“Os espíritos medíocres
condenam sistematicamente tudo quanto está acima da sua compreensão”
La Rochefoucauld
Só porque
tivemos uma semana extremamente negativa, ao ponto de um amigo/irmão – apesar da
sua formação em medicina – se ver confrontado com um problema de causalidade
mental, a merecer da nossa parte o recurso à interpretação e indiscernibilidade
da obsessão pelo suicídio, colocando-nos perante três interrogações
pertinentes, que remontam ao tempo em que deambulávamos por obrigação, à volta
da “Filosofia da Mente e Cognição”: Como identificar a influência causal? Quais
os sinais que revelam essa influência causal? Se essa influência causal existe,
como denuncia a sua presença?
Comecemos pela
imagem científica do mundo. Torna-se bem claro que todos dependem de uma imagem
científica do mundo. O mapa do problema de William James, por exemplo, é claro
na indicação do curso da acção. Duas histórias correm lado a lado com
fidelidade: Uma das histórias só tem sentido contra a outra se exercer uma
função útil. A sequência de pensamento jamesiano
pode ser melhor compreendida pelo fim. Suponha-se que, de facto, existe uma
influência causal da consciência no sucesso biológico dos indivíduos. Será que
o que importa é a identificação dos sinais da consciência? Para Manuel Curado
(UM) – fazendo nossas as suas palavras –, há quatro pontos a ter em conta: 1 – A
manutenção de um registo de memória ao longo do tempo de vida do indivíduo é um
início da presença da consciência; 2 – Os indivíduos biológicos em que a
distinção entre dor e prazer é conspícua têm mais probabilidades de
sobrevivência do que os indivíduos em que essa distinção é inexistente; 3 – Um
nível X de complexidade organizacional dos cérebros é condição suficiente para
identificar a presença da consciência; e, por fim, 4 – Os sentimentos de paixão
amorosa revelam a influência causal da consciência na vida dos sujeitos.
O problema jamesiano da procura de sinais da
eficiência causal da consciência não está encerrado numa colecção finita de
situações padronizadas. Assim, a referência aparentemente excepcional do ser
humano adulto consciente é um esquema de interpretação da presença da
consciência entre muitos outros esquemas. Uma coisa é certa, se optarmos por um
princípio racional, facilmente concluiremos que não existe nenhum princípio
dessa natureza a partir do qual se possa avaliar todas as situações de identidade entre sujeitos conscientes
(autistas vs. pacientes da síndrome
do locked in, lobotomizados vs. microcéfalos, professores
universitários vs. apanhadores de
coral, etc.) e entre estados de
consciência (depressão vs.
alegria, sonho lúcido vs. insónia,
actividade racional vs. vergonha,
etc.). A haver esse princípio, ele teria que ser interpretado. Por isso, o
resultado da procura dos sinais de consciência é ambíguo. Ou seja, partimos do
que é suficientemente bom para poder ser interpretado como consciente (Ex: quando alguém toma uma atitude socialmente
reprovável é característica a expressão – És um inconsciente!) e reforça-se
no que é indiscernível de uma experiência subjectiva que se toma
provisoriamente como padrão (a do próprio sujeito) – Para nós, hoje, é indiscernível a corrupção e prática da Inquisição; a
pena de morte; a escravatura actual, etc.
E porque
andamos absorvidos pelas fragilidades do nosso amigo/irmão, diremos que as
experiências subjectivas de um único sujeito são constantemente interpretadas e
comparadas e, também a seu respeito, não existe um critério absoluto (Ex: uma coisa é aquilo que eu sou, outra coisa
é aquilo que julgo que sou. Se eu não me conheço em função da minha consciência
– e/ou equilíbrio pessoal –, como poderei desenvolver a minha urbanidade desde
a família à sociedade?). Um indivíduo para que possa saber que está
consciente tem que identificar sinais e essa é uma actividade em linha de
continuidade com processos como o da identificação de rostos de pessoas suas
conhecidas. Conteúdos parciais da consciência, como actividade racional, sonho,
depressão, ou sentimento amoroso, são interpretados e os seus sinais não são tão
evidentes que não necessitem de um inquérito racional (Sonhar é um estado da consciência – por isso é que há a interpretação
imediata dos sonhos). A apreensão que a consciência faz de si mesma para
ser tão imediata que não necessita de processos de interpretação de sinais. Uma das características principais da
consciência é a da verificação de inconsistências nas avaliações de identidade,
seja a própria, seja a de outros seres humanos. Ter sensações subjectivas
significa, entre muitas coisas, que alguns sinais, eventos, estruturas e
conteúdos, são interpretados como fazendo parte do si mesmo e outros como não
fazendo parte do si mesmo.
Outro facto a ter em conta é que, no dizer de
Manuel Curado (Obsessão Ocidental: o
problema da causalidade mental), o elemento comum à normalidade e à patologia
é a possibilidade do erro que acontece na interpretação de sinais ou indícios.
O ponto interessante é o de que todos têm de fazer interpretações porque o
referente da palavra que utilizam – “consciência” – não pode ser acedido sem a
actividade de interpretação. O grau mínimo da interpretação começa por ser a
observação, isto é, o ponto em que se contacta com o objecto a interpretar. Não
há interpretações universais tal como não há actos de observações neutros.
Nesse sentido,
escusar-nos-emos a interpretações e indiscernibilidades, e manteremos uma
atenção redobrada à actividade racional do nosso amigo/irmão, mesmo quando de
um médico se trata!
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