Sunday, December 23, 2012

ANTIGO REINO DO CONGO


S. Salvador do Congo (hoje M'banza Congo) conheceu os nossos passos, pois aí vivemos (mesmo em frente às ruínas da antiga Sé do Congo) e aí nasceu nosso irmão Helder Manuel Pereira da Silva. A nossa entrada em S. Salvador do Congo deu-se pela estação do cacimbo, no longínquo ano de 1965. Esta cidade, ao tempo, capital do distrito do Zaire, situava-se a 216 quilómetros de Maquela do Zombo; 70 de Luvo, posto de despacho alfandegário (fronteira com o ex-Congo Belga); 180 de Nóqui; 53 de Madinha; 65 do Cuimba e 30 do Buéla. As terras de M'banza Congo ali a nossos pés, faziam-nos sonhar com o antigo reino do Congo, cuja cristianização se iniciou nos fins do século XV. Foi ali que, nove anos depois de Diogo Cão descobrir o rio Congo (1482), em 1491, aportaram os primeiros missionários, os cónegos seculares de Santo Elói de Lisboa. A 3 de Maio baptizaram o rei Nzinga-a-Nkuwa que, tomando o nome de D. João I, deu assim início a uma dinastia cristã. Não admira que se reproduzissem tantas historias e lendas. A imponente e bem conservada coluna erigida ao lado direito da Sé, no antigo cemitério dos monarcas do Congo, por exemplo, falava-nos da traição de uma rainha negra, e que o déspota rei do Congo, seu marido, fiel ao cristianismo e aos portugueses, a mandou sepultar viva nessa coluna, servindo de coacção aos seus súbditos. Talvez a forma deturpada de lembrar Afonso I, filho de D. João I, quando reprimiu a revolta dos pagãos chefiados por seu irmão mais novo. O conceito de monarquia, fazia sentido nestas terras. Ouvimos falar dela, privamos de perto com um descendente (de quem não nos lembramos o nome) do último rei do Congo (D. António III), falecido em 1957, depois de um breve reinado de pouco mais de um ano. Por ser primo de D. Isabel, herdeira do trono, o casamento realizou-se (1924) com autorização especial (dispensa) de Roma. Guiado pelo seu descendente, chegamos a entrar na casa que serviu de residência deste monarca, percorrendo as dependências, avivando aqui e acolá um sentimento de africanidade, revelado não só pelos cenários, mas sobretudo pelas memórias. A árvore da cola, que diziam ter sido da forca, testemunhou alguns dos nossos passos, confidências e brincadeiras. Dentro da nossa inocência, ouvimos falar, pela passagem de testemunho dos seus ascendentes, da forma pouco ortodoxa e sobretudo enganosa com que o governo português havia alimentado este reinado sem trono, mesmo quando lhes permitiu (a D. António III e D. Isabel) possuir casa de Estado, secretários e ministros, à semelhança dos seus antepassados. À data da nossa permanência em S. Salvador do Congo, D. Isabel (Quengue) ainda era viva, mas já havia sido destituída do título de rainha (1962) e vivia numa das sanzalas das imediações.  [Texto extraído e adaptado do nosso livro «Chamaram-me Muxicongo: memórias de um ex-metalúrgico», Braga: Edições APPACDM Distrital de Braga, 1999].

1 comment:

Anonymous said...
This comment has been removed by a blog administrator.