Thursday, May 29, 2014

Louis Althusser e a «Defesa da Tese de Amiens»

“É provável que haja quem ache chocante que eu não resigne ao silêncio depois do acto que cometi, e depois também da declaração de inimputabilidade que o sancionou e da qual, segundo o modo de dizer espontâneo, beneficiei”

Louis Althusser‏

É evidente que não iremos falar da loucura em Althuser, qual “L’Avenir dure longtemps” soçobra no impensável e no trágico com o assassinato de sua mulher Hélène, mas d’A Defesa da Tese de Amiens, texto extraído da obra «Posições» de Louis Althusser (1918-1990) – autor francês criador de uma variante do marxismo, e que na linha de Gramsci cria as categorias de aparelho ideológico e aparelho repressivo do Estado –, obra essa que, como se pode ler em sinopse, reagrupa vários artigos importantes que marcaram a sua evolução entre 1964 e 1975. O texto, ora em análise, “Defesa da Tese de Amiens”, reproduz o essencial da argumentação com que, em Junho de 1975, Louis Althusser defendeu os seus trabalhos num Doutoramento de Estado na Universidade de Amiens. De facto, é assim que inicia o referido texto – numa espécie de introdução –, onde procura fazer uma pequena retrospectiva sobre a filosofia e a política, nomeadamente dos autores do séc. XVIII, como uma propedêutica – segundo ele – necessária à compreensão do pensamento de Marx. Sendo já, na altura, comunista, tentaria a partir dali também ser marxista, ou seja, depreendendo-se das suas palavras, procuraria compreender o que quer dizer marxismo.
 

Numa espécie de autobiografia intelectual – deambulando pelos pensamentos de Immanuel Kant, Thomas Hobbes, Maquiavel, Hegel, Espinosa, John Locke, Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau –, Louis Althusser acaba por se quedar no pensamento de Marx: Tomo como prova, além de toda a história da filosofia, o próprio Marx, que só se definiu apoiando-se em Hegel, para dele se demarcar. E penso ter seguido, de longe, o seu exemplo, autorizando-me a passar por Espinosa para compreender porquê Marx teve que passar por Hegel (p. 132). E este será o ponto de partida para as três vias (“selvagens”) de abordagem aos seus ensaios, que, segundo Louis Althusser, os atravessam e se cruzam: A «última instância…» – Partindo do pressuposto que a parte exprime o todo e só se compreende as partes em função do “todo estruturado”, Althusser começa por nos apresentar um “todo” sobredeterminado com níveis e instâncias relativamente autónomas. Apresenta mesmo a sociedade na metáfora dum edifício, cujos andares assentam, segundo a lógica do edifício, sobre a base (p.140). A base é que define o todo do edifício; a base é a economia. Discorrendo através dum processo histórico sem sujeito e sem fim ou fins, que irá culminar num processo da ideologia, o mesmo filósofo francês afirma que na configuração social há – diferente da lógica dialéctica: certamente, Hegel não procurou a dialéctica após a rejeição da Origem e do Sujeito (p. 144) – “todos parciais”, sem prioridade de um centro. A nível económico opera-se a rejeição da unicausalidade económica da história e das lutas sociais atribuindo-se a instâncias, abrindo assim espaço à dialéctica de cariz estrutural, porque definida através das determinações e subdeterminações. Renova-se assim a explicação dos processos sociais, superando os extremismos de se imputar, invariavelmente, a causa económica a todos os acontecimentos sociais e políticos: o tópico marxista designa o lugar onde nos devemos bater, porque é nele que se luta, para transformar o mundo. Mas este lugar não é um ponto, nem é fixo, é um sistema articulado de posições orientadas pela determinação em última instância (p. 148); Sobre o processo de conhecimento – Passando ao processo de conhecimento, Louis Althusser apresenta alguns argumentos, não para construir uma «teoria do conhecimento», mas para pôr em questão algumas evidências cegas, com que uma certa filosofia marxista se julga muitas vezes protegida dos adversários (p. 156). Inspirando-se em Marx, que empregava várias vezes o conceito de «produção» de conhecimentos, a tese central de Althusser vai no sentido da ideia do conhecimento como produção, que ao ser levado à letra sugere um processo, um processo sem sujeito. Por outro lado, ao pretender alcançar a distinção das Três Generalidades: a primeira desempenhando o papel de matéria-prima teórica; a segunda de instrumento de trabalho teórico; e a terceira o concreto-de-pensamento ou conhecimento, sendo que no final do processo – resultante do concreto-de-pensamento, da totalidade-de-pensamento – chega ao conhecimento do concreto-real, do objecto real: o processo do conhecimento acrescenta a cada passo ao real o seu próprio conhecimento, mas a cada passo o real o reabsorve (p. 159); e, finalmente, Marx e o humanismo teórico – A principal tese de Althusser é o anti-humanismo teórico que consiste em afirmar a primazia da luta de classes e criticar a individualidade como produto da ideologia burguesa. Tal como afirmara Marx: «Uma sociedade não é composta por indivíduos». O homem é uma pura abstracção. O homem não tem qualquer eficácia em termos de conhecimento, dado que é considerado como agente de produção, não é mais que isso para o modo de produção capitalista, ou seja, um simples «portador de funções», completamente anónimo, intermutável, uma vez que pode ser lançado à rua, se é operário (p. 166). Assim, o motor da história é a luta de classes, de forma a auxiliar a classe operária a fazer a revolução, e a suprimir ulteriormente, no termo do comunismo, a luta de classes e as próprias classes (p.170).
           Não admira, pois, que o pensamento de Althusser tenha influenciado os meios intelectuais universitários, na década de setenta, marcados pela geração do Maio 68, da qual muitos hoje detêm o poder político e económico, e meteram o marxismo na gaveta. Mais grave é que alguns estão hoje em partidos ultraliberais, não tendo qualquer eficácia em termos de conhecimento e dispensam a ética, como quem “limpa o cú a meninos”. São simples portadores de funções!

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