Friday, November 20, 2015

«Cogito ergo sum» em tempo de desafios e de terror!...

«O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída; porque cada um pensa estar dele tão bem provido que mesmo os mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar mais do que o que têm…»

René Descartes

Estávamos longe de imaginar que, após tantos disparates escritos nas “redes sociais”, em consequência dos atentados terroristas em Paris – sendo o mais grave um com um cartoon estampado com um yihadista e rostos de Catarina Martins e Mariana Mortágua, borrado a “diarreia mental” por um fulano, irremediavelmente irracional, com os seguintes dizeres: «Também cá temos meninas esganiçadas fabricantes de terrorismo» –, teríamos que quebrar o nosso premeditado silêncio, já que o vaticínio há muito se encontrava plasmado em «Baliza trágica de um naufrágio».   
Por isso, com base no Método da Dúvida, método esse que levou até à exaustão, a famosa frase Descartes «cogito ergo sum» – «penso, logo existo» – acabaria por não corresponder efectivamente ao verdadeiro sentido do seu pensamento, já que nas Meditações, permitir-se-ia a “corrigir” para «Eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeiro sempre que exposto por mim ou concebido na minha mente». Parafraseando Nigel Warburton, a dúvida metódica (cartesiana) implica a consideração de que todas as anteriores convicções são falsas. Só se deve acreditar em algo se se estiver absolutamente certo de que esse algo é verdadeiro, devendo a mais insignificante dúvida acerca da sua veracidade ser suficiente para o rejeitar.
Segundo René Descartes, para examinar a verdade é necessário, pelo menos uma vez na vida, pôr todas as coisas em dúvida, tanto quanto se puder. O seu pensamento tem origem no reconhecimento da autonomia de um sujeito que reivindica a autoridade única da razão em matéria de conhecimento. Considerado como um símbolo do espírito racionalista – inicia-se o declínio dos dogmatismos e afirma-se a omnipotência de uma razão consciente da sua capacidade de tornar o homem dono e senhor da natureza –, a sua filosofia alicerça-se em três objectivos fundamentais:
1. Formular o verdadeiro método «para atingir o conhecimento de todas as coisas na medida das possibilidades do meu espírito»;
2. Investigar os princípios de base que permitem a constituição de um sistema total do saber;
3. Preparar a via para «a mais elevada e mais perfeita moral que, pressupondo um conhecimento total das outras ciências, é o último grau de sabedoria».


No sistema de Descartes, existe um mundo físico regido pelas leis deterministas da Natureza e um mundo mental da consciência solitária. Os seres humanos, ao serem compostos de corpo e mente, equilibram-se – segundo Anthony Kenny, desconfortavelmente – entre os dois mundos. Ao contrário da maior parte dos pensadores anteriores ao filósofo francês, em que os animais diferiam dos seres humanos pelo facto de não serem racionais – embora se assemelhassem pelo facto de possuírem a capacidade da sensação – para Descartes os animais irracionais não passavam de máquinas. Para ele, um animal não poderia ter uma dor, embora a máquina do seu corpo pudesse levá-lo a reagir de forma semelhante ao de um humano, manifestando uma expressão de dor:
“Não descortino qualquer argumento que prove que os animais têm pensamentos, excepto o facto de, tendo ele olhos, ouvidos, línguas e outros órgãos sensoriais como os nossos, parece provável que tenham sensações como nós; e, estando o pensamento incluído no nosso modo de sensação, parece que lhes podemos atribuir pensamentos semelhantes. Este argumento que é muito óbvio, tomou posse da mente dos homens desde o começo. Mas há outros argumentos, mais fortes e mais numerosos, ainda que não óbvios para toda a gente, que insistem fortemente no contrário”.
Segundo Anthony Kenny, esta doutrina não pareceu tão chocante aos contemporâneos de Descartes – cujo pensamento se estruturava em dois grandes princípios: o de que o homem é uma substância pensante e o de que a matéria é extensão em movimento –, mas alguns dos seus discípulos, “dissimularam” algum confronto, ao afirmaram que os seres humanos, tal como os animais, não passavam de máquinas complicadas.
E como já uma vez escrevemos, numa das nossas anteriores crónicas, em jeito de conclusão diríamos que um dos aspectos principais do projecto e método em Descartes é a opção de usar a primeira pessoa no discurso. Ao usar a primeira pessoa nos seus textos, resulta no percurso que o levou a um caminho certo – mostrar o processo em vez dos resultados, como se chega ao conhecimento.
Através da “árvore do conhecimento”, organização hierarquizada do conhecimento, cujo modelo do método é fornecido pela matemática – modelo imperativo de Descartes para reformar todo o conhecimento –, o mesmo apenas deve ser construído através da razão humana.
Em suma, o mesmo filósofo propõe na tarefa de libertar a filosofia do cepticismo. A dúvida é apenas um instrumento em uso na investigação.
Perante os últimos acontecimentos de terror, do qual não excluiremos o verbal, a nosso modesto ver, teremos que repensar o facto se alguns dos discípulos de Descartes, ao “dissimularem” algum confronto com o Mestre, não teriam razão quando afirmaram que os seres humanos, tal como os animais, não passavam de máquinas complicadas.
        A irracionalidade de alguns permite-nos assim concluir!

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