S. Salvador do Congo (hoje M'banza Congo) conheceu os nossos passos, pois aí vivemos (mesmo em frente às ruínas da antiga Sé do Congo) e aí nasceu nosso irmão Helder Manuel Pereira da Silva. A nossa entrada em S. Salvador do Congo deu-se pela estação do cacimbo, no longínquo ano de 1965. Esta cidade, ao tempo, capital do distrito do Zaire, situava-se a 216 quilómetros de Maquela do Zombo; 70 de Luvo, posto de despacho alfandegário (fronteira com o ex-Congo Belga); 180 de Nóqui; 53 de Madinha; 65 do Cuimba e 30 do Buéla. As terras de M'banza Congo ali a nossos pés, faziam-nos sonhar com o antigo reino do Congo, cuja cristianização se iniciou nos fins do século XV. Foi ali que, nove anos depois de Diogo Cão descobrir o rio Congo (1482), em 1491, aportaram os primeiros missionários, os cónegos seculares de Santo Elói de Lisboa. A 3 de Maio baptizaram o rei Nzinga-a-Nkuwa que, tomando o nome de D. João I, deu assim início a uma dinastia cristã. Não admira que se reproduzissem tantas historias e lendas. A imponente e bem conservada coluna erigida ao lado direito da Sé, no antigo cemitério dos monarcas do Congo, por exemplo, falava-nos da traição de uma rainha negra, e que o déspota rei do Congo, seu marido, fiel ao cristianismo e aos portugueses, a mandou sepultar viva nessa coluna, servindo de coacção aos seus súbditos. Talvez a forma deturpada de lembrar Afonso I, filho de D. João I, quando reprimiu a revolta dos pagãos chefiados por seu irmão mais novo. O conceito de monarquia, fazia sentido nestas terras. Ouvimos falar dela, privamos de perto com um descendente (de quem não nos lembramos o nome) do último rei do Congo (D. António III), falecido em 1957, depois de um breve reinado de pouco mais de um ano. Por ser primo de D. Isabel, herdeira do trono, o casamento realizou-se (1924) com autorização especial (dispensa) de Roma. Guiado pelo seu descendente, chegamos a entrar na casa que serviu de residência deste monarca, percorrendo as dependências, avivando aqui e acolá um sentimento de africanidade, revelado não só pelos cenários, mas sobretudo pelas memórias. A árvore da cola, que diziam ter sido da forca, testemunhou alguns dos nossos passos, confidências e brincadeiras. Dentro da nossa inocência, ouvimos falar, pela passagem de testemunho dos seus ascendentes, da forma pouco ortodoxa e sobretudo enganosa com que o governo português havia alimentado este reinado sem trono, mesmo quando lhes permitiu (a D. António III e D. Isabel) possuir casa de Estado, secretários e ministros, à semelhança dos seus antepassados. À data da nossa permanência em S. Salvador do Congo, D. Isabel (Quengue) ainda era viva, mas já havia sido destituída do título de rainha (1962) e vivia numa das sanzalas das imediações. [Texto extraído e adaptado do nosso livro «Chamaram-me Muxicongo: memórias de um ex-metalúrgico», Braga: Edições APPACDM Distrital de Braga, 1999].
Sunday, December 23, 2012
Saturday, December 22, 2012
O olhar de José Ernesto Costa sobre as Lagoas de Bertiandos e S. Pedro de Arcos
“Nos
lagos e lagoas reina uma contínua interacção entre a matéria inorgânica, os
vegetais e as algas produtoras de substâncias nutritivas, os animais herbívoros
e carnívoros e os microrganismos que decompõem as substâncias inorgânicas. Os
seres vivos de uma região formam juntamente com o ambiente que os rodeia, um
conjunto natural que é o ecossistema”.
Fernando Aldeia
José Ernesto Costa autografando |
Sempre respondemos ao
chamamento ou apelo de quem gostamos. Em Ponte de Lima, felizmente, são muitos
os que conseguem atrair-nos para as mais diversificadas iniciativas, porque há
uma saudável cumplicidade cultural à boa maneira hegeliana, onde a cultura é um
processo histórico no decurso do qual o homem aprende a dominar a realidade e
onde não pode contentar-se com o já existente, sendo sempre obrigado a imprimir
a sua marca no mundo através da sua actividade, movimento que reflecte o
progresso da consciência. É assim que sentimos – sem rotulações
político-partidárias ou supostas colagens ao poder instituído, dado que há boas
e más pessoas em todo o lado – o pulsar das gentes limianas, para as quais a
cultura é a realização da natureza humana e não do abandono desta. Associado ao
facto de que a nossa noção de cultura assenta no princípio mais básico (sem ser
banal) do “conjunto de conhecimentos e práticas aprendidos e ensinados, por
contraste com o que é inato”, nunca deixamos de responder a esses apelos
culturais, vindos das terras de António Feijó. Nesse sentido, não poderíamos
deixar de estar presentes na sessão de lançamento do último trabalho literário
do bom amigo/poeta e ilustre memorialista limiano, José Ernesto Costa, que
decorreu no pretérito dia 15 de Dezembro, no Auditório do Centro de
Interpretação Ambiental da Área Protegida das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro
de Arcos, aprazível local que faz jus à deambulação poética do José Ernesto
Costa, com o seu «…olhar sobre as…» mesmas Lagoas. Tal como nós, para além do seu
“limianismo” e paixão memorialista, José Ernesto Costa também levou com o
“aroma tropical pela tromba”. É essa dicotómica cumplicidade, difícil de
explicar, que nos aproxima cada vez mais um do outro: “Esta dádiva da Mãe
Natureza, deve ser preservada por todos nós, até ao fim das nossas vidas” –
concordamos plenamente!
A nosso modesto ver, «O
nosso olhar sobre as Lagoas de Bertiandos e S. Pedro de Arcos» de José Ernesto
Costa, apresenta-se assim como um testemunho real que reflecte o progresso da
consciência humana, sem pretensões a qualquer tratado científico – sabemo-lo
que nisso o José Ernesto é bastante sério –, tendo apenas em mente a obrigação
de imprimir a sua marca poética no mundo através da sua actividade intelectual
plasmada no (como anteriormente dissemos) movimento que reflecte o progresso da
própria consciência. Deliciamo-nos com as excelentes fotografias do Manuel
Varela e Délio Costa (seu filho), e a prosa poética de José Ernesto Costa, onde
“é difícil resistir a tão bela paisagem sem distinguirmos sons nem melodias
neste inconfundível espaço das lagoas”, com “imagens que nos seduzem num mundo
possível”. Este espaço, importante para a conservação da natureza e da
biodiversidade, acaba por seduzir qualquer pessoa conscienciosa do seu papel na
sociedade cada vez mais globalizada, indiferente e/ou adversa à coabitação
homem/natureza. Neste livro encontramos uma envolvência profunda – como
escreveria Fernando Aldeia no prefácio – da alma e coração. De facto, aquele
local transmite-nos um ambiente aprazível e incomparável, sensação cognitiva
que José Ernesto Costa, Manuel Varela e Délio Costa, magnificamente nos
souberam transmitir. Concordamos com as palavras do autor quando afirma que
“preservar um espaço assim verdejante e paradisíaco é por certo a grande
ambição do Município. Sensibilizar as populações visitantes para esta riqueza
natural é um dever de todos os limianos”, confessando, ao mesmo tempo, a
impossibilidade de descrever na sua totalidade, toda a riqueza e diversidade assinaláveis
de espécies de fauna e flora, o que acaba por fazer denotar, mais uma vez, uma
confessa e verdadeira seriedade intelectual: “O meu olhar pelo interior das
lagoas, despertou em mim uma procura interminada da flora e fauna. Desse nosso
olhar pelo paraíso, destacamos o possível, ficando muito aquém do existente”.
Temos que ter consciência que se trata apenas de olhar diferente de tantos
outros, mas que se presta, a custo zero para o município, à divulgação da
riqueza e qualidade ambiental desta “mui nobre” vila limiana. Um dia, quando o
mundo globalizado despertar para a realidade da natureza humana – reconhecendo
a falibilidade dos números, qual capitalismo selvagem –, todas estas incursões
literárias do José Ernesto Costa (e de outros tantos que por aí gravitam, bebendo
da água do Lethes), serão lembradas como o garante para o desenvolvimento
sustentado da nossa região: “Uma riqueza cuja qualidade ambiental se deve
estimular e ajudar na promoção daquele património natural, dado o grande
potencial que congrega para o desenvolvimento da actividade turística. Um
património natural que nos enche a todos de um enorme orgulho” – citamos
Fernando Aldeia.
Obrigado José Ernesto Costa por este excelente trabalho literário, do
qual gostamos bastante e que vivamente recomendamos. Apenas um senão – numa
sugestão crítica/construtiva, que por certo aceitarás –, o final do livro
deveria conter as fotos e umas pequenas notas biográficas do Manuel Varela e do
Délio Costa!
Tuesday, December 18, 2012
O “Sentimento do Poema” em Amândio Sousa Dantas
“O
romance apresenta imagens perceptíveis com sensações definidas, e a poesia com
sensações indefinidas, para cujo fim a música é uma parte essencial, dado que a
nossa concepção mais indefinida é a compreensão de um som doce”.
Edgar Allan Poe
Aí está o novo livro de
Amândio Sousa Dantas. Algumas pessoas questionar-se-ão do nosso persistente atrevimento
em falar de novo deste inspirado vate limiano, quando já o fizemos por duas
vezes este ano, nomeadamente numa das nossas crónicas – a propósito da sua
magnífica “Antologia Poética” – e no “Anunciador das Feiras Novas, onde o
baptizaríamos de “um poeta mesológico do Lethes e do Mundo”. Na altura, fizemos
questão de salientar que sempre soubemos perscrutar-lhe a alma, porque o
sentimos possuidor das três distinções mais imediatas e óbvias do mundo da
mente: o “Puro Intelecto”, o “Gosto” e o “Sentido Moral”, parafraseando Edgar
Allan Poe quando afirma que “da mesma maneira que o Intelecto se preocupa com a
Verdade, assim o Gosto nos informa sobre o Belo, enquanto o Sentido Moral se
responsabiliza pelo Dever”. Achamos que, pelo ajuste das distinções, não serão
necessários mais condimentos ou adjectivações para considerarmos Amândio Sousa
Dantas, sem o acantonarmos ao nosso espaço geográfico e sem menosprezarmos
outros poetas que tanto admiramos, um dos grandes poetas contemporâneos
nacionais. Tal facto, tendo em conta a nossa convincente afirmação (tão só,
sedimentada pelo nosso gosto pessoal), permite-nos, ao mesmo tempo, formular alguma
concepção especulativa no que concerne à “mimese poética” de muitos outros
poetas – e poetisas – de quem gostamos. E não são poucos, tendo em conta que todos
eles têm o seu lugar próprio na nossa percepção cognitiva – escolha de uma impressão, ou efeito, a ser
transmitido (E. A. Poe) – de cada um. À sua vez, iremos falar de todos
aqueles que, “poetando”, nos criam um estado emocional, uma saudável nostalgia
ou uma sonorização melódica – sim, com certa musicalidade –, transmitindo
partilha de pensamento (mesmo quando na dor), porque a poesia se repercute na
linguagem humana, utilizada com fins estéticos, compreendendo mesmo aspectos
“metafísicos”, no sentido de sua imaterialidade e da possibilidade de se
transcender ao mundo fático.
Mas, voltemos ao
Amândio Sousa Dantas e ao seu mais recente brado poético – “Sentimento do
Poema”, qual espelho de revelação, voo, existência, desafio, presságio, despedida,
tristeza, silêncio, ternura, abraço, olhar, sombra, caminhos, medo, dúvida,
natureza, rio, vento, reconciliação, desolação, entardecer, paisagem, rumo,
luz, assombro, adeus, tempo, palavra, vida como um fio, comunhão, esperança,
amor e eternidade – complexo lexical em que devíamos ter usado aspas, visto que
extraído dos textos –, melhor expressaria o sentimento profundo do poeta, em
cuja “metafísica não segue a [sua] minh’alma” (sou mais de olhos na paisagem / pela viagem de Ulisses), e que tudo
conjugado dissimula, de uma forma perfeita, uma canção para seu irmão: “As
lágrimas transformaram-se / em vidro estilhaçado: / e eu, meu irmão / teu rosto
não alcanço, / e só na minha alma um rio corre / sem cessar – eu não o posso
atravessar”. Se não fosse a riqueza de conteúdo que percorre todo o “Sentimento
do Poema”, onde “o poeta é responsável pelo ar que o rodeia” e “um fio se tece
por sua dor”, bem que poderíamos ficar por aqui. Contudo, mais nos apraz dizer
que o “Sentimento do Poema”, apesar de nos revelar um sentimento amargurado (de
dor) de quem perdeu algo que o complementava – pensa crescer árvore / sol ou o amor exacto / no esplendor do dia
(Luís Dantas) –, produzindo um efeito profundo e duradouro de que “só a força
invisível do poema” o contempla: “Hoje conheço o silêncio mais fundo, / como o
estremecer da terra e / de nós a desprender-se. / Ali, uma fenda se abre dentro
de mim. / Eis-me sozinho a estancar a dor”, é, simultaneamente, um hino à
imortalidade e ao amor: “Imortal / sou e / o que de mim / ficou? / o amor”. De
facto, a poesia em Amândio Sousa Dantas flui com a maior naturalidade porque,
felizmente, e extraindo das suas próprias palavras, “o poeta não se refugia na
cara da dor. / Só a vida se abre ao conhecimento”. Só os grandes poetas
conseguem ver, numa verdadeira e sensitiva reconciliação, “que a compaixão se
funde no poema”. Mais não diremos, ficando o apelo à sua leitura e
interiorização, como um abraço que nasce da emoção: “Assim – sem mais nem menos
– / Um abraço do poema ao sol: / e toda a sombra / do poeta / por ele se
ilumina”. Simplesmente, sublime…
“Sentimento do Poema”,
mais um livro com nota máxima!
Saturday, December 08, 2012
Arlindo Pintomeira expõe “Trabalhos sobre papel” no Museu Nogueira da Silva, em Braga
“Todos
os dias, devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro
bonito e, se possível, dizer algumas palavras sensatas”.
Goethe
Tomados pela
necessidade de nos mantermos alheados ao uso excessivo da violência e indecoro
de certos “políticos de pacotilha”, nomeadamente aqueles que sistematicamente
lutam contra a Cultura e contra os homens e mulheres completos (corpo,
intelecto e espírito), onde tudo evolui paralelamente para uma vida bem-sucedida
e equilibrada, no dizer de Montapert, lá vamos descomprimindo o nosso “estádio
sombrio” da mente, deliciando-nos com a boa música, boa poesia e a boa medida
do estado emocional da Arte e da Filosofia. Imbuídos pelo saudável deleite da Cultura
– qual forma imprescindível de respirar – aceitamos o amável convite do Museu
Nogueira da Silva, por forma a rumarmos até à cidade dos arcebispos, ao fim da
tarde da data memorável – 1 de Dezembro de 1640 – para a independência de
Portugal (vilipendiada, a partir do próximo ano, pelos tais “políticos de
pacotilha”), acompanhados pela nossa sobrinha Jessy Silva, a fim de assistirmos
à abertura da Exposição «Trabalhos sobre papel (1975-2011) retrospectiva», do
nosso bom amigo Arlindo Pintomeira, de quem já aqui falamos numa das nossas
crónicas, a propósito das duas exposições que mantém em Viana do Castelo até ao
dia 31, deste mês de Dezembro: “Exteriores-Interiores”, nos Antigos Paços do
Concelho; e “Outras Faces”, na Galeria d’Arte da Misericórdia. Na altura, demos
conta do seu extraordinário percurso de profícuo artista que é, e que
continuará a ser, face à sua não menos extraordinária sensibilidade,
criatividade e linha filosófica, elevada pela experiência humana, que o tem
levado a concretizar diferentes formas de arte, às quais nos vamos deixando
seduzir: surrealismo, contornismo e figurativismo (texturas espessas, o desenho
automático, as cores vivas e primárias do expressionismo em combinações
complementares, e ainda os motivos simples e depurados com algumas ligações ao
surrealismo e á arte primitiva, acompanharam o artista durante grande parte da
sua obra) com alguma influência através do grupo “CoBra”, mas criando o seu
próprio estilo e peculiaridade.
Com nossa sobrinha Jessy Silva, ladeando o talentoso artista Pintomeira |
Introduzidos por um
painel colocado à entrada da exposição, que nos alertaria para o facto de que “a
desmaterialização dos objectos foi o caminho seguido por Pintomeira numa nova
linha onde o contorno acabou depois por se reduzir a um filete, as imagens dos
objectos aparecem estilizados quando não reduzidas a silhuetas sem cor nem
respeito pelos outros objectos do quadro, e este composto de texturas que lhe
conferem ritmo, irrealidade, estatuto de «formas puras». Neste ambiente Pintomeira
colocou grelhas quadriculares, aves, silhuetas femininas, rostos de perfil,
frutos; e varandas, e luas, e caras com olhos de espanto”, depressa nos entrosaríamos
no ambiente apelativo da pretensa e bem conseguida retrospectiva dos “trabalhos
em papel”. Gostamos bastante, e isso nos basta.
Sem mais devaneios – valorizando, desta vez, o testemunho da imagem –,
aqui fica esta nossa pequena nota e oportuna sugestão/convite para se
deslocarem até à cidade de Braga, nomeadamente à “Galeria Jardim/Museu Nogueira
da Silva” (até ao dia 3 de Janeiro de 2013), onde poderão disfrutar da
mensagem, do exercício e experimentação artística do grande Artista
contemporâneo do Lima e do mundo, Arlindo Pintomeira. Creiam que valerá a pena!
Pintomeira à conversa com o Reitor da Universidade do Minho, Prof. Doutor António M. Cunha |
Prof. Doutor Miguel Bandeira (UM) e filho, presenças afectivas na Exposição de Pintomeira |
Sunday, December 02, 2012
Em homenagem a Amadeu Torres, reeditado “O meu caminho é este” de Castro Gil
“Elaborado
depois de receber «uma luzinha para não errar», este código quase dogmático que
terçara, a todo o instante, contra turbulências várias e enigmáticos percursos,
como luzeiro amainante e revigorador, não podia perder a vivacidade antes do
tempo, na visão sentida do autor”.
Alípio Rodrigues Torres
Precisamente, no dia –
25 de Novembro – em que Amadeu Rodrigues Torres (1924-2012), nosso amigo/irmão
e eterno confidente, completaria oitenta e oito anos de idade, a Câmara
Municipal de Viana do Castelo e a Junta de Freguesia de Vila de Punhe (Viana do
Castelo) prestaram-lhe uma justa e merecida homenagem, que teve lugar na Terra
Natal deste ilustre e incontornável homem da ciência e da linguística, mesmo a
nível internacional. Justificar ou patentear esta afirmação – dado que a não
fazemos de “ânimo leve” –, levar-nos-ia a discorrer pela sua vastíssima obra
científica e pelas dezenas de academias em que tinha assento, muito bem
demonstrada pela extraordinária intervenção de Rui A. Faria Viana, director
da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, que naquele dia (e ao contrário do
que alguns perniciosos à cultura e à memória de Castro Gil têm procurado empacotar
a dimensão intelectual deste vulto da nossa região, com mastigados conceitos,
disfarçados de eruditismo, para explicar o que é imperceptível a todos e talvez
a eles próprios, como forma de se pavonearem em multifacetadas dimensões
intelectuais, que não possuem) nos fez uma retrospectiva da vida e obra do
homenageado, de uma forma clara, cientificamente irrepreensível e honestamente
elaborada. Sabemos, por lhe conhecermos o âmago, que o Professor Doutor Amadeu
Rodrigues Torres (Castro Gil), se fosse vivo, iria gostar de ouvir e, por
certo, como emérito académico que era, lhe atribuiria nota máxima. Mas, o ponto
alto desta extraordinária homenagem, que contou com a presença de diversas
personalidades ligadas aos meios civis e religiosos, foi a apresentação pública
da edição fac-similada da 1.ª edição (1948) do excelso brado poético de Castro
Gil, “O meu caminho é este”, numa edição da Câmara Municipal de Viana do
Castelo, artisticamente elaborada pelo competentíssimo e inspirado designer Rui
Carvalho, com mensagem do Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo,
José Maria Costa, e preâmbulo do irmão de Castro Gil, Alípio Rodrigues Torres.
Abriu a sessão em homenagem a Castro Gil, o Presidente da Junta de Vila de Punhe, António Moreira |
Nesta edição de “O meu
caminho é este”, começamos por referir que o preâmbulo de seu irmão, Alípio
Torres, justifica a nossa profunda deferência, pela extraordinária qualidade
crítica-literária, beleza de escrita e sentimento de memória e gratidão: «Sempre
fiel aos princípios escolhidos, só a “vitória completa e mais precisa – A
eterna recompensa, a luz dos céus”, ou seja, o retorno à Origem, em quem sempre
confiou (9 de
Fevereiro 2012 ), tornara viável que a primeira publicação há muitas
décadas inexistente no mercado, “O meu caminho é este”, enfarpelada segundo os ditames
modernos, ressurgisse, por iniciativa da Câmara Municipal de Viana do Castelo,
na altura em que Castro Gil completaria oitenta e oito anos de vida, como
prenúncio de que os seus trabalhos continuarão a irradiar, desde já,
emblemáticas lições de perenidade». Para nós, este preâmbulo representa uma
pincelada aguarelada de sentimento e perscrutação da alma do poeta, «qual
“Romeiro de beleza e simetria…”, vivendo numa “angústia constante de nunca
saciar a sede requeimante” de completar sonhos diversos, como adiantara aos
oitenta e dois anos: – “falta ainda muito, a começar por um conjunto grande de
artigos, estudos e outros trabalhos… nunca reunidos até hoje” –, das
recordações nostálgicas e de um passado saudosista, e não recuperável, numa
segunda fase, inspirado pela “viagem real e o contacto com o mundo, seja o
plurifacetado da natureza, seja o multívolo das civilizações do que resultou
uma poesia predominantemente de fora para dentro”, tanto trata o impacto da
monumentalidade e dos saberes, como o desencanto humano e seus retrocessos, as
injustiças e as práticas duvidosas». Retrato fiel das “canseiras cognitivas” de
quem se inspirava viajando e auscultando outras civilizações, que já se faziam
adivinhar em “O meu caminho é este”, como um “caminheiro das estradas direitas
e tortuosas,/ Das estradas brancas de sol ou negras de ilusões…/ No bornal
anda-me o pesadume de muitos séculos”. E que poética pena – não de penúria, mas
de inspirada escrita – a de Alípio Torres produziria a génese de Castro Gil:
“Para quem, em idade de jovens incertezas, de encruzilhadas múltiplas e de
dúbia existência, introspectivara, séria e reflexivamente, até aos ínfimos
graus e linhas, um projecto a desdobrar ao longo da vida e pré-definiu, em
englobantes parametrias, as temáticas rumativas de contornos axiológicos a
desenvolver, qualquer baliza, ainda que só parcialmente cerceadora do contínuo
fluir do pensamento realizativo, mesmo que de reafirmações de vetustos valores
se tratasse, assinalaria uma nova etapa a começar”… Simplesmente sublime!
A nossa curta intervenção em homenagem a Castro Gil |
Falar de “O meu caminho é este” é falar da
alma do poeta, ainda que envolto em “indecisões, avanços e recuos” e fechando-se
no silêncio a meditar, sempre acreditaria que, a partir dali, o seu caminho era
o de “louvar a Deus, sofrer, sorrir e fazer versos!...”; do “Bem e da Beleza e
da Virtude!...”, sem temer andar descalço no brasido; dos “bosques humanos, os
povos, as florestas de gentes”, quais sentidos diferentes atravessados “por
hienas, tigres, chacais e camaleões de circunstância”; da inspiração filosófica
da “perfeição absoluta, Actividade/ Sem mescla de potência, ó mar de Ser/ Que
eu lograria apenas compreender,/ Se o finito abarcasse a infinidade…”; do “Deus
da infância,/ A voz severa e justa da razão,/ As alegrias sãs/ Do coração”; do
“coração que bata com coragem,/ Não por si…, e que anseie, em lances tais,/
Fugindo a merecida vassalagem,/ Ser humilde vassalo dos demais”; do coração que
olha para fora; do poeta que lê versos no céu, ao luar sozinho; da “alegria
daqueles que sabem fazer das mãos/ Caídas, nervosas ou enclavinhadas pela dor,/
Uma miniatura ascética de heróica montanha/ Por onde subam orações e olhares ao
Senhor…”; da “nuvem desherdada” que encobre o azul do firmamento; do caminheiro
das estradas direitas e tortuosas; do coração “em fome e algoz secura”; do
“augusto murmurar”, da alva e belíssima harpa eólica; do estender da “mão a
quem por ti chamar”; das portas discretamente semicerradas, das cortinas de
carvão e sanefas de piche; do cheiro a cera, do relógio da sala, de bater
aéreo; do céu pesado e traiçoeiro, sendo que nesse dia “morreu meu pai!”; do
rio que corre desprezando a beleza da paisagem; do poeta que é poeta mesmo e
não “cantor fingido de emprestada lira”; da alma que chora e do mundo como uma
fornalha de tortura; da morte do dia como morre a gente; do fazer dos braços
arcos em ogiva; dos horizontes belos, “de manhã primaveril,/ E andam perfumes
de Abril/ Incensando a mocidade…”; das mãos – fadas de sonho e luz – “que não
sabem fazer mal a ninguém”; da “face amarela da lua soturna,/ Que faz o sorriso
de nome luar,/ Sentindo a agonia da larva nocturna,/ Desmaia a chorar…”, etc.,
etc. E as sublimes homenagens a José Régio, com o “Canto da Alegria”, e a
António Corrêa de Oliveira, com “Poeta, reis de poetas…”?!... Então o poema a
sua mãe, comove-nos profundamente… De facto, neste maravilhoso brado poético de
Castro Gil “ser poeta é ver as coisas/ que os outros vêem também;/ mas
senti-las, cá por dentro,/ como não sente ninguém”.
Congratulamo-nos com o
testemunho deixado pelo Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, na
mensagem introdutória ao livro, ora reeditado: “Viana do Castelo evoca desta
forma singela o insigne professor, o conceituado investigador de estudos
humanísticos e linguísticos, o editor e autor de inúmeras edições e trabalhos
científicos e o inspirado poeta”.
A nossa última palavra
de profunda gratidão vai para Maria José Guerreiro, vereadora do Pelouro da
Cultura da Câmara Municipal de Viana do Castelo, pelo empenho, sensibilidade e discernimento
que emprestou à realização deste maravilhoso “caminho” que nos leva à
perenidade da Cultura.
Quiçá, se “O meu caminho é este” não é o reflexo ou o espelho dos nossos
próprios passos, convergentes e, no dizer de Castro Gil, “pergaminho de um Povo
de imortais”. Os poetas não morrem e… “nec plus ultra”.
Saturday, November 24, 2012
Tiago Manuel ilustra “Antologia Poética” de Mário de Sá-Carneiro
“Quando
recebi o convite para ilustrar a poesia de Mário de Sá-Carneiro, aceitei o
desafio com a confiança de quem conhece bem o chão que pisa. Não quero com isto
dizer que foi fácil a empresa ou que de tais cuidados tirei prazer. As obras
que nos ajudam a compreender a vida raramente estendem o vocabulário até ao
contentamento”.
Tiago Manuel
Tal como afirmamos em
jeito de apelo, aquando do nosso sensitivo “devaneio crítico” a propósito das
exposições do nosso bom amigo Pintomeira, para que procurassem fazer uma visita
às duas exposições e se deixassem envolver pela mística das pessoas
interessadas em obras de arte e não apenas na ideia de arte, na altura salvaguardamos,
contudo, o nosso “acto de contrição”, pelo facto de carregarmos o “martírio” de
sermos bibliófilos, condicionante circunstancial de apenas nos ficarmos pela
ideia de arte, em detrimento do interesse em obras de arte, infelizmente, o
mesmo tem acontecido com tudo o que Tiago Manuel tem produzido e o lugar
destacado que ocupa no panorama artístico em Portugal. Apreciamos-lhe a sua vastíssima
obra, interiorizamos as suas mensagens pictóricas, mas – porque condicionados
pelas nossas “magras jornas” – temo-nos ficado apenas pela ideia de arte. E
hoje predispusemo-nos a falar dele, pelo simples facto de termos adquirido o
seu último trabalho artístico.
Para os mais
distraídos, e como tributo à nossa venerável admiração pelo artista, aqui fica
uma pequena nota biobliográfica: O Tiago Manuel nasceu em Viana do Castelo, a 1
de Agosto de 1955. Fez a sua formação artística com os mestres Aníbal Alcino e
Júlio Resende. A sua obra tem sido apresentada no país e no estrangeiro em
instituições e galerias de referência. Foi premiado várias vezes. EXPOSIÇÕES
INDIVIDUAIS: 2010 – “Sai do meu Filme”, Exposição de Desenho, Antigos Paços do
Concelho, Viana do Castelo; 2008 – Mishima, Manifesto de Lâminas, Centro
Cultural de Belém, Lisboa; 2008 - Galeria Spectrum Sotos, Saragoça; 2007 –
Galeria Palmira Suso, Lisboa; 2002 –Lugar do Desenho, Fundação Júlio Resende,
Gondomar; 2001 – Serpente, Galeria de Arte contemporânea, Porto; 2001 –
Bedeteca de Lisboa, Palácio do Contador-Mor, Lisboa; 2000 – Galeria Assírio & Alvim, Lisboa; 1998 –
Galeria Spectrum, Saragoça; 1998 – Galeria Arte Periférica, Lisboa; 1996 –
Galeria Arte Periférica, Lisboa; 1995 – Museu Municipal de Viana do Castelo;
1994 – Galeria J.M. Gomes Alves, Guimarães; 1993 – Galeria Quadrum, Lisboa;
1992 – Sede do Instituto Politécnico de Viana do Castelo; 1992 – Galeria
Spectrum, Saragoça; 1992 – Galeria Absidial, Nantes; 1991 – Galeria Quadrado
Azul, Porto; 1991 – Galeria Municipal, Famalicão; 1990 – Galeria Pedro e o
Lobo, Lisboa; 1989 – Galeria Quadrado Azul, Porto; 1989 – Galeria Orfila,
Madrid; 1989 – Galeria Matisse, Barcelona; 1986 – Salão da Cultura, Viana do
Castelo; 1986 – Círculo de Artes Plásticas, Coimbra; 1983 – Museu Nogueira da
Silva, Braga; 1983 – Galeria de Arte Moderna, S.N.B.A., Lisboa; 1982 – Salão da
Cultura, Viana do Castelo; 1980 – Salão da Cultura, Viana do Castelo; 1979 –
Salão da Cultura, Viana do Castelo; 1979 – Fundação Eng. António de Almeida,
Porto; 1978 – Salão da Cultura, Viana do Castelo (exposição promovida pelo
Instituto no âmbito da Presidência Aberta). EXPOSIÇÕES COLECTIVAS: 2011 –
“Tinta nos Nervos”, Banda Desenhada Portuguesa, Museu Col. Berardo, CCB,
Lisboa; 2009 – “Sonhos com Moldura”, Centro de Arte de São João da Madeira; 2008
– ARCO / Casa da Cerca, Almada; 2008 – “2008 Voltas no Carrossel” – Exposição
colectiva de ilustradores portugueses e estrangeiros, Auditório Augusto
Cabrita, Barreiro; 2007 – PRÉMIO STUART DE DESENHO DE IMPRENSA, Lisboa; 2006 –1ª
Edição do “FAROL DOS SONHOS – Encontro Internacional sobre o Livro e o
Imaginário Infantil” Cascais, 2006 – PRÉMIO STUART DE DESENHO DE IMPRENSA,
Lisboa; 2004 – PRÉMIO STUART DE DESENHO DE IMPRENSA, Lisboa; 2004 – SALÃO
LISBOA de Ilustração Portuguesa 2004, Câmara Municipal de Lisboa; 2002 – SALÃO
LISBOA de Ilustração Portuguesa 2002, Câmara Municipal de Lisboa; 2001 – SALÃO
LISBOA de Ilustração e Banda Desenhada, Câmara Municipal de Lisboa; 2000 –
SALÃO LISBOA de Ilustração e Banda Desenhada, Câmara Municipal de Lisboa; 1998 –
ARCO, Feria Internacional de Arte Contemporâneo, Madrid; 1997 – “Contra Viento
y Marea” Fotografia Ibérica Contemporânea, Ministério da Educação e Cultura de
Espanha, Escola de Belas Artes de Saragoça; 1994 – Exposição de grupo, Museu Municipal
de Viana do Castelo; 1993 – “Prémio Nacional de Pintura Júlio Resende”, Câmara
Municipal de Gondomar; 1993 – Tarazonafoto, Encontros Internacionais de
Fotografia, Tarazona; 1991 – “Prémio Nacional de Pintura Júlio Resende”, Câmara
Municipal de Gondomar; 1990 – Exposição Nacional de Desenho, “A Invenção do Lápis”,
E.S.A., Árvore, Porto; 1989 – II Exposição Nacional do pequeno formato, Árvore,
Porto; 1989 – “Le Temps du Regard”, Ministére de la Communication, des Grands
Travaux et du Bicentenaire (Villejuif, Créteil, Paris, Rennes); 1987 – III
Bienal Nacional de Desenho/ Árvore, Porto, Évora; 1986 – Exposição sobre os
Direitos Humanos (Fundação Eng. António de Almeida, Porto; Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa; e Sede dos Direitos Humanos, ONU, Genebra); 1984 – Exposição
Convívio, S.N.B.A., Lisboa; 1984 – 3ª Exposição de Artes Plásticas do Centro
Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo; 1983 – 2ª Exposição de Artes
Plásticas do Centro Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo.
Na qualidade de
ilustrador publicou nos jornais “Público”, “Expresso”, “JL –Jornal de Letras”, “Letras
& Letras”, “O Diário”, nas revistas “Colóquio/Letras” da Fundação Calouste
Gulbenkian, “LER-Círculo de Leitores” e nas editoras “Âmbar”, “ASA”, “Afrontamento”,
“Media Vaca” (Valência) e “Bertrand”, entre outras. Últimos trabalhos: “O
sangue por um fio”, livro de poesia de Sérgio Godinho, Assírio & Alvim,
Lisboa, 2009 – Cartaz para o filme “Ruínas” de Manuel Mozos, Festival INDIELISBOA,
2009. Em 2008 criou e passou a dirigir a colecção de banda desenhada “O Filme
da minha Vida”, editada pela Associação de Produção e Animação Audiovisual AO
NORTE, Viana do Castelo.
Desde 2000, para além
do “Sai do meu filme” (Calendário de Letras, Porto, 2010), Tiago Manuel já
publicou doze livros, artisticamente inspirados por sete dos seus vinte e cinco
heterónimos – Terry Morgan (“Lua Negra” e “O amor é vermelho e arde”), Murai
Toyonobu (“NAUTILUS the ship” e “Tango”), Tom Mccay (“Debaixo da Lua vive
gente” e “Os sonhos da cobra”), Tim Morris (“O Escapista” e “Mente Perversa”),
Marriette Tosel (“O armário psicótico / boas maneiras”), Tamayo Marín (“A tempo
inteiro”) e Max Tilmann (“Este céu cheio de terra” e “Já não há maçãs no paraíso”)
–, cujas obras produzidas e a produzir abrangem as seguintes áreas: ilustração
de autor, banda desenhada, humor negro, histórias infantis, romance gráfico,
diários ilustrados com fotografias e pinturas, teatro, literatura policial,
moda e cinema. Da sua publicação total resultará uma pequena biblioteca de 50
livros. Muito recentemente acaba por ser editada uma antologia poética de Mário
de Sá-Carneiro, que contém ilustrações de Tiago Manuel, numa edição de “Kalandraca
Editora Portugal, Lda.”, onde são publicados poemas escritos entre 1913 e 1916
(“O Lord”, “A Queda”, “Estátua Falsa”, “El-Rei”, “O Fantasma”, “O Recreio”,
“Pied-de-Nez”, “Apoteose”, “Ápice”, “Último Soneto”, “Salomé”, “O Resgate” e
“Fim”). Segundo o nosso ilustríssimo artista – que tanto apreciamos – Tiago
Manuel, ao ler os poemas de Mário de Sá-Carneiro, “senti que as palavras do
poeta desenhavam a minha vida direita pelas linhas tortas do mundo que conheço,
em tudo quase igual ao mundo que ele conheceu cem anos antes. A mesma dor, os
mesmos medos, as mesmas nuvens sombrias antes da catástrofe”. Filosoficamente,
percebemos perfeitamente a “dicotomia” cognitiva, não estranhando por isso que
o Tiago Manuel se assumisse como autor dos poemas e Mário de Sá-Carneiro fosse
remetido para a elaboração dos desenhos, como uma “realidade e reflexo no
espelho estilhaçado da vida. / Hoje ainda vejo o meu rosto; amanhã, só a luz tocará
a superfície onde se apagaram os meus olhos”. E termina no dizer dos outros que
Mário de Sá-Carneiro amou uma mulher e morreu, interrogando-se se haverá melhor
maneira de gastar a vida. Quiçá, a existência de alguma verosimilitude na vida
de cada um, reflexo dos nossos próprios passos. Daí, o “espelho” como forma de
“encarnarmos” o sentir dos outros: “A última ilusão foi partir espelhos –/ E
nas salas ducais, os frisos de esculturas/ Desfizeram-se em pó… Todas as
bordaduras/ Caíram de repente aos reposteiros velhos”.
Um livro excepcional, a merecer nota máxima, e que será apresentado no
próximo dia 30 de Novembro de 2012, pelas 21 horas e 30 minutos, na Livraria
Papa-Livros, Rua Miguel Bombarda (Porto), sendo que as reproduções das imagens de
Tiago Manuel ficarão aí expostas até 4 de Dezembro.
Saturday, November 17, 2012
«Paço de Giela» um património histórico-monumental a preservar…
“Mas
esperava-me uma triste surpresa em Giela: as ameias do palácio – mais de uma
dúzia – tinham acabado de ser arrancadas e estavam no chão, algumas desfeitas
em pedaços, outras inteiras, porque a rijeza do granito aguentou a pancada da
queda. Sentia-se que a selvajaria era recente; era como uma ferida que ainda
sangrava”.
José Hermano Saraiva (O Tempo e a Alma)
Sempre que pretendemos
descomprimir as dilacerações da mente, procuramos deambular pelas mais
pitorescas e agradáveis paisagens do Alto Minho, enriquecidas pela fertilidade
dos seus vales e pela altitude e beleza das suas montanhas. Felizmente que é
essa a sensação que sentimos quando amiudadamente nos deslocamos até “Terras de
Valdevez”, cuja posição geográfica lhe empresta a cumulação de uma poética
luxuriante, bem no coração do Vale do Lima, recortada também pelo não menos
mitológico Rio Vez, que nasce e desagua dentro do concelho. Já não era a
primeira vez que nos predispúnhamos a visitar Arcos de Valdevez e, de uma forma
particular, o multisecular Paço de Giela (classificado de Monumento Nacional, através
do Decreto de 16 de Junho de 1910), localizado a cerca de quilómetro e meio da sede
do concelho, na encosta duma pequena elevação, que domina o vale, quase
fronteira à vila. Trata-se de um solar fortificado, uma autêntica preciosidade medieva,
cuja origem está profundamente ligada à origem e formação da terra de Valdevez.
O Paço de Giela, aí
pelos anos vinte do século XX, é descrito por Luís de Figueiredo da Guerra
(1853-1931) como um edifício que se compõe “do alcácer voltado ao sul, tendo
junto para o nascente uma alta e forte torre quadrada, cuja única janela olha
para poente; na sua coroa de ameias, sobre setentrião, existe ainda um machiculis ou parapeito de guarita: o
palácio no gosto manuelino data dessa gloriosa época, e assaz conservado
apresenta uma bonita janela ou varanda de honra, encimada pelo escudo dos Limas
de Galiza (Limas, Silvas e Sottomayores); o senhoril cubo roqueiro é obra dos
fins do século XIV ou princípio do XV, mas posteriormente reedificado: notam-se
nele vestígios de três pavimentos, achando-se apenas ligado por uma quina ao
Paço, servindo actualmente de asilo a pombas. Este morro sobre que assenta o
castelo é contraforte do monte do Morilhões, que fecha o vale pelo nascente”.
Aos nossos olhos, e face a uma investigação efectuada em termos
arquitectónicos, podemos dizer que se trata de uma preciosidade medieva, constituída
por dois corpos distintos, denotando que ambos eram denticulados de ameias: o
torreão medieval (século XIV) da construção primitiva, e a residência paçã, de
estrutura quinhentista. A torre de planta quadrangular, é provida de seteiras e
de um balcão de mata-cães. A residência senhorial, forma um vasto rectângulo
com quatro fachadas. Está arrimada ao torreão e tem um andar rústico.
Valorizando a construção, ainda que de linhas simples, a portada de acesso,
protegida por um arco de volta redonda, sobre a qual poisa a varanda da sacada,
trabalhada em cantaria. Nesta fachada, voltada a Norte, rasgam-se duas janelas
de estilo manuelino, intercaladas entre outras duas, de molduras lisas e linhas
sóbrias, o que faz denotar ser de época posterior. A face oriental, tem duas
janelas, sendo uma delas chanfrada e, no alto, quatro modilhões. Na fachada
oposta, sobressai uma bem estilizada janela, curiosa pela sua decoração com
cordame manuelino, encimada por uma pedra de armas que, face à dificuldade de
leitura pela arrizada cobertura de vegetação, a fazer fé em Figueiredo da
Guerra será dos Limas (Limas, Silvas e Sottomayores). Aliás, por cima da
portada de acesso também ostenta uma singela pedra de armas, bastante
desgastada, que heraldicamente deveria conter os mesmos apelidos. Inferiormente
à janela manuelina, e num recanto, uma acanhada porta ogival, com o limiar
afastado do chão. Na área envolvente a esta preciosidade arquitectónica existem
outros edifícios, também em ruínas, que dizem ter servido de residência aos
caseiros, e uma arruinada capela engolida pela vegetação, cujo patrono era
“Santa Appolonia”. De uma forma sucinta, dado que o espaço desta crónica – e
disso temos consciência – não nos permite alongar muito mais o nosso “apaixonado”
devaneio pelas coisas da nossa terra (do Lima que nos viu nascer e nos vai
inspirando), convenhamos em dizer que em 2 de Janeiro de 1399 deu D. João I,
estando no Porto, a seu vassalo Fernão Anes de Lima, daquele dia para todo o
sempre, para seus filhos, netos e descendentes legítimos por linha direita, as
terras de Fraião em Coura, de S. Martinho, de Santo Estevão (Facha e Geraz), e
de Valdevez, com todos os seus lugares, termos e suas herdades, casais, rendas,
direitos, foros e pertenças, com suas entradas e saídas, rocios, montes,
fontes, rios, ribeiros, pescarias, colheitas, montados, tabeliões e todas as
outras coisas que às ditas terras pertencem; e ainda a sua jurisdição civil,
crime, e mero império, com todos os outros direitos temporais e reais, assim
como el-rei os possuía, reservando somente a correição e alçada. Este mesmo
monarca lhe fez nova mercê quando estava no arraial sobre Tui, em 24 de Junho
daquele mesmo ano de 1399, doando-lhe a casa e honra de Giela, que se achavam
vagas na coroa. Segundo Figueiredo da Guerra, “esta linhagem procede de Limia
na Galiza, donde tomaram o nome; Fernão Anes tomou o partido de Portugal, e
viveu em Valdevez, jazendo à porta da igreja paroquial de Giela; seu filho
Leonel de Lima, como primogénito, herdou a casa da Giela”. E foi assim que tudo
começou!
A última vez que aí nos
deslocamos foi no domingo, 4 de Novembro de 2012, e levávamos connosco a “má impressão”
das visitas anteriores e o longínquo testemunho (1986) negativo de José Hermano
Saraiva (1919-2012) – O atentado cometido
no Paço de Giela vem agudizar o sentimento de urgência de intervenções neste
sentido. O nosso património artístico e monumental está a desaparecer
rapidamente –, mas também a esperança deixada (e/ou prometida) pelo
município arcuense, dinamicamente liderado por Francisco Araújo, em Novembro de
2011, aquando da divulgação do “Concurso de Ideias” para requalificação do
espaço envolvente ao Paço de Giela, já que é proprietário deste importante
imóvel desde 1999, cujo declínio e abandono se começaram a acentuar a partir do
século XIX. Na altura, foram divulgados os três primeiros classificados do
concurso de ideias internacional lançado pelo município, em colaboração com a
Ordem dos Arquitectos da Região Norte, para a referida requalificação da área
envolvente ao Paço e edifícios anexos, a qual corresponde aproximadamente a
17,8 ha: (1.º) ABDA – Arquitectos Botticini – de Appolonia e Associati, SRL;
(2.º) CVDB Arquitectos Associados; (3.º) Giovanni Alessandro Piovene Porto
Godi, Vasco Miguel Pinel de Melo e Mónica Ravazzolo. Segundo foi dito, também, que
“os concorrentes encontraram soluções que asseguram a valorização dos edifícios
existentes, respeitando o cariz específico do local e acima de tudo o Paço e a
forma como é visto, bem como a efectiva comunicação da zona em questão com a
área urbana da Vila”. Aplaudimos a iniciativa, ainda pelo facto de explorarem
temáticas como a “água” e o “garrano”, assim como a criação de condições para a
realização de actividades desportivas, culturais e turísticas, projectando um
Anfiteatro ao ar livre e uma Unidade Hoteleira.
Mesmo tendo nós consciência das dificuldades inerentes à conjuntura
económica presente, que o país e a Europa atravessam, esperamos ansiosamente
pela segunda fase do projecto de recuperação do Paço de Giela e área
envolvente, que passará pela adjudicação da obra e sua concretização. Será bom
para o município e, sobretudo, para toda a região alto minhota!
Friday, November 09, 2012
Arlindo Pintomeira mostra “Exteriores-Interiores” e “Outras Faces”
“Em
conclusão, podemos dizer que nesta poética da composição artística, em que
consiste «Interiores», Pintomeira isola as unidades mínimas da composição,
tentando aproximar-se, o mais que pode, das formas de vida contidas na
encenação dos objectos”.
Moisés de Lemos Martins
Pelas dezassete horas e
trinta minutos do dia 3 de Novembro, foram inauguradas duas exposições –
“Exteriores-Interiores” e “Outras Faces” –, em Viana do Castelo, do nosso
respeitável amigo e extraordinário artista Arlindo Pintomeira, nos Antigos
Paços do Concelho e na Galeria da Santa Casa da Misericórdia, respectivamente.
As duas exposições estarão patentes ao público até 31 de Dezembro, o que
significa que o envolvente à Praça da República será palco, tomando como nossas
as palavras de Moisés de Lemos Martins, da “poética da composição artística” de
Pintomeira, permitindo-nos, enquanto observadores sensíveis, explorar a
natureza das nossas próprias emoções, por temos consciência de que a expressão
bem-sucedida de uma emoção permite ao observador ganhar consciência dela; e a
noção clara de que – como um dia escreveria Nigel Warburton – “o artista mostra
aos observadores da obra de arte como expressar a emoção particular que se
encontra na obra”. Já há muito tempo que Pintomeira tem conseguido criar em nós
a útil magia da emoção, sem que para isso – e contrariando a sapiência redutora
de alguns pressupostos eruditos de Arte – tenhamos a necessidade de “desfiar
rosários” elementares ao conhecimento preconcebido, para usufruirmos da
liberdade do “gosto”, da “imaginação” e da “visão”, como corolário da velha
máxima: “a verdadeira obra existe na forma de ideias na mente do seu criador, e
na mente de quem está a apreciar a obra”. Temos vindo a apreciar a arte em
Pintomeira, valendo-nos também do factor da “imaginação”, tendo em conta que –
para R. G. Collingwood – “uma verdadeira obra de arte é uma actividade total
que a pessoa que dela desfruta apreende ou tem dela consciência pelo uso da sua
imaginação”. E esta nossa actividade imaginativa não é somente visual, mas
também emotiva, porque percepcionamos, apreendemos e deixamo-nos envolver pela
criação do artista. Mesmo que não bastasse tais “predicados”, só por isso (actividade
imaginativa) Arlindo Pintomeira é para nós um artista que nos agrada
profundamente.
Porque já nos alongamos
em demasia nas considerações “sensíveis-pessoais”, e sem nos querermos envolver
na crítica elaborada que, a nosso modesto ver, é dada “estatutariamente” ao
mundo da arte e seus entendidos, apenas nos apraz registar os bens elaborados
textos “crítico-literários” de José-Luís Ferreira (sociólogo, escritor,
investigador de arte) – A sua linguagem
pictórica, criada a partir de evidências imagéticas contextuais ou,
deliberadamente, (des)contextualizadas, adquire-se (ou provém) de um constante
e requintado exercício radical de exploração pangeométrica, buscada em
pressupostos íntimos duma génese anímica e (re)invencional da imagem de alto
contraste, com o objectivo da sua transposição, sob pretextos de equilíbrio
óptico, obedientes a um doseamento compositivo secreto (…) – e de Moisés de
Lemos Martins (professor da Universidade do Minho) – Existe hoje na pintura de Pintomeira este esplendor dos objectos, uma
poética que inscreve o humano naquilo que o não pode ser. O seu sistema de
objectos faz-nos pensar numa “autopoiesis”, que age no mundo como uma unidade
autónoma que se auto-engendra –, inseridos do catálogo da exposição
“Exteriores-Interiores”; e os de José Paulo Leite de Abreu (director do Museu
Pio XII) – Na obra de Pintomeira
sobressaem também os contornos, que focam o olhar do interlocutor, sublinham
centralidades e funcionam como útero onde se esconde e defende o essencial da
mensagem a transmitir – e de Moisés de Lemos Martins (professor da
Universidade do Minho) – Com o desenho de
linhas e o alinhamento de pontos, Pintomeira figura cordas físicas e tácteis.
As linhas, tal como os pontos alinhados em recta, são então cordas tensas,
abrigos contra o abandono, a impessoalidade e o isolamento. O artista
entrançou-os num tecido a que nos liga –, no que toca à exposição “Outras
Faces”. Escolhemos estas citações porque, de certa forma, vão de encontro aos
nossos iniciais devaneios da sensibilidade emocional.
Para os mais incautos,
convenhamos em dizer que Arlindo Pintomeira nasceu na Limiana freguesia de
Deocriste, Viana do Castelo, em 1946. É na cidade de Viana que, em 1966, realiza
a sua primeira exposição na Galeria da “Livraria Divulgação” (hoje Bertrand).
Desiste da sua formação em arquitectura e ingressa, em 1967, num dos mundos que
mais o fascinava: o da pintura. O outro era o cinema, uma paixão dos tempos do
Liceu. Vai para Lisboa, frequenta um atelier colectivo na Mouraria onde
encontra o pintor surrealista Raul Perez. Convive mais tarde com Mário
Cesariny, Cruzeiro Seixas e outros do movimento surrealista português. Anos
mais tarde, mais exactamente em 1972, e após uma curta passagem por África,
parte para Paris na companhia da pintora e modelo holandesa Marijke de Hartog que conhece em
Portugal e com quem casa em 1976, em Amesterdão. Os dois fixam-se na capital
holandesa. Abortada a possibilidade de inscrição na “Nederlandse Filmacademie”
( Academia de cinema da Holanda), razão primeira que o levou a deixar Portugal,
Pintomeira frequenta em 1978-1979 a CREA (Studentencentrum
van de Universiteit van Amsterdam) onde estuda pintura e cinema. Após
algumas exposições na Holanda, faz em 1978 a sua primeira exposição em Paris,
na “Galerie Entremonde”. No mesmo ano participa no “Salon Metamorphoses” em
homenagem a René Magritte realizado
no “Grand Palais” de Paris. Com esta participação, termina o seu período
surrealista.
Durante a década de 80,
no seu atelier em Amesterdão, Pintomeira recebe várias influências, sendo a
mais marcante a do grupo CoBrA (agregação das letras iniciais das cidades de
Copenhada, Bruxelas e Amesterdão) e do qual fazem parte grandes nomes como Karel Appel, Corneille, Asger Jorn e Lucebert. Algumas influências desse
movimento, como as texturas espessas, o desenho automático, as cores vivas e
primárias do expressionismo em combinações complementares, e ainda os motivos
simples e depurados com algumas ligações ao surrealismo e á arte primitiva,
acompanharam o artista durante grande parte da sua obra.
Na década de 90 inicia
uma fase de estilização e depuração da figura que consiste no constante
exercício e experimentação à volta do contorno, tornando-o preponderante
através do seu alargamento, prolongação e multiplicação; em 1999 Pintomeira
deixa Amesterdão e regressa a Portugal. O trabalho que realiza no seu novo
atelier no norte do país, dá origem um um vasto conjunto de obras figurativas,
ainda com influências do grupo CoBrA e que denomina de “Nova Linha”; entre 2003
e 2010, e alternando com “Nova Linha”, Pintomeira produz também um vasto
trabalho sobre tela e papel a que dá o nome de “Faces”; o ano de 2007 marca uma
viragem acentuada na sua obra figurativa. As influências CoBrA e os contornos
desaparecem. O tema “Interiores” apresenta trabalhos próximos da “Pop Art” com
influências do design gráfico. A figura está manifestamente presente e as cenas
de interiores denunciam representações teatralizadas. Neste sistema de objectos
sobressaem o palco, a tela e a encenação; em 2009 e 2010 é produzido o tema “
Outras Faces”; conjunto de obras realizadas em impressão digital e acrílico
sobre tela e que nos transportam para uma nova “Pop Art”; e, finalmente, em
2011 surge “Exteriores” que vem complementar “Interiores” produzido entre 2008
e 2009. É composto por uma série de trabalhos que reúnem figuras do quotidiano
em encenações urbanas, atravessando passadeiras de rua, onde a sinalética
rodoviária é fortemente explorada.
Terminaremos, agora
sim, recordando que desde 1966 e até à actualidade Pintomeira tem no seu
currículo uma quantidade enorme de exposições individuais, em Portugal e no
estrangeiro. Entre 1971 e 2010 participou em várias exposições colectivas,
bienais e feiras de arte, tanto em terras lusas como noutros estados europeus.
Está representado em várias colecções institucionais, colecções públicas e
privadas em diversos estados da União Europeia, nos Estados Unidos e Israel.
Aqui fica um apelo: procurem fazer uma visita às duas exposições e
deixem-se envolver pela mística das pessoas interessadas em obras de arte e não
apenas na ideia de arte. Desse mal padecemos nós, porque, infelizmente, carregamos
o “martírio” de sermos bibliófilos, condicionante circunstancial de apenas nos
ficarmos pela ideia de arte, em detrimento do interesse em obras de arte… Beati possidentes!
Monday, November 05, 2012
Premeditada reflexão no 25.º Aniversário do «Centro de Atletismo de Mazarefes»
“O
atletismo é indiscutivelmente o mais universal de todos os desportos. Nenhuma
outra federação congrega tantos países como a Federação Internacional das
Associações de Atletismo. Nenhuma outra modalidade goza de semelhante
acentuação olímpica”.
Sequeira Andrade
Ao falar-se do
atletismo – e para termos uma noção clara de que o mesmo é a forma mais antiga
de desporto e/ou a mais universal das modalidades desportivas –, teremos que
forçosamente recuar até aos primórdios da nossa civilização, mesmo até ao tempo
do homem das cavernas que, de uma forma natural, praticava uma série de
movimentos, nas actividades da caça e de defesa, onde saltava, corria, lançava,
ou seja desenvolvia uma série de habilidades relacionadas com as diversas
provas de uma competição de atletismo. Contudo, o atletismo sob a forma de
competição, teve a sua origem na grande civilização grega, cujo espírito
agónico era uma das suas características, desde os mais remotos tempos. Esta
realidade já se encontra nos Poemas Homéricos, onde a preparação física é
realçada como uma componente essencial da mundividência helénica. Segundo o
professor catedrático José Ribeiro Ferreira – um dos grandes especialistas de
estudos clássicos – “a paixão atlética emerge, assim, no quotidiano de um povo,
que desenvolveu o seu espírito de competição, através da participação em
diversos festivais e jogos que proliferaram nas diversas cidades gregas.
Imbuídos de [tal] espírito agónico, amantes do exercício físico e desejosos de
se superiorizarem aos demais, os Gregos gostavam de participar em competições e
jogos desportivos que reunissem a fina-flor dos atletas”. As primeiras reuniões
desportivas organizadas da história foram os Jogos Olímpicos, organizados pelos
gregos no ano de 776 a.C., cujo principal evento aí realizado foi o pentatlo,
que compreendia lançamento de disco, salto em comprimento e corrida de
obstáculos. Celebravam-se no santuário de Zeus em Olímpia e cujo principal
motivo eram celebrações e festividades religiosas, nas quais se integravam
jogos atléticos, que ali se realizavam de quatro em quatro anos. Os jogos
serviam amiudadas vezes de palco a conversações e a tratados de importância
geral para os Gregos. Não é por acaso que Olímpia foi escolhida, com
frequência, como lugar ideal para depositar o registo desses tratados e
preservar tais documentos. Era o tempo em que os atletas vitoriosos eram
recebidos com festejos nas suas cidades e cumulados de honras, sendo que os
jogos davam a impressão mais nítida de uma unidade grega.
Esta realidade
filosófico-desportiva é bem diferente nos tempos que correm, já que a cumulação
de honras vai mais para outro desporto que nos escusamos aqui mencionar, para
não ferir susceptibilidades, muitas vezes clubistas. É dentro deste contexto
civilizacional contemporâneo que, em 1975, a coberto de uma juventude irreverente, seria
fundado o Grupo de Acção Cultural e Desportiva de Mazarefes (GACDM), embrionariamente
consumado por nós, Manuel Vaz da Silva, José Maria Rodrigues Forte e Américo
Afonso da Balinha. Das profícuas actividades deste Grupo, o atletismo foi
sempre a vertente associativa que mais longe levou o nome da nossa terra, a
ponto de, a determinada altura, ser uma das grandes fontes de rendimentos para
a sustentabilidade do mesmo Grupo. Em 1987, e porque se precipitavam algumas
incongruências e crispações em relação à modalidade, o responsável pela mesma,
Manuel Vaz da Silva, a conselho de algumas personalidades ligadas ao meio
desportivo federado, resolveu romper com o Grupo que havia ajudado a criar,
fundando o Centro de Atletismo de Mazarefes (CAM), com a empenhada colaboração
de outros aficionados, a saber: Manuel da Silva Liquito, Armando Afonso Forte,
José Napoleão Ferreira Ribeiro, Agostinho Dias Forte, João Paulo Dias Carvalho,
José Gomes Forte e António José Liquito da Torre. Não foi fácil esta ruptura
com o GACDM, levando a algumas incompreensões e até a empolgadas reacções
negativas por parte de quem se manteve fiel ao Grupo, ora órfão do atletismo.
Os ânimos exaltados foram-se apaziguando ao longo dos anos e todos foram
ganhando o seu espaço, conquistando as suas cumulações de honras e a
respeitarem-se mutuamente, fazendo transparecer a certeza de que tal percurso
foi o melhor que poderia ter acontecido para a nossa freguesia, porque se
duplicaram talentos, construíram-se novas infra-estruturas e promoveram-se
proximidades. Tal como na Grécia, essa mesma competitividade acabou por ser
palco de conversações e tratados de importância geral para todos nós e para a
terra que nos viu nascer, e que a alguns soube acolher. Compreendemos
perfeitamente as palavras de Manuel Vaz da Silva, aquando das comemorações do
vigésimo quinto aniversário do Centro de Atletismo de Mazarefes (27 de Outubro
de 2012), a propósito das dúvidas suscitadas pelos mais incrédulos, na
tentativa de menosprezar o trabalho levado a cabo ao longo destas duas décadas
e meia, relevando-as para o caminho percorrido em detrimento da desconstrução
de uns poucos, que nada fizeram pela freguesia e muito menos pelo atletismo, em
especial.
Hoje o atletismo em
Mazarefes goza de boa saúde, porque há uma excelente e saudável articulação com
as entidades oficiais, nomeadamente com a Câmara Municipal de Viana do Castelo,
Junta de Freguesia de Mazarefes, Associação de Atletismo de Viana do Castelo –
sendo que o CAM contribuiu de uma forma particular para a sua fundação –, e com
a Associação Social, Cultural e Desportiva da Casa do Povo de Mazarefes (saída
da fusão do Grupo de Acção Cultural e Desportiva de Mazarefes com a Casa do
Povo, da mesma freguesia). Fruto desta saudável articulação, Mazarefes dispõe
hoje de uma Pista de Atletismo, de uma excelente sede social e de um polidesportivo
sintético, há bem pouco tempo inaugurado.
Para terminar este
nosso “deambular” da pena e da mente, convém aqui salientar que o Centro de
Atletismo de Mazarefes tem no seu vastíssimo palmarés, desde campeões
distritais a campeões nacionais, quer a nível individual quer colectivo, e pelo
quarto ano consecutivo é considerado o clube do ano pela Associação de
Atletismo de Viana do Castelo, por ser um clube dos mais representativos, tanto
em número de atletas como em títulos conquistados. Como diria Manuel Vaz da Silva,
o atletismo existe em Mazarefes há trinta e sete anos – numa alusão clara ao
Grupo de Acção – e “por vezes digo que a nível distrital já ganhamos tudo que
havia para ganhar”. Diremos nós que, com este espírito colectivo, ganhou a
freguesia, a cidade e a região.
Parabéns ao Centro de Atletismo de Mazarefes e a todos aqueles que dão
corpo a projectos desta natureza!
Sunday, October 28, 2012
PALAVRAS CRUZADAS (26 de Outubro de 2012)
O Salão Nobre do Sport Clube Vianense (Viana do Castelo), numa iniciativa do Centro Cultural do Alto Minho (CCAM), foi palco de uma Tertúlia denominada de «PALAVRAS CRUZADAS», onde os dois "Porfírios" - Porfírio (Carvalho) Silva (n. 1961), licenciado e mestre em Filosofia. Doutorou-se em Epistomologia e Filosofia das Ciências com uma tese sobre as ciências do artificial como ciências do humano; e Porfírio (Pereira) Silva (n. 1956), licenciado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade do Minho -, um de Lisboa e outro de Viana do Castelo, "esgrimiram" de uma forma saudável conceitos politico-filosóficos, à volta dos seus últimos brados: «Agramonte: ou o mundo astral dos profetas» (Agramonte passou a ser um campo energético, lugar de chegada e partida. Ali, o bem e o mal coabitam sem se molestarem. Enquanto isso, "Deus" e o "Diabo" continuam a viver dentro de nós) e «Podemos matar um sinal de trânsito?» (Sem ser um romance, este livro é como um romance: no fundo, conta uma história que queremos saber como acaba. Sem ter a forma de um ensaio, é um ensaio: tem uma tese, mas não a impõe, nem arregimenta os argumentos em ordem clássica, deixando ao leitor o trabalho, que aqui é um gosto, de descobrir o seu próprio caminho marítimo para a Índia). Moderou o debate, a Médica Psiquiatra Luísa Quintela, Vice-Presidente do CCAM. Elisabete Pinto, excelente actriz do Centro Dramático de Viana (CDV) leu textos dos dois autores.
Opiniões e Testemunhos no "facebook": Antes da sessão: Hummmm! Um encontro de três Porfírios, é uma triangulação interessante! Vou ver se posso comparecer nesta conversa que promete!... (Sebastião Peixoto); E eu também "porfio" por lá estar... (Agostinho Pereira); Não vão reunir em Lisboa?? (Maria Ana G. Faria); Vou tentar estar lá (Conceição Machado); Eu também vou tentar (Té Fontes); «Hoje, todos os caminhos da cultura à conversa vão dar ao S. C. Vianense» (Sebastião Peixoto). Depois da sessão: Mais um encontro de nível literário e de partilha de opiniões muito interessante não fosse a conversa entre dois escritores filósofos com nível cultural e literário que permitiu uma bem composta plateia ter a oportunidade única de um encontro de homónimos, onde cada um pode opinar sobre a obra do outro! Uma noite cultural, imperdível!... Não sei quando será possível se é que se possa repetir, um encontro com estas características, onde dois escritores com características idênticas fizeram a interpretação do livro do outro. Pessoalmente nunca tinha assistido a um evento assim! Só duas pessoas de elevado carácter e muita sabedoria se permitiam participar num encontro desta natureza (Sebastião Peixoto); Momentos únicos vividos nesta passada Sexta-feira à noite,dia 26 de Outubro de 2012, no Salão Nobre do Sport Clube Vianense, em Viana do Castelo, com a presença inconfundível destes dois escritores e filósofos, em que são portadores do mesmo nome. Entre um jogo cruzado de palavras surge um campo magnético bem positivo capaz de superar todas as expectativas numa simbiose muito atractiva e estimulante compensando um pouco este mal estar provocado por uma crise em que continua instalada na nossa sociedade contemporânea. Aproveito para agradecer a ambos autores pela magnífica noite,que foi muito inspiradora e alimentou bem o nosso estado de alma (Helder Silva);
Parabéns aos dois grandes Senhores e também ao CCAM que soube acolher este evento cultural numa linda sala do nosso Sport Clube Vianense. A forma como comunicam os dois PORFÍRIOS nem damos pelo tempo passar. Só tive pena de estar com bastante tosse que tive que sair rapidamente (Graziela Lima); Parabéns Porfírio, pena de não estar presente (Ana Moreira); Lamento não ter podido estar presente, mas uma forte gripe me impossibilitou (Céu Rosário); A sala estava cheia e as palavras cruzadas entre os dois autores prolongou-se até tarde (Helder Silva); Foi muito gratificante ouvir os Srs. filósofos (Rosa Lima); Dois autores e filósofos encontram-se em Viana do Castelo, no dia 26 de Outubro de 2012, numa assembleia com lotação esgotada para estabelecer um campo magnético, de âmbito positivo, por forma a conceber uma excelente apresentação de suas obras literárias. Ambas se conjugam num pensamento, em tempo de perversidades diversas... (Helder Silva); Um dia espero ver estas grandes iniciativas na nossa Praça da República, para todos verem as coisas boas que são feitas em Viana (Carlos Meira).
Friday, October 26, 2012
Colóquio na Universidade do Minho aborda a questão dos «Judeus Portugueses no Mundo: Pensamento, Medicina e Cultura»
“Na
chamada História da Filosofia, a nação judaica tem um lugar, como todas as
demais nações, incluindo as que não tiveram o dom de escrever o que pensavam,
mas esse lugar é geralmente considerado secundário, quando comparado com o
significado do saber teológico e messianológico de Israel”.
J. Pinharanda Gomes
No dia 19 de Outubro
último, demos por bem empregue o dia que passamos na Universidade do Minho,
Campus de Gualtar (Braga), para assistirmos e participarmos no Colóquio «Judeus
Portugueses no Mundo: Pensamento, Medicina e Cultura», onde se procurou
reflectir sobre a grande ciência e o grande pensamento de autores
judaico-portugueses, tendo sempre a consciência de que este é um património
cultural riquíssimo que merece ser estudado pelos investigadores. Tal como era
propósito dos organizadores – Professores Manuel Curado (Departamento de
Filosofia) e Virgínia Soares Pereira (Centro de Estudos Lusíadas) da
Universidade do Minho – alertar para o facto de que o contributo dos Judeus
Portugueses para a história da cultura em Portugal dificilmente pode ser
apoucado, dada a sua vastidão, denunciando, ao mesmo tempo, os aspectos mais
infelizes da relação entre Judeus e Portugal que ofuscam muitas vezes este
património. Por isso, com este Colóquio pretendeu-se despoletar um certo
entusiasmo para o seu estudo.
Desta vez não iremos discorrer
como pretendíamos ao sabor da nossa pena e da nossa mente (sendo que, até aqui,
sempre procuramos explanar o nosso pensamento, à volta dos temas que abordamos),
por forma a descrevermos um pouco mais os conteúdos das intervenções magistrais
neste magnífico Colóquio. E foram elas: PINHARANDA GOMES, justificada a sua
ausência por motivos de saúde, sendo a sua comunicação lida pelo Professor José
Marques Fernandes, acabando por trazer a este Colóquio «Aspectos da Filosofia
Hebraico-Portuguesa» – em substituição do título proposto no programa, que nos
propunha um «Itinerário do Pensamento Judaico-Português» –, onde são abordadas
as épocas medieval, renascentista, moderna e contemporânea, perpassando
questões como no caso dos Hebreus, a Filosofia ser considerada estranha à
missão judaica, que consiste em conhecer Deus e em dá-Lo a conhecer (no
pensamento hebraico, Filosofia tem um irrecusável sinónimo: Teologia – pensar a
Deus super omnia, sobre todas as
coisas, seres, visíveis e invisíveis ideias), a diáspora hispânica, o cabalismo,
a expulsão dos Judeus, as comunas judaicas, o manter integra a “Arca da
Aliança”, Bento Espinosa, junção da Filosofia e da Teologia, radical
naturalismo na comunidade judaica, António Ribeiro Sanches e a abolição da
Inquisição; ANTÓNIO ANDRADE, onde nos falou do tema que envolvia o «Mestre
Dionísio, Manuel Brudo e Amato Lusitano: Três Médicos no Exílio»; ELVIRA
AZEVEDO MEA, abordando «Alguns Aspectos da Diáspora Judaica (Séculos XVI-XVII),
onde acaba por nos recordar que o movimento expansionista na Europa é a
Diáspora Judaica, sendo que a dos Judeus Portugueses se estendeu através do
Mediterrâneo, levando à formação das comunidades judaicas-italianas e a
sobressaltos existenciais desta gente, a que denominavam de Cristãos-Novos;
JOSHUA RUAH, médico judeu portuense, explanaria «O Pensamento Científico
Judaico-português nos Séculos XVI e XVII», reforçando a convicção da existência
da Bíblia e não do Velho Testamento (segundo ele, forma corrupta de chamar à
Bíblia para os Judeus, pelos cristãos) e trazendo à discussão diversos
argumentos filosóficos – judaísmo espiritualista para o judaísmo racionalista –
o critério da morte cerebral, sendo que a sede da vida não é o coração mas o
cérebro, a noção de que a evolução científica é uma continuação da criação divina,
a demanda do regresso à cidade de Jerusalém e a Diáspora, como a maior
dispersão de um povo; JORGE MARTINS, substituiu a sua comunicação programada de
«O Marranismo como Cultura: Práticas Criptojudaicas nos Processos da Inquisição
(Sécs. XVI a XVIII)» para «Marranismo, cultura e identidade», debruçando-se,
indelevelmente, sobre alguns dos interrogatórios “In Gerene” na Inquisição e os
significados depreciativos nos dicionários de português acerca das palavras que
se ligam ao conceito de judeu, judia, judaísmo, etc. (o que nos deixou
perplexos), terminando com uma interrogação de Fernando Pessoa: “Quem, que seja
português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de
uma só fé?”; PAULO ARCHER DE CARVALHO, espelhou a sua comunicação em «Joaquim
de Carvalho, os estudos judaicos e o esquecimento da Shoah», que o mesmo será
dizer “holocausto”, a cultura filosófica e científica judaica, sendo que para
Joaquim de Carvalho – Espinosa é um filósofo, interrogando-se em “que Deus é
que Espinosa (para Paulo Archer, mais um teosófico do que um teólogo) acredita?”,
reforçando a máxima de “Deus existe em tudo, mas não existe em nada”, a
liberdade das filosofias e a luta pela liberdade, a expulsão de Joaquim de
Carvalho da Universidade de Coimbra, por se tratar de um republicano histórico
e frequentemente não-alinhado, obediente à sua própria consciência, sendo
tenazmente perseguido por Salazar; JOSÉ EDUARDO FRANCO e CRISTIANA LUCAS DA
SILVA, professor e sua doutoranda, deambularam pela «Distinção entre Cristãos
Velhos e Cristãos Novos e a Questão Judaica em Portugal: Representações e
Posições», lembrando a legislação pombalina que extinguia as diferenças entre
cristãos-velhos (católicos sem suspeitas de antepassados judeus) e
cristãos-novos, tornando inválidos todos os anteriores decretos e leis que
discriminavam os cristãos-novos e impunham critérios de “limpeza de sangue”, a
proposta do Pe. António Vieira a D. João IV, onde se declara favorável aos
cristãos- novos e apresenta um plano de recuperação económica (estruturando a
proposta, entre outras ideias, na preservação da independência de Portugal,
admissão de judeus em Portugal, dado que os judeus portugueses enriqueceram
outros reinos cristãos – os hereges são mais promíscuos que os judeus –, a liberdade
religiosa como forma de levar à reconversão), batendo-se pela não divisão entre
cristãos-velhos e cristãos-novos; RUI BERTRAND ROMÃO, falou sobre «Erro, Exame
e Decisão em Francisco Sanches», fulcro do pensamento bracarense, filósofo-médico
capaz de grandes sínteses, a sua ascendência judaica, o périplo de estudos pela
Itália, o anti-aristotelismo e aristotelismo involuntária, fazendo ainda uma
referência passageira à obra “Examen rerum”; MANUEL CURADO, professor
anfitrião, numa alocução peculiar, a que já nos vai habituando, trouxe a este
Colóquio «O Palácio do Sono do Doutor Isaac Samuda»; ADELINO CARDOSO, através
dos «Requisitos do Médico Perfeito na Obra de Rodrigo de Castro O Médico
Político» fazendo uma alusão à obra como sendo de ética médica, mas também uma
obra mais ampla – jurisprudência – a questão da liberdade, alertando para o
facto de Isaac Cardoso afirmar que “a filosofia começa por falar hebraico e não
grego”, o médico deve começar pelas humanidades (retórica e dialéctica – arte
que ajuda a pensar e argumentar – a anatomia, a terapêutica, etc.), a
relevância da filosofia natural como sendo mestra do médico, tornando o acto
médico enquanto tal um acto moral, relevando a certeza de que a arte médica
aperfeiçoa a natureza do homem e a medicina é uma arte de tolerância, sendo que
ninguém deve ser excluído por razões económicas e a prática da “mentira”
utilizada com o medicamento, remetendo a verdade para os mais próximos do
doente, comutando, assim, o médico como um cultor da alegria; JAMES W. NELSON
NOVOA, com a comunicação «Leão Hebreu, Médico e Filósofo Português no
Renascimento Italiano», de seu nome completo Jehudah Abravanel (1460-1521?) – filho
de Isaac Abravanel (1430-1508) – filósofo marcado pelo espírito renascentista,
de tendência sincrética, tentou mostrar o acordo da Bíblia com a filosofia
grega, acaba por nos revelar que a obra principal deste médico-filósofo é “Diálogos
de Amor”, onde o mesmo expõe a sua doutrina, segundo a qual o amor é o
fundamento ontológico do real, concebido não apenas como sentimental, mas
também como intelectual: deste modo pretende unificar fé e razão, embora
deixando clara a prevalência da primeira; e, por fim, FERNANDO MACHADO, um dos
maiores especialistas de Jean-Jacques Rousseau em Portugal (conhecemos-lhe a
sua grande obra de referência “Rousseau em Portugal”), trouxe-nos «O
despatriado Ribeiro Sanches na terra dos czares: débitos e créditos»,
referindo-se à pátria portuguesa como tendo sido madrasta para muitos dos
ilustres pensadores portugueses e a Ribeiro Sanches como um dos homens mais
lidos pelas comunidades científicas no século XVIII, contrastando o tratamento
que teve na sua pátria e fora dela, aludindo aos cerca de dezassete anos que
passou na Rússia, onde teve uma merecidíssima projecção científica, médica e
académica, e onde chegou a ser nomeado médico dos exércitos imperiais.
Muito haveria para dizer – salvaguardando os “erros de simpatia”, tendo
em conta que o que atrás descrevemos, é fruto da nossa apreensão e não “Ipsis
verbis” dos comunicadores –, mas somos forçados a ficar por aqui porque,
conscientemente, temos noção do quanto fastidiosos nos tornaríamos se
cometêssemos a “leviandade” da pormenorização descritiva de todas as
comunicações. Essa tarefa, diríamos científica, fica para a publicação das
actas, prometidas para 2013. Tal como atrás referimos, concordamos plenamente
com facto de que o contributo dos Judeus Portugueses para a história da cultura
em Portugal dificilmente pode ser apoucado, dada a sua vastidão, sendo urgente estudar
e dar a conhecer às novas gerações de universitários portugueses muitos autores
cuja obra continua a influenciar e a inspirar o que fazemos em Medicina, em
Filosofia e em muitas outras áreas da Cultura. E nesse dia 19 de Outubro de
2012, tendo como pano de fundo a Universidade do Minho, foi dado um grande
contributo nesse sentido!
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