Friday, May 06, 2016

«Um postal de Detroit» num à conversa com João Ricardo Pedro!...

«Dezassete dias. Dito assim, parecem tão poucos, mas experimente alguém manter a cabeça dentro de água durante dezassete dias e ficará com uma ideia aproximada de quão longos podem ser…»

João Ricardo Pedro

«À conversa com…», iniciativa da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, que visa promover, em torno do livro, o diálogo e a troca de conhecimentos com escritores contemporâneos, proporcionando a oportunidade de conviver de perto com os autores e a sua obra, teve o seu estado embrionário em Outubro de 2009, cujo primeiro convidado foi o escritor angolano Luandino Vieira. Assente nessa pretensão de ser um espaço de incentivo à leitura, de divulgação das obras dos autores da actualidade, de promoção da cultura e do conhecimento, e, sobretudo, de interacção entre o público leitor e os escritores, que no pretérito dia 22 de Abril do corrente ano, a referida Biblioteca, dando continuidade a essa extraordinária iniciativa mensal, trouxe até nós João Ricardo Jorge, Prémio Leya 2011, com o seu primeiro romance «O teu rosto será o último».
Na altura que, pela primeira vez, tivemos o privilégio de conhecermos João Ricardo Pedro, “curricularmente” apresentava-se como casado com uma economista, pai de um casalinho, nascido na Reboleira, Amadora, em 18 de Agosto de 1973. Revelava-se curioso acerca da força de Lorentz, e, daí ter-se licenciado em Engenharia Electrotécnica pelo Instituto Superior Técnico. Durante mais de uma década, trabalhou em telecomunicações sem, no entanto, alguma vez ter aplicado as admiráveis equações de Maxwell. Na primavera de 2009, em consequência do carácter caprichoso dos mercados, achou-se com mais tempo do que aquele de que necessitava para cumprir as obrigações do quotidiano. Num acesso de pragmatismo, começou a escrever. Um facto curioso é que João Ricardo Pedro chegou a confessar que nunca fora bom aluno a Português nem a nenhuma disciplina da área das Letras: – Era um bom aluno a Matemática e ao resto passava sempre à rasca!... – disse-o então, quando estivemos «À conversa com…», naquela noite de sexta-feira, 28 de Setembro de 2012, na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo.


Inevitavelmente, por estarmos condicionados – contudo, plenamente conscientes das nossas faculdades cognitivas – pela assoberbada paixão de viajar através dos livros, autênticos passaportes para a nossa interacção com os autores, os lugares e as personagens, sem esquecer as tramas e as mensagens a apreender, e por gostarmos de conversar, vamos seleccionando as nossas leituras e os nossos autores, principalmente aqueles que possam acrescentar algo à nossa “douta ignorância”, não quisemos deixar de estar presentes, naquela noite de sexta-feira, na Sala Couto Viana, de modo a usufruirmos de uma magnífica “à conversa” com João Ricardo Pedro, tendo como mote o seu segundo livro «Um Postal de Droit», um regresso à ficção, onde encontramos o espelho da nossa condição humana e “a ténue fronteira que existe entre sanidade e loucura e os laços perturbadores que tantas vezes unem a vida à arte”.
João Ricardo Pedro consegue aliviar-nos das tragédias, através de uma mochila encontrada nos destroços de um acidente de comboios, revitalizando-nos o subconsciente com o humor e figuras inesquecíveis: Em Setembro de 1985 dá-se um choque frontal de comboios em Alcafache. Algumas das vítimas mortais, presas nas carruagens a arder, nunca chegam a ser identificadas. No dia seguinte, a mãe de Marta recebe um inesperado telefonema informando que a mochila da filha – estudante de Belas-Artes – apareceu entre os destroços… – lê-se em sinopse.
É a partir dos cadernos de desenho de Marta – uma espécie de diários visuais que espelham um quotidiano tão depressa sórdido como maravilhoso –, João Ricardo Pedro, tal como aconteceu a Silvana, faz-nos entrar no quarto da Marta (a mesma que desenhava à vista de todos, ostentando orgulhosa, o seu talento, e os cadernos…), por forma a desfazermos a cama, virarmos o colchão ao contrário, trocarmos os lençóis, a fronha da almofada, o cobertor de lã por uma manta mais fresca, de algodão. A melancolia e o acabrunhamento de Marta, “a Marta que ficava tardes inteiras escarrapachada no sofá da sala a ver televisão, a esvaziar pacotes de batatas fritas e tijelas de pipocas”, serve-nos de ponte emocional à arte criativo-literária de João Ricardo Pedro, quando nos dá a conhecer – vestido na pele de um narrador – um leque de figuras absolutamente inesquecíveis, entre as quais se contam prostitutas, boxeurs, polícias e assassinos, mas também anjinhos de procissão, médicos e senhoras da caridade. Quiçá, o paradigma das mulheres e dos homens duplicados.


Apesar de João Ricardo Jorge nunca ter tido a certeza se chegaria a escrever o seu segundo livro – questionando mesmo: se a realidade é tão rica, que necessidade temos de inventar histórias? –, não resistiu ao impulso da realidade e dos efeitos devastadores sobre a perca de um filho. Aquele trágico acidente entre comboios, marcou-o profundamente. Daí, a necessidade de inventar coisas, de dar testemunho do seu tempo e sensibilidade: «Longe de imaginar o quanto aquela notícia nos dizia respeito, e os efeitos devastadores que teria nas nossas vidas, demorei a adormecer. Ainda hoje, trinta anos depois, seis internamentos depois, centenas caixas de comprimidos depois, sessões de psicanálise, mesas de pé-de-galo, sanatórios, termas, casas de repouso, choques eléctricos, dou por mim deitado na cama…»impressão de um narrador inventado, inevitavelmente impressa em «Um postal de Detroit», para gáudio da nossa assoberbada paixão de viajar através dos livros.
E por aqui ficamos, sem que antes manifestemos a nossa positiva expectativa acerca de todas as páginas do livro. Num acto contraditório à interpelação do autor (à pág. 193), jamais deitaremos fora as expectativas ou livro. Inevitavelmente, um autor que passaremos a seguir de perto, mas, como até aqui, e à semelhança de outros, discretamente.

NOTA MÁXIMA!

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