Saturday, December 21, 2013

«Abrindo portas» com Artur Rodrigues Coutinho!...

“A diversidade e arte que os autores (artistas) nos revelam na sua execução, são facultadas ao leitor através da interessante e maravilhosa colecção de fotografias que o Reverendo Senhor Padre Artur Rodrigues Coutinho, pela sua cultura, espírito de investigação, desejo e preocupação de deixar, aos vindouros, o conhecimento da evolução das sociedades, do passado da história humana, para melhor se compreender e construir o futuro”

Luís Vila Afonso

Por sempre termos apreciado a acção intelectual, humanista e espiritual (poderá parecer redundância, mas fizemos questão de a “tridimensionar”) do nosso aparentado conterrâneo Artur Rodrigues Coutinho – pois, tal como nós, nasceu na milenar freguesia limiana de S. Simão da Junqueira de Mazarefes, aos sete dias de Janeiro de mil novecentos e quarenta e sete –, cedo o elegemos como uma das referências, eticamente falando, na nossa vida. Apesar de já aqui, numa das nossas crónicas anteriores, dele termos falado (o que nos isenta de repetitivos decalques biográficos), continuaremos a creditá-lo como aquele que “sempre soube aproveitar o contacto com o meio e as populações, auscultando-lhes as memórias e as vivências, traduzidas e/ou aliadas a um verdadeiro trabalho de campo, etapas indispensáveis ao conhecimento histórico, etnográfico e antropológico, tendo em conta que o conceito de etnografia está intimamente ligado à antropologia” – escrevemos na altura.


«Abrindo Portas», numa edição esteticamente bem conseguida do Centro de Estudos Regionais (CER), é mais um trabalho (premeditadamente) sequencial da assoberbada paixão do bom amigo Artur Rodrigues Coutinho pela etnografia, etnologia e antropologia social ou cultural. Embora saibamos das ligeiras diferenças de conteúdo, de objecto, do método e de orientações, estaremos em dizer que, como um dia aventaria Claude Rivière, essas diferenças assentam muitas vezes e/ou apenas nas próprias tradições. Se a etnografia corresponde a um trabalho descritivo de observação e de escrita; a etnologia, “ao elaborar os materiais fornecidos pela etnografia, visa, após análise e interpretação, construir modelos e estudar as suas propriedades formais a um nível de síntese teórica, tornando possível pela análise comparativa”; a antropologia acaba por se apresentar ainda mais generalizadora do que a etnologia. Tudo isto para concluirmos que as ligeiras diferenças de conteúdo se sintetizam numa única disciplina, o que nos leva à plena convicção (afirmativa) de que este trabalho de Artur Coutinho, lançado em cerimónia pública na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo (14.12.2013), é por assim dizer um abrir de portas – e fazendo nossas as palavras de Fabíola Silva, no prefácio – “aos curiosos e dá as ferramentas básicas para que todos possam partir para a descoberta da porta, desde objecto tão banal, mas que na realidade é tão essencial no nosso quotidiano”. A sintetização a que aludimos (ou constatamos) neste «Abrindo Portas», está bem patente na minuciosidade descritiva empregue pelo autor, através de pormenores particulares (profusamente ilustrados) – e que por vivermos numa globalidade exasperada, os ignoramos ou desconhecemos – contidos no universal de uma porta: ferrolhos, batentes, aldravas, puxadores, fechaduras, chaves, dobradiças, trancas, protectores de cantarias, raspadeiras do calçado (vulgo “limpa-pés”), visores, gateiras, caixas de correio e argolas para prisão de cavalos. Artur Coutinho é um antropólogo cultural e social atento, levando-nos a olhar as portas de uma forma diferente.
Neste magnífico trabalho, Artur Coutinho fala-nos ainda d’A CASA: ESPAÇO E FRONTEIRA (Capítulo I), sendo que esta, segundo o autor, “representa o nosso espaço, onde nos sentimos a nós próprios com consciência ou sem ela, com tranquilidade, com serenidade, com segurança e a presença dos nossos que nos são muito queridos”; d’A PORTA NA BÍBLIA (Capítulo II), apresentando-se a mesma como um local singular e anunciador de algo que se passa dentro, qual alegoria ao facto de que “uma porta é sempre uma porta para o bem ou para o mal” ou – citando o próprio autor – “o acto de abrir a porta deve ser um acto de escuta, de proximidade, de intimidade, mas muitas vezes, distraídos com as coisas do mundo a fechamos para ela não se abrir com facilidade às coisas de Deus”… Simplesmente sublime!


Para além da descrição das FERRAMENTAS E OUTROS ELEMENTOS, Artur Coutinho fala-nos ainda das portas da Sé Catedral de Viana do Castelo e da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, fechando com “um pequeno olhar sobre Viana”, onde faz um pequeno registo fotográfico de portas da cidade: “Não se trata de um registo completo, mas de um desafio para os que pretendam fazer um trabalho exaustivo sobre estas curiosidades da nossa terra. / Viana do Castelo tem muitas mais que estas, melhores e piores, mas tão diversificadas que podem encher os olhos e as mentes de todos aqueles que tenham espírito de observação” – citamos.
        «Abrindo Portas», uma obra com nota máxima!

Friday, December 13, 2013

“Verba volant, scripta manent” ou rito de passagem anim(b)alista!...

“Primeiro tem de se considerar que as disposições de carácter são de uma natureza tal que podem ser destruídas por defeito e por excesso tal como vemos acontecer com o vigor físico e com a saúde (é que temos que fazer uso primeiro do testemunho de coisas visíveis antes de chegar às invisíveis).”

Aristóteles (In, Ética a Nicómaco, 1104a1)

Embora possa parecer de uma forma desconexa ou descontextualizada, o propósito de abordarmos a “senilidade” e falta de ética (quiçá, de carácter) de alguns políticos, hoje iremos abordar a questão do “ritual” – inicialmente de inspiração religiosa, quando era suposto dois tipos de relações: dos homens com os deuses, e, inversamente, dos deuses com os homens; e que Claude Rivière afirma constituírem as primeiras “o domínio dos sacra (ritos sacramentais, sacrifícios, orações, apelando eventualmente para especialistas do oculto), os segundos são os signa, que dispensam o apelo aos sacra e dão a impressão de uma imediatez, apesar de estarem ligados a técnicas de interpretação que revelam da mística” – como uma performance, ou seja, como uma forma de representar, uma prática que tem um carácter repetitivo, uma certa regularidade mais resistente à mudança, estaremos em afirmar que tal acção (porque forma de agir) se “prescreve” num conjunto de actos repetitivos e codificados. Embora nem todos os comportamentos repetitivos possam ser designados de rituais, há por vezes práticas que, pela sua forma de estruturação, eficácia social e simbólica, podem, muitas vezes, conferir-lhes esse sentido. As praxes académicas e os jogos de futebol – com as suas claques –, por exemplo, se lhe conseguirmos descortinar um sistema simbólico inerente à acção, já que, através dessas práticas, os condimentos da oratória, da entoação e da canção, aliados à forma de trajar, podemos “imprimir-lhes”, circunstancialmente, algum sentido ritual. Mas, mesmo assim, são muitos os antropólogos que afirmam a inexistência de ritual nas praxes académicas e/ou nos jogos de futebol, ao conferir-lhes uma prática de divertimento, adaptação ao meio e/ou convívio.
No processo ritual – e parafraseando a antropóloga e nossa particular amiga Manuela Palmeirim – os actores reconhecem quem faz o quê, quando e como. Fazem-no, mas, muitas vezes, não sabem o que esses símbolos significam. Por isso, o ritual é normalmente acção, representação, a prática e não o que os símbolos significam. Aqui, o carácter emocional tem um grande significado. Para autores como Max Black, Tambiah e G. Lewis, importante são as regras, o que fazer e não o seu significado. É nesse sentido que – em oposição à ideia de que os rituais servem para “dizer ou comunicar qualquer coisa” – nos é dado afirmar que, normalmente, os mesmos servem para “fazer qualquer coisa”. Em suma, dizer é fazer, é instituir o mundo.
 Segundo Max Black, a linguagem ritual é de representação, de acção (performance) e essencialmente emocional. Por outras palavras, os símbolos não significam, têm essencialmente um valor emocional. Outro facto a salientar é que nos rituais a linguagem não se confunde com a linguagem comum, dado que as linguagens rituais são oratórias, entoações e canções. A canção, por exemplo, é uma linguagem por excelência ritual. Já Claude Lévis-Strauss (1908-2009) afirmara a difusão da linguagem, enquanto fenómeno de estrutura social, como unificadora de comunidades separadas em comunidades de língua única e o processo inverso de subdivisão em comunidades de línguas diferentes. Sem nos procurarmos desviar do nosso objectivo, “atentaremos” em reforçar a ideia de que a linguagem ritual ao permitir a sua estilização distancia-se assim da linguagem comum.
    

Voltando aos símbolos, recordaremos que Victor W. Turner, numa visão contrária a Lévi-Strauss, define os símbolos como uma abordagem interpretativa, sendo que, para ele, se quisermos penetrar na estrutura interna das ideias contidas num ritual, temos de compreender como é que os participantes nesse mesmo ritual interpretam os seus símbolos. É o próprio Turner que o afirma: Meu método é assim necessariamente o inverso daquele de inúmeros estudiosos que começam por extrair a cosmologia que frequentemente se expressa em termos de ciclos mitológicos e, então, passam a explicar rituais específicos como exemplos ou expressões de “modelos estruturais” que encontraram nos mitos. E dá como exemplo os ndembos – povo do noroeste da Zâmbia que, tal como os iroqueses, estudados por Lewis Henry Morgan (1818-1881), é matrilinear, e combina a agricultura de enxada com a caça, à qual atribuem alto valor ritual – que possuem muito poucos mitos e narrativas cosmológicas ou cosmogónicas. A oposição a Lévi-Strauss – e apesar de Turner concordar quando este acentua que o “pensamento selvagem” tem propriedades tais como homologias, oposições, correlações e transformações, as quais são também características do pensamento requintado – reside no facto de, por exemplo, no caso dos ndembos, os símbolos utilizados indicarem que tais propriedades estão envolvidas por revestimento material, forjado na sua experiência de vida. Victor W. Turner procura através da função social dos símbolos, descodificar o significado dos próprios símbolos, dado que para ele os símbolos não têm, forçosamente, uma significação única: Cada elemento simbólico relaciona-se com algum elemento empírico de experiência conforme claramente revelam as interpretações indígenas dos remédios vegetais. No fundo, a linguagem ritual não passa de uma linguagem emocional de baixo conteúdo proposicional, ou seja, de fracos enunciados. Os símbolos estão aí, ao dobrar de cada esquina…
E porque “ritos de passagem são aqueles que marcam momentos importantes na vida das pessoas” expressar-nos-emos – sem combinarmos a (ndembo) agricultura de enxada com a caça – pelo escrito de acabar com as pescas e a agricultura (incluindo “vacas leiteiras”), subtraindo, anos mais tarde, através do rito de passagem verbal, de voltar as atenções para o mar e o desenvolvimento da agricultura; pelo voto – a par da Margaret Tatcher e do cowboy Ronald Reagan –, da “não libertação” de Nelson Mandela, justificado no tempo presente, de forma verbal, pelo contexto documental de “um incentivo à violência”, só porque reafirmava “a legitimidade da luta do povo da África do Sul e o seu direito a escolher os meios necessários, incluindo a resistência armada, para alcançar a erradicação do apartheid”, evidenciando, ao mesmo tempo, um baixo conteúdo emocional, mesmo quando disfarçado de endeusamentos de circunstância, para ficarem bem na “fotografia”: «Eu tive o privilégio de conhecer Nelson Mandela. Inquestionavelmente, um dos maiores estadistas do século XX…». Palavras [anim(b)alistas] e expressões de “modelos estruturais” que não passam de desculpas esfarrapadas, revestidas (e ainda que nos tornemos repetitivos) de linguagem emocional de baixo conteúdo proposicional, ou seja, de fracos enunciados.
       Será que estamos a assistir a ritos de passagem? Talvez! Daí, e face às circunstâncias da nossa “crucificação” presente, continuarmos a acreditar e a formular: enquanto as palavras voam, o escrito permanece!

Saturday, December 07, 2013

Carla Mesquita, uma voz embrionária na literatura alto-minhota!...

“Todos os dias, devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro bonito e, se possível, dizer algumas palavras sensatas”

Goethe

Sem qualquer constrangimento, porque sempre nos pautamos pela máxima de Montapert – Ajuda melhor os outros quem lhes mostra como se hão-de ajudar a eles mesmos. É melhor dar esperança e força que dar dinheiro –, hoje resolvemos falar da jovem Carla Mesquita, que começou a dar os primeiros passos como autora, em 2009, com a publicação do seu primeiro livro «Momentos» (poesia), numa edição da Junta de Freguesia da Meadela (Viana do Castelo). No corrente ano (2013), participou na IV Antologia de Poesia Contemporânea da Chiado Editora – Entre o sono e o sonho – e publicou «Dar sangue é ser amigo: Associação de Dadores de Sangue da Meadela: a fazer amigos desde 1996», editado pela Associação de Dadores de Sangue da Meadela (Viana do Castelo).


Este último trabalho, trata-se (a nosso modesto ver) de uma obra esteticamente bem conseguida (embora pese a subjectividade do nosso gosto) e cientificamente bem estruturada onde, para além dos testemunhos de abertura – António Mesquita, Presidente da Associação de Dadores de Sangue da Meadela; Manuel Luís Antunes Belo, Presidente da Assembleia Geral da ADSM; José Maria Costa, Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo; Manuel Américo de Matos Carvalhido, ex-Presidente da Junta de Freguesia da Meadela; António Fernandes, Presidente da Comissão de Festas de Santa Cristina da Meadela; Manuel José da Costa Azevedo Vilar, Pároco da Meadela; Defensor Moura, Fundador da Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo; Miguel Jorreto, Director de Imunohemoterapia ULSAM; José de Castro Oliveira, Capelão do Hospital de Santa Luzia; Isabel Miranda, Directora Técnica do Centro de Sangue e Transplantação do Porto IPS; Luís Ceia, Presidente da Associação Empresarial de Viana do Castelo; Virgílio Augusto Teixeira, Presidente da Direcção de Dadores Benévolos de Sangue de Vendas Novas; Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Paredes de Coura; Nuno Caroça, Presidente da Associação de Dadores Benévolos de Sangue da Póvoa de Santa Iria; Lucinda Araújo, Presidente da Associação de Dadores Benévolos de Sangue do Concelho de Caminha; David Sousa, em nome dos colaboradores da ADSM; Catarina Cavaleiro, com o poema “Sublime missão”; Luís Ramiro, Colaborador da ADSM; Jacinta Maria Pisco Alves Gomes, Maria Albertina Álvaro Marques e Maria Manuela Amorim Cerqueira, em nome da ADSM; Ilídio Passos Ribeiro, Dador de Sangue; José Borlido, Sócio Honorário da ADSM; e Carlos Santos, com o poema “Solidariedade”, no diz ser um «tributo aos Dadores de Sangue, e dedicado a todos os que se Dão solidariamente, sem nada esperar em troca» –, Carla Mesquita se firma e afirma, em jeito de introdução, que “o sangue é um órgão essencial à vida e apesar dos progressos científicos ainda não foram encontrados produtos de substituição para este fluído. Assim, a Dádiva de Sangue é, e sê-lo-á, ainda nos próximos anos, indispensável”. De facto, e parafraseando a jovem autora, esta problemática constituiu-se numa preocupação constante para a sociedade em geral. Segundo a autora, este trabalho foi elaborado com o intuito de dar a conhecer o percurso da ADSM que, apesar de ser jovem, tem já uma actividade vasta no campo de sensibilização para a dádiva de sangue.
Constituem abordagens subsequentes à introdução: Breve história da dádiva de sangue, onde ficamos a saber que a descoberta da circulação do sangue foi feita por W. Harvey, em 1613; Contexto português, cuja problemática do sangue constituiu-se numa preocupação constante em Portugal, desde o ano de 1900; Dia Nacional do Dador de Sangue, 27 de Março, instituído através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/86, tendo como objectivo reconhecer a importância da contribuição desinteressada dos Dadores Benévolos de Sangue para o tratamento de doentes; O caso de Viana do Castelo, primordial iniciativa de Defensor Moura e da Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo; e, finalmente, História do Núcleo de Dadores de Sangue da Meadela, associação que se tem pugnado por muito fazer em prol dos doentes, “quer por doação de sangue, por empréstimo de equipamento, quer através de outras iniciativas de carácter social”, ajudando ao mesmo tempo a conseguir o almejado objectivo das autoridades nacionais da área do sangue: a auto-suficiência. Rigor científico, porque “escorado” em citações bibliográficas.  
Para aqueles que não conhecem a jovem Carla Mesquita, de seu nome completo Carla Maria Meira Dias Mesquita, convenhamos em dizer que é filha de Manuel Dias Ligeiro e de Maria Lúcia Midão Meira Dias, e nasceu na secular (Phanos – Cidade do Farol) freguesia de Fão, Esposende, a 1 de Abril de 1982, mas vive na Meadela, onde constituiu família. Possui o Mestrado em Ciências da Informação e da Documentação, pela Universidade Fernando Pessoa; Licenciatura em Ciências e Tecnologias da Documentação e Informação, pela Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, do Instituto Politécnico do Porto; e Curso de carácter geral do agrupamento 4 – Humanidades, 12º Ano do ensino secundário completo. Neste momento desempenha funções de Técnica Superior na Biblioteca Pública Municipal de Viana do Castelo.   
Aqui ficam estas nossas sensatas palavras à jovem escritora Carla Mesquita, tomando como referência o princípio “wildeano” de que “o que desejamos só é agradável enquanto não o possuímos”.
        Força Carla Mesquita, nunca desistas… QUOD SCRIPSI, SCRIPSI!

Friday, November 29, 2013

“Nas Janelas da Minha Alma” em Francisco Carneiro Fernandes!...

“Talvez seja a Poesia – enquanto Partilha – palavra-chave, para sabermos ser contemporâneos, com as asas possíveis da Liberdade!”

Francisco Carneiro Fernandes

Foi com o maior orgulho e satisfação que fizemos a apresentação pública do mais recente trabalho em poesia (Janelas da Minha Alma) do nosso bom amigo e velho companheiro das lides laborais e literárias Francisco Carneiro Fernandes, ilustre geógrafo, escritor e poeta vianense, nascido em 1953, no lugar mater da nossa “Princesa do Lima”, Santa Maria Maior.
Como fizemos questão de salientar no dia do lançamento (23 de Novembro), «Nas Janelas da Minha Alma» (Rio Tinto: Mosaico de Palavras Editora), as palavras amoldam-se ao dizer e praticar em Francisco Carneiro Fernandes: “Talvez seja a Poesia – enquanto Partilha – palavra-chave, para sabermos ser contemporâneos, com as asas possíveis da Liberdade!”, palavras essas que se ajustam (Partilha e Liberdade), também, ao nosso “estádio terráqueo” ou civilizacional: a nossa relação com os outros, condimentada pelo direito à Liberdade de cada um, a verdadeira expressão política que Agostinho da Silva reconhece como «um esforço de indivíduo que reconheceu o caminho a seguir e que deliberadamente por ele marcha sem que o esmoreçam obstáculos ou o intimide a ameaça; afinal o poderíamos ver como a alma que busca, após uma luta de que a não interessam nem dificuldades nem extensão». E «Nas Janelas da Minha Alma», vai precisamente nesse sentido.
Já uma vez aprendemos com o seu excelso pai, o inesquecível Filipe Fernandes, que não é poeta quem quer, sendo necessário para o ser, a sensibilidade para apreender, observar, sentir e criticar, mesmo que as vezes o façamos de maneira irónica, subtil, outras de forma satírica e causticante. Senão, vejamos o que Francisco Carneiro Fernandes partilha connosco, em jeito de nota introdutória ao «Nas Janelas da Minha Alma», citando Oscar Niemeyer: «O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo. O universo curvo de Einstein». Desenganem-se aqueles que procuram “curvas de carácter” na poesia de Francisco Carneiro Fernandes, dado que aqui «há limas e limões em verdes tons / fora das convenções. / E laranjas / no parapeito das mansardas!» e onde «é urgente Ser Poeta / na partilha da mensagem: / plasmando / teares abandonados / políticas de terra queimada / veios das redes cortados / estaleiros sem fábrica / alfaias / engolidas pelas máquinas e pelos medos!...», quiçá irradiado pelo espírito luminoso de seu pai: «Pai, hoje fazes anos!... Bem sabias / quão sérios eram, tristes e tão breves / esses dias… Por isso, colorias, num rol de filhos, cânticos alegres!» e seu ascendente «Mendes Carneiro, voz esclarecida / em tanta justa causa social: / do Belo, do Amor, do Bem da Vida, / Pátria de Avô e Neto fraternal…».


Neste maravilhoso livro de poesia há memórias e eternidades comuns a cada um de nós, trazidas do MAR – qual poética das caravelas e silêncio das estrelas, se abrirá ao luar da serra! –, poema com que abre o «idílio montanha acima / partilhar o disco de vinil, / do verde pinho, da luz infinda / a ver o mar / no jardim do teu olhar…»; desafios possibilitados pela viajem (ou forma de viajar) para além dos espelhos, aprendendo a regressar à luz solar; esotéricas aberturas de janelas ao luar (memória do tempo que está para nos tempos em Inez dos Anjos Hortel), maravilhoso soneto arrancado ao sótão da sua alma de criança: «Já passaram cem anos, minha Avó! / O fruto do Amor, que foi meu Pai, / a Luz do vosso olhar, por estar só…»; melodias crepusculares em fim de tarde: «Piano, balada-sonata / de embalo e delicadeza. E a chuva forte a anunciar / variações de ouro e prata / em chama acesa»; rasgar de papéis da memória, quebrando um bisel do espelho, enquanto sonha acordado: «É a mocidade que passa / através da vidraça… / Leva no peito a viola / e a guitarra em pensamento»; olhar atento àquilo que o aflige, mesmo enquanto geógrafo: «País rectangular só tem nariz… / Morre o pulmão das aldeias, / sangra o coração das cidades / e o fígado nas tabernas! / É urgente Geografia / da paisagem humanizada…»; falar mais do que muito ser humano «por fora pintado, vazio por dentro!»; respirar dentro de si «flor que não mente / a do silvado / sem flor mas sempre verde…»; sopro de incompletude no coração da humanidade; Pomba Branca «a canção de embalar que tu cantavas (…) é mar do teu olhar!»; dia de Aniversário, presente e passado, restando «um fio de azeite / no aparador da Saudade!...»; Rainha da Paz em manto de linho alvo, azul-escuro do mar profundo, roxo da compaixão no declinar da tarde, Rosário às nossas preces no mês de Maio; Magia de Criança, sendo «contemporâneo / da existência já vivida e por viver».
Na poesia de Francisco Carneiro Fernandes há ainda relógios indiferentes ao bater da hora; carruagens do tempo; penumbras e silêncios com asas da liberdade: «E guardo, / para sempre, / a imagem da tua voz ausente… / Silêncios e pausas, / em linhas abertas / nas Janelas da Minha Alma!»; agridoces nostalgias; poemas como cerejas; sorriso das palavras; espelhos e janelas; essências da existência terrena; sorrisos campestres; sem-abrigo: «Mais sensato que o novo-rico / de umbigo metido pra dentro / a gastar a tripa forra / o que não lhe pertence, / depositaste quase tudo no fiel proprietário / depois de pedires uma bebida quente»; o Manel da Praça: «O filósofo da juventude não era ele / era muita gente e não era ninguém!» (bela definição, que para ser sentido e fazer sentido, o poema terá que ser lido na íntegra); a Feira da sua infância, quais recordações trazidas até nós através deste extraordinário poeta memorialista: «Na feira da minha infância / a noite irradia clara… / E contagia o comércio de bairro / com conta, peso e medida, / que apurava nesse dia a vida / duma semana de trabalho!»; a bicicleta que já foi moderna «e fazia escola, quando a malta partilhava quartos de hora, / aprendendo a subir os degraus da vida / na cidade ou na aldeia mais remota»; os brinquedos, qual avião azul, escondido algures no sótão, ou na cave, que «de vez em quando sai do armário / e acorda-me a voar…», etc., etc.    
Como corolário deste nosso modesto contributo/partilha, tomaremos como nossas as palavras do escritor e poeta Fernando Melim, em prefácio ao livro «Olhares», de Francisco Carneiro Fernandes: «A linha mestra da Poesia mergulha fundo nas raízes da saudade. Também este poeta, esta poesia, se enleiam no espaço imenso, feito de dias e de permutas, de sonhos e de esperanças, de alegrias e de medos, que se escoam por entre os dedos, de mansinho, como um punhado de areia limpa e seca». De facto, o poeta Francisco Carneiro Fernandes continua a mergulhar fundo nas raízes da saudade em «instantes irrepetíveis, / eternidades por descobrir… / A imensidão dos possíveis!».
         Nas Janelas da Minha Alma, um livro de poesia com nota máxima!

Saturday, November 23, 2013

Caiu o pano da opereta trágico-cómica «Mas afinal quem és tu, ó Dona Maria da Fonte?»...

“Abençoada Maria, a da Fonte, que me levou de Lisboa até à bela cidade de Viana do Castelo e ao Centro Dramático de Viana, onde tive a felicidade de conhecer e trabalhar com um belíssimo naipe de actores e técnicos”

Fernando Gomes
(Escritor e encenador)

Elenco com Fernando Gomes
Foi há cerca de cinco anos (2008) que no palco do Teatro Municipal Sá de Miranda nasceu «Mas afinal quem és tu, ó Dona Maria da Fonte?», uma opereta trágico-cómica escrita e encenada por Fernando Gomes, que – e parafraseando o mesmo autor – depressa se transformaria num enorme êxito, “dando a conhecer ao público, através de divertidas personagens brilhantemente criadas pelos actores, um pouco da nossa história”, revisitada há bem pouco tempo pelo escritor Orlando Ferreira Barros, com a publicação de uma Peça de Teatro da sua autoria, «A Honra Inacabada do Capitão Melquíades», qual decalque da guerra civil da Patuleia e da Maria da Fonte, onde os revoltosos cercaram o Forte de Santiago da Barra (conhecido entre o povo por “castelo”). Dois cenários, mas a mesma rainha… Dona Maria II.
Com a promessa por cumprir à nossa particular amiga e grande actriz Elisabete Pinto, actual directora do Centro Dramático de Viana (CDV), lá arranjamos um pouco do nosso tempo para assistirmos à citada opereta trágico-cómica que, cinco anos depois, pela mente e mestria de Fernando Gomes, voltou ao mesmo palco e com o mesmo elenco. A explicação para esta necessária e tão esperada “reposição” vem-nos da própria direcção do CDV: «Mas afinal quem és tu, ó Dona Maria da Fonte? marcou um ponto de viragem na companhia, na sua estreia em 2008. Hoje, no momento em que a companhia mais depende do público, faz todo o sentido repor neste ano de 2013 (o primeiro em 21 anos sem subsídio do Estado) esta opereta trágico-cómica de Fernando Gomes. / Cinco anos depois, esperamos que este possa ser um novo ponto de viragem. Queremos continuar a contribuir para esbater as barreiras geográficas e relacionais entre o público e o teatro. / Os nossos agradecimentos vão para toda a equipa que voltou a pôr esta Maria da Fonte de pé; para os nossos mecenas, patrocinadores, voluntários e cooperantes. E para a Câmara Municipal de Viana do Castelo, cuja visão de cultura é responsável por ainda estarmos aqui (…)».

Início do 2.º Acto

«Mas afinal quem és tu, ó Dona Maria da Fonte?» esteve em cena no palco do Teatro Municipal Sá de Miranda, de 27 de Setembro a 16 de Novembro de 2013. E porque, aliado ao facto de sermos leigos na matéria, nada termos acrescentar ao que foi dito e escrito (porquê inventar?), tomamos como nossas as palavras do escritor Orlando Ferreira Barros, um dos pioneiros do Teatro em Viana, do (pouco) antes e pós-Abril: «Como amante do teatro e dramaturgo consola-me que o Sá de Miranda tenha vindo a ter uma notável assistência – houve sessões esgotadas – com o público de pé a bater palmas no final do espectáculo. É muito gratificante para os actores e para os técnicos (estes foram chamados ao palco e muito bem), muito bom para o teatro, sabendo que este está na linha final das opções dos portugueses. A lusa gente prefere ficar em casa a ver futebóis [coincidência ou não, no dia em que fomos ver esta opereta, jogava a selecção nacional] e os meandros psicológicos, densos e enigmáticos (nem as peças de Shakespeare) da Casa dos Segredos». Quais bem conseguidos clichés e/ou bem caracterizadas personagens – a velha vergada ao peso dos anos de lenço na manga; o marido esquecido por conveniência, andando ao ritmo do pisar das uvas, mas sempre atrás da “lasca”; o gago; o bobo; o padre, qual fracassada missão de “alcoviteiro”; o médico; as permanentes enxaquecas da rainha; a Maria (Rapaz) de “pelo na venta”, com entrada triunfal de cigarro na boca, etc., etc. –, nos aliviariam das pressões negativas do quotidiano (causa-efeito de hemialgias causadas por uma ditadura disfarça de democracia) e dos subsequentes malefícios impostos à Cultura (o primeiro em 21 anos sem subsídio do Estado – citamos desabafo do CDV), fazendo-nos rir a bom rir.

Caiu o pano de «Mas afinal quem és tu, ó  Dona Maria da Fonte?»

Para que não nos venhamos a esquecer de toda esta maravilhosa “estirpe” de artistas, colaboradores, técnicos e auxiliares de palco, aqui fica a nossa singela homenagem, memorizando-os, pela importância e desempenho de cada um: INTÉRPRETES: Ana Perfeito, Elisabete Pinto, Ricardo Simões, Sílvia Santos, Tanya Ruivo, Tiago Fernandes e Vítor Nunes; DIRECÇÃO MUSICAL: José Prata; DESENHO E LUZ: Rui Gonçalves; CENÁRIO E FIGURINOS: Alice Assal; CONSTRUÇÃO CENOGRÁFICA: Porfírio Barbosa e Narciso Afonso; APOIO GUARDA-ROUPA: D. Agulha; CABELEIREIRO: Pentearte; DESIGN GRÁFICO: Rui Carvalho; OPERAÇÃO DE LUZ: Nuno Almeida; OPERAÇÃO DE SOM: Narciso Afonso; CONTRA-REGRA: Porfírio Barbosa e Ricardo Magalhães; TÉCNICA OFICIAL DE CONTAS: Ana Paula Antunes; DIRECÇÃO TÉCNICA TMSM: Rui Gonçalves; TÉCNICOS DE PALCO: Daniel Carreiras e Ricardo Magalhães; TÉCNICO DE SOM: Filipe Silva; TÉCNICO DE LUZ: Nuno Almeida; CHEFE DE FRENTE DE CASA: Ana Sofia Ricardo: OPERADORES DE BILHETEIRA: Maria do Carmo Pinho e Gorete Carreiras; ASSISTENTES DE SALA: Íris Santos, João Gomes, Rui Pereira, Bruno Sampaio, Diogo Ferreira, Patrícia Morais e Ana Silva; LIMPEZA E MANUTENÇÃO: Felicidade Carvalho e Rosalina Baeta.
Porque reconhecemos o Teatro como – alguém diria – um lugar condensado da vivência das ambiguidades e paradoxos, onde as coisas são tomadas em mais de uma forma ou sentido, a modos de despertar sentimentos no público, terminaremos com uma máxima do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860): Não ir ao teatro é como fazer a toilette sem espelho. Pensem nisso… No dia 6 de Dezembro, dia de Aniversário (22.º) do Centro Dramático de Viana, assistir-se-á à estreia d’A Casa do Rio, 115.ª Produção do CDV.
       Viva o Teatro! Viva, VIANA NO SEU MELHOR!

Friday, November 15, 2013

Manuel Curado e José António Alves organizam «Obras Completas» de Edmundo Curvelo!

“Uma das maiores originalidades da obra de Curvelo é a sua estima pela divulgação de qualidade através de artigos para o grande público sobre descobertas científicas de vanguarda”

Os Organizadores

Apesar de muito pouco haver a dizer, nomeadamente quando se tratam de “obras completas”, deste ou daquele autor, tendo em conta o cariz funcional/consultivo das mesmas, não poderíamos resistir à tentação de deambularmos um pouco pela magnífica organização das «Obras Completas» de Edmundo Curvelo (1913-1954), publicadas pela Fundação Calouste Gulbenkian, num único volume de mil trezentas e cinquenta e seis (1356) páginas, sob batuta “científica-intelectual” dos nossos grandes amigos e ilustres académicos Manuel Curado e José António Alves, dois especialistas deste prestigiado filósofo português da primeira metade do século XX, que deixou para sempre marcas profundas na história do pensamento português, devido à originalidade dos assuntos abordados e a um estilo claro e inovador.


Para além de ficarmos surpreendidos com a gentil oferta, sentimo-nos extremamente lisonjeados pelo preceito e imerecida consideração, pois (esta mesma publicação) trata-se de um extraordinário contributo para a divulgação da vocação filosófica de Edmundo Curvelo, que – apesar dos seus parcos quarenta anos de existência – procurando um modo rigoroso para expressar os argumentos filosóficos, soube aplicar a Lógica Simbólica à Psicologia e à reflexão que a Ética faz sobre o comportamento humano. Segundo Edmundo Curvelo, a jovem ciência da Psicologia e a velha filosofia da Ética só teriam estatuto científico na medida em que organizassem os seus conceitos de modo racional, pois que, para este ilustre arronchense (Alentejo), toda a ciência verdadeira deve ser uma construção lógica. Para o editor, esta obra de Lógica é tanto mais notável quanto se sabe que este ramo comum à Filosofia, à Matemática e à Ciência da Computação não teve muitos cultores no pensamento português contemporâneo. Curvelo apresenta-se assim como o continuador do legado original de grandes filósofos portugueses do passado, como Pedro Hispano e João de S. Tomás.
Este precioso volume – porque não classificá-lo à boa maneira de Pacheco Pereira, «DINAMITE INTELECTUAL» – das «Obras Completas» de Edmundo Curvelo, dá-nos a conhecer o seu pensamento científico e filosófico, em dois capítulos: I – OBRAS: Introdução à Lógica; Fundamentos Lógicos da Psicologia; Relações Lógicas, Psicológicas e Sociais da Ética; Tombam ídolos dos altares; Os Princípios da Logificação da Psicologia; Multiplicidades Lógicas Discretas; Sobre os Fundamentos da Lógica (Complementaridade e Valência); Principia Logicalia I (Noções e sistemas da lógica elementar encarados de ponto de vista superior); Principia Logicalia II (Estruturas lógicas); Quaestiones Logicales I (Do substantivo, do adjectivo e, em geral, da lógica e da gramática); Quaestiones Logicales II (Sur l’invariance logique); Prefácio à História do Neo-Realismo Americano; Quaestiones Logicales III (Pour la théorie des systèmes logiques de transformation duale);  Quaestiones Logicales IV (Problemática filosófica da probabilidade); Opuscula Psychologica I (Da teoria e da prática da psicotécnica); Opuscula Psychologica II (Fundamentação epistemológica da psicologia); Opuscula Psychologica III (Teoria dos factores); e II – VARIA: O Liceu de Passos Manuel; A Bomba Atómica, a Tabuada e o mais que adiante se verá (Com desenhos de Noémia Curvelo); O Resto da Bomba Atómica (Com desenhos de Noémia Curvelo); Dois professores e uma história a meia voz (Com desenhos de Noémia Curvelo); Filósofos e Cientistas I; Filósofos e Cientistas II; Os Paradoxos de Mestre Xis (Com desenho de Noémia Curvelo); Recensão a “Methods of Logic” de Willard V. O. Quine; Recensão a “Logical Foundations of Probability” de Rudolf Carnap; Conhecimento Científico; Vamos conquistar a nossa profissão?; Máquinas e Homens. Os organizadores desta magnífica obra(s), Manuel Curado e José António Alves, terminam com um bem elaborado “Índice Onomástico”, onde são referenciados cerca de três centenas e meia de pensadores e/ou filósofos.

José António Alves e Manuel Curado, dois especialistas de Edmundo Curvelo

Terminaremos dizendo que MANUEL CURADO é professor da Universidade do Minho, Auditor de Defesa Nacional, titular do Curso de Alta Direcção para a Administração Pública, doutor cum laude pela Universidade de Salamanca, mestre pela Universidade Nova de Lisboa e licenciado pela Universidade Católica Portuguesa. É autor de vários livros, nomeadamente, As Viríadas do Doutor Samuda (Coimbra, 2013), Um Génio Português: Edmundo Curvelo (Coimbra, 2013), Porquê Deus, Se Temos a Ciência? (Porto, 2009), Cartas Italianas de Verney (Lisboa, 2008), Pessoas Transparentes: Questões Actuais da Bioética (Coimbra, 2008), Luz Misteriosa: A Consciência no Mundo Físico (Famalicão, 2007) e O Mito da Tradução Automática (Braga, 2000). É Cavaleiro da Ordem Patriarcal da Santa Cruz de Jerusalém; e JOSÉ ANTÓNIO ALVES é investigador na Universidade do Minho, onde desenvolve um projecto sobre Edmundo Curvelo. É mestre em Ciências Cognitivas pela Universidade Católica Portuguesa. É autor do livro que já aqui falamos, Limites da Consciência: O Meio Segundo de Atraso e a Ilusão da Liberdade (Porto, 2013), co-autor do livro, também aqui referido numa das nossas crónicas, Um Génio Português: Edmundo Curvelo (Coimbra, 2013) e co-editor do livro Escola de Braga: A Correspondência com Delfim Santos (Braga, 2011). É actualmente bolseiro da “Fundação para a Ciência e a Tecnologia” do Ministério da Educação e Ciência.
        Nota máxima para os organizadores das «Obras Completas de Edmundo Curvelo» e para a Fundação Calouste Gulbenkian, que se tem preocupado em criar “um lugar próprio reservado aos testemunhos válidos da singularidade e da autenticidade da nossa cultura, seja qual for o quadrante onde se localizem”. Bem-haja quem assim age! 

Friday, November 08, 2013

António Maranhão Peixoto apresenta retrospectiva sobre “Carreço de outrora e de agora”!

“Carreço, verdejante rincão prendado pelo Atlântico e pela Serra de Santa Luzia, situado a cerca de seis quilómetros da sede do município, é uma localidade que nas últimas décadas tem trilhado um caminho de progresso e afirmação permanente da sua identidade”

Joaquim Viana da Rocha

António Maranhão Peixoto, ex-Chefe de Divisão do Arquivo Municipal de Viana do Castelo e actual Vice-Presidente do Município de Esposende, distrito de Braga, acaba de nos contemplar com um interessante livro sobre «Carreço de outrora e de agora», que acaba por reproduzir todo o percurso e acção de Joaquim Viana da Rocha, a liderar a autarquia de Carreço desde 1986, e que nas últimas eleições ficou impedido de concorrer por ter atingido o limite de mandatos: “Carreço de outrora e de agora é mais um contributo deste órgão autárquico para a consolidação do conhecimento sobre a nossa terra. Proporciona novas abordagens e novas leituras, com conceitos inovadores ao nível informacional, com revelações e sedimentação do trabalho de tantos que permanecem no público anonimato e se dedicam com apreço e enlevo ao desenvolvimento contínuo deste seu torrão natal ou residencial” – assim se explica Joaquim Viana da Rocha em jeito de mensagem de abertura deste mesmo livro.


Propondo-se, segundo a óptica do autarca, como sendo um “paginar do tempo mais recente, com enfoque na vigente democracia”, este livro, para além da mensagem de abertura, faz-nos perpassar por uma ANTOLOGIA, onde António Maranhão Peixoto aborda as Memórias Paroquiais de 1758, reproduz textos de José Augusto Vieira (O Minho Pittoresco), Raul Brandão (Os Pescadores), António da Silva (Carreço no passado e no presente, In «A Aurora do Lima»), António Maranhão Peixoto (Carreço, In «Dicionário Enciclopédico das Freguesias», 1.º Volume) e António Manuel Couto Viana (Lenda do Monte da Dor); pela IDENTIDADE, onde são reproduzidos mapas de delimitações, descrição do brasão, bandeira e selo branco (Diário da República – III Série, n.º 267, 18-11-1995) e toponímia; pela DINÂMICA AUTÁRQUICA a partir de Maio de 1974, apresentando-nos uma retrospectiva das eleições para a Assembleia de Freguesia e consequente composição da mesa, publicação de boletins informativos, Regimento da Assembleia de Freguesia (31 Artigos), Junta de Freguesia, Relatório de Actividades e Contas e Regulamento do Controlo Interno; pelo PLANEAMENTO TERRITORIAL E URBANISMO, com desenvolvimento detalhado sobre a ocupação do território e humanização do espaço, desde 1527; pelo EQUIPAMENTO SOCIAL, onde se fala das escolas, parques de estacionamento, áreas ajardinadas, melhoramentos na rede viária, abrigos de passageiros, parques infantis, sanitários públicos, passadiços de apoio às áreas balneares, alargamento do cemitério, construção da Sede da Junta de Freguesia, Centro de Dia e Apoio Domiciliário e Centro Social; pela QUALIDADE DE VIDA, onde são abordados os bens essenciais como a água e sua distribuição ao domicílio, a energia eléctrica, saneamento básico, melhoramento das infra-estruturas e rede viária, melhoramentos de cuidados de saúde, adjudicação da construção do edifício da Escola Pré-Primária e remodelação da Escola Primária; pelo PATRIMÓNIO onde (para além da Igreja Paroquial), com base na Lei de Separação entre a Igreja e o Estado, datada de 20 de Abril de 1911, e através de um “Livro de Arrolamento dos Bens da Igreja” (AMVC), os bens como as capelas (S. Paio, S. Pedro, Senhor do Bonfim, Bom Sucesso, Senhora da Conceição, S. Sebastião e Mortuária), cruzeiros, alminhas, moinhos, Estação, Farol e Forte do Paçô, são descritos de uma forma meticulosa; pelo ASSOCIATIVISMO, onde se reproduz o forte pendor nesta área, bem vincado na centenária Sociedade de Instrução e Recreio de Carreço (SIRC), no alegre dinamismo do Rancho Regional das Lavradeiras e do Grupo Folclórico e Cultural de Danças e Cantares; e, finalmente, pelo AMBIENTE, que passa pela qualificação da zona balnear, ajustada a um Plano de Ordenamento da Orla Costeira e o aproveitamento dos recursos naturais, nomeadamente através da Energia Eólica, etc., etc.,… De uma forma particular, gostamos da apresentação, se tivermos em conta a nossa percepção estética.

António Maranhão Peixoto
Para terminarmos, convenhamos em dizer que António Maranhão Peixoto (N. 1963) é natural de S. Bartolomeu do Mar (Esposende), licenciou-se em História (1986) e obteve a pós-graduação em Ciências Documentais (1988), opção de Arquivo, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Tem uma grande experiência de escrita de História, com a divulgação de fontes, quer nos Cadernos Vianenses, quer em edições autónomas, onde se destacam estudos sobre cartografia e antleteriática local. Dirigiu o Arquivo Geral da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia entre 1989 e 1991, após que passou para a Biblioteca Municipal de Esposende, entre 1991 e 1992, e daí para o Arquivo Municipal de Viana do Castelo. A sua competência induziu-o a funções de formador, e coordenador, desde Fevereiro de 1997, da Comissão Permanente da Secção de Arquivos Municipais da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas. É de momento, para além do já citado cargo no Município de Esposende, também docente convidado da Universidade Católica Portuguesa.
        Aqui fica mais uma sugestão de leitura e até para a semana!

Friday, November 01, 2013

«Arroz de Palma» de Francisco Azevedo, lançado oficialmente em Viana do Castelo!

“Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema – principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência”

Francisco Azevedo

No pretérito dia 25 de Outubro (Sexta-feira), tendo como cenário a Sala Couto Viana, da Biblioteca Pública Municipal de Viana do Castelo, foi lançado oficialmente em Portugal o primeiro romance (Arroz de Palma) do escritor, dramaturgo, guionista cinematográfico, poeta e ex-diplomata brasileiro (com ancestralidade vianense) Francisco Azevedo, nascido na cidade do Rio de Janeiro, a 23 de Fevereiro de 1951. Com duas irmãs mais velhas e dois irmãos mais novos, é o terceiro dos cinco filhos de Orlando Azevedo e Maria do Carmo Vellozo Azevedo.  Segundo Francisco Azevedo, por meio de amoroso acerto familiar e pela generosidade de seus pais, foi criado e formado por sua avó materna. Para ele, “uma bênção, uma dádiva: nosso quotidiano, nossas conversas intermináveis, nossos medos confessados, nossa cumplicidade. Ela e sua sabedoria, sua paciência, seu senso de justiça. Eu e meus questionamentos, minhas inquietações, minhas opiniões radicais. Em 1966, viajamos pela Europa. Quatro meses de muito aprendizado e belas descobertas. Moramos juntos desde que nasci até o dia de sua morte, em 26 de Janeiro de 1974. Em Novembro do mesmo ano, já como diplomata, saí do Rio de Janeiro para viver em Brasília e depois no exterior. Quis, assim, o destino, que minha avó se despedisse de mim antes que eu a deixasse. Em sua súbita partida, vi novamente uma bênção, uma dádiva” – citamos. Em síntese – e por forma a não nos alongarmos em demasia pela sua biobibliografia, que no dia da apresentação, seria muito bem explanada pelo director da Biblioteca e nosso particular amigo, Rui A. Faria Viana –, diremos que para além de livros e peças de teatro, Francisco Azevedo já escreveu para mais de 250 produções, incluindo roteiros de longa e curta-metragem, documentários premiados e anúncios para televisão, acrescendo ao facto do nosso orgulho, enquanto vianenses, do mesmo ter a sua ancestralidade na terra que nos viu nascer: «Sim, sou eu mesmo, António. O filho mais velho de José Custódio e Maria Romana. Meus pais nasceram em Viana do Castelo, norte de Portugal. E lá se casaram, em 11 de Julho de 1908, debaixo de abençoada chuva de arroz…». E assim, o arroz é um dos protagonistas deste maravilhoso romance, que nos pretende (de uma forma bem conseguida) retratar a imigração portuguesa no Brasil, no séc. XX, com a incidência sobre a saga de uma família vianense em busca de um futuro melhor.

Mesa de «À Conversa com... Francisco Azevedo»: Luís Miguel Rocha, Francisco Azevedo e Rui A. Faria Viana.

De facto, o arroz percorre todo romance: «Mas Tia Palma permanece ali, os olhos fixos no arroz espalhado pelo adro da igreja. Para ela, aquele extenso croché branco e granulado não é exemplo de desperdício, mas de generosidade. Trabalho colectivo feito à mão. Prova concreta de que o bruto e insensível ser humano, mesmo que por alguns instantes, também conhece a delicadeza e a poesia. Entusiasmada, se põe a juntar todo o arroz. Não deixa sobre as pedras um só grão…» – levando a que a Tia Palma passasse a ser a segunda protagonista do romance. Daí, ARROZ DE PALMA exprimir o sentido da família como um prato de complexa elaboração, quando a mesma Tia Palma se alegra com os 12 quilos de arroz recolhidos no adro da igreja e os oferece como prenda de casamento a seu irmão José Custódio e à sua querida cunhada Maria Romana. No cartão, com inteligência e má caligrafia, escreve: «Este arroz – plantado na terra, caído do céu como o maná do deserto e colhido da pedra – é símbolo de fertilidade e eterno amor. Esta é a minha bênção. / Palma. / Viana do Castelo, em 11 de Julho de 1908». Mesmo que José Custódio achasse absurdo o presente, o mesmo os acompanharia até ao epílogo das histórias deste romance, condimentadas com “uns poucos retratos e receitas [cronologicamente firmadas de 1908 a 2008] caseiras”: «Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete».


Não sendo nosso propósito minuciar todo o trama deste magnífico romance – seria uma propositada “traição” ao autor e aos seus eventuais leitores –, apenas queremos realçar alguns dos aspectos – bem vincados pelo bom amigo e extraordinário escritor/vaticanista Luís Miguel Rocha, na qualidade de apresentador da obra –, que passam pelo peculiar sentido de humor (tal como o arroz – Mamãe não se intimida. É verdade atrás de outra. O arroz trazido para o Brasil no oratório… –, percorre todo romance) de Francisco Azevedo e da sua expressividade sentida de humanista, quiçá fruto da sua experiência diplomática: «Acredito no diálogo. Sempre acreditei. Mesmo no mais duro, no mais áspero, ponho a minha fé. Na busca sincera do entendimento ou do convencimento, admiro as falas de cada um. A palavra certa no momento exacto, o xeque-mate. Ou o discurso equivocado, mas cheio de verdadeira paixão. O falar pausado ou o desmedir a voz. O adicionar o choro, o recorrer ao berro…». Para Francisco Azevedo, até o chutar de um balde poderá fazer parte do diálogo, permitindo, às vezes, que a “conversa vá adiante”. Glosamos com as alegorias, quais receitas onde a qualidade da panela pouco importa – «…fazer uma família exige coragem, devoção e paciência…» –, degustando cozinhados, por vezes poético-eróticos: «Isabel promete que, depois do banho, faz uma comidinha gostosa com o que veio da fazenda. Daí toma a coragem e encontra os lençóis, arruma a cama. Isso sim lhe parece romântico. Não o colchão à mostra e nós dois, roupa do corpo, estirados nele de qualquer maneira a nos desabotoarmos, precoces e atabalhoados, sem nenhum mistério, sem um mínimo cuidado. Que poesia? Ela pede resposta. Que poesia? Instinto, desejo, paixão incontida, pode ser. Mas poesia?! Onde?!…» ou filosofando à volta dos sagrados rituais: «Quero distância de religiões, mas respeito rituais. Influência de Tia Palma, admito. Meu café da manhã é sagrado. O ritual é sempre o mesmo: a hora, a xícara, o pôr o leite primeiro, o escurece-lo depois no ponto certo, o abrir o pão, o tirar o miolo…», etc., etc… Neste romance “o sangue português bate forte” e “feijão com arroz e café com leite são combinações perfeitas”. Bem, fiquemos por aqui. Compete aos eventuais – futuros – leitores experimentarem e interpretarem os truques, os segredos, o imprevisível em Arroz de Palma.  
            Um livro e um autor a reter. Nota máxima para os dois! 

Saturday, October 26, 2013

António Matos Reis publica “Foral manuelino de Valença”!

“Com a publicação do «Foral Manuelino de Valença», dá-se mais um contributo valioso à interpretação, ao conhecimento e à valorização da nossa evolução e identidade como terra e como povo”

Jorge Salgueiro Mendes
(Presidente do Município de Valença)


Quando se assiste à publicação de obras de natureza histórica, normalmente há da nossa parte uma redobrada cautela no que toca ao conteúdo e ao autor. No entanto, há determinados autores que dispensam qualquer retraimento, desconfiança ou prudência da nossa parte, porque nos vão habituando à precisão e ao rigor científico, determinados na argumentação documental, na seriedade interpretativa dos mesmos documentos – porque bem formados na área em que gravitam – e na antítese ao plágio descarado, muito em voga cá pelo nosso burgo. E um dos historiadores que figura no escantilhão das nossas exigências histórico-científicas, é precisamente o nosso particular amigo António Matos Reis, Doutor no ramo do conhecimento em História, pela Universidade do Porto, com tese intitulada “Os Concelhos na Primeira Dinastia à luz dos forais e de outros documentos da Chancelaria Régia”, o qual tem exercido várias funções, entre as quais as de Docente de História, no ensino oficial, as de Conservador e Director do Museu Municipal de Viana do Castelo e as de Director do Departamento de Desenvolvimento Económico, Social e Cultural, na Câmara Municipal de Viana do Castelo. Publicou até hoje cerca de duas centenas de trabalhos, incluindo vários livros, entre os quais se contam os seguintes, dedicados ao estudo dos forais e da história dos municípios: Origens dos Municípios Portugueses (com duas edições, 1991 e 2002), O Foral de Valença (1996) e História dos Municípios 1055-1385 (2007). Este último foi galardoado com o Prémio Nacional de História Medieval “Almeida Fernandes” no ano de 2008. No corrente ano, enquadrado nas comemorações dos quinhentos anos da atribuição do Foral, por Dom Manuel I, a Valença (1512), António Matos Reis acaba por nos contemplar com o Foral manuelino de Valença, numa bem conseguida edição – revestida de uma riqueza estética e de conteúdo – do Município de Valença, obra de que acusamos a sua gentil oferta.


Quase que poderíamos ficar por aqui se não nos deslumbrássemos com a explanação meticulosa, em termos históricos, dos forais antigos aos forais novos, tendo em conta que “na sua maior parte, os municípios portugueses foram criados, na Idade Média, através da outorga de um documento, de início, como todos os outros documentos da época, referido simplesmente como uma carta mas, a partir das últimas décadas do século XIII, designado como foral”; do processo de elaboração dos forais manuelinos; de Valença entre as origens e o foral manuelino, perpassando pelo caminho do desenvolvimento – as feiras, “concretamente, em Valença, cuja localização geográfica era adequada ao encontro de mercadores e de populações provenientes de amplas áreas dos dois lados da fronteira”; de Valença no centro da história; das restrições da “liberdade”, atendendo ao facto de que “para que a vida municipal se pudesse desenrolar pacificamente, foi necessário pôr cobro às ingerências de poderes exteriores aos municípios”; e, finalmente, do território do concelho que, de um modo geral, “pode afirmar-se que os municípios da margem portuguesa do rio Minho, comparados com outros, integravam territórios de dimensões relativamente moderadas, e Valença não constituía excepção sob esse aspecto. O termo que viria a estar sob a alçada municipal nos mais antigos concelhos, como sucedeu com Ponte de Lima, com Melgaço e com Valença, limitava-se inicialmente a pouco mais do que o espaço correspondente ao que viria a considerar-se a sede do município (…)” – citamos António Matos Reis.
Num terceiro capítulo, este creditado medievalista acaba por fazer a descrição do foral manuelino de Valença, abordando as suas características materiais, a estrutura do códice, o seu conteúdo, terminando com a sua transcrição, adoptando as normas mais generalizadas em Portugal, que resultam da adaptação à nossa língua das normas estabelecidas pela Commission Internationale de Paléographie (Avelino Jesus da Costa, Normas Gerais de Transcrição e Publicação de Documentos e Textos Medievais e Modernos, 3.ª ed., Coimbra, Instituto de Paleografia e Diplomática, 1993); apontamento bibliográfico, onde são citadas cerca de três dezenas de obras consultadas; glossário, limitado a alguns vocábulos que têm um significado especial ou cujo entendimento pode ter alguma dificuldade para certos leitores, por serem de uso pouco frequente; e um bem estruturado índice remissivo.
Terminaremos com a sugestão do autor, a qual subscrevemos inteiramente: “Que o público em geral e em especial os jovens estudantes aceitem o desafio de ler este texto, procurando entender o foral manuelino e o seu interesse para a história de Valença”.
      Os nossos parabéns ao Autor e ao Município de Valença. Nota máxima para a obra, ora trazida ao conhecimento público! 

Sunday, October 20, 2013

“Do cavalo e da jovem rapariga” e o selvagem da desonra!

“De entre os Códridas já não se elegiam reis, por se considerar que se tinham tornado efeminados e brandos. Hipómenes, um dos Códridas, quis afastar esta acusação. Tendo surpreendido um amante com a sua filha Leimônê, matou-o amarrando-o ao carro com sua filha, e a esta encerrou-a com um cavalo até que morreu”

Aristóteles
(Fragmento da Constituição dos Atenienses)


Ao tempo das nossas incursões académicas, foi-nos proposto um exercício, onde nos confrontamos com dois pequenos excertos dos textos de Ésquines (Contra Timarco) e de Aristóteles (Fragmento da Constituição dos Atenienses), e por acharmos que, tal como afirmaria Richard E. Palmer, em hermenêutica o processo de interpretação “vai de um conteúdo e de um significado manifestos para um significado latente ou escondido”, aventamos a hipótese de o objecto de interpretação, neste caso concreto os dois pequenos textos, poder ser constituído por símbolos mitológicos, sociais ou literários.
Inicialmente, espelhando uma certa desarticulação de raciocínio, só porque fomos iludidos pelo cenário, desprezamos o conteúdo ou o tema nevrálgico de tais “construções literárias”. Na altura, tomaríamos a interpretação certa, envoltos na máxima grega «Antes a Morte que a Desonra», sendo que o castigo corporal era encarado, na antiga Grécia, como modelar. Os condimentos que nos poderiam conduzir a tal interpretação estavam lá, mesmo quando o fizemos – ou procuramos fazer – à luz da história, sem esquecermos o tempo e o espaço. Mas, sem querer, apenas estávamos a dissimular uma construção interpretativa de “pescadinha de rabo na boca”. Apesar de termos tomado em linha de conta o sentido figurado ou metafórico, levados pelos conceitos do exemplo moral, numa Grécia da sabedoria, da beleza e da justiça, dado que as mulheres estavam sujeitas a restrições – eram bastante dominadas pelos maridos, pais ou irmãos e raramente participavam na política ou em qualquer outra forma da vida social –, só posteriormente nos apercebemos do nosso erro de raciocínio.


Enquanto nos enredávamos na teia “Do cavalo e da jovem rapariga”, sentíamos – ou ficaríamos com a sensação de – que, como uma centelha, a verdadeira “jurisprudência” do zeloso e guardião pai, da virgindade da jovem rapariga, ocultava algo bem mais grave do que a simples disciplina exemplar do castigo corporal, pela agravada desonra perpetrada por sua casta filha. Os termos, quer num quer noutro texto, levar-nos-iam a pensar, ainda que erradamente, na exemplaridade moral, tendo em conta que na Grécia Antiga a violência fazia parte da sua cultura e, quiçá, do seu subconsciente. A acidentalidade do espaço geográfico; a luta pela hegemonia; as querelas locais – de que é exemplo o duelo entre Ésquines e Demóstenes –; a expressão e sobrevivência dos próprios deuses, ainda que simbolizados pelas forças da Natureza, ostentavam também os sentimentos bons ou maus dos seres humanos – para os Gregos, todos os homens se transformavam em deuses logo após a morte –, revestindo-se em histórias mitológicas, ora poéticas e graciosas, ora absurdas e pueris, ora imorais e grosseiras; e a própria “Tragédia Grega”, levar-nos-ia a equacionar a própria violência como factor preponderante para a interpretação dos textos. Mas, então, qual seria a interpretação certa a dar aos pequenos textos que nos falam do «cavalo e da jovem rapariga»?      
Que interpretação certa? Reformulando a nossa visão, e depois de termos lido o excelente trabalho científico dos Professores Ana Lúcia Curado e José Manuel Curado, quase que não arriscaríamos em procurar uma outra interpretação. Contudo, ao lermos a dado momento do referido texto que “o facto de existir esse conhecimento do folclore mágico das plantas não significa que pessoas sofisticadas e urbanas como Ésquines e Aristóteles o conhecessem” despertou em nós um desafio de procurarmos interpretar os referidos textos, contextualizando-os ao objecto – e/ou objectivo – para que haviam sido criados. Longe de nós em tentarmos diminuir (ou anular) a interpretação de tão ilustres catedráticos, já que, incontestavelmente, esse mesmo estudo assenta no profundo domínio do grego e da Hermenêutica, sendo que, além disso, a sua fundamentação não deixa qualquer margem para dúvidas.
Ao procurarem dizer-nos que Ésquines e Aristóteles projectaram sobre os diminutos elementos da história (a rapariga e a planta de nome estranho) “esquemas de inteligibilidade que reflectem os seus interesses intelectuais”, por forma a construírem uma história fortemente moralizadora, os mesmos professores permitir-nos-iam – com algum devaneio intelectual da nossa parte (por certo que nos perdoarão!) –, recorrer à interpretação alegórica, já que o texto de Ésquines assenta no julgamento de Timarco, onde são postas em causa as qualidades morais incompatíveis com as funções de cidadão e, circunstancialmente, o prostituído não pode exercer nenhum cargo público, nenhuma magistratura (Ésquines: Contra Timarco: I 19). De facto, Timarco foi levado a julgamento por falar na assembleia depois de ter tido semelhante conduta. Carlos Espejo Muriel, da Universidade de Granada, no seu trabalho «Pederastico Griego» fala-nos de exemplos que Ésquines nos oferece e aborda esta temática num capítulo intitulado «A negação da homossexualidade na Grécia». Numa das conclusões chega mesmo a afirmar: La pederastia es un fenómeno antiguo que nada tiene que ver con la homosexualidad, no en cambio esta última que responde a un concepto moderno, que tantas veces se ha utilizado para negar precisamente el deseo homosexual en la antiguedad, deseo que por otro lado queda expuesto al comprobarse la realidade de los gays en Grecia. E agora, que julgamentos e interpretações se fazem, ao tempo de outras imoralidades?
Pelo facto de – conscientemente – nos assumirmos como filhos da Grécia e de Roma, sempre que nos cruzamos com uma jovem rapariga e/ou um cavalo, procuramos reinterpretar a nossa própria existência. No tempo presente, enquanto os cavalos selvagens pastam livremente na Serra d’Arga ou no Gerês, a conduta política e sexual, a virgindade e a desonra deixaram de ser equacionadas, dado que a sobrevivência – a da politicamente correcta – dos “deuses” permanece, mas de uma forma selvagem… O selvagem da desonra!
Ao longo da “vida” sempre procuramos ser cautelosos, mormente quando accionamos o exercício permanente de interpretação. E essa será sempre a nossa postura. Daí, o poderem dormir descansados! 

Friday, October 11, 2013

O conhecimento nos limites do fenomenismo em David Hume!

“A atenção regular a um interesse tão importante como o da salvação eterna é capaz, por si só, de extinguir as afeições benevolentes e originar um egoísmo limitado e restrito. E quando um tal temperamento é encorajado, facilmente ilude todos os preceitos gerais de caridade e benevolência”

David Hume

Já lá vão cerca de cinco anos quando, através de uma crónica que mantínhamos no jornal Falcão do Minho, escrevemos acerca de David Hume [N. Edimburgo, 1711 – m. Edimburgo, 1776], filósofo, economista, escritor e historiador inglês, o primeiro a admitir o seu pendor ateísta, frequente acusação de que eram alvo alguns dos filósofos que o antecederam, numa altura em que tal adjectivação não se traduziria, por certo, em elogio para ninguém. Antes pelo contrário, os filósofos enfrentariam graves dificuldades de forma a convencerem as pessoas da antítese à “ordem estabelecida”. Sendo que David Hume admitiria o confronto com a teologia, tal acto – diríamos, atitude ou acção –, levá-lo-ia a ser protagonista de um escândalo público, cuja dissuasão pretendida pelos seus opositores se baseava numa argumentação filosófica, e não em eventuais torturas.
Na altura – de uma forma concisa o abordaríamos pelos seus princípios do pensamento – reportando-nos ao facto de que se no início da era Cristã, a filosofia foi absorvida pela teologia, centrada na aceitação de textos elaborados, por forma a construir-se novas argumentações dogmáticas, a partir Descartes (Séc. XVI), considerado como fundador da filosofia moderna, despreza-se os velhos pressupostos e a fundamentação assenta na filosofia da razão, ou seja, no método para conduzir a razão na busca da verdade, tentando unificar as ciências. Através deste “processo” procurava-se demonstrar que era possível negar tudo. Meio século mais tarde, John Locke revolucionou a noção de conhecimento ao introduzir o empirismo, cujo argumento defendia o princípio fundamental da filosofia, não na razão, mas na experiência. E David Hume procurou ir mais longe, ao querer demonstrar que já não era possível a construção de sistemas filosóficos, opondo-se, claramente, ao “penso, logo existo” de Descartes, com “a explicação da identidade pessoal: o «eu» como feixe de representações”. Daí, ser considerado o último representante dos empiristas britânicos clássicos: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704). O projecto de David Hume é, por assim dizer, o de construir uma ciência do homem, por forma a se “descobrir os princípios que regem as operações do pensamento ”.


Segundo Diego Sánchez Meca, David Hume ao romper drasticamente com a tradição metafísica ocidental que vai desde Heraclito até Gottfried Leibniz, inicia o movimento que nos leva às modernas filosofias antimetafísicas. A sua obra, nomeadamente o controvertido «Tratado da Natureza Humana», influenciou inúmeros filósofos, levando a que Bertrand Russel o viesse a considerar – ou a declará-lo – como o maior filósofo da língua inglesa. A influência sobre Immanuel Kant foi de tal ordem que o incitaria a “abandonar a metafísica racionalista e tornando possível a redacção da Crítica da Razão Pura”. Centrado no poder e na capacidade do entendimento humano, David Hume procura, assim – parafraseando Diego Meca –, romper com a metafísica, por considerá-la resultado de um infrutuoso esforço da vaidade humana, obcecada em penetrar em ideias e objectos abstratos, inexequíveis ao próprio entendimento humano. Ao rejeitar a parte mais incerta e desagradável do saber, Hume promove a Teoria do Conhecimento, a “filosofia primeira”. Segundo ele, a actividade do espírito ao ser fruto da acção em combinar, associar e generalizar os dados da experiência – dando forma às ideias abstratas, por ligação entre o particular e o universal – conduz-nos à subjectividade, cujo conteúdo mental tem apenas como origem as impressões. Ao sugerir-nos a inexistência de ideias inatas, acaba por reforçar a tese de que “todos os conteúdos da nossa mente se formam com base em impressões sensíveis ”. Assim, para ele, a ideia de substância na metafísica corresponde, naturalmente, a um conjunto de ideias particulares, reunido pela imaginação. Por isso, os conteúdos na nossa mente assentam na bipolarização de percepções: “Impressões” representações imediatas (experiência), por um lado e “Ideias”, representações mediatas (pensamento), por outro. Ao associarmos ideias, poderemos aumentar assim o nosso conhecimento!
Para David Hume, ao existirem três princípios de conexão entre as ideias: Semelhança (resemblance); Contiguidade (contiguity) no tempo e no espaço; e, Causa ou Efeito, graças aos mesmos, a imaginação – sendo que a mesma está na origem da ilusão e os princípios enraizados na natureza humana – amplia bastante o seu poder, ajudando a descodificar o processo de abstracção e produção das ideias gerais. Segundo o mesmo filósofo, as doutrinas filosóficas até então existentes ao carecerem de bases sólidas e, circunstancialmente, ao exprimirem princípios escolhidos sem provas, resultariam numa dicotomia entre si. No entanto, Hume, ao propor o estudo que consiste na investigação da origem das nossas ideias, estabelece – ou procura estabelecer – uma relação das ciências com a natureza humana. E essa relação só poderá ser estabelecida através do entendimento humano, tendo a noção de que este só poderá, também, ser conhecido pela observação e pela experiência. Aliás, a concepção filosófica na tradição empirista – e aqui reportamo-nos a David Hume – ao ser sustentada por duas teses gerais: “Todo o conhecimento tem a sua origem na experiência (percepções)” e “o conhecimento do mundo é constituído por relações estabelecidas entre percepções, elas mesmas determinadas pela experiência”, rejeita o “abstraccionismo aristotélico-escolástico” e o “inatismo cartesiano”. É por isso que a tradição empirista diverge da racionalista: Se os primeiros analisam as sensações e inferem indutivamente (empírica), os segundos pautam-se pela análise das ideias e inferem dedutivamente (racional). Convergem, no entanto, no objectivo da investigação filosófica, por forma a esclarecerem “como é que os sujeitos chegam a formar uma imagem do mundo”; no ponto de partida, exprimindo “a consciência dos sujeitos e respectivos conteúdos”; e, finalmente, no ponto de chegada, com a “possibilidade de formação de conhecimento sobre o mundo externo dentro de certos limites”.
Voltando à teorização das ideias, epistemologicamente falando, constatamos que as ideias simples organizam-se em ideias complexas, segundo princípios de associação, sendo os principais, como atrás descrevemos, a semelhança, a contiguidade no tempo e no espaço e a relação de causa e efeito. Hume, ao estabelecer uma distinção entre factos e relações, permitiu eliminar a metafísica, levando a que o raciocínio seja hoje considerado uma descoberta de relações entre os factos e as relações, sendo que as relações entre factos são contingentes – fundadas, necessariamente, na experiência –, enquanto as relações entre relações são necessárias, por se admitir que o seu contrário implica contradição. Mais, para Diego Sánchez Meca, em David Hume a tese caracterizadora do empirismo – todo o nosso conhecimento vem da experiência – utiliza para sua formulação, uma termologia distinta à de John Locke. Segundo o mesmo Sánchez Meca, “para Hume é mais correcto afirmar que toda ideia deriva da impressão, pois, no todo conteúdo de consciência é uma ideia, a não ser que seja conveniente distinguir entre impressões e ideias, devendo-se entender estas últimas como as imagens que conserva a memória e a imaginação das impressões ”. Assim, David Hume deixa bem claro que não há ideias inatas, pois ao todo conhecimento se basear na experiência, a mesma experiência consiste em dois tipos de percepções – impressões e ideias: “Quanto às impressões que têm origem nos sentidos, na minha opinião e a sua causa última é perfeitamente inexplicável pela razão humana e há-de sempre impossível decidir com certeza se elas têm origem imediata no objecto, se são produzidas pelo poder criador da mente ou se provêm do Autor do nosso ser”. David Hume denominaria por impressões, as percepções que penetram com maior intensidade e violência e, sob esta designação englobou todas as nossas sensações, paixões e emoções, quando surgem pela primeira vez na alma; enquanto por ideias, referir-se-ia às suas distintas imagens no pensamento e raciocínio. Ou seja, enquanto as ideias podem ser distinguidas umas das outras pela sua “vivacidade” (apoio empírico), as impressões gozam de primazia genética sobre as ideias, dado que possuem uma qualidade (“vivacidade”) superior às ideias. Se é que interpretamos bem, o mesmo acontece com as ciências matemáticas, cuja grande vantagem sobre as ciências morais, reside no facto das primeiras nos oferecer sempre clarividência e determinação, sendo facilmente perceptível a mais pequena distinção entre elas, face à ausência de ambiguidade ou variação na forma de exprimir as mesmas ideias. Normalmente, os mesmos termos exprimem as mesmas ideias, invariavelmente.
Por último, no que concerne à “explicação da identidade pessoal: o Eu como feixe de representações”, para Hume não existem substâncias; os corpos materiais são meros complexos de sensações; e, o Eu mais não representa que um feixe de sensações. Por outras palavras, “em nenhum momento temos uma percepção de nós mesmos”.
E, para melhor entendermos David Hume, terminaríamos com algumas palavras de João Paulo Monteiro: «A teoria humeana da inferência indutiva diz-nos como se procede à descoberta das causas dos fenómenos. Nos termos da teoria, fica bem claro que uma causa, para ser conhecida, só pode ser um objecto ou evento observável».
        As nossas sinceras desculpas aos nossos leitores, por esta pequena incursão filosófica/humeana, mas já há muito tempo que tínhamos necessidade de falar dos princípios filosóficos do pensamento, exercício cada vez mais necessário à “mandriice intelectual aguda” dos forjadores dos “calhostros da mamadeira na política”. Pensem e reflictam mais na prosperidade, resignando-se, obrigatoriamente, na adversidade. E, até para a semana!