principalmente, sobre temáticas que abordam o ser humano. Tem descendência Luso-Angolana, sendo o falecido avô materno, João Henrique de Sousa Barros, natural de Monserrate (Viana do Castelo), tio do poeta e nosso particular amigo, Fernando Castro e Sousa. Durante a infância, esta jovem ribatejana passou grande parte das férias em Viana do Castelo, que coincidiam com as Festas de Nossa Senhora da Agonia. Desses tempos, lembra-se vivamente do fogo-de-artifício, dos cabeçudos e das minhotas vestidas a rigor. Já durante a adolescência, não rara a vez que se sentou à beira rio, a contemplar a Ponte Eiffel, enquanto tirava apontamentos. Lançou o seu primeiro livro em 2010, intitulado “Mundano (Reflexões)”, ao qual não ficamos – e nem poderíamos ficar – indiferentes.


Impulsionada pelo princípio basilar de que, e extraindo das suas próprias palavras, “para se viver há que morrer vezes sem conta”, Natércia Barros revela-se-nos uma perspicácia criativa/literária que contraria os censores do “pensar”. Até mesmo Albert Einstein houvera contrariado os pseudo-pragmáticos da ciência quando um dia afirmou que “a imaginação é mais importante que a ciência, porque a ciência é limitada, ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro”. É nesse sentido que entendemos o livro de Natércia Barros, «MUNDANO (Reflexões)», tendo em conta que, como nos revela a “ciência da auto realização” (A. C. Bhaktivedantas Swami Prabhupãda), “recebemos esta forma humana de vida não apenas para trabalhar arduamente como o suíno ou o cão, mas também para alcançar a perfeição máxima da vida”. E mesmo que não queiramos alcançar essa perfeição, “teremos que trabalhar arduamente, pois seremos forçados a isso pelas leis da natureza”. Nesse sentido, estamos convictos de que Natércia Barros não vive indiferente à sua condição de “ser pensante” e aos desafios das leis da natureza.
Pelas páginas deste maravilhoso livro perpassam temas como o “mundano” – que dá título ao livro –, onde (a seu ver) “a vida é constituída por ciclos que duram apenas o tempo que têm de durar, duração essa que varia consoante as nossas próprias necessidades”; as “dores” física e psicológica, sendo que as primeiras “são um contínuo alerta das dores emocionais mais profundas”; o “líbido”, como o despertar de todo o sentido adormecido ou “a verdade escondida que nos dá a oportunidade de ver em nós o nosso melhor amigo”; “Deus”, tendo em conta que o mesmo “é quem nós quisermos que Ele seja: Na primeira, na segunda ou na terceira pessoa. Deus pode até ser o pior filho da mãe à face da terra e, quer queiramos ou não, até o pior dos filhos da mãe ama à sua maneira” – gostamos muito desta visão; os “espelhos”, onde a escritora se interroga: “Espelho meu, diz-me onde está o engano para que possa reparar todos os erros do passado”; as “birras”, onde Natércia considera “certas birras saudáveis, por mais estranho que pareça. A birra pode ser saudável à medida que doseamos com bom humor”; a “confiança” como “factor primordial à face da terra”; o “dinheiro”, monstro ao qual damos a vida, “composto por pequenos pedaços de papel, através dos quais se cometem vários atentados à dignidade humana”; a “Barracolândia”, terra do faz de conta ou “o Mundo do vale tudo, que na realidade pouco vale”; a “erótica”, tendo em conta que “o erotismo é o expoente máximo da sensualidade aliada ao prazer”; a “mentira”, como “ignóbil ferramenta de sobrevivência, nos dias de hoje”; a “gestão humana”, para a qual a jovem escritora ribatejana nos alerta que “quando nos habituamos a viver em concha, não sabemos lidar profundamente com os nossos semelhantes”; a “prostituição” como alegoria da alma, sendo que, para Natércia Barros – e porque não para muitos de nós – “o nosso lado obscuro é prostituto. A maior parte das pessoas vende a alma por meia dúzia de cêntimos”; o “desistir”, onde “devemos voltar as costas a sentimentos destrutivos, como a cólera ou a ira”, desistindo “das pessoas que me fazem mal, aquelas que me condenam sem entender o teor das minhas palavras”; as “vozes” em flecha que matam, “vozes ocas e esvoaçantes que penetram nos tímpanos e nos assolapam a memória”; as “pessoas como nós” que sentem e não têm pudor algum em chorar; a “resistência”, sendo a maior prova a própria vida; o “bullyng” como realidade cada vez mais atroz – do qual a autora foi vítima na primária –; o “visionário” que vê para além dos olhos; os “ignorantes”, mesmo aqueles que sendo “licenciados e nem por isso deixam de ser ignorantes”; a “bipolaridade” plasmada nas “bruscas e súbitas alterações de humor”; o “toque” porque sentimos; a “genialidade” impressa na atitude modesta, “serena e tranquila é uma mais que valia para o triunfo”; os “ossos” e “a festa do osso”, não querendo “passar a vida a roer ossos e a alimentar-me das sobras”; os “grilhões” com a ânsia por liberdade que pulsa em nós; a “mulher” que carrega “no ventre as dores do Mundo”; o “momento”, mesmo recuando no tempo vezes sem conta; o “adeus”, inspirando “pequenos sopros de vida tingida de guerra e de paz”; “o piano”, do qual adora o som, sem deixar de dizer que “carregamos as dores da Humanidade às costas, como não bastassem as nossas”; “a voz que nos fala”, sentindo “reflexos da verdadeira liberdade”; a “perplexidade da mente”, sendo que “o ser humano é o maior enigma terrestre, a maior cabala do cosmos e a máquina do tempo mais complexa”; as “crónicas de ensaio”, onde a autora solta “emoções exclusivas da alma”; as “empresas de trabalho temporário” utilizadas enquanto fachada, para branqueamento de capitais; a “magia planetária”, sabendo “que o amanhã é incerto e o presente doloroso, adormeço e vejo que passou mais um dia”; a “ilusão” onde “vivemos na sombra da própria existência”; o “discernimento” sem o qual “estamos aptos a perder a máxima racionalidade”; os “recursos humanos”, em cujos departamentos pouco ou nada tratam “relativamente a questões humanas”; o efeito “tábula rasa” e a ausência da gratidão; as “evasões”, partindo “em busca de uma vida rica em propósitos e saudade nenhuma sentir”; a “jornada interior”, sendo que a melhor viagem “é a que fazemos ao nível do ser”; o “viver”, como uma metamorfose extraordinária, deixando “o Sol invadir-nos o rosto e saborear o momento com descontracção”; a “chapada sem mãos”, dado que “devemos amar, principalmente, na adversidade”; a “lei do retorno”, aludindo ao facto de que “quanto mais damos, mais recebemos”; os “funerais” permitindo a existência de “pessoas que vão a funerais, como se fossem a casamentos”; a “quaresma” e a efemeridade do “ter”; as “medicinas alternativas”, qual cura os povos na antiguidade procuravam no seio da Natureza; a “cor”, moldada à vida “feita de luz e escuridão”; o “imaginário”, sendo que “o nosso Eu mais profundo é infantil e brincalhão” e, logo que chegados a adultos, “sem grande opção de escolha, gravitamos na lei do retorno do sonho, há muito esboçado no nosso imaginário”. Esta é a leitura que fazemos das maravilhosas e pertinentes reflexões da jovem escritora Natércia Barros.
         Para terminarmos, transcrevemos o que o actor João de Carvalho (filho do grande vulto Rui de Carvalho) escreveu a propósito deste «Mundano»: “Quando iniciei a leitura do Mundano, tive, como é hábito meu, de o folhear primeiro para o sentir. Deparei-me com um tipo de forma de escrita só comparável com um autor que muito me sensibiliza. O Dalai Lama. Escrever os próprios pensamentos implica uma libertação interior”. Subscrevemos inteiramente. Pena é o livro ser edição de autor, o que condiciona de certa forma a sua fácil aquisição. De resto, nota máxima!

Friday, February 08, 2013

Um ano depois, o “imperativo de memória” em recordar Amadeu Rodrigues Torres (Castro Gil)!


“Recordar a figura e a obra do Prof. Doutor Amadeu Rodrigues Torres é uma tarefa difícil, dada a sua enorme riqueza pessoal e vastíssima obra literária e científica que felizmente podemos apreciar”.

José Maria Costa

Foi no dia 9 de Fevereiro de 2012 – por isso, faz amanhã um ano – que Amadeu Rodrigues Torres (Castro Gil), professor catedrático, poeta em vernáculo e em latim, escritor e linguista, deixou esta atribulada vida terrena para viver hoje o eterno descanso dos justos, local onde nada pode ser medido pelo tempo, porque projecção do mesmo no infinito. Poderíamos hoje repetir o riquíssimo percurso vivencial deste nosso amigo/irmão – plasmado em dezenas de artigos e dissertações que publicamos a seu respeito, ao longo de mais de duas décadas –, mas somos forçados a acautelar esse pragmatismo, onde “toda a função do pensamento consiste em produzir hábitos de acção”, por forma a não banalizarmos a sua dimensão intelectual, recentemente muito mal tratada num maldizente “escanganho”, disfarçado de “geografia literária”, onde nem Domingos Tarrozo escapou à “degringolade”. Felizmente que Castro Gil partiu para a eternidade – quantas confidências, Deus meu!... –, sabendo desta ciumenta animosidade. Mas, para não cairmos na síndrome do espertalhão que “urde o desfalque e a falcatrua”, vamos mesmo ficar por aqui…


Como atrás referimos, não nos vamos repetir em minuciosas descrições biográficas – dado que já o fizemos em muitas e variadíssimas publicações periódicas –, porque temos o agradável privilégio de ter “entre mãos” a última obra publicada em vida (15 de Dezembro de 2011) deste ilustríssimo VATE universal, obra essa que nunca chegou a ser difundida pelos escaparates livreiros. Trata-se do quinto volume de “No espólio de Juvenal e noutros”, onde, sem máscaras ou subterfúgios, Amadeu Torres (Castro Gil) se nos revela um poeta sem “caruncho”, atento ao mundo que o rodeia e predisposto a descer do “pedestal” a que, meritoriamente, tinha direito. Apesar da cátedra e clerical função de cónego, ouvimo-lo bradar corajosamente o “escândalo de arromba num país de tanga, / Com cresos mil e mil que não ouço geniais; / Pulha administração-gestão, tropa-fandanga / Que, ao chupar tanta teta, ainda quer mamar mais” e, onde “A alta cultura é hoje a eureira nas hortas; / O espertalhão urde o desfalque e a falcatrua. / A corrupção é mais corrupta em gradas portas; / E o mole tribunal põe os ladrões na rua”. É precisamente aqui, por se achar inspirado em Décimo Júnio Juvenal – E faz já tempo / Em que os sufrágios não estão à venda, / Nem os assuntos públicos lhe importam. / O povo, esse que dava antes impérios, / Fáscios e legiões e tudo, hoje se cala; / E tendo apenas duas coisas, nada o rala, / Ou seja, pão e jogos (Sátira X, 77-81) –, que Amadeu Torres (Castro Gil) transcende os poetas de “escolho”, escondidos em mescladas e betesgas redondilhas (só para ser bonito), mas desprovidas de qualquer conteúdo cognitivo.
Rumando em sentido contrário aos trovadores de “ninhos e chilreadas”, Amadeu Torres (Castro Gil) acaba por nos dizer que “é tempo de acabar com governos «boyeiros», / Que esbanjam orçamento a proteger filhotes / Perante multidões, seiscentos mil obreiros, / Sem emprego nem mão que tu, amigo, notes”, sugerindo de imediato que “é tempo de acabar com benesses de tença / – Gasolina, telés, deslocações, almoços, / Carros topo-de-gama, senhas de presença – / Enquanto para os mais só restam os caroços”, beliscando ao mesmo tempo, de uma forma cirúrgica, os “milhões cerca de cento e mais cinquenta eurados / Custa-nos da República a magna Assembleia: / Um malbarato para cofres esvaziados / Depois das toneladas de ouro em conta alheia”. E nem mesmo os deputados escapam à sátira do MESTRE, como carinhosamente o sentíamos, por nos acharmos incondicionais peripatéticos: “Dos deputados, diz-se, ninguém tenha pena, / Que a um tal sentimento é-lhes tudo contrário: / Ao perceber-se a ânsia de subir à cena / Uns por amor ao povo, outros pelo eurário”, condimentado pela certeza que “de facto, carro à ordem, telefone e conta / Para deslocações, estadias, almoços, / Sem citar o ordenado não de pouca monta, / Fazem maço de notas muito além dos nossos” e apontando a solução para “com peso no orçamento a estoirar nas costuras, / Cento e quinze bastavam, sobejando até, / Se bancada nenhuma estivesse às escuras / Ou com nudez de gente a enraivecer o Zé”.
Nem a novela do navio “Atlântida” escapou às “alfinetadas” de Castro Gil, quando na altura se discutia “em Viana acerca de um navio / Que, se ainda vivo, dera a morte ao grão Cerqueira: / Gerou-o um cachalote enorme e luzidio… / E abandonou-o, ali, à geral pasmaceira”, indignando-se de tal forma que acaba por nos dizer que “é de arrepiar como, um ano já volvido, / O silêncio dos grandes se mantém idiota. / Ninguém sabe a quem novas dar do sucedido / Ou atribuir a culpa da grande anedota” – assim, textualmente. E “é no cais da vergonha que o «ATLÂNTIDA» aguenta, / Muito mais que o desprezo, o silêncio da malta / Que a sua construção orientou e hoje tenta / Convencer-nos que deles não há qualquer falta”, levando à indefinição de futuros vários, qual “after troika” inspiraria a profecia de Castro Gil: “Provocam-me grande asco os doutores lareiros / Que pensam saber mais que a Tróica, ideia tonta: / Porque encastelam no ar caminhos e carreiros / De pagar tantos milhões da eureira conta”. É verdade, isto é poesia de Amadeu Torres (Castro Gil), professor catedrático, poeta em vernáculo e em latim, escritor e linguista, e pode-se encontrar no quinto volume de “No espólio de Juvenal e noutros”. Juramos, por quanto há de mais sagrado, que não fomos nós que a fizemos.

        Um ano depois, aqui fica o nosso “imperativo de memória” em recordar a pena e a mente de Amadeu Rodrigues Torres (Castro Gil), sempre fiel, mesmo na eternidade, à “vox populi, vox Dei”!... 

Saturday, February 02, 2013

Doze anos depois: “In perpetuam rei memoriam” de Lucilo Valdez


“É tempo de agir, companheiro / e de não mais temeres falar / o tempo é de quem o agarrar / a vitória de quem for ligeiro”.

Lucilo Valdez

Pelas dezasseis horas do dia 21 de Janeiro último, fez doze anos que ficámos órfãos do bom amigo/irmão e camarada – como carinhosamente o tratávamos – Lucilo Valdez, homem da cultura e do teatro, a quem o distrito de Viana do Castelo muito ficou a dever e ainda não lhe prestou a devida homenagem. O seu corpo foi a sepultar no dia 23 de Janeiro de 2001 – pouco passava das 15 horas, quando o seu féretro desceu à terra –, no “campo santo” de Benfica, depois de ter estado em câmara-ardente no Cemitério de Carnide, junto às Telheiras, Sala 2B, em Lisboa. Infelizmente, muito poucos foram os altominhotos que o acompanharam até à sua última morada.
Recordar o Lucilo Valdez doze anos depois, é como permitirmo-nos à “presunçosa vaidade” de com ele – e a par de centenas de amigos comuns por esse Alto Minho, o que seria fastidioso enumera-los – termos partilhado confidências e ideais, sempre com a noção de que a sua forte personalidade fazia jus à velha máxima de que “as pessoas não valem por aquilo que escrevem ou dizem, mas por aquilo que são capazes de fazer pelo seu semelhante, no momento oportuno”. Escreveríamos por altura do seu passamento, e como reforço à definição desse homem bom (que, indiscutivelmente, o era), que a sua forte personalidade e carácter, advinha-lhe das suas próprias palavras, quando em 1988, nas manhãs poéticas da rádio, ele mesmo se nos revelaria: Sou um homem inquieto; um homem do meu tempo; de espírito aventureiro; um pouco rebelde; contra muita coisa, muitas vezes não importa que esteja sozinho, mas quando acho que tenho razão bato-me por ela; uma pessoa cheia de defeitos – às vezes eu digo que a minha qualidade é ter alguns defeitos que os gosto de ter, embora pese a muita gente, chateie muita gente. Há outras qualidades que gostava de ter, que não tenho; não sou uma pessoa perfeita; quanto a mim detesto os homens perfeitos, as pessoas que se julgam perfeitas… não há ninguém perfeito. É isto que penso que sou!... A realização pessoal era para ele outra das metas inatingíveis: Acho que um homem que se considera realizado, considerar-se-ia morto em vida, porque o que faz o homem avançar é haver sempre mais um degrau para subir, haver sempre um sonho por concluir, uma aspiração por satisfazer. No dia em que nos sentíssemos realizados, já não estaríamos cá a fazer nada, então, seria apenas limitarmo-nos a vegetar. Há muita coisa mais por alcançar que gostaria de conseguir para me sentir realizado. Mas, mesmo assim, mesmo que na prática todas as minhas ambições, todas as minhas aspirações, todos os meus sonhos fossem concretizados, fossem conseguidos, nessa altura descobriria outro degrau, alcançava uma estrela. Ao chegar a essa estrela, viria outra estrela mais além, que quando estava na primeira etapa não a tinha visto, e então procuraria alcançar essa estrela (…). Lucilo Valdez jamais aceitaria vegetar. Por isso deixou esta vida terrena, materialista, para hoje fazer parte do cosmos, lugar que sempre sonhou, aspirou e quis. Era um homem que acreditava – tal como nós (por sua influência) – nas regras cósmicas.
Mas, para que a memória não nos atraiçoe e para que os mais novos fiquem com uma percepção da vida e obra deste cidadão de mérito vianense (título atribuído pelo Município de Viana do Castelo, a 20 de Janeiro de 2001, um dia antes do seu falecimento, e que, felizmente, ele teve conhecimento), aqui fica uma síntese do seu percurso de vida: Lucilo Valdez nasceu na freguesia de S. Sebastião da Pedreira, na cidade de Lisboa, a 26 de Janeiro de 1938. Por imperativo da profissão do pai (funcionário da Direcção Geral da Aeronáutica Civil), quando tinha 9 anos de idade foi para os Açores, onde completou os ensinos primário e secundário na Ilha de Santa Maria, depois de fazer exames no Liceu de Ponta Delgada. Na altura frequentava um colégio particular. Possuindo um certo jeito para o desenho, desde miúdo a arte teatral despontou em si o entusiasmo necessário para que ainda muito novo construísse as suas próprias marionetas. Para além disso, foi um dos fundadores da “Rádio Clube Asas do Atlântico”, nos Açores, tendo participado nos Jogos Florais dessa mesma rádio, onde obteve uma “Menção Honrosa”. Mais tarde, convidaram-no para realizador de um programa de música clássica, e para participar num outro, com contos infantis, da sua autoria. Em 1959, quando tinha cerca de 21 anos de idade, regressa a Lisboa. É nesta cidade que vem a ser “desenhador-publicitário” e ilustrador do jornal português “Economia & Finanças” onde se destaca pelos retratos a tinta-da-china de políticos mundiais na altura em foco – dos quais guardamos religiosamente alguns – e pelas caricaturas e desenhos da capa. Para além do jornal “Economia & Finanças”, Lucilo Valdez participou em várias revistas humorísticas como caricaturista, com anedotas ilustradas. Deixou diversos contos publicados em jornais de Lisboa e de África e, nomeadamente, colaborou como “cartoonista” no jornal “Falcão do Minho”.
No campo artístico, Lucilo Valdez frequentou um curso de desenho e pintura de Belas-Artes, na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, e mais tarde foi para a Escola “António Arroios” onde, apesar disso, não viria a completar qualquer curso. Ainda no âmbito da sua formação cultural, não esperando com isso obter qualquer diploma, frequentou um pequeno curso de línguas. No campo criativo tem vários quadros pintados a aguarela, guache e tinta-da-china, tendo ilustrado dois dos nossos livros e, a nosso pedido, criado o boneco “O Biblocas” (Boletim Infanto-Juvenil da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo), em Julho de 1999.
Como nutria um carinho especial por todas as artes e ciências dedicadas ao estudo do homem, e vendo que as mesmas pareciam estar reunidas à volta do teatro, assim começou a sua longa caminhada em prol do teatro português. Em 1969 ingressa no “Clube Teatro I Acto de Algés”, clube esse que tinha estreitas ligações e uma certa afinidade com a “Casa da Comédia”. Frequentou um curso de teatro durante ano e meio, dirigido pela actriz Clara Joana, e outro de seis meses com o encenador Fernando Gusmão, que na altura estava a dirigir o “Grupo 4”. Por volta de 1971 começou a dirigir grupos de teatro amador de Lisboa e arredores e, como actor, foi dirigido por profissionais. Na altura trabalhava no Serviço de Pessoal do “Metropolitano de Lisboa”. Em fins de 1972 é convidado pela FNAT, hoje INATEL, para desempenhar as funções de animador de teatro em Viana do Castelo. E o percurso do Lucilo Valdez, ao longo dos cerca de vinte e oito anos que por aqui passou, foi escrito debaixo de um animado voluntariado, por vezes penoso, fazendo frutificar talentos e ajudando a desempoeirar as velhas casas do povo, que nessa mesma altura já albergavam algumas das novas associações. Ele mesmo nos ajudou a fundar, em 1975, o “Grupo de Acção Cultural e Desportiva de Mazarefes”, mais tarde fundido com a Casa do Povo, passando a denominar-se de “Associação Social, Cultural e Desportiva da Casa do Povo de Mazarefes”.
       A história da passagem do Lucilo Valdez pelo Alto Minho – de uma forma particular no que toca ao teatro – terá que um dia ser feita, pois todos nós sabemos que ele muito contribuiu para o desenvolvimento cultural da nossa região. Se não o fizermos, será uma manifesta e profunda ingratidão!