“Todos
sabemos que património só o é quando as populações se nele revêem, quando o
mesmo faz parte das suas representações, pela memória, tradição e identidade,
criando correspondências, muitas vezes, de prestígio num sentido que revela
poder e sentimento de pertença”.
Victor Mendes
Apesar de termos “entre
mãos” uma série de livros para apreciar, e dentro das nossas limitações –
porque nos escusamos em tocar todos os instrumentos ou de cairmos na
promiscuidade do “sapateiro que quer ir além da chinela” – fazermos o nosso
comentário possível, cauteloso e devidamente ponderado, não resistimos à
tentação de escrevermos algo acerca de uma obra editada pelo Município de Ponte
de Lima, e que, recentemente, nos foi gentilmente oferecida – com a anuência da
presidência – pelo vereador do Pelouro da Cultura, nosso particular amigo
Franclim Castro e Sousa. Na nossa modesta opinião – ainda que revestida de
alguma subjectividade, porque outros tê-la-ão de maneira diferente –, trata-se
de uma obra esteticamente interessante, reproduzindo uma abordagem temática sobre
«Fé e religiosidade popular em Ponte de Lima», com oportuna incidência no
valioso acervo patrimonial limiano, nomeadamente “cruzeiros, vias-sacras,
nichos e alminhas”. São autores da referida obra: Carlos A. Brochado de Almeida
(Coordenador), Mário Carlos Sousa Gonçalves e Ana Paula Azevedo Ramos B. de
Almeida. A Coordenação Editorial esteve a cargo de Ovídeo de Sousa Vieira.
É evidente que, para
além da nossa positiva impressão estética da mesma obra, muito pouco mais teremos
a dizer acerca da mesma, já que não se trata uma obra poética ou literária,
motivadora de interpretações a figuras de estilo ou inédita criatividade
narrativa. Cientificamente falando, ficamo-nos pela sensação de estarmos
perante aquilo que o presidente do município, Victor Mendes, classifica de “um
extenso rol de património”, onde tudo se apresenta e conjuga de uma forma clara,
cabendo-nos apenas comungar das suas palavras – decalcadas na certeza do
sentimento de pertença, que “se espelha a verdadeira ligação à Terra, o apego
das Gentes, o pulsar das vivências quotidianas…” –, quando afirma que “este
trabalho é disso um excelente testemunho, expondo um extenso rol de património
que engloba os cruzeiros, as vias-sacras, os nichos e as alminhas que pululam
em todas as freguesias do concelho”.
Gostamos de uma forma
particular da introdução do Professor Doutor Carlos Alberto Brochado de
Almeida, director do Museu dos Terceiros [Mute], Doutor em Pré-História e
Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, um dos mais
activos investigadores de Arqueologia, por todo o Norte do País,
particularmente nas bacias dos rios Minho, Lima e Cávado, consultor científico
das câmaras municipais de Ponte de Lima, Barcelos e Vila Nova de Cerveira, de
quem conhecemos e possuímos dezenas de trabalhos ligados à arqueologia, e com quem
tivemos o prazer de conversar aquando das escavações em S. Paio de Antas
(Agra), Esposende, onde visualizamos o desconforto perante a incapacidade
reivindicativa da arqueologia – dir-nos-iam que tudo o que havia para fazer
estava feito e as obras do “IC1” (hoje A28) iriam prosseguir em nome do futuro
–, onde nos faz uma retrospectiva histórica/arqueológica da simbologia da morte,
espelhada na cruz, desde os tempos imemoriais, iniciada no Médio Oriente,
passando por Roma, Alta Idade Média até aos nossos dias. Apesar de nesta
introdução, o Professor Brochado de Almeida fazer jus ao seu estatuto de
“empático comunicador”, como é conhecido entre os seus discípulos e admiradores,
poderia ir um pouco mais além, na vertente antropológica e iconográfica, das
crenças ou da adaptação física – dos ora estudados (ou catalogados) cruzeiros,
vias-sacras, nichos e alminhas – dos ancestrais cultos do “Homo religiosus”,
também estudado por Mendes Corrêa, em “Os povos primitivos da Lusitania”,
publicado em 1924: “Nos cultos, superstições, amuletos, ornatos e outros
costumes (…)”. Mesmo assim, deliciamo-nos com algumas das descrições, para nós,
circunstancialmente interessantes em termos de “pontilhados cenários”, tomados
na essência do seu significado de conjunto das vistas e dos acessórios que
ocupam o local (e não palco) de uma representação, neste caso religiosa: “Não
há paróquia do Minho e muito menos da Ribeira Lima que não tenha as suas
alminhas. Muitas ou poucas, elas começaram a povoar as bermas e as
encruzilhadas dos caminhos que desde o século XVI cortavam e serviam o
território, fosse ele o agro-florestal ou o inter-regional. Hoje é fácil
encontrá-las, perdidas por velhos caminhos já sem servidão ou deslocadas para
junto dos novos traçados que a política viária do fontismo liberal idealizou e
foi concretizando a partir da segunda metade do século XIX”. E ficamo-nos por
aqui, dado que se impõe a todo o limiano que se preze, a aquisição desta obra e
subsequente apreciação, sempre com a consciência de que em História não há
versões finais, nem certezas inabaláveis.
Para terminarmos, apenas um reparo sem grande relevância: algumas das
fotografias, mereciam melhor tratamento. De resto, os nossos parabéns aos
autores, ao coordenador e ao Município!
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