«Havia na Ribeira de Viana, nessa altura, uma
família de parteiras afamadas que viviam na esquina da rua do Loureiro com o
Campo do Castelo. Uma delas apesar de não querer quebrar o segredo
profissional, deu a entender por meias palavras que a mãe dela, parteira, tinha
sido chamada para assistir ao misterioso nascimento de Eça de Queirós…»
Maria Augusta d’Eça d’Alpuim
(Os Eças: Memórias, 1992: 146)
José Maria EÇA DE QUEIROZ, considerado por muitos como o maior romancista português, gerado e nascido em Viana da Foz do Lima, do ventre de CAROLINA AUGUSTA PEREIRA D’EÇA, filha do Coronel José António Pereira d’Eça e de Ana Clementina de Abreu Castro, que nascera em Monção a 7 de agosto de 1826, e em 1845 vivia em Viana, com sua mãe já viúva, quando nasceu esse seu malogrado filho, fruto de amores que teve com o Dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz.
O nascimento do José Maria EÇA DE QUEIROZ foi
de facto um caso que envergonhou a família, o que levou Carolina a entregar o
filho ao pai, em segredo, para o criar, como prova a carta do Dr. José Maria
Teixeira de Queiroz a Carolina, remetida de Ponte de Lima, com data de 18 de
novembro de 1845: «Recebi a carta de meu pai que novamente me recomenda a
criação de meu filho e se me oferece para mandá-lo criar no Porto, em companhia
de minha família quando a senhora nisto convenha. Espero, pois, a sua resposta
para nessa inteligência escrever a meu pai.
Ele me recomendou
igualmente – e também o desejo – que no Assento do Baptismo se declare ser meu
filho, sem, todavia, se enunciar o nome da mãe. Isto é essencial para o destino
futuro do meu filho e para que, no caso de se verificar o meu casamento consigo
– o que talvez haja de acontecer brevemente – não seja preciso em tempo algum
justificação de filiação. Espero se ponha ao nosso filho o meu, ou o seu nome,
conforme deve ser…» (Alpuim, 1992: 150).
Quatro anos mais tarde, mais concretamente a 3
de setembro de 1849, Carolina Augusta e José Maria Teixeira Queiroz casaram na
igreja do Convento de Santo António, em Viana do Castelo, quando Eça de Queiroz
tinha quatro anos, mas nem por isso o levaram para o lar que lhe pertencia.
Entre o Assento de Batismo – o tal risco de as crianças serem registadas e
batizadas, meses ou anos depois, em locais diferentes ao de nascimento, sempre
de forma verbal por parte dos progenitores e não com documentos –, onde aparece
como filho de José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz e de mãe incógnita, e o
tempo presente, a Póvoa de Varzim e Vila de Conde, disputam a honra do seu
nascimento, a primeira, porém, parece ter ganho e levantou-lhe um monumento.
Tal facto deve-se à afirmação mais conveniente
de ter nascido numa casa da Praça do Almada na Póvoa de Varzim,
no então número 1 ao 3 do Largo de São Sebastião (hoje Largo Eça de
Queiroz), no centro da cidade, em casa de um parente de sua mãe, Francisco
Augusto Pereira Soromenho, e em face da vergonha de seus pais não serem casados,
preferiram que o batismo fosse realizado na Igreja Matriz de Vila do Conde,
em vez da matriz local, muito próxima à casa, e fosse ocultado o nome da
mãe.
Como escreveu a nossa inesquecível e prezada
amiga Maria Augusta d’Eça d’Alpuim: «O próprio escritor disse um dia que
era “um pobre homem da Póvoa de Varzim”, mas isso são liberdades literárias
pois ele mesmo também disse que era de Aveiro». Com a agravante,
diremos nós, de Eça de Queiroz nunca ter tido qualquer empatia ou aproximação
da sua progenitora, em via de diversas contingências ter sido entregue a uma
ama, aos cuidados de quem ficou até passar para a Casa de Verdemilho em Aradas, Aveiro,
a casa da sua avó paterna. Nessa altura, foi internado no Colégio da Lapa,
no Porto, de onde saiu em 1861, com dezasseis anos, para
a Universidade de Coimbra, onde estudou Direito. Além do escritor, os
pais teriam mais seis filhos, mas Eça foi sempre preterido por sua mãe.
É como nós dizermo-nos angolano do Bengo,
quando na verdade nascemos “vianense-mazarefense” do Lima, não em qualquer
Maternidade, mas em casa de nossos avós maternos (assistido pela “tia Albertina
do Brás” a quem chamavam de parteira), ao tempo em que já havia Conservatória
do Registo Civil em Viana do Castelo.
Ironias do destino? Talvez!
(In, Amanhecer das Neves (Viana do Castelo), N.º 362, junho de 2023)