“Os homens. É preciso amar os
homens. Os homens são admiráveis. Sinto vontade de vomitar – e de repente aqui
está ela: a Náusea. Então é isso a Náusea: essa evidência ofuscante? Existo – o
mundo existe -, e sei que o mundo existe. Isso é tudo. Mas tanto faz para mim.
É estranho que tudo me seja tão indiferente: isso me assusta. Gostaria tanto de
me abandonar, de deixar de ter consciência de minha existência, de dormir. Mas
não posso, sufoco: a existência penetra em mim por todos os lados, pelos olhos,
pelo nariz, pela boca…”
Jean-Paul Sartre
Esta semana
discutíamos com um amigo de longa data – autodidacta, que se dedica ao conhecimento
científico da identidade cultural dos seus símbolos, cultos e rituais,
complementado com estudos científicos de toponímia –, a possibilidade fraudulenta,
segundo ele, da teoria freudiana do determinismo psíquico (consciente, pré-consciente
e inconsciente), e lembrar-nos-íamos logo de Jean-Paul Sartre, quando o mesmo nega
que haja uma “natureza humana”, afirmação pela qual rejeita o existencialismo
de cunho generalizado. Para ele, a existência do homem precede a sua essência,
que o mesmo será dizer que não fomos criados com nenhum objectivo, nem por Deus
nem pela evolução nem por qualquer outra coisa. A asserção central da condição
humana é, naturalmente, a liberdade humana. Para Sartre a liberdade reside na
consciência de que existimos e termos de decidir o que fazer de nós mesmos. Apesar
disso não pretende negar a existência de certas propriedades universais
inerentes à sobrevivência, como é exemplo, a necessidade de comer.
Para chegar à
asserção central da liberdade humana, o filósofo francês, parte de uma
distinção radical entre a consciência (o ser-para-si), e os objectos não
conscientes (o ser-em-si). Ainda, segundo ele, este dualismo básico é
evidenciado pelo facto de que a consciência – sendo que a mesma está sempre
consciente de si mesma – tem necessariamente um objecto, que é sempre
consciência de alguma coisa que não é ela própria, sendo necessário distinguir
entre ela própria e o seu objecto. Esta interacção liga-nos à nossa própria
capacidade de fazer juízos a respeito desses mesmos objectos. Envolto em
afirmações obscuras como «O nada reside enovelado no coração do ser – como um
verme», Sartre faz jogos de palavras “desorientantes”, de que é exemplo também
a máxima da “existência objectiva de um não-ser”. Segundo ele, a capacidade de
conceber a negativa constitui a liberdade de imaginar outras possibilidades, a
liberdade de fazer uma suspensão de juízo. O poder de negar é, por assim dizer,
o mesmo que as liberdades de pensamento (imaginar possibilidades) e de acção
(tentar realizá-las)... Ser consciente é ser livre!
Ao sustentar
que a consciência é necessariamente transparente para si mesmo e que todo o
aspecto das nossas vidas mentais é intencional, escolhido e de nossa
responsabilidade, o filósofo francês contradiz a teoria freudiana do
determinismo psíquico. No seu Esboço de uma Teoria das Emoções, Sartre afirma
que as emoções não são coisas que nos “assolam” mas maneiras pelas quais
apreendemos o mundo. E dá alguns exemplos em como somos responsáveis pelas
nossas emoções e pelos traços duradouros da nossa personalidade – ao afirmarmos
que as uvas de um cacho estão verdes, quando fora ou na impossibilidade de as
alcançar –, sendo que a nossa liberdade e, consequentemente, a nossa
responsabilidade, se estende a tudo que pensamos e fazemos.
Tomando como
referência Kierkegaard, convenhamos em referir que Sartre usa o termo
“angústia” para descrever a consciência da própria liberdade. Segundo o mesmo
filósofo, a angústia não é o medo de um objecto exterior, mas a consciência da
imprevisibilidade última do próprio comportamento.
Jean-Paul
SARTRE alerta-nos para o facto de ao encararmos má-fé como tentativa de fugir
da angústia, a mesma acaba por se nos revelar numa “fuga” ilusória, dado que a
nossa própria liberdade é uma verdade necessária. Por isso, a angústia, a
consciência da nossa liberdade, é dolorosa, e assim tentamos evitá-la. Sartre
dá dois exemplos famosos de má-fé, sendo que apenas os citaremos para
contextualizarmos o seu pensamento: «Uma moça está ao lado de um homem e sabe
muito bem que ele gostaria de seduzi-la, mas quando ele segura a sua mão, ela tenta
evitar a necessidade dolorosa de uma decisão e finge não notar» e «Um garçom
que, ao identificar-se completamente com o papel de garçom, finge que esse
papel específico determina todas as suas acções e atitudes». Sartre rejeita a
explicação freudiana da má-fé em termos de estados mentais inconscientes.
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