Monday, February 03, 2014

Jean-Paul Sartre e a natureza humana

“Os homens. É preciso amar os homens. Os homens são admiráveis. Sinto vontade de vomitar – e de repente aqui está ela: a Náusea. Então é isso a Náusea: essa evidência ofuscante? Existo – o mundo existe -, e sei que o mundo existe. Isso é tudo. Mas tanto faz para mim. É estranho que tudo me seja tão indiferente: isso me assusta. Gostaria tanto de me abandonar, de deixar de ter consciência de minha existência, de dormir. Mas não posso, sufoco: a existência penetra em mim por todos os lados, pelos olhos, pelo nariz, pela boca…”

Jean-Paul Sartre

Esta semana discutíamos com um amigo de longa data – autodidacta, que se dedica ao conhecimento científico da identidade cultural dos seus símbolos, cultos e rituais, complementado com estudos científicos de toponímia –, a possibilidade fraudulenta, segundo ele, da teoria freudiana do determinismo psíquico (consciente, pré-consciente e inconsciente), e lembrar-nos-íamos logo de Jean-Paul Sartre, quando o mesmo nega que haja uma “natureza humana”, afirmação pela qual rejeita o existencialismo de cunho generalizado. Para ele, a existência do homem precede a sua essência, que o mesmo será dizer que não fomos criados com nenhum objectivo, nem por Deus nem pela evolução nem por qualquer outra coisa. A asserção central da condição humana é, naturalmente, a liberdade humana. Para Sartre a liberdade reside na consciência de que existimos e termos de decidir o que fazer de nós mesmos. Apesar disso não pretende negar a existência de certas propriedades universais inerentes à sobrevivência, como é exemplo, a necessidade de comer.
Para chegar à asserção central da liberdade humana, o filósofo francês, parte de uma distinção radical entre a consciência (o ser-para-si), e os objectos não conscientes (o ser-em-si). Ainda, segundo ele, este dualismo básico é evidenciado pelo facto de que a consciência – sendo que a mesma está sempre consciente de si mesma – tem necessariamente um objecto, que é sempre consciência de alguma coisa que não é ela própria, sendo necessário distinguir entre ela própria e o seu objecto. Esta interacção liga-nos à nossa própria capacidade de fazer juízos a respeito desses mesmos objectos. Envolto em afirmações obscuras como «O nada reside enovelado no coração do ser – como um verme», Sartre faz jogos de palavras “desorientantes”, de que é exemplo também a máxima da “existência objectiva de um não-ser”. Segundo ele, a capacidade de conceber a negativa constitui a liberdade de imaginar outras possibilidades, a liberdade de fazer uma suspensão de juízo. O poder de negar é, por assim dizer, o mesmo que as liberdades de pensamento (imaginar possibilidades) e de acção (tentar realizá-las)... Ser consciente é ser livre!


Ao sustentar que a consciência é necessariamente transparente para si mesmo e que todo o aspecto das nossas vidas mentais é intencional, escolhido e de nossa responsabilidade, o filósofo francês contradiz a teoria freudiana do determinismo psíquico. No seu Esboço de uma Teoria das Emoções, Sartre afirma que as emoções não são coisas que nos “assolam” mas maneiras pelas quais apreendemos o mundo. E dá alguns exemplos em como somos responsáveis pelas nossas emoções e pelos traços duradouros da nossa personalidade – ao afirmarmos que as uvas de um cacho estão verdes, quando fora ou na impossibilidade de as alcançar –, sendo que a nossa liberdade e, consequentemente, a nossa responsabilidade, se estende a tudo que pensamos e fazemos.
Tomando como referência Kierkegaard, convenhamos em referir que Sartre usa o termo “angústia” para descrever a consciência da própria liberdade. Segundo o mesmo filósofo, a angústia não é o medo de um objecto exterior, mas a consciência da imprevisibilidade última do próprio comportamento.

Jean-Paul SARTRE alerta-nos para o facto de ao encararmos má-fé como tentativa de fugir da angústia, a mesma acaba por se nos revelar numa “fuga” ilusória, dado que a nossa própria liberdade é uma verdade necessária. Por isso, a angústia, a consciência da nossa liberdade, é dolorosa, e assim tentamos evitá-la. Sartre dá dois exemplos famosos de má-fé, sendo que apenas os citaremos para contextualizarmos o seu pensamento: «Uma moça está ao lado de um homem e sabe muito bem que ele gostaria de seduzi-la, mas quando ele segura a sua mão, ela tenta evitar a necessidade dolorosa de uma decisão e finge não notar» e «Um garçom que, ao identificar-se completamente com o papel de garçom, finge que esse papel específico determina todas as suas acções e atitudes». Sartre rejeita a explicação freudiana da má-fé em termos de estados mentais inconscientes.

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