“Elaborado
depois de receber «uma luzinha para não errar», este código quase dogmático que
terçara, a todo o instante, contra turbulências várias e enigmáticos percursos,
como luzeiro amainante e revigorador, não podia perder a vivacidade antes do
tempo, na visão sentida do autor”.
Alípio Rodrigues Torres
Precisamente, no dia –
25 de Novembro – em que Amadeu Rodrigues Torres (1924-2012), nosso amigo/irmão
e eterno confidente, completaria oitenta e oito anos de idade, a Câmara
Municipal de Viana do Castelo e a Junta de Freguesia de Vila de Punhe (Viana do
Castelo) prestaram-lhe uma justa e merecida homenagem, que teve lugar na Terra
Natal deste ilustre e incontornável homem da ciência e da linguística, mesmo a
nível internacional. Justificar ou patentear esta afirmação – dado que a não
fazemos de “ânimo leve” –, levar-nos-ia a discorrer pela sua vastíssima obra
científica e pelas dezenas de academias em que tinha assento, muito bem
demonstrada pela extraordinária intervenção de Rui A. Faria Viana, director
da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, que naquele dia (e ao contrário do
que alguns perniciosos à cultura e à memória de Castro Gil têm procurado empacotar
a dimensão intelectual deste vulto da nossa região, com mastigados conceitos,
disfarçados de eruditismo, para explicar o que é imperceptível a todos e talvez
a eles próprios, como forma de se pavonearem em multifacetadas dimensões
intelectuais, que não possuem) nos fez uma retrospectiva da vida e obra do
homenageado, de uma forma clara, cientificamente irrepreensível e honestamente
elaborada. Sabemos, por lhe conhecermos o âmago, que o Professor Doutor Amadeu
Rodrigues Torres (Castro Gil), se fosse vivo, iria gostar de ouvir e, por
certo, como emérito académico que era, lhe atribuiria nota máxima. Mas, o ponto
alto desta extraordinária homenagem, que contou com a presença de diversas
personalidades ligadas aos meios civis e religiosos, foi a apresentação pública
da edição fac-similada da 1.ª edição (1948) do excelso brado poético de Castro
Gil, “O meu caminho é este”, numa edição da Câmara Municipal de Viana do
Castelo, artisticamente elaborada pelo competentíssimo e inspirado designer Rui
Carvalho, com mensagem do Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo,
José Maria Costa, e preâmbulo do irmão de Castro Gil, Alípio Rodrigues Torres.
Abriu a sessão em homenagem a Castro Gil, o Presidente da Junta de Vila de Punhe, António Moreira |
Nesta edição de “O meu
caminho é este”, começamos por referir que o preâmbulo de seu irmão, Alípio
Torres, justifica a nossa profunda deferência, pela extraordinária qualidade
crítica-literária, beleza de escrita e sentimento de memória e gratidão: «Sempre
fiel aos princípios escolhidos, só a “vitória completa e mais precisa – A
eterna recompensa, a luz dos céus”, ou seja, o retorno à Origem, em quem sempre
confiou (9 de
Fevereiro 2012 ), tornara viável que a primeira publicação há muitas
décadas inexistente no mercado, “O meu caminho é este”, enfarpelada segundo os ditames
modernos, ressurgisse, por iniciativa da Câmara Municipal de Viana do Castelo,
na altura em que Castro Gil completaria oitenta e oito anos de vida, como
prenúncio de que os seus trabalhos continuarão a irradiar, desde já,
emblemáticas lições de perenidade». Para nós, este preâmbulo representa uma
pincelada aguarelada de sentimento e perscrutação da alma do poeta, «qual
“Romeiro de beleza e simetria…”, vivendo numa “angústia constante de nunca
saciar a sede requeimante” de completar sonhos diversos, como adiantara aos
oitenta e dois anos: – “falta ainda muito, a começar por um conjunto grande de
artigos, estudos e outros trabalhos… nunca reunidos até hoje” –, das
recordações nostálgicas e de um passado saudosista, e não recuperável, numa
segunda fase, inspirado pela “viagem real e o contacto com o mundo, seja o
plurifacetado da natureza, seja o multívolo das civilizações do que resultou
uma poesia predominantemente de fora para dentro”, tanto trata o impacto da
monumentalidade e dos saberes, como o desencanto humano e seus retrocessos, as
injustiças e as práticas duvidosas». Retrato fiel das “canseiras cognitivas” de
quem se inspirava viajando e auscultando outras civilizações, que já se faziam
adivinhar em “O meu caminho é este”, como um “caminheiro das estradas direitas
e tortuosas,/ Das estradas brancas de sol ou negras de ilusões…/ No bornal
anda-me o pesadume de muitos séculos”. E que poética pena – não de penúria, mas
de inspirada escrita – a de Alípio Torres produziria a génese de Castro Gil:
“Para quem, em idade de jovens incertezas, de encruzilhadas múltiplas e de
dúbia existência, introspectivara, séria e reflexivamente, até aos ínfimos
graus e linhas, um projecto a desdobrar ao longo da vida e pré-definiu, em
englobantes parametrias, as temáticas rumativas de contornos axiológicos a
desenvolver, qualquer baliza, ainda que só parcialmente cerceadora do contínuo
fluir do pensamento realizativo, mesmo que de reafirmações de vetustos valores
se tratasse, assinalaria uma nova etapa a começar”… Simplesmente sublime!
A nossa curta intervenção em homenagem a Castro Gil |
Falar de “O meu caminho é este” é falar da
alma do poeta, ainda que envolto em “indecisões, avanços e recuos” e fechando-se
no silêncio a meditar, sempre acreditaria que, a partir dali, o seu caminho era
o de “louvar a Deus, sofrer, sorrir e fazer versos!...”; do “Bem e da Beleza e
da Virtude!...”, sem temer andar descalço no brasido; dos “bosques humanos, os
povos, as florestas de gentes”, quais sentidos diferentes atravessados “por
hienas, tigres, chacais e camaleões de circunstância”; da inspiração filosófica
da “perfeição absoluta, Actividade/ Sem mescla de potência, ó mar de Ser/ Que
eu lograria apenas compreender,/ Se o finito abarcasse a infinidade…”; do “Deus
da infância,/ A voz severa e justa da razão,/ As alegrias sãs/ Do coração”; do
“coração que bata com coragem,/ Não por si…, e que anseie, em lances tais,/
Fugindo a merecida vassalagem,/ Ser humilde vassalo dos demais”; do coração que
olha para fora; do poeta que lê versos no céu, ao luar sozinho; da “alegria
daqueles que sabem fazer das mãos/ Caídas, nervosas ou enclavinhadas pela dor,/
Uma miniatura ascética de heróica montanha/ Por onde subam orações e olhares ao
Senhor…”; da “nuvem desherdada” que encobre o azul do firmamento; do caminheiro
das estradas direitas e tortuosas; do coração “em fome e algoz secura”; do
“augusto murmurar”, da alva e belíssima harpa eólica; do estender da “mão a
quem por ti chamar”; das portas discretamente semicerradas, das cortinas de
carvão e sanefas de piche; do cheiro a cera, do relógio da sala, de bater
aéreo; do céu pesado e traiçoeiro, sendo que nesse dia “morreu meu pai!”; do
rio que corre desprezando a beleza da paisagem; do poeta que é poeta mesmo e
não “cantor fingido de emprestada lira”; da alma que chora e do mundo como uma
fornalha de tortura; da morte do dia como morre a gente; do fazer dos braços
arcos em ogiva; dos horizontes belos, “de manhã primaveril,/ E andam perfumes
de Abril/ Incensando a mocidade…”; das mãos – fadas de sonho e luz – “que não
sabem fazer mal a ninguém”; da “face amarela da lua soturna,/ Que faz o sorriso
de nome luar,/ Sentindo a agonia da larva nocturna,/ Desmaia a chorar…”, etc.,
etc. E as sublimes homenagens a José Régio, com o “Canto da Alegria”, e a
António Corrêa de Oliveira, com “Poeta, reis de poetas…”?!... Então o poema a
sua mãe, comove-nos profundamente… De facto, neste maravilhoso brado poético de
Castro Gil “ser poeta é ver as coisas/ que os outros vêem também;/ mas
senti-las, cá por dentro,/ como não sente ninguém”.
Congratulamo-nos com o
testemunho deixado pelo Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, na
mensagem introdutória ao livro, ora reeditado: “Viana do Castelo evoca desta
forma singela o insigne professor, o conceituado investigador de estudos
humanísticos e linguísticos, o editor e autor de inúmeras edições e trabalhos
científicos e o inspirado poeta”.
A nossa última palavra
de profunda gratidão vai para Maria José Guerreiro, vereadora do Pelouro da
Cultura da Câmara Municipal de Viana do Castelo, pelo empenho, sensibilidade e discernimento
que emprestou à realização deste maravilhoso “caminho” que nos leva à
perenidade da Cultura.
Quiçá, se “O meu caminho é este” não é o reflexo ou o espelho dos nossos
próprios passos, convergentes e, no dizer de Castro Gil, “pergaminho de um Povo
de imortais”. Os poetas não morrem e… “nec plus ultra”.
No comments:
Post a Comment