“Todo
o homem tem duas espécies de educação: uma que lhe é dada por outrem, e outra,
mais importante, que ele dá a si mesmo”.
Gibson
Se há livro que nos
marcou profundamente, no início dos novos milénio e século, foi precisamente aquele
nos fala de “Sabedoria sem Respostas: Uma Breve Introdução à Filosofia”, da
autoria de Daniel Kolak, professor na Universidade de New Jersey e de Raymond
Martin, da Universidade de Maryland – ambos autores de uma outra pérola: «The
Experience of Philosophy» –, obra que viria a ser traduzida do original «Wisdom
without Answers: A Brief Introduction to Philosophy» (2002) por Célia Teixeira,
e publicada pela Temas & Debates, em 2004.
Nesta maravilhosa obra
– a nosso ver, desculpem-nos a premeditada insistência cognitiva, também aconselhável
a políticos e religiosos –, os autores começam por realçar a noção errada que
muitas vezes se faz da Filosofia como sendo apenas um corpo de conhecimento,
onde se espera receber informação, em vez se pensar pela própria cabeça.
Assentes nessa noção, difundem o propósito em contrariar o “queixume” de muitos
filósofos, face à desmotivação dos seus estudantes, quando os sentem inaptos –
ou muito pouco preparados – “para lidarem com a matéria usada nas disciplinas
introdutórias”. Ainda, segundo os autores, importa contrariar a afeição pelas
respostas feitas, de forma a prepará-los para darem novo sentido às coisas. E,
logo a seguir, reafirmam a nossa condição de crianças, “impertinentes” nas
perguntas, com total abertura, muitas vezes irrespondíveis, quando procurávamos
e queríamos sabê-las: Sabíamos que não sabíamos as respostas, e queríamos
sabê-las. À nossa condição de espanto, enquanto crianças, relegamos a
curiosidade infantil para a estrutura de respostas que silencia a nossa
capacidade de agir, só porque, inevitavelmente, nos tornamos adultos. Por isso,
muitas dessas perguntas ficaram por responder: De onde viemos? Qual o objectivo
da nossa vida? Qual a natureza do Universo em que vivemos? O que nos acontece
quando morremos?
Prosseguindo o
raciocínio dos autores, constatamos a aparente solidez das nossas crenças,
hipoteticamente transmissoras de conhecimento – assentes em respostas que
escondem mais do que revelam –, mas não de sabedoria. Numa alusão clara ao
pensamento de Sócrates, Kolak e Martin, chamam a nossa atenção para o principal
obstáculo ao estudo da filosofia, quando recorremos ao pressuposto de sabermos
de mais. O objectivo do livro vai, precisamente, no sentido de trazer os
leitores “para o domínio da filosofia como o faria Sócrates se ainda estivesse
entre nós: afastando-o das respostas durante o tempo suficiente, para que possa
ter a experiência da sabedoria do desconhecedor”. Daí, o sentido de fazer da
filosofia uma actividade e não um corpo de conhecimentos, cultivando a perícia,
ou seja, “a habilidade para nos vermos a nós próprios e ao mundo de muitas
perspectivas diferentes”. Impelem-nos mesmo em sustentarmos o objectivo de nos
desenvencilharmos (por completo) da dependência das respostas. Abordam, também,
o sentido de «perspectiva» como “uma interpretação que vai para lá dos factos e
que se apoia nos pressupostos, convicções ou valores da pessoa que faz a
interpretação”. E dão o exemplo do feto de três meses que é intencionalmente
abortado, levando a que se equacione o objecto de interpretação em duas
perspectivas, a do assassinato e uma outra assente em dois pressupostos
diferentes: o feto não era uma pessoa, na melhor das hipóteses era uma pessoa
em potência, e a morte de pessoas em potência nem sempre é um assassínio. Dão
outros vários exemplos onde são postos em confronto os pontos de vista dos
outros – os quais nos custam admitir – com os nossos, os que julgamos como
sendo a única janela válida para a “verdadeira realidade”. A filosofia é-nos
“revelada” por estes dois autores, em forma de nos mostrar como identificar as
limitações dos nossos próprios pontos de vista e a sair de nós próprios.
A nota introdutória,
por exemplo, culmina com o relato de uma lenda antiga de três homens sábios de
três impérios diferentes que, um dia, se encontraram à entrada de um reino
pacífico. Cada um deles, em face de uma guerra tripolar – apesar dos seus sábios
conselhos, tinham levado à ruína dos seus impérios –, tinha vindo à procura de
asilo. A rainha do reino pacífico colocá-los-ia perante um enigmático teste de
adivinhação da cor de um ponto que previamente havia sido pintado nas suas
testas, sentenciando a não resolução de tal enigma pela decisão de nenhum estar
a altura de ser sábio no seu reino, sendo, por isso, decapitados. Tudo se
resume à prática de observação, não havendo forma de conseguir descobrir
respostas, olhando apenas para os nossos pontos de vistas. Os autores
escolheram esta lenda como forma de nos chamarem à atenção para a preventiva
excessividade de raciocínio, aliada à ludibriável desconfiança em relação aos
outros; para a sensação do enigma se tornar insolúvel, só porque queremos inflectir
apenas sobre o nosso ponto (de vista); e, finalmente, para resposta racional,
obtida pela observação dos pontos (de vista) dos outros. À pergunta da rainha,
de qual deles teria um ponto verde pintado na testa, tornar-se-ia sábio do
reino, aquele que vislumbrara a realidade de todos os pontos serem vermelhos.
Em catorze capítulos – Onde?, Quando?, Quem?, Liberdade?,
Conhecimento, Deus, Realidade, Experiência, Consciência, Cosmos, Morte,
Sentido, Ética e Valores –cheios de vivacidade, dos quais destacamos sete (Onde?
– Capítulo primeiro, coloca-nos a nós leitores na interactividade de sabermos
onde estamos, onde fica a Terra, o nosso sistema solar, o Universo, sendo que
este último, não existindo mapas, confere-nos, contudo, a sua localização por
dentro dele estarmos colocados; Quando? – os autores, equacionados
pela resposta óbvia do leitor em dizer aqui e agora, reformulam o quando é o
agora, quando é o presente, estampando os cinquenta séculos de história como um
pequeno segmento de tempo dentro do espaço tempo de aproximadamente quinze
milhares de milhões de anos, que é a idade actualmente calculada do Universo; Quem?
– sendo que esse “quem” somos nós: Quem é o leitor? E de uma pergunta simples
transformamo-la num enigma complexo, só porque fazemos questão em dizer o nosso
nome, a nossa idade, os nossos interesses, a nossa profissão, o local onde
vivemos, etc.; Liberdade – Porque razão está a ler isto? É indiferente a razão
que nos levou a ler este livro, mesmo que alguém o tenha dito para o fazer; Conhecimento
– O leitor tem várias crenças. Mas quais das suas crenças é conhecimento, se é
que alguma o é? A ilusória autoconfiança do apostador de corridas de cavalos
quando acredita ardentemente que o seu cavalo vai ganhar; Deus – Poderá o
conhecimento de que Deus existe fornecer a ponte necessária entre a experiência
e a realidade – entre os nossos estados mentais subjectivos e o mundo exterior?;
Ética
– Como podem as autoridades encarregues do seu condicionamento saber que o
leitor é mau por natureza? Numa escrita escorreita, Kolak e Martin apontam para
a realidade presente de pais, professores, legisladores, políticos e líderes
religiosos estarem a treinar-nos para nos ajustar ao mundo que eles herdaram
dos seus pais, dos seus professores, dos legisladores, dos políticos e dos
líderes religiosos, os quais por sua vez os herdaram das suas autoridades e
assim por diante), qualquer um de nós aprenderá a evitar as respostas fáceis e
será conduzido ao mundo fascinante do pensamento filosófico. Serão examinadas
algumas das questões fundamentais. De facto, na qualidade de leitores,
corroboramos da ideia que nos fica da abordagem frontal das perguntas,
permitindo-nos através dela explorar os modos como elas (as perguntas) nos
afectam: Deus existe?; Porque existe o Universo?; O que é o eu?; Qual o
significado da vida?; Que é a morte?; Dispomos de livre-arbítrio?; Que é o
conhecimento?; Que significa a moral?, etc., etc.
As respostas preconcebidas são abandonadas logo à partida, face à
aprendizagem no pensar de forma crítica “nas ideias filosóficas que podem
transformar a sua vida”. A de todos nós, diremos nós, mesmo que alguns se
assumam no “não assunto” de distinguirem a relação entre valores e factos!
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