S. Salvador do Congo (hoje M'banza Congo) conheceu os nossos passos, pois aí vivemos (mesmo em frente às ruínas da antiga Sé do Congo) e aí nasceu nosso irmão Helder Manuel Pereira da Silva. A nossa entrada em S. Salvador do Congo deu-se pela estação do cacimbo, no longínquo ano de 1965. Esta cidade, ao tempo, capital do distrito do Zaire, situava-se a 216 quilómetros de Maquela do Zombo; 70 de Luvo, posto de despacho alfandegário (fronteira com o ex-Congo Belga); 180 de Nóqui; 53 de Madinha; 65 do Cuimba e 30 do Buéla. As terras de M'banza Congo ali a nossos pés, faziam-nos sonhar com o antigo reino do Congo, cuja cristianização se iniciou nos fins do século XV. Foi ali que, nove anos depois de Diogo Cão descobrir o rio Congo (1482), em 1491, aportaram os primeiros missionários, os cónegos seculares de Santo Elói de Lisboa. A 3 de Maio baptizaram o rei Nzinga-a-Nkuwa que, tomando o nome de D. João I, deu assim início a uma dinastia cristã. Não admira que se reproduzissem tantas historias e lendas. A imponente e bem conservada coluna erigida ao lado direito da Sé, no antigo cemitério dos monarcas do Congo, por exemplo, falava-nos da traição de uma rainha negra, e que o déspota rei do Congo, seu marido, fiel ao cristianismo e aos portugueses, a mandou sepultar viva nessa coluna, servindo de coacção aos seus súbditos. Talvez a forma deturpada de lembrar Afonso I, filho de D. João I, quando reprimiu a revolta dos pagãos chefiados por seu irmão mais novo. O conceito de monarquia, fazia sentido nestas terras. Ouvimos falar dela, privamos de perto com um descendente (de quem não nos lembramos o nome) do último rei do Congo (D. António III), falecido em 1957, depois de um breve reinado de pouco mais de um ano. Por ser primo de D. Isabel, herdeira do trono, o casamento realizou-se (1924) com autorização especial (dispensa) de Roma. Guiado pelo seu descendente, chegamos a entrar na casa que serviu de residência deste monarca, percorrendo as dependências, avivando aqui e acolá um sentimento de africanidade, revelado não só pelos cenários, mas sobretudo pelas memórias. A árvore da cola, que diziam ter sido da forca, testemunhou alguns dos nossos passos, confidências e brincadeiras. Dentro da nossa inocência, ouvimos falar, pela passagem de testemunho dos seus ascendentes, da forma pouco ortodoxa e sobretudo enganosa com que o governo português havia alimentado este reinado sem trono, mesmo quando lhes permitiu (a D. António III e D. Isabel) possuir casa de Estado, secretários e ministros, à semelhança dos seus antepassados. À data da nossa permanência em S. Salvador do Congo, D. Isabel (Quengue) ainda era viva, mas já havia sido destituída do título de rainha (1962) e vivia numa das sanzalas das imediações. [Texto extraído e adaptado do nosso livro «Chamaram-me Muxicongo: memórias de um ex-metalúrgico», Braga: Edições APPACDM Distrital de Braga, 1999].
Sunday, December 23, 2012
Saturday, December 22, 2012
O olhar de José Ernesto Costa sobre as Lagoas de Bertiandos e S. Pedro de Arcos
“Nos
lagos e lagoas reina uma contínua interacção entre a matéria inorgânica, os
vegetais e as algas produtoras de substâncias nutritivas, os animais herbívoros
e carnívoros e os microrganismos que decompõem as substâncias inorgânicas. Os
seres vivos de uma região formam juntamente com o ambiente que os rodeia, um
conjunto natural que é o ecossistema”.
Fernando Aldeia
José Ernesto Costa autografando |
Sempre respondemos ao
chamamento ou apelo de quem gostamos. Em Ponte de Lima, felizmente, são muitos
os que conseguem atrair-nos para as mais diversificadas iniciativas, porque há
uma saudável cumplicidade cultural à boa maneira hegeliana, onde a cultura é um
processo histórico no decurso do qual o homem aprende a dominar a realidade e
onde não pode contentar-se com o já existente, sendo sempre obrigado a imprimir
a sua marca no mundo através da sua actividade, movimento que reflecte o
progresso da consciência. É assim que sentimos – sem rotulações
político-partidárias ou supostas colagens ao poder instituído, dado que há boas
e más pessoas em todo o lado – o pulsar das gentes limianas, para as quais a
cultura é a realização da natureza humana e não do abandono desta. Associado ao
facto de que a nossa noção de cultura assenta no princípio mais básico (sem ser
banal) do “conjunto de conhecimentos e práticas aprendidos e ensinados, por
contraste com o que é inato”, nunca deixamos de responder a esses apelos
culturais, vindos das terras de António Feijó. Nesse sentido, não poderíamos
deixar de estar presentes na sessão de lançamento do último trabalho literário
do bom amigo/poeta e ilustre memorialista limiano, José Ernesto Costa, que
decorreu no pretérito dia 15 de Dezembro, no Auditório do Centro de
Interpretação Ambiental da Área Protegida das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro
de Arcos, aprazível local que faz jus à deambulação poética do José Ernesto
Costa, com o seu «…olhar sobre as…» mesmas Lagoas. Tal como nós, para além do seu
“limianismo” e paixão memorialista, José Ernesto Costa também levou com o
“aroma tropical pela tromba”. É essa dicotómica cumplicidade, difícil de
explicar, que nos aproxima cada vez mais um do outro: “Esta dádiva da Mãe
Natureza, deve ser preservada por todos nós, até ao fim das nossas vidas” –
concordamos plenamente!
A nosso modesto ver, «O
nosso olhar sobre as Lagoas de Bertiandos e S. Pedro de Arcos» de José Ernesto
Costa, apresenta-se assim como um testemunho real que reflecte o progresso da
consciência humana, sem pretensões a qualquer tratado científico – sabemo-lo
que nisso o José Ernesto é bastante sério –, tendo apenas em mente a obrigação
de imprimir a sua marca poética no mundo através da sua actividade intelectual
plasmada no (como anteriormente dissemos) movimento que reflecte o progresso da
própria consciência. Deliciamo-nos com as excelentes fotografias do Manuel
Varela e Délio Costa (seu filho), e a prosa poética de José Ernesto Costa, onde
“é difícil resistir a tão bela paisagem sem distinguirmos sons nem melodias
neste inconfundível espaço das lagoas”, com “imagens que nos seduzem num mundo
possível”. Este espaço, importante para a conservação da natureza e da
biodiversidade, acaba por seduzir qualquer pessoa conscienciosa do seu papel na
sociedade cada vez mais globalizada, indiferente e/ou adversa à coabitação
homem/natureza. Neste livro encontramos uma envolvência profunda – como
escreveria Fernando Aldeia no prefácio – da alma e coração. De facto, aquele
local transmite-nos um ambiente aprazível e incomparável, sensação cognitiva
que José Ernesto Costa, Manuel Varela e Délio Costa, magnificamente nos
souberam transmitir. Concordamos com as palavras do autor quando afirma que
“preservar um espaço assim verdejante e paradisíaco é por certo a grande
ambição do Município. Sensibilizar as populações visitantes para esta riqueza
natural é um dever de todos os limianos”, confessando, ao mesmo tempo, a
impossibilidade de descrever na sua totalidade, toda a riqueza e diversidade assinaláveis
de espécies de fauna e flora, o que acaba por fazer denotar, mais uma vez, uma
confessa e verdadeira seriedade intelectual: “O meu olhar pelo interior das
lagoas, despertou em mim uma procura interminada da flora e fauna. Desse nosso
olhar pelo paraíso, destacamos o possível, ficando muito aquém do existente”.
Temos que ter consciência que se trata apenas de olhar diferente de tantos
outros, mas que se presta, a custo zero para o município, à divulgação da
riqueza e qualidade ambiental desta “mui nobre” vila limiana. Um dia, quando o
mundo globalizado despertar para a realidade da natureza humana – reconhecendo
a falibilidade dos números, qual capitalismo selvagem –, todas estas incursões
literárias do José Ernesto Costa (e de outros tantos que por aí gravitam, bebendo
da água do Lethes), serão lembradas como o garante para o desenvolvimento
sustentado da nossa região: “Uma riqueza cuja qualidade ambiental se deve
estimular e ajudar na promoção daquele património natural, dado o grande
potencial que congrega para o desenvolvimento da actividade turística. Um
património natural que nos enche a todos de um enorme orgulho” – citamos
Fernando Aldeia.
Obrigado José Ernesto Costa por este excelente trabalho literário, do
qual gostamos bastante e que vivamente recomendamos. Apenas um senão – numa
sugestão crítica/construtiva, que por certo aceitarás –, o final do livro
deveria conter as fotos e umas pequenas notas biográficas do Manuel Varela e do
Délio Costa!
Tuesday, December 18, 2012
O “Sentimento do Poema” em Amândio Sousa Dantas
“O
romance apresenta imagens perceptíveis com sensações definidas, e a poesia com
sensações indefinidas, para cujo fim a música é uma parte essencial, dado que a
nossa concepção mais indefinida é a compreensão de um som doce”.
Edgar Allan Poe
Aí está o novo livro de
Amândio Sousa Dantas. Algumas pessoas questionar-se-ão do nosso persistente atrevimento
em falar de novo deste inspirado vate limiano, quando já o fizemos por duas
vezes este ano, nomeadamente numa das nossas crónicas – a propósito da sua
magnífica “Antologia Poética” – e no “Anunciador das Feiras Novas, onde o
baptizaríamos de “um poeta mesológico do Lethes e do Mundo”. Na altura, fizemos
questão de salientar que sempre soubemos perscrutar-lhe a alma, porque o
sentimos possuidor das três distinções mais imediatas e óbvias do mundo da
mente: o “Puro Intelecto”, o “Gosto” e o “Sentido Moral”, parafraseando Edgar
Allan Poe quando afirma que “da mesma maneira que o Intelecto se preocupa com a
Verdade, assim o Gosto nos informa sobre o Belo, enquanto o Sentido Moral se
responsabiliza pelo Dever”. Achamos que, pelo ajuste das distinções, não serão
necessários mais condimentos ou adjectivações para considerarmos Amândio Sousa
Dantas, sem o acantonarmos ao nosso espaço geográfico e sem menosprezarmos
outros poetas que tanto admiramos, um dos grandes poetas contemporâneos
nacionais. Tal facto, tendo em conta a nossa convincente afirmação (tão só,
sedimentada pelo nosso gosto pessoal), permite-nos, ao mesmo tempo, formular alguma
concepção especulativa no que concerne à “mimese poética” de muitos outros
poetas – e poetisas – de quem gostamos. E não são poucos, tendo em conta que todos
eles têm o seu lugar próprio na nossa percepção cognitiva – escolha de uma impressão, ou efeito, a ser
transmitido (E. A. Poe) – de cada um. À sua vez, iremos falar de todos
aqueles que, “poetando”, nos criam um estado emocional, uma saudável nostalgia
ou uma sonorização melódica – sim, com certa musicalidade –, transmitindo
partilha de pensamento (mesmo quando na dor), porque a poesia se repercute na
linguagem humana, utilizada com fins estéticos, compreendendo mesmo aspectos
“metafísicos”, no sentido de sua imaterialidade e da possibilidade de se
transcender ao mundo fático.
Mas, voltemos ao
Amândio Sousa Dantas e ao seu mais recente brado poético – “Sentimento do
Poema”, qual espelho de revelação, voo, existência, desafio, presságio, despedida,
tristeza, silêncio, ternura, abraço, olhar, sombra, caminhos, medo, dúvida,
natureza, rio, vento, reconciliação, desolação, entardecer, paisagem, rumo,
luz, assombro, adeus, tempo, palavra, vida como um fio, comunhão, esperança,
amor e eternidade – complexo lexical em que devíamos ter usado aspas, visto que
extraído dos textos –, melhor expressaria o sentimento profundo do poeta, em
cuja “metafísica não segue a [sua] minh’alma” (sou mais de olhos na paisagem / pela viagem de Ulisses), e que tudo
conjugado dissimula, de uma forma perfeita, uma canção para seu irmão: “As
lágrimas transformaram-se / em vidro estilhaçado: / e eu, meu irmão / teu rosto
não alcanço, / e só na minha alma um rio corre / sem cessar – eu não o posso
atravessar”. Se não fosse a riqueza de conteúdo que percorre todo o “Sentimento
do Poema”, onde “o poeta é responsável pelo ar que o rodeia” e “um fio se tece
por sua dor”, bem que poderíamos ficar por aqui. Contudo, mais nos apraz dizer
que o “Sentimento do Poema”, apesar de nos revelar um sentimento amargurado (de
dor) de quem perdeu algo que o complementava – pensa crescer árvore / sol ou o amor exacto / no esplendor do dia
(Luís Dantas) –, produzindo um efeito profundo e duradouro de que “só a força
invisível do poema” o contempla: “Hoje conheço o silêncio mais fundo, / como o
estremecer da terra e / de nós a desprender-se. / Ali, uma fenda se abre dentro
de mim. / Eis-me sozinho a estancar a dor”, é, simultaneamente, um hino à
imortalidade e ao amor: “Imortal / sou e / o que de mim / ficou? / o amor”. De
facto, a poesia em Amândio Sousa Dantas flui com a maior naturalidade porque,
felizmente, e extraindo das suas próprias palavras, “o poeta não se refugia na
cara da dor. / Só a vida se abre ao conhecimento”. Só os grandes poetas
conseguem ver, numa verdadeira e sensitiva reconciliação, “que a compaixão se
funde no poema”. Mais não diremos, ficando o apelo à sua leitura e
interiorização, como um abraço que nasce da emoção: “Assim – sem mais nem menos
– / Um abraço do poema ao sol: / e toda a sombra / do poeta / por ele se
ilumina”. Simplesmente, sublime…
“Sentimento do Poema”,
mais um livro com nota máxima!
Saturday, December 08, 2012
Arlindo Pintomeira expõe “Trabalhos sobre papel” no Museu Nogueira da Silva, em Braga
“Todos
os dias, devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro
bonito e, se possível, dizer algumas palavras sensatas”.
Goethe
Tomados pela
necessidade de nos mantermos alheados ao uso excessivo da violência e indecoro
de certos “políticos de pacotilha”, nomeadamente aqueles que sistematicamente
lutam contra a Cultura e contra os homens e mulheres completos (corpo,
intelecto e espírito), onde tudo evolui paralelamente para uma vida bem-sucedida
e equilibrada, no dizer de Montapert, lá vamos descomprimindo o nosso “estádio
sombrio” da mente, deliciando-nos com a boa música, boa poesia e a boa medida
do estado emocional da Arte e da Filosofia. Imbuídos pelo saudável deleite da Cultura
– qual forma imprescindível de respirar – aceitamos o amável convite do Museu
Nogueira da Silva, por forma a rumarmos até à cidade dos arcebispos, ao fim da
tarde da data memorável – 1 de Dezembro de 1640 – para a independência de
Portugal (vilipendiada, a partir do próximo ano, pelos tais “políticos de
pacotilha”), acompanhados pela nossa sobrinha Jessy Silva, a fim de assistirmos
à abertura da Exposição «Trabalhos sobre papel (1975-2011) retrospectiva», do
nosso bom amigo Arlindo Pintomeira, de quem já aqui falamos numa das nossas
crónicas, a propósito das duas exposições que mantém em Viana do Castelo até ao
dia 31, deste mês de Dezembro: “Exteriores-Interiores”, nos Antigos Paços do
Concelho; e “Outras Faces”, na Galeria d’Arte da Misericórdia. Na altura, demos
conta do seu extraordinário percurso de profícuo artista que é, e que
continuará a ser, face à sua não menos extraordinária sensibilidade,
criatividade e linha filosófica, elevada pela experiência humana, que o tem
levado a concretizar diferentes formas de arte, às quais nos vamos deixando
seduzir: surrealismo, contornismo e figurativismo (texturas espessas, o desenho
automático, as cores vivas e primárias do expressionismo em combinações
complementares, e ainda os motivos simples e depurados com algumas ligações ao
surrealismo e á arte primitiva, acompanharam o artista durante grande parte da
sua obra) com alguma influência através do grupo “CoBra”, mas criando o seu
próprio estilo e peculiaridade.
Com nossa sobrinha Jessy Silva, ladeando o talentoso artista Pintomeira |
Introduzidos por um
painel colocado à entrada da exposição, que nos alertaria para o facto de que “a
desmaterialização dos objectos foi o caminho seguido por Pintomeira numa nova
linha onde o contorno acabou depois por se reduzir a um filete, as imagens dos
objectos aparecem estilizados quando não reduzidas a silhuetas sem cor nem
respeito pelos outros objectos do quadro, e este composto de texturas que lhe
conferem ritmo, irrealidade, estatuto de «formas puras». Neste ambiente Pintomeira
colocou grelhas quadriculares, aves, silhuetas femininas, rostos de perfil,
frutos; e varandas, e luas, e caras com olhos de espanto”, depressa nos entrosaríamos
no ambiente apelativo da pretensa e bem conseguida retrospectiva dos “trabalhos
em papel”. Gostamos bastante, e isso nos basta.
Sem mais devaneios – valorizando, desta vez, o testemunho da imagem –,
aqui fica esta nossa pequena nota e oportuna sugestão/convite para se
deslocarem até à cidade de Braga, nomeadamente à “Galeria Jardim/Museu Nogueira
da Silva” (até ao dia 3 de Janeiro de 2013), onde poderão disfrutar da
mensagem, do exercício e experimentação artística do grande Artista
contemporâneo do Lima e do mundo, Arlindo Pintomeira. Creiam que valerá a pena!
Pintomeira à conversa com o Reitor da Universidade do Minho, Prof. Doutor António M. Cunha |
Prof. Doutor Miguel Bandeira (UM) e filho, presenças afectivas na Exposição de Pintomeira |
Sunday, December 02, 2012
Em homenagem a Amadeu Torres, reeditado “O meu caminho é este” de Castro Gil
“Elaborado
depois de receber «uma luzinha para não errar», este código quase dogmático que
terçara, a todo o instante, contra turbulências várias e enigmáticos percursos,
como luzeiro amainante e revigorador, não podia perder a vivacidade antes do
tempo, na visão sentida do autor”.
Alípio Rodrigues Torres
Precisamente, no dia –
25 de Novembro – em que Amadeu Rodrigues Torres (1924-2012), nosso amigo/irmão
e eterno confidente, completaria oitenta e oito anos de idade, a Câmara
Municipal de Viana do Castelo e a Junta de Freguesia de Vila de Punhe (Viana do
Castelo) prestaram-lhe uma justa e merecida homenagem, que teve lugar na Terra
Natal deste ilustre e incontornável homem da ciência e da linguística, mesmo a
nível internacional. Justificar ou patentear esta afirmação – dado que a não
fazemos de “ânimo leve” –, levar-nos-ia a discorrer pela sua vastíssima obra
científica e pelas dezenas de academias em que tinha assento, muito bem
demonstrada pela extraordinária intervenção de Rui A. Faria Viana, director
da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, que naquele dia (e ao contrário do
que alguns perniciosos à cultura e à memória de Castro Gil têm procurado empacotar
a dimensão intelectual deste vulto da nossa região, com mastigados conceitos,
disfarçados de eruditismo, para explicar o que é imperceptível a todos e talvez
a eles próprios, como forma de se pavonearem em multifacetadas dimensões
intelectuais, que não possuem) nos fez uma retrospectiva da vida e obra do
homenageado, de uma forma clara, cientificamente irrepreensível e honestamente
elaborada. Sabemos, por lhe conhecermos o âmago, que o Professor Doutor Amadeu
Rodrigues Torres (Castro Gil), se fosse vivo, iria gostar de ouvir e, por
certo, como emérito académico que era, lhe atribuiria nota máxima. Mas, o ponto
alto desta extraordinária homenagem, que contou com a presença de diversas
personalidades ligadas aos meios civis e religiosos, foi a apresentação pública
da edição fac-similada da 1.ª edição (1948) do excelso brado poético de Castro
Gil, “O meu caminho é este”, numa edição da Câmara Municipal de Viana do
Castelo, artisticamente elaborada pelo competentíssimo e inspirado designer Rui
Carvalho, com mensagem do Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo,
José Maria Costa, e preâmbulo do irmão de Castro Gil, Alípio Rodrigues Torres.
Abriu a sessão em homenagem a Castro Gil, o Presidente da Junta de Vila de Punhe, António Moreira |
Nesta edição de “O meu
caminho é este”, começamos por referir que o preâmbulo de seu irmão, Alípio
Torres, justifica a nossa profunda deferência, pela extraordinária qualidade
crítica-literária, beleza de escrita e sentimento de memória e gratidão: «Sempre
fiel aos princípios escolhidos, só a “vitória completa e mais precisa – A
eterna recompensa, a luz dos céus”, ou seja, o retorno à Origem, em quem sempre
confiou (9 de
Fevereiro 2012 ), tornara viável que a primeira publicação há muitas
décadas inexistente no mercado, “O meu caminho é este”, enfarpelada segundo os ditames
modernos, ressurgisse, por iniciativa da Câmara Municipal de Viana do Castelo,
na altura em que Castro Gil completaria oitenta e oito anos de vida, como
prenúncio de que os seus trabalhos continuarão a irradiar, desde já,
emblemáticas lições de perenidade». Para nós, este preâmbulo representa uma
pincelada aguarelada de sentimento e perscrutação da alma do poeta, «qual
“Romeiro de beleza e simetria…”, vivendo numa “angústia constante de nunca
saciar a sede requeimante” de completar sonhos diversos, como adiantara aos
oitenta e dois anos: – “falta ainda muito, a começar por um conjunto grande de
artigos, estudos e outros trabalhos… nunca reunidos até hoje” –, das
recordações nostálgicas e de um passado saudosista, e não recuperável, numa
segunda fase, inspirado pela “viagem real e o contacto com o mundo, seja o
plurifacetado da natureza, seja o multívolo das civilizações do que resultou
uma poesia predominantemente de fora para dentro”, tanto trata o impacto da
monumentalidade e dos saberes, como o desencanto humano e seus retrocessos, as
injustiças e as práticas duvidosas». Retrato fiel das “canseiras cognitivas” de
quem se inspirava viajando e auscultando outras civilizações, que já se faziam
adivinhar em “O meu caminho é este”, como um “caminheiro das estradas direitas
e tortuosas,/ Das estradas brancas de sol ou negras de ilusões…/ No bornal
anda-me o pesadume de muitos séculos”. E que poética pena – não de penúria, mas
de inspirada escrita – a de Alípio Torres produziria a génese de Castro Gil:
“Para quem, em idade de jovens incertezas, de encruzilhadas múltiplas e de
dúbia existência, introspectivara, séria e reflexivamente, até aos ínfimos
graus e linhas, um projecto a desdobrar ao longo da vida e pré-definiu, em
englobantes parametrias, as temáticas rumativas de contornos axiológicos a
desenvolver, qualquer baliza, ainda que só parcialmente cerceadora do contínuo
fluir do pensamento realizativo, mesmo que de reafirmações de vetustos valores
se tratasse, assinalaria uma nova etapa a começar”… Simplesmente sublime!
A nossa curta intervenção em homenagem a Castro Gil |
Falar de “O meu caminho é este” é falar da
alma do poeta, ainda que envolto em “indecisões, avanços e recuos” e fechando-se
no silêncio a meditar, sempre acreditaria que, a partir dali, o seu caminho era
o de “louvar a Deus, sofrer, sorrir e fazer versos!...”; do “Bem e da Beleza e
da Virtude!...”, sem temer andar descalço no brasido; dos “bosques humanos, os
povos, as florestas de gentes”, quais sentidos diferentes atravessados “por
hienas, tigres, chacais e camaleões de circunstância”; da inspiração filosófica
da “perfeição absoluta, Actividade/ Sem mescla de potência, ó mar de Ser/ Que
eu lograria apenas compreender,/ Se o finito abarcasse a infinidade…”; do “Deus
da infância,/ A voz severa e justa da razão,/ As alegrias sãs/ Do coração”; do
“coração que bata com coragem,/ Não por si…, e que anseie, em lances tais,/
Fugindo a merecida vassalagem,/ Ser humilde vassalo dos demais”; do coração que
olha para fora; do poeta que lê versos no céu, ao luar sozinho; da “alegria
daqueles que sabem fazer das mãos/ Caídas, nervosas ou enclavinhadas pela dor,/
Uma miniatura ascética de heróica montanha/ Por onde subam orações e olhares ao
Senhor…”; da “nuvem desherdada” que encobre o azul do firmamento; do caminheiro
das estradas direitas e tortuosas; do coração “em fome e algoz secura”; do
“augusto murmurar”, da alva e belíssima harpa eólica; do estender da “mão a
quem por ti chamar”; das portas discretamente semicerradas, das cortinas de
carvão e sanefas de piche; do cheiro a cera, do relógio da sala, de bater
aéreo; do céu pesado e traiçoeiro, sendo que nesse dia “morreu meu pai!”; do
rio que corre desprezando a beleza da paisagem; do poeta que é poeta mesmo e
não “cantor fingido de emprestada lira”; da alma que chora e do mundo como uma
fornalha de tortura; da morte do dia como morre a gente; do fazer dos braços
arcos em ogiva; dos horizontes belos, “de manhã primaveril,/ E andam perfumes
de Abril/ Incensando a mocidade…”; das mãos – fadas de sonho e luz – “que não
sabem fazer mal a ninguém”; da “face amarela da lua soturna,/ Que faz o sorriso
de nome luar,/ Sentindo a agonia da larva nocturna,/ Desmaia a chorar…”, etc.,
etc. E as sublimes homenagens a José Régio, com o “Canto da Alegria”, e a
António Corrêa de Oliveira, com “Poeta, reis de poetas…”?!... Então o poema a
sua mãe, comove-nos profundamente… De facto, neste maravilhoso brado poético de
Castro Gil “ser poeta é ver as coisas/ que os outros vêem também;/ mas
senti-las, cá por dentro,/ como não sente ninguém”.
Congratulamo-nos com o
testemunho deixado pelo Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, na
mensagem introdutória ao livro, ora reeditado: “Viana do Castelo evoca desta
forma singela o insigne professor, o conceituado investigador de estudos
humanísticos e linguísticos, o editor e autor de inúmeras edições e trabalhos
científicos e o inspirado poeta”.
A nossa última palavra
de profunda gratidão vai para Maria José Guerreiro, vereadora do Pelouro da
Cultura da Câmara Municipal de Viana do Castelo, pelo empenho, sensibilidade e discernimento
que emprestou à realização deste maravilhoso “caminho” que nos leva à
perenidade da Cultura.
Quiçá, se “O meu caminho é este” não é o reflexo ou o espelho dos nossos
próprios passos, convergentes e, no dizer de Castro Gil, “pergaminho de um Povo
de imortais”. Os poetas não morrem e… “nec plus ultra”.
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