Thursday, December 29, 2016

FÉNIX RENASCIDO?



Nestes últimos dias do ano de dois mil e dezasseis (2016) impõe-se da nossa parte uma obrigatória justificação para a nossa precipitada ausência, mas tal contratempo deveu-se a circunstâncias das fragilidades humanas. Depois de uma aparatosa, injusta e dolorosa queda, veio a circunstancial imobilização do braço direito [Acromio tipo I. Aspectos sugestivos de fractura da porção antero-inferior da glenoide escapular (...)].

Foto de Vasco Silva

Escrevíamos a grande custo com a mão esquerda, a 20 de Dezembro: Tal como o Fénix, esse pássaro fabuloso mencionado pela primeira vez por Heródoto, também nós lançamos fogo a maleitas no aconchego do nosso ninho, para que das cinzas nasça um novo Fénix, quiçá, em representação figurada ou literária da Pedra Filosofal e mítica do Grande Ano. Regressamos do Hospital da Luz, depois de exames complementares de diagnóstico e consulta, um pouco mais aliviados, mas ainda muito pouco convencidos. Imperioso regresso a 24 de Janeiro (do Grande Ano?) para novos exames complementares (RX Ombro – 2 Incidências) e nova consulta de Ortopedia com o Doutor Pedro Costa. Entretanto, a modo obrigatório, exercícios de circunstância de modo a que um novo Fénix possa nascer a fim de levar o antigo para Heliopolis. O ritual mágico da sobrevivência permanece. Antes Fénix que Abutre. Há dias e momentos assim!
      
       A TODOS OS NOSSOS AMIGOS, LEITORES E SEGUIDORES DESEJAMOS, DO FUNDO DO CORAÇÃO, QUE O MELHOR DE 2016 SEJA O PIOR DE 2017.

Monday, October 31, 2016

A estrutura dos mitos em Claude Lévi-Strauss!...

«Dir-se-ia que os universos mitológicos são destinados a ser pulverizados mal acabam de se formar, para que novos universos nasçam de seus fragmentos.»

Franz Boas

Nesta nossa deambulação cognitiva de hoje resolvemos abordar uma temática que nos é muito cara, principalmente quando, por circunstâncias da “douta ignorância”, enveredamos por desafio irrecusável. Embora não seja isso que se pretende, inevitavelmente a estrutura dos mitos acaba por se interpor aos objectivos pretendidos. Daí, a necessidade de nos estruturarmos na «Antropologia Estrutural» em Lévi-Strauss.
Para Lévi-Strauss, nas últimas duas décadas, a antropologia parece ter-se afastado cada vez mais do estudo dos factos religiosos. Esta situação veio abrir caminho a amadores – denominação de Lévi-Strauss – de diversas proveniências que se aproveitaram do facto para invadir o domínio da etnologia religiosa. E dá exemplos com Tylor, Frazer e Durkheim, que apesar de estarem atentos aos problemas psicológicos; mas, não sendo psicólogos profissionais, não podiam manter-se a par da rápida evolução das ideias psicológicas, e menos ainda pressenti-la: Suas interpretações passaram de moda tão rapidamente quanto os postulados psicológicos em que implicavam (Lévi-Strauss, 2003: 237-238). Segundo o mesmo antropólogo, para se compreender o que é um mito, tem-se que se escolher entre a trivialidade e o sofisma. E há duas formas de ver os mitos: 1 – Alguns pretendem que cada sociedade exprime, nos mitos, sentimentos fundamentais, tais como o amor, o ódio ou a vingança, que são comuns a toda a humanidade; 2 – Para outros, os mitos constituem tentativas de explicação de fenómenos dificilmente compreensíveis: astronómicos, meteorológicos, etc. Para Lévi-Stauss, somos obrigados a reconhecer que o estudo dos mitos pode conduzir a constatações contraditórias. Tudo pode acontecer num mito; parece que a sucessão dos acontecimentos não está aí sujeita a nenhuma regra de lógica ou de continuidade. Qualquer sujeito pode ter um predicado qualquer; toda a relação concebível é possível (Lévi-Strauss, 2003: 239). Se queremos perceber os caracteres específicos do pensamento mítico, devemos pois demonstrar que o mito está, simultaneamente, na linguagem e além dela. Saussure, por exemplo, mostrou que a linguagem ofereceria dois aspectos complementares: um estrutural, o outro estatístico; a língua pertence ao domínio de um tempo reversível, e a palavra, ao domínio de um tempo irreversível. Ao distinguir-se assim a língua e a palavra por meio dos sistemas temporais aos quais cada uma pertence, poder-se-á afirmar que um mito diz respeito, sempre, a acontecimentos passados: “antes da criação do mundo”, ou “durante os primeiros tempos”, em todo caso, “faz muito tempo” (Lévi-Strauss, 2003: 241).


A substância do mito não se encontra nem no estilo, nem no modo de narração, nem na sintaxe, mas na história que é relatada. No fundo, o mito é linguagem; mas uma linguagem que tem lugar em um nível muito elevado, e onde o sentido se autonomiza de forma “fracturante” do fundamento linguístico sobre o qual começou a emergir. Assim, Lévi-Strauss equaciona três conclusões provisórias: 1 - Se os mitos têm um sentido, este não se pode ater aos elementos isolados que entram em sua composição, mas à maneira pela qual estes elementos se encontram combinados; 2 - O mito provém da ordem da linguagem, e faz parte integrante dela; entretanto, a linguagem, tal como é utilizada no mito, manifesta propriedades específicas; 3 - Essas propriedades só podem ser pesquisadas acima do nível habitual da expressão linguística; dito de outro modo, elas de natureza mais complexa do que as que se encontram numa expressão linguística de qualquer tipo (Lévi-Strauss, 2003: 242). Dessas três conclusões construímos duas consequências de elevada importância: 1.ª O mito, como todo o ser linguístico, é formado de unidades constitutivas; 2.ª Tais unidades constitutivas implicam a associação daquelas que estruturam a língua: os fonemas e os morfemas.
Poderemos também atribuir que as verdadeiras unidades constitutivas do mito não são as relações isoladas, mas feixes de relações, e que é somente sob a forma de combinações desses feixes que as unidades constitutivas adquirem uma função significante: o mito é formado por unidades constitutivas (na língua, os fonemas) que manifestam propriedades específicas – os “mitemas”; estes não são relações isoladas, mas “feixes de relações”, que só adquirem função significante sob a forma combinatória; não há, assim, significados precisos directamente conectados com certos temas mitológicos. Segundo Lévi-Strauss dá agora para compreender porque é que muitos estudos de mitologia geral produziram resultados desalentadores. Os comparativistas, para começar, quiseram seleccionar versões privilegiadas em vez de as considerar na totalidade. Depois, a análise estrutural de uma variante de um mito recolhido numa tribo e, às vezes, até numa aldeia pode apresentar um esquema de duas dimensões. Tudo isto porque há um desconhecimento dos sistemas de referência multidimensionais que qualquer estudo de mitologia geral, efectivamente exige (Lévi-Strauss, 2003: 253). Perguntou-se muitas vezes porque os mitos, e mais geralmente a literatura oral, usam tão frequentemente a duplicação, triplicação ou quadruplicação de uma mesma sequência. Para Lévi-Strauss, a repetição tem uma função própria, que é de tornar manifesta a estrutura do mito.
      Outro factor importante é que os sociólogos, que colocaram a questão das relações entre a mentalidade dita “primitiva” e o pensamento científico, resolveram-na, geralmente, invocando diferenças qualitativas no modo pelo qual o espírito humano trabalha aqui e acolá. Mas não puseram em dúvida que, em ambos os casos, o espírito se aplicava sempre aos mesmos objectos. Numa analogia ao que os tecnólogos se aperceberam: um machado de ferro não será superior a um machado de pedra porque um seria “mais bem feito” que o outro (ambos são igualmente bem feitos, mas o ferro não é a mesma coisa que a pedra), Lévi-Strauss afirma que talvez descobriremos um dia que a mesma lógica se produz no pensamento mítico e no pensamento científico, e que o homem pensou sempre do mesmo modo. O progresso – se é que então se possa aplicar o termo – não teria a consciência por palco, mas o mundo, onde a humanidade dotada de faculdades constantes ter-se-ia encontrado, no decorrer de sua longa história, continuamente às voltas com novos objectos.

Tuesday, October 25, 2016

O «entre mim & eu» em Márcia Passos!...

«A sua poesia, os seus poemas, são o eco do seu interior, são a objectiva do seu olhar… Ciente dos condicionalismos que a cercam, não se deixa abater e vai tentando tirar as pedras do caminho…»

Conceição Lima

Quando nos propomos em falar da consciência, enquanto conhecimento que qualquer ser humano possui dos seus pensamentos, dificilmente poderemos misturar o estado imediato ou espontâneo, que nos remete para a simples presença de nós perante nós mesmos, no momento em que pensamos, sentimos e agimos, com as debilidades físicas ou ilusórias dos nossos desejos e representações. Não é por acaso que muitos dos filósofos defendem que em todos os casos, a consciência é sempre igualmente consciência de si, tendo em conta a possibilidade que tem de se desdobrar sobre si própria. Para pensarmos o mundo que nos rodeia, não temos que necessariamente apelar à mobilidade física. Como diria Pascal nos seus Pensamentos: «O homem não é mais de que um junco, o mais fraco da natureza, mas é um junco pensante», levando-nos à “certeza” de que a consciência reflecte a essência do ser humano e se faz a sua miséria, mas constitui também a sua grandeza.
Toda esta “retórica” inicial para repudiarmos a velha pseudociência da “fisiognomia” assumindo, porque não, uma espécie de “vingança do espírito sobre a matéria”. Vem isto a propósito desse ser maravilhoso (de te fabula narratur) que se dá pelo nome de Márcia Filipa Barbosa Passos, com translações iniciadas, na cidade de Viana do Castelo, a 24 de Julho de 1995, cujos diagnósticos físicos a relevam para a circunstancial condição de ser uma jovem portadora de paralisia cerebral, lesão esta decorrente de um trauma obstétrico e que a deixou com graves sequelas a nível motor e de fala.


É esta mesma Márcia Passos, finalista do Curso Superior de Gestão Artística e Cultural (sonho concretizado e com perspectiva de estágio a curto prazo), que desde muito cedo, a forma mais clara que ela tinha de comunicar, de maneira a que a fosse entendida, era através do que escrevia; talvez daí o profundo gosto pela escrita, o seu maior escape, nos bons e maus momentos. E se um dia sonhou (em) escrever um livro, como forma de consciência como intencionalidade, fornecedora de sentido, se eventualmente o sentido for reconhecido como aquilo que faz um SER maravilhoso como a Márcia orientar-se para algo, que a transcende e a projecta para o futuro, «entre mim & eu» resulta da “não interioridade”, nem “coisa”, mas exterioridade, “relação com…”, intencionalidade: «Escrever é um escape que toda a alma perdida procura, / Escrever é encontrar água no deserto, / Um oásis ali, bem perto. / Escrever é deitar a cabeça na almofada / E sonhar, com palavras e letras a alma a cantar…» (p. 11). Até mesmo a aparente “tristeza literária”, apazigua-se com os desabafos da alma e do coração, porque fala de presença, testemunho, gratidão, sombras e passos, eternidade, palavras e argumentos: «…E eu, / Agora, / Sou mais e menos / Do que a sombra que atormenta / A escuridão. / Quem sou? / Apenas destino / Esculpido / Pelo correr do tempo (p. 15). A consciência como fundamento do conhecimento intemporal, transparência do SER perante si mesmo. Nada há de pura coincidência de si para consigo.
O SER maravilhoso em Márcia Passos transfigura-se e suplanta-se às fragilidades, porque é sol, menina e mulher, guerreira. Conscientemente guerreira: «…Quero que, quando morrer, / Ninguém chore, / Não quero flores / Nem fotografia na minha campa, / Porque… / Os ventos sopram, / As árvores abanam, / Os rios correm, / E verão que / A Vida / Está dentro da vida. / Quando morrer…» (p. 18). Sentido de vida para além da vida, numa convicção de que «A Morte dói, / Mas nunca me matará.» (p. 19). Não é para qualquer guerreira, menina-mulher, ter a “consciência” das debilidades templárias (enquanto transporte “de anima”) e afrontar a dor sem deixar de sonhar, a essência de quem vê mais longe: «Escreve sobre mim, / Escreve o destino, / Porque os traços imperfeitos do teu corpo / Já eu os sei de cor. / Escreve e cala-te, / Devora em silêncio os meus livros, / Pequenos regaços teus, / A natureza não pede mais nada do que somente / Os abraços, silenciados pelos momentos…» (p. 26). A sublimidade poética, sem aparências ou dissimulações, em Márcia Passos, faz da poesia, ainda que ela o questione, traços delineados na pele, processamento do poema, vida escrita, onde o amor nasce no regaço dos nossos peitos: «O amor esconde-se / Nos regaços, / Onde os abraços são afagos / Para acalmar o nosso rio, / E dar luz ao instinto, / Dar alma às palavras reveladas / Que saem e que falam de amor…» (p. 39).
Por contraditório à nossa formalidade de princípio, quando achamos que é um atentado explicar poesia e não senti-la (afrontando à boa maneira aristotélica, “o contingente opõe-se ao necessário”), ficar-nos-emos pelo predicado real que só pode ser entendido como um ser contraposto ao ser aparente. O que não é o caso de «entre mim & eu» em Márcia Passos, por onde perpassam passaportes para o quotidiano; mar dos poetas onde pescadores perdem vidas; mitos que permanecem; luzes e sombras; gritos em silêncio; liberdades que (nos) fazem esquecer as amarras do passado: «Liberdade é ler os livros que ninguém lê, / Olhar nos olhos de outro alguém, / Não ser perfeito, somente fazer o que lhe convém. / É livre quem nasceu para viver. / E quem, até por justa causa, / Não tem medo de morrer.» (p. 49); sopros do adeus; hinos à Mãe pela pena da “menina dos olhos tristes”; saudades; música para adormecer; lençóis íntimos das palavras: «…Aqui está o Entre Mim e Eu, / Só entre mim e eu é que escrevo, / Comigo não há mais nada na alvorada do dia, / Pois estou só, guiada pela mão da Poesia.» (p. 71); e formas de ser feliz. Tal como a Márcia, “Hoje, oiço o poema / De uma menina que tudo faz / Para ser Feliz.” Sabemo-lo e sentimo-lo, porque “de anima” (emanação quente pela qual foste criada) de mulher, em corpo de menina.
        Nota máxima!

Friday, August 19, 2016

«Correlhã: outros tempos»: a humildade com elevação!...

«A leitura deste livro conduz-nos por um percurso: os seus monumentos, a sua arte, as suas gentes, as suas relações de diálogo, de dependência e independência, as suas lutas, as suas vitórias, os seus trabalhos, as suas lendas… a sua trama na construção da sua identidade…»

Pe. Dr. José Correia Vilar

Nem sempre o que nasce de circunstâncias pomposas ostenta os predicados necessários à proposição de uma realidade verdadeira. Por “defeito” de formação habituamo-nos a olhar e a sentir a “Verdade” em dois sentidos: No primeiro caso por se tratar de uma preposição que é verdadeira diferentemente de falsa; e no segundo caso por se tratar de uma realidade que é diferentemente de aparente, ilusória, irreal, inexistente, etc. Assim acontece com os livros, com os documentos e com outras realidades físicas. Tal como os filósofos gregos, que não se ocuparam apenas da verdade como realidade, ainda continuamos a procurar a verdade face à falsidade, à ilusão e à aparência.
Mas, vamos ao que interessa, tendo em conta que este presumível “relambório cognitivo”, muito nosso, se desprendeu para uma realidade afectiva e de gratidão. Recebemos uma “despretensiosa” publicação em livro da Fábrica da Igreja de S. Tomé da Correlhã, com o título «Correlhã: outros tempos», cujos autores são Manuel da Fonte Rodrigues Alves e Amândio Amorim de Sousa Vieira. E quando dizemos “despretensiosa”, imprimimos-lhe a humildade e a modéstia latentes em seus autores com as quais estamos longe de concordar, já que as coisas que muitas vezes parecem “insignificantes” fazem a perfeição, mas a perfeição não é forçosamente uma insignificância. E se lhe imprimirmos o altruísmo (sabemo-lo com que empenho os autores se integraram à feitura desta obra), o valor das coisas que temos em mãos deixa de ser aparente, ilusória ou irreal, para se lhe acrescentarmos a elevação.


Seguindo uma cronologia bem estruturada, diríamos até cientificamente irrepreensível, «Correlhã: outros tempos» toca nos pontos essenciais ao conhecimento deste espaço geográfico, cujo passado riquíssimo deixou marcas profundas na comunidade e nas pessoas como nós – que rebuscamos e nos apaixonamos pelo património (material e imaterial) –, marcas essas que no dizer e sentir da sua Presidente da Junta de Freguesia, Fátima Oliveira, «são o testemunho legatório do passado que nos cabe conservar, interpretar e contextualizar para permitir que se aceda ao mesmo, física, espiritual e emotivamente». Pensamos que esta é uma apreciação cirurgicamente realista, verdadeira e objectiva, como o livro que ora nos chega às mãos.
Manuel da Fonte Rodrigues Alves e Amândio Amorim de Sousa Vieira, sem se aparaltarem a preceito, calçando as “tamancas” da cognição, acabam por prestar um excelente serviço à cultura e identidade regionais, muitas vezes ostracizadas por pseudo-intelectuais de “alpercatas e pingalim”, que mais não fazem, nada fazendo. De uma forma simples mas objectiva, este “livro-roteiro”, proficuamente ilustrado, leva-nos até à memória dos tempos e do tempo que está para lá dos tempos.
Através de «Correlhã: outros tempos», Manuel Alves e Amândio Vieira ajudam-nos a viajar ao tempo dos Castros; dos invasores de Roma (130/137 a.C.); da Villa Corneliana; da moeda de ouro encontrada nas Veigas da Correlhã (589); da presença dos Muçulmanos (711); da conquista da Correlhã aos mouros (910/914); da entrega da Correlhã por D. Ordonho II à Igreja de Santiago de Compostela, em troca de 500 moedas de ouro, que seu pai tinha doado a S. Tiago (915); da devastação da Villa Corneliana pelos Normandos (1024); da autorização, por parte de D. Fernando I, Rei de Leão, a povoar de novo a Correlhã (1061); da confirmação da doação da Igreja e Villa Corneliana a Santiago, por D. Fernando I (1064); de D. Teresa e D. Henrique, quando confirmam a vontade de D. Fernando I, avô de D. Teresa, e protegem os habitantes da Villa Corneliana (1097); da Correlhã e o Pio Latrocínio (1102); da Correlhã no meio das disputas entre Braga e Santiago (1110); do ano em que a Correlhã recebeu Foral das mãos do Bispo de Santiago, D. Diogo Gelmires, confirmado no mesmo ano por D. Teresa (1120); dos limites no Foral da Vila de Ponte com a Villa Corneliana (1125); da construção da Igreja Paroquial da Correlhã (1132); da referência à Ermida de Santo Abdão nas Inquirições de D. Afonso II (1220); da confirmação da Correlhã, por D. Dinis e D. Afonso IV, a Santiago (1324/1335); do fim dos 511 anos de ligação a Santiago (1426); da Correlhã, Couto da Casa de Bragança (1426); da doação da Correlhã pelo Rei D. Duarte a seu irmão D. Afonso, Conde de Barcelos (1433); da relação e vida difícil dos habitantes da Correlhã com a Casa de Bragança (1489); da Correlhã e o processo para o Foral Novo, no reinado de D. Manuel I (1511); do nascimento do Beato Francisco Pacheco (1566); da construção da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte (1695); da Capela de Santa Abdão e um zeloso Visitador (1750); da Correlhã e as Invasões Francesas (1809); da extinção do Couto, passando a Correlhã da Casa de Bragança para o Concelho de Ponte de Lima (1836); e da Correlhã como dona do seu futuro, 921 anos depois da doação a Santiago.
De realçar a extensa bibliografia (e créditos das imagens), o que vem a demonstrar a seriedade intelectual dos autores, onde despontam nomes como Alberto Sampaio, António de Magalhães, António Brandão (Frei), Adelino Tito de Morais, Alexandra Esteves, António Carvalho da Costa (Pe.), Carlos de Azeredo (Brigadeiro), Conde de Bertiandos, Conceição Norberto, Darlindo Oliveira, Figueiredo da Guerra, José Mattoso, José Rosa Araújo, João Gomes de Abreu, José Augusto Vieira, João Chrysostomo Correa Guerreiro, José de Sousa Amado, José Manuel Marques, Luiz Cardoso (Pe.), Miguel Roquedos Reys Lemos, Miguel de Lemos, Manuel Dias (Pe.), Manuel de Aguiar Barreiros (Cónego), Manuel Inácio Pestana, Pinho Leal e Rui Quintela. Acresce a recorrência ao Foral de D. Teresa, Ilustração Portuguesa, jornal “O Commercio do Lima”, “O Grande Livro dos Portugueses” e jornal “Cardeal Saraiva”.
Terminaremos com uma citação de Manuel Inácio Pestana: «…comprovação de que no Couto da Correlhã não havia pessoas vadias, nem mal procedidas, todos os seus habitantes vivendo do seu trabalho (11.01.1757).» Tal como noutros tempos, assim se mantem a “trajectória da actuação de uma notável comunidade, marcada pelos seus desejos, aspirações e anseios” – citamos Fátima Oliveira. Estamos em crer que sim.          
         Gostamos, aplaudimos e registamos com apreço!

Saturday, August 13, 2016

Apresentado o Volume V do «A Falar de Viana»!...

É sempre difícil falarmos de algo em que estejamos envolvidos, mas também não o poderíamos deixar de o fazer, já que se não o fizéssemos – desculpem-nos a redundância da conjugação verbal – funcionaria (e tem funcionado) a ostracização e a inveja, aquele tipo de homenagem que, no dizer de Puisieux, a inferioridade tributa o mérito. Sim, o Volume V, Série 2, 2016, está aí para anunciar as Festas da Senhora da Agonia: «Há cinco anos consecutivos que temos vindo a assumir a responsabilidade da coordenação desta publicação, cuja extraordinária receptividade acaba por exigir de nós uma maior entrega, rigor científico e respeito pela qualidade dos colaboradores e crescente instância dos leitores. Temos consciência desta realidade, face às inúmeras mensagens de incentivo que nos têm chegado e do aumento da procura desta publicação, quer por entidades culturais, agentes do ensino superior e secundário, quer mesmo por gente anónima. Nem sempre tem sido fácil esta árdua tarefa, já que o grau de exigência por nós definido se foi tornando cada vez mais elevado. Falar da importância do panorama histórico-cultural da nossa cidade e da própria região, com trabalhos inéditos em prosa e em poesia, numa linha não menos exigente de contribuirmos para a divulgação e até promoção da história, da antropologia, da etnografia, da arte e da religião, sem esquecermos as vertentes literária e turística, obriga-nos a uma redobrada e cuidadosa atenção para com os colaboradores e um profundo respeito pelos leitores. A Falar de Viana continua, por assim dizer, mesmo com o risco de nos tornarmos repetitivos, intimamente ligada às Festas de Nossa Senhora da Agonia, com o único propósito de reforçar um ancestral sentimento popular de exaltação e expressão de arte e fé, que pela sua dinâmica, já há muito extravasou as fronteiras da região e do país. Continuamos crentes que este número, tal como os anteriores, irá corresponder às expectativas criadas em torno desta publicação. Este é, e será, o móbil da nossa afectação» – disse-o Rui A. Faria Viana em nome dos dois, no dia da apresentação que ocorreu pelas 21h30 do dia 28 de Julho (Quinta-Feira), na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo.


Sem grandes rodeios, dado que seria incomportável fazer aqui uma retrospectiva minuciosa acerca dos conteúdos do presente volume, apenas enunciaremos os autores e os títulos, por forma a despertar o interesse dos possíveis leitores. Este volume abre com a MENSAGEM do Presidente da Comissão de Honra, Francisco Seixas da Costa. Segue-se a SAUDAÇÃO do Presidente da Comissão Executiva da Viana Festas, Francisco Sampaio.
Em MEMÓRIA, e como vem sendo habitual, abre com dois trabalhos: um de Rui A. Faria Viana (Coordenador Geral da publicação), intitulado «Os vianenses e as festas de 1916», e outro, dentro da mesma linha, numa perspectiva de memória de há cem anos, de Bernardo Silva Barbosa, «As Festas d’Agonia de 1916 descritas no Aurora do Lima».
Em REGISTO, apresenta-se um trabalho sobre “A Brigada do Minho”, publicado na – e sob a responsabilidade da redacção da revista – «Ilustração Portugueza», II Série, N.º 650, 5 de Agosto de 1918; um segundo trabalho, em português, francês, inglês e alemão, do Conde d’Aurora, publicado na revista «Sol», do Verão de 1968, com o sugestivo título “Viana da Foz do Lima”, e um “cliché de Vasques”, publicado na «Ilustração Portugueza», II Série, N.º 420, 9 de Março de 1914, p. 314, com a seguinte legenda: «As Ser.as D. Maria Francisca Machado, D. Jeronima Rosa Machado, D. Joaquina Mariana Machado, D. Elvira Severina Machado e as meninas Joana Maria Machado e Sofia Alexandrina Machado, filhas do sr. dr. Bernardino Machado, vestidas à moda do Minho».
Em ANTOLOGIA POÉTICA, é-nos revelada a inspiração poética de Carla Mesquita com “Prece a Viana do Castelo”; de Eugénio Monteverde com “Ti Manel não vem à festa”; de Euclides Rios com “Um poema é a mordoma da Senhora d’Agonia”; de Fernando Castro e Sousa com “A Saga”; de Luís Pedro Viana, pseudónimo literário e artístico de Firmino Moreira da Cunha, com “Dos Da Do” e «Medo de mim!»; de Boaventura Rodrigues Silva com “A Viana do Castelo”; e, de Francisco Carneiro Fernandes com “Viana”.
Em COLECTÂNEA, tendo sempre em conta a cronologia temática, começamos com Paulo Gomes, que nos leva a «Celebrar a Agonia com Festa»; Vasco Gonçalves, abordando o «Olhar a Romaria de Nossa Senhora d’Agonia em três tempos (três romagens ao santuário)»; Torres da Costa, focando «A Virgem Maria na poesia religiosa»; José Cruz Lopes «A paisagem vianense no cartaz contemporâneo das Festas d’Agonia 2003-2016»; Marlene Azevedo e Ana Filomena Curralo apresentam-se com o objectivo de demonstrarem o conceito de «património visual vianense» e a sua ligação com os cartazes da romaria de Nossa Senhora da Agonia; Henrique Rodrigues fala-nos da «Festa e o Artesanato: criatividade de uma designer-artista de Viana», de seu nome Conceição Trigo; Isabel Teixeira com «A Arte Popular nas Festas (Segundo quartel do século XX) A Romaria das Romarias»; Manuel Rodrigues Freitas com o «Ouro no Cancioneiro Popular»; José Rodrigues Lima com «“Arte Minho” com prémios de traje de noiva e lenços de namorados»; Porfírio Pereira da Silva (Coordenador Editorial) com «Gigantones e cabeçudos: um património vianense na escola e no artesanato»; Álvaro Campelo com «Da mortificação do corpo sadio à exibição do corpo monstruoso»; António Matos Reis com «Quando a História saiu à rua…»; Mota Leite com «As Festas da Senhora d’Agonia na memória das Gentes do Vale do Neiva»; Artur Coutinho com «A Falar de Viana»; Américo Carneiro, dentro da linha a que já nos vem habituando, proficuamente ilustrado com trabalhos da sua autoria, desta vez dedicado à figura do «1.º Conde de Viana, D. Álvaro Pires de Castro»; Artur Anselmo, com o título «Bernardino Machado, Júlio de Lemos, José Maria Rodrigues e a Academia das Ciências»; David Rodrigues com «Cláudio Basto na revista Lusitana: “Cartas de Amor populares”»; António José Barroso com «João da Rocha: um desconhecido vianense»; Manuel Inácio Rocha escreve sobre o escorço biobibliográfico acerca de «Frei Bartolomeu dos Mártires»; Maria do Sameiro Rodrigues Lima com «Arquiteto Miguel Ventura Terra: 150 Anos de História»; Sebastião Pires Ferreira com «D. Maria Olímpia Pinto da Rocha: da percepção de “5 réis de gente” à preconização de uma “Grande Senhora”»; Matias de Barros com o pequeno apontamento «Recordando Sebastião Pires, residente nas Neves e falecido a 25 de Março de 1964»; Casimiro Puga com «Figuras Afifenses: Eliseu Júlio Pereira de Lemos – “Lugar da Bandeira, Santa Cristina de Afife”»; Ricardo Simões, com o sugestivo título «O Teatro do Noroeste faz 25 anos e vai à romaria!»; António Rodrigues França Amaral com «Viana e o seu Município: ontem como hoje»; António Martins da Costa Viana, com o título «Canos da Água da Fonte [Dabade], em Areosa, para o Colégio das Chagas, em Viana»; Gonçalo Fagundes Meira com «ENVC – Momentos de Glória: A construção do navio “Lobito”»; Manuel Oliveira Martins com «Dois grandes naufrágios no início dos séculos XX e XXI»; João José Teixeira de Passos com um trabalho sobre o «Lugre Senhora das Areias e a sua arribada a Leixões»; Horácio Faria com «A bandeira bordada da Brigada do Minho, na I Guerra Mundial»; José Escaleira, com o título «Contributo para a análise do impacto da economia de guerra, em Viana do Castelo, durante o período da 2.ª Guerra Mundial»; Domingos da Calçada com «Histórias Antigas: Velharias do Mosteiro de Carvoeiro – da história à tradição e ao burlesco»; e, por fim, Reis Ribeiro com «Escola: Liberdade, justiça e diálogo».
O presente volume, e como vem sendo habitual, termina com a “Reportagem 2015”; programa da “Romaria da Sr.ª d’Agonia 2016”; publicidade; e “Índice”.
         Boas leituras!

Friday, July 29, 2016

«Luzes de muito brilho» em Cláudio Lima!...

«Ginzo do Lima, a raiana,
Da Galiza amena aldeia,
Onde o rio principia
A sua vida serrana,
O nome deu ao mortal
Que, longe da penedia,
Vem morrer, beijando a areia
Às praias de Portugal…»

António Ferreira

À parte de alguns devaneios menos comedidos no “acto solene” da apresentação do mais recente livro de Cláudio Lima, «Luzes de muito brilho: Figuras e temas limianos», para os quais em nada podemos assacar a este magnífico escritor e poeta, temperamos a nossa circunstancial indisposição (Ó maldita hérnia-discal!) com a certeza que se “nuestros hermanos” fechassem o caudal do Lima – tamponando-o a conta-gotas –, a partir da Barca e até à foz estaríamos a beber da água do Vez e, na ponta final, quiçá, da Ribeira de S. Simão da Junqueira de Mazarefes, que foi Couto com posse acrescida em Terras de Paradela, banhadas pelo mesmo rio que nos viu nascer, apesar de a partir das três translações passarmos a beber água do “Bengo”.


Devaneios nossos também à parte, jamais nos deixaremos condicionar por imperativos de acantonamento, principalmente quando os escritores, ao atingirem determinado patamar, se extravasam para lá da condição de “meninos do rio”. Esse é o caso de Cláudio Lima, o menino Manuel da Silva Alves, de Calvelo, que cedo se aventurou por outras paragens até atingir a maturidade intelectual e prosperidade na adversidade, resignando-a. E se Montapert o disse que «o homem é corpo, intelecto, espírito, e tudo isso deve evoluir paralelamente para uma vida bem-sucedida e equilibrada», Cláudio Lima, porque não vive da ociosidade, já há muito que se libertou da ferrugem que consume mais que o trabalho. Isto, se tivermos em linha de conta que a ociosidade é como a ferrugem. Tal como um dia escreveu José Hermano Saraiva, «uma chave de que todos os dias nos servimos, anda sempre limpa e polida», Cláudio Lima é essa chave que, a par de outras, não necessita de rotulações maiores para ser um dos maiores entre os maiores. Sancta simplicitas!
Falando agora do «LUZES DE MUITO BRILHO: Figuras e Temas Limianos», estaremos em dizer que temos entre mãos mais uma magnífica – estético-literariamente falando – obra de Cláudio Lima. Ainda que o seu conteúdo seja o resultado da recolha de uma série de pequenos textos de ensaio ou intervenção, proferidos e/ou publicados “em vários momentos e afectos a várias celebrações, tendo por nexo estrutural o simples facto de abordarem temáticas limianas. Como configuram uma sequência dos trabalhos coligidos em Um rio de muitas luzes (2005) confiro-lhes agora um título de feição sequencial: Luzes de muito brilho.” – citamos de “breve nota” do autor.


A metáfora da LUZ, com capa (extensiva à contracapa) extraordinariamente bem conseguida, do grande artista da imagem Amândio Sousa Vieira, confere-lhe o lado místico ou metafísico, à boa maneira platonista: «o Bem está para a inteligência e para o inteligível, no mundo da realidade inteligível, como o sol para a vista e para o visível, no mundo da realidade visível» (República, 508c). As alegorias da linha e da caverna convergem no aprofundamento da metáfora da LUZ, sendo que em Cláudio Lima funciona como fonte ou factor de conhecimento, de memória e de expressão (ou manifestação escrita) da verdade. Preferimos a “Luz de muito brilho” à metáfora dos “faróis” em Baudelaire.
Apesar de Vasco Rodrigues de Calvelo, Domingos Tarrozo, António Feijó, Campos Monteiro, Queiroz Ribeiro, João Marcos, António Manuel Couto Viana, Luís de Sousa Dantas, entre outros, serem os faróis que brilham acima do tempo e que continuarão eternamente sendo objecto de admiração, de estudo e de inspiração para todos os artistas, Cláudio Lima imprime-lhes uma Luz própria, peculiar até, num ritmo alucinante e uma linguagem profundamente melodiosa. Sim, concordamos com expressão de “autor imparável”, e ainda que nos tornemos repetitivos no decalque, fazemos nossas as palavras escritas de Maria de Lourdes Brandão: «Cláudio Lima escreve com o coração. O acaso fez com que nascesse em Ponte de Lima. É português, nortenho, limiano até à medula, um homem fortemente ligado às suas raízes…». Plenamente de acordo. A sedução, a nostalgia, o amor profundo à terra que nos viu nascer e aos vultos que lhe dão corpo, palpitam e eternizam-se, através da saudável (porque bem construída) escrita de Cláudio Lima. «Faça-se a luz!» E a luz foi feita (2 Cor. 4, 6). Venham outras tantas luzes de muito brilho.
        NOTA MÁXIMA!

Saturday, July 23, 2016

Isabel Baraona expõe em Viana do Castelo!...

«As linhas, os nós, os fios, de Isabel Baraona que reflectem a fugacidade do movimento e do momento e acentuam a fixidez daquele movimento e daquele momento…»

Maria José Guerreiro

Isabel Baraona, nascida em Cascais em 1974, é licenciada em Pintura pela ENSAV-La Cambre (Bruxelas) e doutorada em Belas Artes pela Universidade Politécnica de Valência, Espanha, com uma tese sobre a diferenciação entre auto-retrato e auto-representação no século XX. Em 2013, no âmbito de um pós-doutoramento, foi bolseira da Universidade Rennes 2 (França) onde desenvolveu uma investigação que deu origem ao projecto Tipo.pt, um arquivo online sobre livros de artista e edição de autor em Portugal; sendo ainda co-editora de Portuguese Small Press Yearbook uma edição anual sobre o assunto. Nesse mesmo ano fez uma residência na Columbia College em Chicago, ao abrigo de uma colaboração informal e intermitente com o JAB – Journal of Artists’ Books desde 2011.
Em 2001 iniciou o seu percurso profissional com uma exposição individual intitulada mythologies tendo participado em diversas exposições individuais e colectivas, em Portugal e no estrangeiro.


É, desde 2011, uma das organizadoras de “o que um livro pode”, encontros anuais à volta dos livros de artista e edição de autor.
Rui A. Faria Viana, Chefe de Divisão da Biblioteca e do Arquivo Municipais de Viana do Castelo, responsável pelo projecto que há três anos tem evidenciado pela sua coerência e, também, pela sua consistência, tratando-se já da sétima edição, e se reflecte não só na estrutura das exposições como também nos próprios catálogos, começou por salientar o facto deste mesmo projecto se ter iniciado na Biblioteca Municipal, na Ala Jorge Amado, em Maio de 2013, com a exposição “diários de sombras” de Tiago Manuel (director artístico do mesmo projecto), seguindo-se em Janeiro de 2014 com a exposição “domador de imagens” de João Fazenda, em Julho do mesmo ano, com “desenhos atrás do espelho” de André Carrilho, em Janeiro de 2015 com “história natural com parafusos” de Luís Manuel Gaspar, em Julho com Cristina Valadas e a mostra designada “vida desenhada à mão”, em homenagem a Luísa Dacosta, em Janeiro deste ano com João Vaz de Carvalho e a exposição “ver com o desejo”, inaugurando-se no pretérito sábado, 16 de Julho, a exposição “a mão que desenha escreve a palavra” de Isabel Baraona, que se prolongará até ao dia 31 de Dezembro do corrente ano.


Tal como afirmou Tiago Manuel, exposições desta natureza revestem-se de um trabalho preciso para os professores e alunos, uma forma de aproximar os artistas das pessoas, estabelecendo o contraditório de quando se fala de Arte pensar-se logo nos museus, e olhar para os artistas como pessoas distantes, quando eles estão verdadeiramente ligados ao quotidiano. Referiu ainda que em Isabel Baraona há uma cartografia do corpo como liberdade, aspectos conceptuais que definem o artista. Em Isabel Baraona cada desenho é assertivo, tendo em conta que há gente dentro de cada desenho. Nela é uma indisciplina, uma violência e uma provocação.
Pedro Moura, a quem Isabel Baraona se referiu com carinho e profunda afectividade, considera-a uma artista egoísta, qual tom provocatório para desempoeirar o “direitinho dos alinhados”: «O egoísmo a que nos referimos não é o de Isabel Baraona, a pessoa, que apenas diz respeito a quem com ela conviverá, começando pela própria. É a da obra, e o seu nome enquanto metonímia dela. E esta exposição estende, pela sua diversidade circunstancial, um traço concreto dessa presença a que chamo “egoísta”, pois como a palavra quer na sua origem etimológica mostra-se uma perspectiva que parte de uma visão particular, ancorada num prazer pessoal…» – citamos e corroboramos na sua plenitude.
De facto, e seguindo o raciocínio lógico de Pedro Moura, também nós descobrimos que, nesse egoísmo de prática, o resultado é o convite de uma partilha. Não apenas dos desenhos, mas desses mesmos actos de travessia. E que no dizer de Maria José Guerreiro, “o gesto que se acentua, a linha que se aflora ou o risco que se sulca. E todo o nosso corpo se projecta nesse fio imaginário”. A obediência de Isabel Baraona ao comportamento próprio dos materiais que emprega... Uma exposição e uma artista que se recomendam.
A realçar ainda a presença afectiva, na inauguração da exposição «a mão que desenha escreve a palavra (obra gráfica editada em livros, jornais e revistas)», do escritor e seu particular amigo Valter Hugo Mãe.
       NOTA MÁXIMA!

Monday, July 11, 2016

Isabel e Guilherme Valadão: Angola revisitada em escrita de qualidade!...

«Ao cair da noite, os sons vindos da floresta eram mais vivos e tornaram-se quase ensurdecedores nalguns pontos do caminho. E conseguia distinguir alguns deles, como o latido dos cães e o uivar quase constante das hienas e, estranhamente, os de um batuque distante, rompendo a noite…»

Guilherme Valadão

Toda a gente sabe (ou devia saber) que Angola representa para nós um alicerce saudável na construção da nossa personalidade e sensibilidade inteligível, sem equívoco dos sentidos. E é nesse sentido (com os devidos pedidos de desculpa para a redundância) que nos aventuramos na leitura compulsiva, em tudo o que diga respeito à Angola da nossa infância e juventude, espaço temporal de gratas memórias, onde fizemos parte da paisagem; subimos às mangueiras, cajueiros, abacateiros; vimos pilar a mandioca, colher o café, chorar cantando ao som do batuque, porque acreditavam na vida para além da morte; talhar o marfim, pau-rosa e pau-preto (…). Aí nasceram nossos irmãos. Vimo-los crescer e com eles crescemos. Essa é a mística e a descompressão que ora nos vem pela leitura.
Hoje falar-vos-emos de dois escritores, que recomendamos vivamente, porque se nos oferece a condição objectiva para a dedução transcendental: Isabel Valadão nasceu na pequena vila de Paço de Arcos (Lisboa) mas, em 1951, com a idade de seis anos, foi para Angola, aí tendo vivido até 1975, pouco antes deste país se tornar independente. Acompanhando os pais no seu périplo angolano, passou por diversas regiões, desde Lobito a Malange, até se fixarem em Luanda, cidade onde viveu a adolescência, casou e onde nasceram as suas duas filhas – Margarida, nascida em 1968 e Teresa, em 1974. Durante alguns anos, foi analista química dos Serviços de Geologia e Minas em Luanda e secretária da revista angolana Notícias. Regressou a Portugal em 1976, depois de uma breve passagem pela África do Sul, onde a sua família se refugiou na sequência dos graves acontecimentos que antecederam a independência de Angola. Viveu em Macau, regressando definitivamente a Portugal em 1986. Cascais foi o local escolhido para se fixar e aí viveu durante mais de trinta anos. Licenciou-se em História da Arte na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Em privado, dedicou-se à investigação na área da Defesa e Conservação do Património, paralelamente à conservação e restauro de pintura. Como faz questão de dizer, vive na região saloia de Mafra, na companhia do marido (Guilherme Valadão), nove gatos e uma doce golden retriever chamada Daisy. Publicou, sob a chancela da Bertrand: Loanda – Escravas, Donas e Senhoras (2011); A Sombra do Imbondeiro – Estórias e Memórias de África (2012); Angola – As Ricas-Donas (2014).


Guilherme Valadão nasceu em Angola em 1940, por lá fez a sua formação escolar, passando pelo Liceu Salvador Corrêa de Sá, em Luanda, e pelo Colégio dos Irmãos Maristas, em Silva Porto. Fez a sua vida profissional a partir de Luanda, viajando em trabalho por todo o território e por vários países da África Austral, durante vários anos. Em 1966 casou com a Isabel de quem teve as duas filhas. Em 1975, pouco antes da Independência daquele território, e na iminência de ser preso pelo MPLA devido à sua proximidade pessoal a Joaquim Pinto de Andrade, refugiou-se na África do Sul onde foi acolhido pela Philips como auditor interno. Em 1977 chegou a Portugal com a família, onde se estabeleceu como mediador de negócios imobiliários. Passados dois anos, encerrou a empresa e foi viver para Macau os dez anos seguintes, estabelecendo-se com negócios ligados a obras públicas, representações e comércio. E nessa actividade viria a conhecer algumas regiões da China, incluindo Hong Kong, Cantão e Xangai, entre outras. Publicou, também sob a chancela da Bertrand, Era Uma Vez em Angola (2015), uma gota de água do que tem escrito ao longo dos últimos doze anos, entre prosa e poesia, e guardado. Este livro tem o mérito naquilo que a nossa Angola empresta a todos os seus filhos no esplendor da sua História, no feitiço das suas gentes e no encanto da sua geografia – conta a pequena odisseia de um miúdo zangado com o mundo, que atravessa o território em todos os sentidos, e em muitos povos se integra como qualquer outra criança a viver nas mesmas circunstâncias. Tal como um dia nos confidenciou Guilherme Valadão: «Ao longo das mais de setecentas páginas do livro completo, que vai de 1912 até ao ano da Independência, em 1974, conto a minha história e a da minha família até ao dia que fui obrigado a abandonar a terra onde nasci. Para trás ficavam as memórias e nos cemitérios os ascendentes dessa criança problemática, que se fez homem, por lá viveu os anos da guerra e os conflitos próprios da história dos povos. Por razões editoriais a parte publicada com este livro é apenas dos primeiros três ou quatro capítulos do manuscrito…».
Que dizer, então, da escrita de Isabel e Guilherme Valadão? Tão simples como isto: Literatura com alma. Forma nostálgica de respeito, neutralidade e, sobretudo, honestidade intelectual. É um sentir da africanidade, envolto por estórias e viagens enfatizadas pelo misterioso e maravilhoso, sem dissimulações ou leituras evasivas, feitas pelo ressoar dos tambores (batuques), dos quissanjes ou marimbas; manhãs de intenso nevoeiro na partida para o degredo; gente ruidosa à chegada, em subúrbios da cidade baixa, qual bairro “Ingombota” das quintandeiras, oleiros, pedreiros, sapateiros, latoeiros, contrastando com o cenário do bairro dos Coqueiros, no sopé da Fortaleza do Morro, que de Jesuítas se vestia; dos purgantes para limpeza dos intestinos; os acontecimentos automobilísticos; os lugares emblemáticos dessa Luanda das acácias em flor: a Livraria Lello, as pastelarias Paris, Versailles e Arcádia, os gelados do Baleizão, etc., etc… Conhecê-los será a próxima etapa de releitura, de estórias tão próximas das nossas, que, por certo, se fundirão com a história da nossa Angola e das suas gentes. Nem que seja através do «Era uma vez...», decalcado pelo sentir e pelo cheiro, vida sentimental, busca da felicidade, entre fidalgos, traficantes, degredados, escravos e “libertos”, donas e senhoras, sem esquecer o sagrado imbondeiro, árvore da sabedoria e vida, em paraíso onde nos era permitido proibir o proibido. De norte a sul do território, olhando para trás, escutando ruídos e vivendo, sentindo. Conversas intermináveis; “mata-bicho” e refeições condimentadas pelo charuto aceso e saboreado; abrindo caminhos pelas picadas em direcção às sanzalas, temendo cipaios; viagens mágicas, por sítios onde as águas dos rios e oceanos eram mansas e cristalinas, e o “céu era de um azul profundo e, lá ao longe, a uma grande distância daquele ponto, era já da cor do fogo porque o sol mergulhava naquele oceano distante”. Contrastes e memórias aguareladas, marcadamente saudáveis: «O meu filho nasceu hoje…». Terra onde tudo pegava de estaca!   
Nestes livros, lidos e relidos, será exigível os autógrafos, porque gostamos. A arte e a leitura pelo gosto, sem fretes, será sempre a única forma, nossa, de trocarmos horas de tédio pela alegria de permanecermos neste planeta. Esse será sempre o nosso “kukala kiambote ó kíua” e a única forma de nos libertarmos deste “psoríaco” obscurantismo, agarrando na palma das mãos a cor do fogo, de um sol diferente, tropicalmente diferente.
        NOTA MÁXIMA!

Friday, July 01, 2016

«Para lá de Bagdad» com Alberto S. Santos!...

«O espectáculo não poderia ser mais extraordinário. As ânforas, jarros e tinas de fogo grego apanharam os bersekeres e os ferozes guerreiros khazares que escalavam a muralha, ou se mantinham nas suas imediações totalmente de surpresa. Agoniavam, às dezenas, centenas, milhares, como diabos ardentes ambulantes, no meio de gritos lancinantes…»

Alberto S. Santos

Alberto S. Santos, escritor e político português, de seu nome completo Alberto Fernando da Silva Santos, nascido em Paço de Sousa, Penafiel, em 1967, esteve presentemente na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, para estar à conversa connosco. Licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, exerceu a Advocacia até 2001, altura em que passou a desempenhar funções autárquicas, como Presidente da Câmara Municipal de Penafiel até 2013, tendo antes sido vereador da mesma Câmara Municipal de 1993 a 1997, e membro da Assembleia Municipal, de 1997 a 2001.
Actualmente, para além de ter retomado a advocacia, é Presidente da Assembleia Municipal de Penafiel, Presidente da Assembleia Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa (CIM-TS) e Membro do Conselho da Administração da APDL (Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo).
Enquanto escritor, de salientar a publicação de quatro romances: A Escrava de Córdova (2008), editado também em Espanha e Países da América Latina, A Profecia de Istambul (2010); O Segredo de Compostela (2013); e Para lá de Bagdad (2016).


Apaixonado pelos livros e pela investigação histórica, comissário do prestigiado evento literário «Escritaria», Alberto S. Santos, para além de ter sido durante doze anos Presidente da Câmara Municipal de Penafiel, tem-se dedicado, ao longo da última década, à escrita. Para lá de Bagdad, com atrás referimos, é o seu quarto romance histórico, obra que traduz uma extraordinária envolvência sobre um dos momentos mais intrigantes da História da Idade Média, que dá a conhecer os alicerces de uma civilização ainda hoje tão deslumbrante quanto desconhecida. Segundo o historiador e romancista, João Pedro Marques, ler esta obra é ir das ruas de Bagdad às estepes do Volga, viajar do centro do mundo sedentário até à orla das terras nómadas, e fazê-lo com a dose de aventura, exotismo e suspense a que os romances de Alberto S. Santos já nos habituaram.
Tal como um dia disse Alberto S. Santos, e de certa forma o reforçou no «À conversa com…» do pretérito dia 24 de Junho, o facto de estudar o passado ajuda-o a compreende melhor o presente e a estar melhor situado no tempo em que vive. Essa é uma das vantagens, a vantagem de estudar e investigar o nosso passado comum ajudando-o a essa melhor compreensão e também permitir-lhe que através das histórias que conta, os leitores possam fazer também eles esse percurso e essa análise. Afirma também que nas suas investigações encontra muitas vezes personagens que o ajudam a compreender muitas pessoas que conhece hoje no presente. Lembra-se que quando estudava algumas cortes, nos palácios, mesmo nos islâmicos, nomeadamente em Córdova, para a escrita do seu primeiro livro, havia as figuras dos bajuladores oficiais. Chegou mesmo a ironizar: – Muitas vezes vejo pessoas que me fazem lembrá-los.


Para lá de Bagdad foi o mote para estarmos «À conversa com…» Alberto S Santos, naquela inesquecível noite de sexta-feira, 24 de Junho de 2016, na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, nosso espaço refúgio para um saudável contacto com os livros e seus autores. Nomeadamente daqueles que mais gostamos, sendo que Alberto S. Santos é, entre outros, um deles. Este seu quarto romance discorre magnificamente através de uma escrita escorreita, fortemente suada, porque assente em investigação meticulosa (fazendo transparecer na escrita e no diálogo/debate), recheada de uma dose, quanto baste, de aventura, exotismo e suspense. De facto, «sábio é o verdadeiro viajante que se move pelo mundo, capaz de descobrir todas as suas faces». Olhar o mundo através dos olhos Ahmad, quiçá de Alberto S. Santos, atravessando pontes e alcançando portas, muitas vezes escancaradas ao livre-arbítrio ou a filosóficas alegorias: «Não pareciam afectados com a derrota nem com a razia provocada pela batalha entre o grupo de viquingues. Os que sobreviveram poderiam continuar a festa durante o tempo de vida que lhes sobrava, enquanto os que foram mortos em combate estariam ainda mais honrados e felizes».
Assim é a viagem de Ahmad ibn Fadlan, emissário do califa, que parte de Bagdad para uma arriscada missão na Bulgária do Volga, na Rússia actual. Enigma para o autor, a causa-efeito que levaria Ahmad a deixar para trás os mestres e companheiros da Casa da Sabedoria, que erguerem a época dourada do Islão: «Ahmad recordou aos amigos as palavras do tio Nadir: um dos mais belos momentos da vida de um homem é o da partida para uma viagem distante, quando nos libertamos da rotina, da escravidão, do hábito e dos medos que nos oprimem; é como começar uma nova infância que nos plantará sementes de imaginação, de memória e de uma nova esperança…». Etapas, emoções, espelho, estado cognitivo-criativo do autor? Quiçá!
Final arrebatador: – Sim, uma mulher. Fala muito mal a nossa língua. Diz que veio de um país distante do Norte e traz um bebé que ela diz ser teu filho. Chama-se Astrud, conheces?!... Um livro e um autor que se recomendam, porque resultado de sementes de imaginação, de memória e de uma nova esperança, mesmo quando os sábios continuam a ser perseguidos e os livros queimados na “praça”.
        NOTA MÁXIMA!

Saturday, June 25, 2016

Cinema: “imagem-imóvel” versus “imagem-acção” e a relação entre elas!...

«Há uma diferença, em princípio, entre o registo de um movimento visual e as imagens imóveis da fotografia, da pintura ou da escultura. O filme é mais do que uma variante da imagem imóvel, obtida por multiplicação: é algo de novo e diferente…»

Rudolf Arnheim

Como na anterior crónica referimos, ao nos propormos reflectir e dar a conhecer a importância do cinema na vida e na cultura humanas, entendemos que a eternidade que o cinema inspira, elevando os olhos bem abertos nas gloriosas salas escuras (e não só), regista transformações profundas e de diversa índole no ecossistema audiovisual em que, pela natureza da sua linguagem, o cinema se integra. A nosso modesto ver, Nenhuma outra manifestação artística está tão intimamente ligada à evolução tecnológica como o cinema. Parafraseando Guilhermo Cabrera Infante «o cinema, que é a arte do século XX, é a única arte que nasceu de uma tecnologia… De todas as artes só o cinema se deve a um avanço da tecnologia». Pois, nenhuma outra forma artística foi (é) capaz de tão rápida e eficazmente se adaptar a novas situações, meios, gostos e públicos. Como arte que nos oferece um maior entendimento a exploração temática paira desde o sentido mais directo até ao mais imprevisível indirecto, construindo uma estrutura conceptual própria e uma linguística única.


Os mundos do imaginário ao mais real, os conteúdos e formas que exibe guindam o espectador, o realizador e os actores a entendimentos universais, difundidos a nível planetário. Por isso, conhecer a história do cinema, as suas fases evolutivas, os segmentos marcantes do seu desenvolvimento e os marcos da sua consolidação; interpretar o papel do cinema face ao aparecimento e afirmação da televisão; identificar os novos desafios que se colocam na actualidade a esta arte, nomeadamente, a formação e aculturação de mentalidades de públicos e opiniões e os cultos que potenciam e geram; entender o posicionamento desta indústria no contexto actual das artes e da estética enquanto manifestação humana, de sonhos, ilusões, sentimentos e ansiedades; e, compreender o papel da arte cinematográfica na personalidade individual e como catarse colectiva; acabamos por reconhecer a sua produção como acto de elevada capacidade criativa. Questionar e desenhar, filosoficamente, a futura vaga do cinema.
O que constitui o realismo, é simplesmente como isto: meios e comportamentos, meios que actualizam e comportamentos que encarnam. A “imagem-acção” é a relação entre ambos, e todas as variedades desta relação. É este modelo que faz o triunfo universal do cinema americano, ao ponto de servir de passaporte aos autores estrangeiros que contribuem para a sua constituição.
No meio distingue-se as qualidades-potências e o estado das coisas que as actualiza. A situação e a personagem ou a acção são como dois termos simultaneamente correlativos e antagonistas. A acção ela própria é um duelo de forças, uma série de duelos: duelo com o meio, com os outros, consigo. Por fim, a nova situação que sai da acção forma um par com a situação de partida. Este é o conjunto da “imagem-acção” ou, pelo menos, a sua primeira forma. Constitui a representação orgânica que parece dotada de fôlego ou de respiração. Porque ela dilata-se do lado do meio, e contrai-se do lado da acção. Mais precisamente, dilata-se ou contrai-se de cada lado, segundo os estados da situação e as exigências da acção. Neste tipo de “imagem-acção” desenvolvem-se um certo número de grandes géneros cinematográficos: o documentário, o filme psicossocial, o filme “noir”, o western e o filme histórico. As leis que regem a “imagem-acção” englobam a representação orgânica no seu conjunto, a passagem de situação a acção decisiva e a lei de Bazin ou da “montagem proibida”.
A “imagem-acção” inspira um cinema de comportamento, behaviorismo, visto que o comportamento é uma acção que passa de uma situação para outra, que responde a uma situação para tentar modificá-la ou de instaurar outra situação.
Este cinema de comportamento não se limita com o esquema sensorial motor simples, do tipo arco reflexo mesmo condicionado. É um behaviorismo muito mais complexo que tem essencialmente em conta factores internos. Com efeito, o que tem de parecer exterior, é o que se passa no interior da personagem, no cruzamento da situação que a impregna e de acção que vai fazer rebentar. É exactamente a regra do Actors Studio: só o interior é que conta, mas este interior não está para além nem escondido, confunde-se com o elemento genético do comportamento, que deve ser mostrado. Não é um aperfeiçoamento da acção, é a condição absolutamente necessária do desenvolvimento da “imagem-acção”. Esta imagem realista nunca esquece, com efeito, que apresenta por definição situações fictícias e acções simuladas. Na pequena forma conclui-se da acção para a situação ou para as situações.
A distinção de duas formas de acção é simples e clara em si mesma, mas as suas aplicações são complexas. Sabemos que as questões orçamentais podem intervir, mas não serem determinantes, visto que a pequena forma para se exprimir e desenvolver-se, tem necessidade de um ecrã largo, de décors e de cores magníficas, tanto quanto a grande forma.
É preciso determinar domínios de base em que a pequena e grande formas de acção manifestem simultaneamente a sua distinção real e todas as suas transformações possíveis. O primeiro é o domínio físico-biológico, que corresponde à noção de meio. Segue-se o domínio matemático que corresponde à noção de espaço e, em terceiro lugar, consideramos o domínio estético que corresponde à noção de paisagem.

Nota final: Ajudaram-nos nesta reflexão e na crónica anterior, autores como Rudolf ArnheimA Arte do Cinema. Trad. Maria da Conceição Lopes da Silva. Lisboa: Edições 70, 1989; Gérard BettonHistória do Cinema (Das origens até 1986). Trad. Maria Gabriela de Bragança. Mem Martins: Publicações Europa América, 1989; Doc ComparatoDa criação ao guião: a arte de escrever para cinema e televisão. Trad. Gabriela Alves Neves. Lisboa: Pergaminho, 1998; Gilles DeleuzeA Imagem-Movimento: Cinema 1. Int. e trad. Rafael Godinho. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004; Gordon GrahamFilosofia das Artes: Introdução à Estética. Trad. Carlos Leone. Lisboa: Edições 70, 2001; Andrew TudorTeorias do Cinema. Trad. Dulce Salvato de Meneses. Lisboa: Edições 70, 1985.