Tuesday, April 08, 2014

Respostas filosóficas para problemas teológicos (I)

“Embora a palavra Trindade não seja encontrada na Bíblia (nem a palavra encarnação), o ensinamento que ela descreve é encontrado ali. A doutrina da Trindade estabelece o conceito de que há três Seres plenamente divinos: Pai, Filho e Espírito Santo, que formam um Deus. Por sua vez, Ellen White usa o termo “Divindade” que é encontrado em Romanos 1:20 e Colossenses 2:9. Através dessa palavra ela transmite a mesma ideia contida no termo Trindade, ou seja, há três Seres viventes na Divindade…”

Gerhard Pfandl

Quando frequentávamos o Curso de Teologia (ICVC) – do qual haveríamos de desistir, face à nossa incompatibilidade com os dogmas – quatro conceitos metralhavam a nossa mente e eram fonte de alguma dicotómica irritabilidade docente/discente: Trindade, Transubstanciação, Embriologia (aborto) e Ressurreição. Daí, a Filosofia ter sido a nossa nova porta de entrada, sendo que aí a “discussão” pressupunha uma discorrência lógica, precisamente pelo facto dos temas se interligarem, abrindo, ao mesmo tempo, perspectivas de uma correlação teológica/filosófica. Foi no âmbito do aprofundamento das temáticas curriculares leccionadas nas disciplinas ao longo dos anos lectivos do Curso de Filosofia (UM), que José Filipe Pereira da Silva, docente de Filosofia Medieval, foi o convidado de um dos seminários, trazendo-nos à discussão – e/ou debate – um interessante tema que, muitas vezes, se torna oportuno no tempo presente: «Respostas filosóficas para problemas teológicos». E diremos interessante dado que, sem dissimulações e pautando-se por uma “clarividência objectiva”, pondo em realce esses quatro pontos teológicos, mas vistos aos “olhos” da filosofia.
Ao falarmos de Trindade, por exemplo, começaremos pelo conceito aristotélico de substância, cujo sentido lhe vem da forma, sendo que a forma é, por sua vez, a natureza íntima das coisas. Sendo assim, para o mesmo filósofo, a forma ou essência do homem é a sua alma, enquanto no animal a forma ou essência é a alma sensitiva, e a da planta é a alma vegetativa: Substância é: a) o que «não é inerente a outro nem dele se predica», e portanto é objecto de inerência e predicação; b) o que «pode substituir por si» ou «separadamente» do resto, ou seja, independentemente; c) o que é «algo determinado» (e não um universal abstracto), um «tóde ti»; d) o que tem uma «unidade intrínseca» e não é um mero agregado de partes organizadas; e) o que é «acto» ou «está em acto» – e não puramente em potência.
Perante tal postulado, como se pode chegar ao conceito teológico de Trindade, como três pessoas distintas (Pai, Filho e Espírito Santo), mas consubstanciais numa só natureza? Dirão os mais afoitos aristotélicos que se pode chegar a esta (una) trindade através de uma das suas categorias, aquela que Aristóteles denominou de “relação”. Por outro lado, ao colocarmos neste dogmático conceito da Trindade uma nova teorização de substância, sendo que passamos a denominá-la de “ultra-substância” (não podemos predicar), formula-se assim os esforços da teologia para chegar à “revelação” acerca do Deus único e da divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo que, segundo Prof. Doutor Roque Cabral, tiveram grande influência na história do pensamento europeu, levando à elaboração de não poucos conceitos, nomeadamente os de hipóstase, pessoa, essência, processão e relação. Claramente diferente deste conceito trinitário unificador, é o conceito de triteísmo que sustenta que em Deus, não há só três pessoas, mas também três essências, três substâncias e três deuses, ou seja, que equivale a um monoteísmo trifórmico.


Em consonância com o que acima referimos passamos à Transubstanciação. Tendo em conta que para Aristóteles a substância é em certo sentido a forma (eidos, morphé) – significa o que uma coisa é ela mesma –, outro problema se coloca quando falamos de transubstanciação, aquilo que para os cristãos, na eucaristia, é a mudança da substância do pão na substância do corpo e do vinho no sangue de Jesus Cristo. No fundo, aquilo que se procura explicar é a existência de uma transformação da substância, mas não dos acidentes (perceptíveis aos sentidos), ou seja, o sabor, a textura, a forma, a cor, o odor, etc. – aquilo a que podemos denominar, também, de aparências – permanecem, mas já não são mais pão e vinho porque assumem a transubstanciação de serem corpo e sangue, respectivamente. Por isso, para os cristãos, por meio da transubstanciação Cristo está na “realidade”, verdadeira e substancialmente presente sob as aparências remanescentes do pão e do vinho. Segundo as grandes linhas filosóficas/dogmáticas da Igreja Católica Apostólica Romana, a transformação permanece pelo tempo em que as aparências (acidentes) remanesceram. Mesmo para aqueles que, à luz da interpretação “filosófica”, emprestam à Eucaristia um certo canibalismo (referido no mesmo seminário, por interposição de um outro docente da mesma universidade) e/ou a “confusa” consideração que a presença de Cristo na Eucaristia é meramente figurativa (hipótese que nós mesmo chegamos a levantar) – dois erros em que mormente se pode ocorrer –, o conceito de transubstanciação é, neste caso, e em contraposição aos possíveis erros de interpretação, acompanhado pela distinção unambígua entre substância, ou realidade subjacente, e acidente, ou perceptível pela aparência. Segundo o Professor José Filipe Silva, a mudança da substância (com a sua forma, qualidade, quantidade, etc.) para o corpo e sangue de Cristo, continua a ser substância, mas sem acidentes, uma vez que os acidentes não existem por si. Desta forma, o corpo de Cristo tem que estar todo em qualquer pedaço de uma hóstia, depois de consagrada, altura em que se dá a transubstanciação. Mesmo quando partida será indivisível!  
         Segundo a nossa opinião, os temas em debate – Trindade e transubstanciação –, pelas suas correlações situam-se na fronteira entre a problemática da filosofia da linguagem e a filosofia do conhecimento. Apesar do seu pendor teológico, ainda hoje se procurar descortinar até onde vão os limites da vida e se de facto existe uma alma subsistente ao corpo, que justifique o sentido da própria vida, ou seja, quando nos afirmamos pelas causas da mente divina ou, simplesmente, das “verdades” da natureza humana. Na próxima crónica, abordaremos a embriologia (aborto) e a ressurreição.

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