Wednesday, March 28, 2018

Imperativos da Memória (II)

Recorrendo ao silêncio!…

«Há duas coisas que é absolutamente necessário compreender: a natureza do espaço e a natureza do silêncio. Interessa sumamente descobrir o que significa "espaço". Não queremos referir-nos à distância entre a Terra e a Lua, porém ao espaço psicológico, o espaço interior. A mente em que não há espaço é uma mente estreita, insignificante, vulgar; está presa numa armadilha, e os movimentos que faz dentro dessa armadilha chama "viver". Mas, para se descobrir o que é esse espaço interior, é necessário observar o espaço exterior»

Krishnamurti


Há momentos em que necessitamos de recorrer ao silêncio, refugiando-nos na leitura e releitura das grandes referências que nos têm acompanhado ao longo da vida e são companhia permanente das nossas estantes, onde as obras nunca são adquiridas às suas medidas. É no silêncio, quase clandestino, que por vezes preenchemos tardes a “discutir” antagonismos, interactividades, destruição de mistificações, ausência de mensagens inequívocas, principais instrumentos de informação, falsos passadismos, consequências de mudança, servir ou obedecer ao jogo, sempre com a noção de que antes de qualquer acção existe a lealdade à nossa convicção.
É no silêncio, porque a esse exercício somos muitas vezes obrigados, que amamos a terra que nos pariu. Contudo, sentimos um enorme vazio e tentamos descortinar as concepções da razão, constituinte e constituída. Isto quando procuramos a capacidade de ascender ao mundo das ideias, quer como essências, quer como valores. Passamos a abominar o cliché de «O homem é um animal racional», porque admitido como a diferença específica.


Daí gravitarmos mais na “formulação madura” da “razão suficiente” leibniziana, tendo em conta que a mesma enuncia que nada é sem que haja uma razão para que seja ou sem que haja uma razão que explique que seja. Sentimos um vazio, mas, mesmo assim, amamos a nossa Terra Natal. Pena é que, circunstancialmente, a “orgânica” esteja à mercê dos “usurpadores”, crentes na “sabedoria superior”, dilacerante da natureza da substância, neste caso concreto, o modo do conhecimento da substância e essência da razão.
Foi para quebrar um pouco do silêncio (quiçá, a “monotonia do silêncio”) que resolvemos anuir ao convite do Raul Pereira, para assistirmos ao lançamento do seu livro «Dentro de um Cesto de Rosas (Vila Franca: Celebração e Notas)», uma sentida experiência científica, por se dar conta de iniciativas similares da Direcção Geral do Património Cultural, de salvaguarda do património imaterial português, pensando de imediato na terra onde cresceu e no seu mais alto valor cultural: a Festa das Rosas.
Há dias em que, impreterivelmente, necessitamos do silêncio, e dele nos afastarmos, como espaço dentro de nós, criado pelo observador, pelo censor: o espaço em que ele vive. Mas, de vez em quando, faz falta um banho de multidões. E o Raul Pereira teve-o, merecidamente: «Quanto a mim, Raul Alexandre da Rocha Pereira, fiz o que achei que me competia: retribuí, com aquilo que pude e sei, o que agora me parece um mero alfinete no cesto de rosas que constitui tudo o quanto de Vila Franca recebi enquanto cresci
Silêncio, humildade e acção… VERBUM PRO VERBO!

[Imperativos da Memória (II) - Recorrendo ao silêncio!... A Aurora do Lima (Viana do Castelo), Ano 163, Número 11, 29 de Março de 2018.]

Sunday, March 11, 2018

Imperativos da Memória (I)

Escravos da palavra!…

«Vivemos num tempo em que borboletas voam em bibliotecas; os livros ficam às moscas nos casulos das instituições. Quando o livro perde o seu carácter mágico e passa a ser apenas um aglomerado de folhas e palavras, o mundo perde a dimensão do possível e se afoga na impossibilidade do real...»

André Anacoreta


130.º Aniversário (1888-2018) da fundação da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo (16 de Fevereiro) e do nascimento do antropólogo, médico, professor catedrático e autarca António Augusto Esteves Mendes Correia (4 de Abril), acabou por impelir-nos à evocação memorialista, como forma de não desculparmos o insucesso de uma sociedade materialista e a indiferença ao aprumo e autodestruição da nossa identidade cultural. Infelizmente, o sentimento (construtivo) de beleza e inovação das gerações da “Belle Époque” deu lugar à desumanização do ser humano.



Momentos inesquecíveis (que pensamos não serem os últimos), prazerosamente vividos no segundo dia da 19.ª edição (encontro) de «Correntes d'Escritas 2018», lugar, espaço físico e mística, onde acabamos por ficar escravos da palavra. "Acorrentados" aos motes "Escrever é um acaso de circunstância" e "Escrevo para dizer aquilo que não sei", gravitamos pelo contraditório entre o escrever pela circunstância (propriamente dita) e a circunstância do acaso, condimentadas pelo lado emotivo e pela reflexão, conjunto de factores que podem influenciar quem hoje escreve: o contexto da descontinuidade em que vivemos e a fragmentação de diferentes níveis que daí resulta; escrever remetendo-nos para a ideia de "Memória", biológica até, onde a criatividade está na base de qualquer escrita; aprendendo uma fonética que não era de nossa mãe (que nasceu, cresceu, sofreu e morreu sem saber uma única palavra), cujo conhecimento era por via oral, atendendo ao facto que qualquer coisa que um autor escreva é fruto de uma biografia de milhares e milhares de anos; o "mar das tormentas" como ponte para nos deixarmos levar, seguindo até aquilo que está do lado de lá; o saber o que escrevemos, sem termos a verdadeira percepção se, de facto, o chegamos a saber; o lado desarrumado, esquecido, leitor de outras escritas, usando da palavra para compor silêncios, mesmo na biblioteca desarrumada que ficará arrumada depois do homem/escritor morto. Emprestaram-nos as palavras (complexo lexical em que devíamos, de contínuo, ter usado aspas): Alberto S. Santos, Hugo Mezena, Isabel Rio Novo, Carlos Quiroga (moderador), Abraão Vicente, Miguel Real, João Paulo Cotrim, Bento Balói, Filipa Martins, Celso Muianga (moderador), Ana Margarida de Carvalho e Kalaf Epacanga.


      Tudo isto na semana de CORRENTES D'ESCRITAS, lá, e CONTORNOS DA PALAVRA, cá. Lá e cá o mesmo sentimento: A palavra dita, escrita, desenhada, sonhada, assume contornos novos, veste novas roupagens e despe-se de sentidos cristalizados.
        Centro e trinta anos depois, há dias, momentos e memórias assim!


[Imperativos da Memória (I) – Escravos da palavra!... A Aurora do Lima (Viana do Castelo), Ano 163, Número 08, 01 de Março de 2018.]