“Portanto,
a injustiça parece ser uma força tal, em qualquer entidade em que se origine –
quer seja um Estado qualquer, nação, exército ou qualquer outra coisa – que, em
primeiro lugar, a incapacita de actuar de acordo consigo mesma, devido às
dissensões e discordâncias; e, além disso, tornam-na inimiga de si mesma e de
todos os que lhe são contrários e que são justos”.
Platão (A
República, 352a)
Escrevíamos nós em
Junho de 2012, numa das nossas crónicas “Ao correr da pena e da mente…”, que a
descredibilização da política estava – e continua a estar – aí instalada e pela
voz sonante dos que se serviram da política para evoluírem, tão só,
financeiramente. Quando aqueles que se “masturbaram” através da política, e nos
deixaram neste estado de coisas, vêm agora a terreiro libertar “cobras e
lagartos” a propósito de conjunturas, imbróglios e cozinhados neoliberais,
estamos seriamente acometidos pela conflitualidade dicotómica entre o Estado de
Natureza – discernível através da razão – e o Estado de Guerra, sendo que o
primeiro, segundo John Locke, leva-nos a um estado de perfeita liberdade e de
igualdade “por nos encontrarmos inicialmente num estado de abundância, e não de
escassez, e com um pressuposto implícito de que, muitas vezes, as pessoas
estarão directamente motivadas para obedecer à lei moral”, enquanto o segundo,
consequência negativa do primeiro, para os já por nós denominados “forjadores
da política”, assenta no direito de punir, ou seja, “o direito de fazer pagar
pela sua transgressão aquele que transpõe os limites da Lei da Natureza”. E
diríamos mais na altura, por incrível que pareça, que a transgressão moral é
sempre atribuída aos mais fracos, aqueles que alimentam as máquinas pesadas do
Estado, astuto na imunidade dos que detêm o próprio poder. Por isso, a nossa
apreensiva cautela continua, no que toca a defensores de indexações
circunstanciais (nunca por culpa deles), esguios aos princípios de justiça –
premeditadamente situados entre a carência e a abundância – defendidos por John
Rawls: “Cada pessoa terá direito igual ao mais vasto sistema total de
liberdades básicas iguais compatível com o sistema similar de liberdade para
todos”. Antes pelo contrário, continua-se a assistir ao proliferar de uma
paupérrima dialéctica, porque assente na má formação (ética e) de carácter,
milenarmente “moldado” pelas três disposições aristotélicas, porque por ele
pensadas: “duas são perversas, a que é por excesso e a que é por defeito, e uma
é a da excelência, a qual corresponde à posição intermédia”. Nos tempos que
correm, infelizmente, é essa disposição intermédia (excelência) asfixiada pelas
disposições do excesso e do defeito, forçando a negação da máxima, também ela
aristotélica, de que “o Humano enquanto prático é princípio da acção”. Deveria
ser no agir que o mesmo (Humano) se pode cumprir na sua possibilidade extrema,
como ser ético ou reconhecer a política como arte e não como ciência. E esse
propósito ou “disposição” falta a muitos dos nossos políticos, porque
eticamente mal formados.
Apesar de estarmos
longe de nos alvorarmos em “doctus cum libro” e desprovidos de qualquer química
oculta de possíveis “vidências” – continuando essas faculdades a serem servidas
em discursos engalanados pelos “fazedores de opinião”, em televisionadas ou
discursivas “masturbações” –, escreveríamos um mês mais tarde, Julho de 2012, a
propósito de apelativas licenciaturas denominadas de “não caso” para Passos
Coelho – hoje no caminho da anulação, porque “caso” para o Ministério Público –,
que nunca chegamos a embarcar em facilitismos, porque sempre achamos que o
conhecimento deve ter por objectivo o pensamento humano e a relação deste com
os seus objectos, e não por abjecto “parecer sem o ser”. Infelizmente, o “clube
dos doutores e engenheiros” pela aparência, continua a ser a única saída para
aqueles que estão vocacionados, única e exclusivamente, para o “ser aparente”,
remetendo para um plano secundário o conhecimento, enquanto actividade pela
qual o homem toma consciência dos dados da experiência e procura compreendê-los
ou explicá-los. Deveriam ter em conta que o conhecimento é sempre “em si mesmo”
uma actividade teórica e desinteressada, isto é, satisfaz um puro desejo de
saber, sem se preocupar com a sua utilidade prática. Só o conhecimento
“desinteressado” permite (empiricamente) uma acção eficaz. E isto parece que os
nossos políticos não entendem ou procuram não entender. Daí, porque mal
formados intelectualmente, a mediocridade de alguns dos governantes, deputados
e dirigentes partidários – com as devidas desculpas pela repetição, porque
cíclica e impulsiva.
Um ano depois, Julho de
2013, dá-se um grande alvoroço no “galinheiro”. Sai Vítor Gaspar, o ministro da
palavra lenta que falhava as previsões, o mesmo que em Julho de 2011, mal
chegado às Finanças, atirou a matar sobre a gestão do anterior governo,
acusando-a de ter deixado um desvio “colossal” nas contas públicas. E de nada
lhe serviria a presunçosa faceta de – aos dezassete anos de idade – ter lido na
íntegra O Capital de Karl Marx,
levando-o a ser portador de pouca eficácia nas previsões e “desastroso” no seu
papel enquanto ministro. Até as “gasparianas” condições meteorológicas,
acompanhadas pelas “cavaquistas” intervenções sobrenaturais de Fátima e S.
Jorge, serviriam para justificar o injustificável. Quando tudo parecia caminhar
em sentido perfeito, eis que Vítor Gaspar, depois de duas goradas tentativas,
bateu com a porta à terceira, pedindo uma “inadiável” demissão, exigindo que as
suas razões fossem tornadas públicas: “O incumprimento dos limites originais do
programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado por uma
queda muito substancial da procura interna e por uma alteração na sua
composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias. A
repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto ministro das
Finanças./ Os grandes custos de ajustamento são, em larga medida,
incontornáveis, dada a profundidade e persistência dos desequilíbrios,
estruturais e institucionais, que determinaram a crise orçamental e financeira.
No entanto, o nível de desemprego e de desemprego jovem são muito graves.
Requerem uma resposta efectiva e urgente a nível europeu e nacional. Pela nossa
parte exigem a rápida transição para uma nova fase de ajustamento: a fase do
investimento! Esta evolução exige credibilidade e confiança. Contributos que,
infelizmente, não me encontro em condições de assegurar. O sucesso do programa
de ajustamento exige que cada um assuma as suas responsabilidades. Não tenho,
pois, alternativa senão assumir plenamente as responsabilidades que me cabem.
(…) Os riscos e desafios dos próximos tempos são enormes. Exigem a coesão do
Governo. É minha firme convicção de que a minha saída contribuirá para reforçar
a sua liderança e a coesão da equipa governativa” – assim, o supra-sumo, o
infalível, o eficaz “capataz da troika”, acabaria por morrer na praia,
escancarando “portas” que poriam a nu fragilidades e incompetências,
levando-nos à descrença nas crenças de muitos dos frágeis pilares daqueles que
pretendendo ter a razão, quando normalmente dela são desprovidos, mais não são
do que “cangalheiros” das democracias. Depois da “apalhaçada” (com as devidas
desculpas para os verdadeiros palhaços, porque nos fazem rir pela positiva) demissão
de Paulo Portas, o “panem et circenses” continua: “Apresentei a demissão […]
que é irrevogável. Ficar no Governo seria um acto de dissimulação”. Até este
acto final, faltar-nos-ia saber desde quando esta dissimulação reinaria no seio
do Governo. E não foi preciso esperar muito tempo para que o “irrevogável”
mudasse para “revogável” e a dissimulação continuasse: Paulo Portas passa a vice-primeiro-ministro,
coordena áreas económicas e reforma do Estado e “rouba” às Finanças as
renegociações do memorando da troika… Dizem-nos ser tudo pelo interesse do país.
Que país e que povo?
Resta-nos agora o baque da desactivada “bomba atómica” do acomodado –
pacifista, demasiado silencioso para o nosso gosto – inquilino de Belém, qual
vida ascética repensando, tal como em Platão, “palavras excelentes e admiráveis.
É pensando nisto que considero a posse das riquezas como infinitamente valiosa,
não para todo o homem, mas para o sensato e prudente: não enganar, nem mentir,
mesmo de modo involuntário, nada dever…” (A
República, 331b). Tal como diria a gente do Vale, mente passada à pena pelo
nosso amigo e extraordinário contista Domingos da Calçada: Quijés portestar; Ah, grande caráfio! T’arrenego, ‘stafermo! Súme-te,
arelho dos diabos!
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