“Mas
há um episódio que convirá relembrar aos governantes de hoje: a revolta da
Janeirinha. Em 26 de Junho de 1867, foi publicada a Lei da Administração Civil
que tentou extinguir 104 concelhos. No dia 1 de Janeiro de 1868 deu-se uma
enorme manifestação espontânea de protesto no Porto (…) O governo caiu e foi
revogado o decreto da reforma administrativa. / Talvez fosse bom que este
governo à beira do fim passasse uma vista de olhos pela história…”.
Carlos Abreu Amorim
Se há pessoas que
acicatavam a nossa predisposição cognitiva, no que concerne à opinião
fundamentada e com alguma credibilidade intelectual, e a qual seguíamos amiúdas
vezes, era precisamente – apesar de o sabermos ultraliberal – o professor universitário
de Direito Carlos Abreu Amorim. A nossa afinidade prendia-se ainda ao facto de
ele ser professor na nossa universidade (UM) – desculpem-nos este eufemismo
académico – e, algumas vezes, concordarmos com as suas bem fundamentadas e
elaboradas argumentações, porque eram (em algumas circunstâncias) consonantes
com o nosso ideal democrático.
Estamos em recordar
aquela “pedrada no charco” quando, em 19 de Janeiro de 2011, escreveria que pela
primeira vez desde que fez 18 anos, não exerceria o direito de voto no domingo
imediato: “Vou abster-me, num acto pensado que se sustenta na inutilidade do
actual modelo de poderes presidenciais e na sua trágica discrepância com a elevação
democrática que subjaz à eleição directa e universal do seu titular”. Para este
ora ilustre deputado, “os poderes presidenciais constantes na Constituição
constituem uma amálgama de elementos incoerentes sem sombra de identidade
própria. Os seus defensores gostam de o nomear com uma expressão assaz
reveladora desse insuperável estado de confusão: seria um modelo
semipresidencial misto com pendor parlamentar!”, argumentando “a prior” – qual
imperativo categórico kantiano – que na prática das últimas décadas percebeu-se
que este é o lugar público onde se torna mais perceptível a directa relação
entre a dimensão do cargo e a daquele que o exerce, acrescentando que “se o seu
titular se reduzir a ser um «Presidente do Conselho Fiscal do Formalismo
Constitucional», como sucedeu com Cavaco Silva (e com nove anos e meio dos dez
de Jorge Sampaio), então não faz qualquer sentido persistir em elegê-lo por
sufrágio directo e universal”. Para ele, nesta última década e meia, o nosso
país andou sempre para trás, reforçando a ideia de que qualquer que fosse a
questão nacional (educação, saúde, justiça, economia, finanças, credibilidade
das instituições, o estado de depressão colectiva, etc.), Portugal está muito
pior. E insurgia-se em tom crítico/acusatório contra a grande parte dos nossos
constitucionalistas, bem como contra aqueles que ele denominava “cronistas da
corte” que julgam fazer análise política, nenhuma responsabilidade pode ser
assacada aos presidentes da República. Na altura, esta sua corajosa posição mereceu
da nossa parte um forte aplauso. Em 2012, de uma forma mais convincente à sua
“indisposição cavaquista” chega a afirmar publicamente – numa das suas
deambulações como comentador televisivo – que Cavaco Silva está bem quando está
calado. Se o cumpriu ou não, a sua consciência o dirá!
Mas à medida que o fomos lendo melhor, fomo-nos apercebendo de algumas incongruências naquilo que escrevia. A nossa maior decepção presente vai no sentido de ele se permitir ao facilitismo – com que facilidade se tornou no “correio-mor” na defesa da licenciatura fantoche de Miguel Relvas – de se augurar em defesa da reorganização administrativa territorial, quando ao tempo do governo de Sócrates se vangloriara de “profeta”, permitindo-se ao seguinte comentário, em artigo publicado no Diário de Notícias, em 2010: “Não há autarquias a mais em Portugal – em termos relativos, até temos o menor número de municípios da EU. O decreto de 11 de Julho de 1882 criou 785 municípios e 4086 juntas de paróquia (hoje são 4260 freguesias). Em 1836, Passos Manuel extingue 751 concelhos – passaram a ser 351 (hoje são 308 municípios). O número de municípios e freguesias tem-se mantido com uma constância impressionante. / Mas há um episódio que convirá relembrar aos governantes de hoje: a revolta da Janeirinha. Em 26 de Junho de 1867, foi publicada a Lei da Administração Civil que tentou extinguir 104 concelhos. No dia 1 de Janeiro de 1868 deu-se uma enorme manifestação espontânea de protesto no Porto (é daqui que vem o nome do matutino portuense) que alastrou para Braga, Coimbra e Lisboa. / O governo caiu e foi revogado o decreto da reforma administrativa. / Talvez fosse bom que este governo à beira do fim passasse uma vista de olhos pela história…” – assim, textualmente, sem tirar nem pôr.
Instalado no poder,
porque eleito deputado por Viana do Castelo, e esquecendo-se dos recados dados
ao anterior governo, eis que “dando o dito por não dito”, aparece a defender o
que outrora rejeitara e até combatera: “Portugal não tem municípios a mais. Ao
contrário, a relação população/território dos seus 308 municípios é uma das
melhores da Europa (a França possui 36 682; a Itália 8094; a Espanha 8116; a
Holanda 430; e a Bélgica 589). O mesmo já não pode ser dito a propósito das
4259 freguesias portuguesas. Embora as freguesias desempenhem um papel
proeminente, mormente fora dos meios urbanos, é necessário agregá-las (sem
prejuízo da sua identidade secular), muni-las de escala e massa crítica para
que possam receber competências apropriadas”. As freguesias, como o elo mais
fraco, colocando-se a jeito dos “pastores” e dos “boieiros”, aqueles que
Sócrates (o filósofo) dizia velarem “pelo bem das ovelhas ou dos bois, e que os
engordam e tratam deles com outro fim em vista que não seja o bem dos patrões
ou o próprio” (A República: 343b). A sua intervenção sobre a Reorganização
Administrativa do Território das Freguesias, no Plenário de 6 de Dezembro de
2012, foi de tal forma deplorável (tendo em conta o contraditório face às suas
crónicas e comentários televisivos – jamais o conseguiremos ouvir –, antes de
chegar a deputado), que somos forçados a ter alguma complacência para com
aquele que um dia o definiu como uma pessoa que “para além da falta de humor e
da propensão para um estilo caceteiro-armado-em-intelectual (…), é notória a
falta de educação e a facilidade com que resvala para a ofensa de baixo nível”.
Não era essa a percepção que tínhamos até o ouvirmos nas suas acutilantes (?) intervenções
na Assembleia da República… Diem perdidi!
Começamos a ficar cansados
da falta de coerência – para não dizermos de carácter – de muitos dos
“forjadores” de opinião e principalmente daqueles que se têm deixado enredar
pelas teias do poder pelo poder. Mazarefes, freguesia há mais de mil anos –Ittem freguezia de Sam Simon de Junqueira
Mazarefes he provado que he couto de antaltares, per marcos e per divisões
–, uma das freguesias que ajudou a eleger Carlos Abreu Amorim, vê-se agora
unida a Vila Fria, enquanto outras de menor dimensão populacional e desprovidas
de infra-estruturas suficientes, mantêm a sua identidade, e nós até sabemos bem
porquê. Por certo que a “super união” das freguesias da Meadela, Santa Maria
Maior e Monserrate, irá precisar de um “super presidente”, tendo em conta que
será maior que os concelhos de Vila Nova de Cerveira e Paredes de
Coura juntos.
Caro Carlos Abreu
Amorim, ao escrever que “a reforma de que Miguel Relvas [outro caso
indefensável, face às patranhadas académicas] é o principal propulsor não versa
a quantidade – antes pondera o incremento da qualidade do nível de Estado que
nos está mais próximo. Porque a defesa da autonomia local só pode ser feita com
autarquias sustentáveis e modernas”, acabou por sentenciar a minha ruptura,
enquanto leitor, com as suas imaculadas opiniões, dissimuladas na pretensa
vaidade de se achar “objector de consciências”. Se um dia nos cruzarmos nos
corredores da nossa universidade (UM), explicar-lhe-ei porquê. Isso se nos
permitir e, como não podia deixar de ser, dentro das regras da boa educação e
espírito democrático.
Até lá, olhe pelo distrito que o elegeu. Ainda vai a tempo de impedir as
anunciadas “portagens” nas A27 e A28. Siga o exemplo da Comissão Política
Regional da JSD Alto Minho que acaba por apelar “ao bom senso do Governo para
repensar a colocação de mais portagens na A27 e A28”, levando em linha de conta
“a conjuntura actual de retracção económica que afecta as famílias e as
empresas”. Já que não podemos ter o pai que queremos, “is pater est quem
nuptiae demonstrant”.
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