Tuesday, August 08, 2023

Eça de Queiroz nasceu em Viana da Foz do Lima?!...

«Havia na Ribeira de Viana, nessa altura, uma família de parteiras afamadas que viviam na esquina da rua do Loureiro com o Campo do Castelo. Uma delas apesar de não querer quebrar o segredo profissional, deu a entender por meias palavras que a mãe dela, parteira, tinha sido chamada para assistir ao misterioso nascimento de Eça de Queirós…»

Maria Augusta d’Eça d’Alpuim

(Os Eças: Memórias, 1992: 146)

 

José Maria EÇA DE QUEIROZ, considerado por muitos como o maior romancista português, gerado e nascido em Viana da Foz do Lima, do ventre de CAROLINA AUGUSTA PEREIRA D’EÇA, filha do Coronel José António Pereira d’Eça e de Ana Clementina de Abreu Castro, que nascera em Monção a 7 de agosto de 1826, e em 1845 vivia em Viana, com sua mãe já viúva, quando nasceu esse seu malogrado filho, fruto de amores que teve com o Dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz.


O nascimento do José Maria EÇA DE QUEIROZ foi de facto um caso que envergonhou a família, o que levou Carolina a entregar o filho ao pai, em segredo, para o criar, como prova a carta do Dr. José Maria Teixeira de Queiroz a Carolina, remetida de Ponte de Lima, com data de 18 de novembro de 1845: «Recebi a carta de meu pai que novamente me recomenda a criação de meu filho e se me oferece para mandá-lo criar no Porto, em companhia de minha família quando a senhora nisto convenha. Espero, pois, a sua resposta para nessa inteligência escrever a meu pai.

Ele me recomendou igualmente – e também o desejo – que no Assento do Baptismo se declare ser meu filho, sem, todavia, se enunciar o nome da mãe. Isto é essencial para o destino futuro do meu filho e para que, no caso de se verificar o meu casamento consigo – o que talvez haja de acontecer brevemente – não seja preciso em tempo algum justificação de filiação. Espero se ponha ao nosso filho o meu, ou o seu nome, conforme deve ser…» (Alpuim, 1992: 150).

Quatro anos mais tarde, mais concretamente a 3 de setembro de 1849, Carolina Augusta e José Maria Teixeira Queiroz casaram na igreja do Convento de Santo António, em Viana do Castelo, quando Eça de Queiroz tinha quatro anos, mas nem por isso o levaram para o lar que lhe pertencia. Entre o Assento de Batismo – o tal risco de as crianças serem registadas e batizadas, meses ou anos depois, em locais diferentes ao de nascimento, sempre de forma verbal por parte dos progenitores e não com documentos –, onde aparece como filho de José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz e de mãe incógnita, e o tempo presente, a Póvoa de Varzim e Vila de Conde, disputam a honra do seu nascimento, a primeira, porém, parece ter ganho e levantou-lhe um monumento.

Tal facto deve-se à afirmação mais conveniente de ter nascido numa casa da Praça do Almada na Póvoa de Varzim, no então número 1 ao 3 do Largo de São Sebastião (hoje Largo Eça de Queiroz), no centro da cidade, em casa de um parente de sua mãe, Francisco Augusto Pereira Soromenho, e em face da vergonha de seus pais não serem casados, preferiram que o batismo fosse realizado na Igreja Matriz de Vila do Conde, em vez da matriz local, muito próxima à casa, e fosse ocultado o nome da mãe.

Como escreveu a nossa inesquecível e prezada amiga Maria Augusta d’Eça d’Alpuim: «O próprio escritor disse um dia que era “um pobre homem da Póvoa de Varzim”, mas isso são liberdades literárias pois ele mesmo também disse que era de Aveiro». Com a agravante, diremos nós, de Eça de Queiroz nunca ter tido qualquer empatia ou aproximação da sua progenitora, em via de diversas contingências ter sido entregue a uma ama, aos cuidados de quem ficou até passar para a Casa de Verdemilho em Aradas, Aveiro, a casa da sua avó paterna. Nessa altura, foi internado no Colégio da Lapa, no Porto, de onde saiu em 1861, com dezasseis anos, para a Universidade de Coimbra, onde estudou Direito. Além do escritor, os pais teriam mais seis filhos, mas Eça foi sempre preterido por sua mãe.

É como nós dizermo-nos angolano do Bengo, quando na verdade nascemos “vianense-mazarefense” do Lima, não em qualquer Maternidade, mas em casa de nossos avós maternos (assistido pela “tia Albertina do Brás” a quem chamavam de parteira), ao tempo em que já havia Conservatória do Registo Civil em Viana do Castelo.

Ironias do destino? Talvez!

 (InAmanhecer das Neves (Viana do Castelo), N.º 362, junho de 2023)

Sunday, June 11, 2023

Estátua de David considerada material pornográfico?!...

«O autarca de Florença defendeu ser imperativo investir numa cultura baseada na "sabedoria e conhecimento” para evitar casos como o de uma professora que se demitiu por mostrar aos alunos a estátua de David, um nu de Michelangelo.»

 

LUSA (30 março de 2023 – 14:41)

 

Nunca pensamos chegar a assistir, em pleno Século XXI, ao desfecho de um dos maiores atentados contra a Arte renascentista, perpetrado pelo ignorante assumo do puritanismo de um dos pais de alunos de uma escola na Florida, nos Estados Unidos, ter protestado por os alunos de uma turma, com idades entre os 11 e os 12 anos, terem visto um homem nu sem censura, levando ao extremo inquisitorial de a diretora dessa mesma escola ter que se demitir, apenas e tão só, por ter mostrado aos alunos uma imagem da famosa estátua de David, do artista renascentista Michelangelo.    

O autarca de Florença, David Nardella, por exemplo, presente em Nova Iorque para assistir a um evento das Nações Unidas, indignado e com estupefação, defendeu ser imperativo investir numa cultura baseada na sabedoria e conhecimento para evitar casos como este, acreditando que falta de educação em humanidades e um turismo entendido apenas como entretenimento é que pode levar a extremos desta natureza: Pensar que o David é um símbolo de pornografia é a coisa mais estúpida que alguma vez ouvi. Ainda mais quando é um símbolo do renascimento e da beleza – disse o presidente da câmara numa conversa com a EFE a partir do Palazzo Vecchio, horas depois de ter falado com a professora visada, Hope Carrasquilla.

David Nardella depois de uma longa conversa com a professora, exultou-a pela coragem de não aceitar o ultimato que lhe foi dado e de se manter coerente com o seu compromisso de ensinar, tendo expressado, também, a solidariedade do povo de Florença para com ela, prometendo entregar-lhe um prémio aquando da visita àquela cidade italiana, a seu convite.

A notícia da demissão da professora, com repercussões em todo o mundo, deu grande publicidade a esta cidade italiana que já recebe milhões de turistas anualmente, um volume que não convence o presidente da câmara, que se declara desapontado com o turismo baseado no consumismo e no divertimento.

Para os mais incautos, a estátua de David trata-se da escultura criada e concluída por Michelangelo entre 1501 e 1504 – com um único bloco de mármore de quase seis toneladas –, e que está exposta na Galeria Accademia, em Florença, onde recebe quase dois milhões de visitantes por ano, havendo ainda uma réplica em exposição para transeuntes na Piazza della Signoria, em frente à câmara municipal, considerada uma das grandes obras-primas da Arte.

Michelangelo apresenta David como um jovem homem momentos antes de enfrentar o monstro: os músculos estão rígidos, na mão direita segura a pedra com a qual vencerá o inimigo enquanto na mão esquerda, sobre o ombro, segura a funda. O olhar é confiante e concentrado direcionado ao inimigo, com as sobrancelhas franzidas, as narinas dilatadas e lábios que revelam certo desprezo por Golias.

Esta escultura em mármore, para além de mostrar a habilidade artística do seu criador – em pormenores como a tensão nos músculos e nas mãos, onde o mármore fica transparente e nos mostra as veias, e onde notamos que o artista queria mostrar cada detalhe do que era capaz –, define, também, a abordagem artística do Renascimento.

Infelizmente, David, enquanto figura bíblica, na sua luta contra Golias, continua a enfrentar uns tantos Golias da “ignorância” (apesar de quererem parecer bem-formados), preconceituosos e retrógrados, esperando, ao mesmo tempo, que algumas mentes mais inquisitoriais não andem à procura de querubins “menos bem compostos”, que poleiam pela talha de um ou outro altar em Portugal ou, quiçá, na região.

Tal como o autarca de Florença, também nós pensamos que a História da Arte deveria ser mais ensinada, especialmente a Renascença e não apenas na Europa, e se perdermos de vista a cultura, também falharemos em campos como a tecnologia, a economia e a física.

A não ser que a arte(manha) esteja a esconder a Arte!

(In, Amanhecer das Neves (Viana do Castelo), N.º 361, abril de 2023)