Thursday, March 28, 2013

Máscaras, desertificação, urbanismo e qualidade de vida!


“A nossa civilização está ainda, a meio de uma fase de transição: já não é guiada, totalmente, pelo instinto, mas não é, ainda, conduzida, na totalidade, pela razão”.

Theodore Dreiger

No dia seguinte à defesa da dissertação de Mestrado «O Problema Filosófico da Nosografia Psiquiátrica do Dr. Júlio de Matos: A questão epistemológica da categorização do mental» – do bracarense e nosso particular amigo/irmão Fernando Braga, da qual falamos na nossa anterior crónica –, a convite do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, rumamos (16 de Março) até à cidade de Guimarães – Capital Europeia da Cultura 2012 e Europeia do Desporto 2013 – para participarmos numa extraordinária jornada cultural, onde seria debatido o problema da recuperação dos “Centros Históricos”, no qual Guimarães é um exemplo de sucesso e dinamismo, levando a que hoje o mesmo seja Património Mundial da Humanidade e que, através da aplicação “Mobitur” e da “Plataforma das Artes e da Criatividade”, tivesse conquistado dois dos cinco prémios da “Cidade Perfeita”, projecto numa iniciativa conjunta da revista VISÃO e da SIEMENS, que teve como objectivo dar a conhecer as melhores iniciativas e boas práticas das cidades portuguesas ao nível da governação, sustentabilidade, inclusão, inovação e conectividade. Só por isso, e mesmo que mais nada nos motivasse, não nos poderíamos fazer de rogados a tão simpático convite. Assim, os vianenses (cerca de duas dezenas) que se deslocaram a Guimarães, nos quais nos incluíamos, foram recebidos pela extraordinária “cicerone” Alexandra Parada Barbosa Gesta – diplomada em Arquitectura pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto, arquitecta no Município de Guimarães desde 1980, que de 1983 a 1992 e de 1995 a 2007, foi responsável pelo projecto de recuperação do “Centro Histórico” de Guimarães, elevado a Património Mundial da Humanidade em 2001, vereadora do Pelouro do Urbanismo, com as competências no DPPU (Departamento de Projectos Planeamento Urbanístico): Divisão do Gabinete Técnico Local (DGTL) –, que nos viria a proporcionar uma magnífica “lição” de urbanismo e qualidade de vida, presencial e devidamente calcorreada, sem subterfúgios e com “opus artificem probat”. Ficamos a saber que o “Centro Histórico” de Guimarães teve sapiente intervenção do arquitecto Fernando Távora, consultor do Município durante seis anos, desenhando as praças em conformidade com o papel que desenvolveram ao longo da sua história da evolução urbana. Na Praça de Santiago, presenciamos a “estada humana” nas varandas das multiseculares habitações, restauradas a preceito. Corroboramos da visão de Alexandra Gesta, no que toca à desertificação, urbanismo e qualidade de vida, nas vilas e cidades.


Atentando contra à distracção de muitos, e por forma a reforçarmos a partilha da nossa visão com a arquitecta Alexandra Gesta, aqui fica o que escrevemos em Março de 2005, publicado em “Impressões” no “Falcão do Minho”, Ano XVIII, n.º 841, crónica promotora de alguns “pequenos ódios encoirados”, sobrantes para o nosso lado: «Quando devíamos estar a debater o gravíssimo problema da desertificação das pequenas e grandes cidades, eis que a preocupação dos agentes comerciais vai no sentido de apontarem o dedo à proliferação das grandes superfícies. Embora faça sentido, essa preocupação tem sido também dissimulada por alguma apatia ao fenómeno da cidade desabitada, para que se venha a justificar o injustificável. Já uma vez o escrevemos (1991) que a vila de Ponte de Lima faz repensar Viana, não apontando, na altura, os factores circunstanciais que levariam a tal “afirmativo despautério” do nosso subconsciente. De facto, ao fim de semana, a vila de António Feijó, de Norton de Matos e do Cardeal Saraiva continua a fervilhar de gente, dando sinais de uma inter-relação afectiva entre o comércio e o cidadão. Em terras de Ponte, sempre houve a preocupação de combater a desertificação, por forma a se estabelecer essa inter-relação. Os estabelecimentos de restauração – e similares – entendem e cultivam esta ancestral prática (quase familiar) de, no mesmo local do comércio, se reservar o primeiro andar ou divisões confinantes ao rés-do-chão, para habitação.
Pegou a moda de nas pequenas e grandes cidades transformarem todos os espaços disponíveis e habitáveis, em grandes centros comerciais, onde proliferam, de uma forma desordenada – face ao desequilíbrio de forças –, agências bancárias, “prontos-a-vestir” e outras tantas superficialidades, que em nada são convidativas à permanência ou à afectividade do cidadão, já que os residentes há muito que se transferiram para os arredores da cidade, sendo as suas anteriores residências transformadas em escritórios de advogados, laboratórios e outras coisas tais... Queixam-se os comerciantes e queixam-se os cidadãos. Em Viana, por exemplo, já foi normalidade viver sobre o tecto ou paredes-meias com um qualquer estabelecimento comercial, cujos proprietários se queixam, hoje, dessa desenfreada desertificação. Associado a este desânimo vem a insegurança. Deixou-se de ouvir este ou aquele pequeno barulho e o alarme quando dispara, já os “amigos do alheio” estão a fazer contas à vida, bem longe do centro nevrálgico dos malogrados “visitados”. Ninguém ouviu, ou se ouviram disfarçam sorrateiramente e dizem-se “moradores noutro bairro”. Ir ao café era morar ali ao lado!
Ponte de Lima tem sido para nós ponto de encontro, no terreiro ou no pátio, a fervilhar de gente. Bem ao centro da Vila, muitos são os nossos amigos que moram por cima de agências bancárias, cafés ou “prontos-a-vestir”. Uma simbiose perfeita, quando se reflecte nas consequências de decisões irreflectidas. O lucro de hoje, muitas vezes é o prejuízo de amanhã!


Vivemos um tempo em que as grandes superfícies começam a proliferar nos arredores das cidades, bem perto das actuais residências dos cidadãos. Será que ainda não deram por isso?» – Não se trata de profecia, mas apenas a constatação da realidade, porque atentos ao pulsar do quotidiano comunitário!
Depois deste repetitivo desabafo com cerca de uma década, não poderíamos terminar este “ao correr da pena e da mente…” sem darmos conta da nossa visita – em fim de tarde – à “Plataforma das Artes e Criatividade”, numa espécie de regressão às vivências africanas da infância e juventude, auscultando as máscaras ali expostas, “os mais comuns e os mais inquietantes dos objectos, porque é da sua natureza afirmarem e negarem simultaneamente a mesma coisa, esconderem e revelarem, serem secretas e regulares”. Até quando as “máscaras” continuarão a equacionar a mundividência das relações entre os sujeitos humanos e não humanos? As máscaras ali expostas fizeram-nos lembrar a tal ponte que estabelece relações de continuidade entre a matéria e o espírito, entre o objecto e o referente. E as mesmas podem ajudar a desmistificar desertificações, urbanismos e qualidades de vida, desde que se assumam personificações positivas de proximidade. Tal como um dia diria Marlon “a estreiteza espiritual origina, quase sempre, a intolerância”. Por muito que se mascare a razão, muitos dos detentores dessas inquietantes máscaras, normalmente são os menos razoáveis no equacionamento da mundividência e da qualidade de vida. Pensem nisso! 

1 comment:

Maria said...

Boa tarde, estou a escrever uma tese de mestrado sobre a desertificação do centro histórico da cidade de Lisboa. Se pudesse falar-me mais ou indicar-me onde me posso informar sobre este caso de Guimarães e nas intervenções de sucesso que foram aplicadas ficaria-lhe imensamente grata. mariajoaopinheiro@gmail.com