Tuesday, December 18, 2012

O “Sentimento do Poema” em Amândio Sousa Dantas


“O romance apresenta imagens perceptíveis com sensações definidas, e a poesia com sensações indefinidas, para cujo fim a música é uma parte essencial, dado que a nossa concepção mais indefinida é a compreensão de um som doce”.

Edgar Allan Poe

Aí está o novo livro de Amândio Sousa Dantas. Algumas pessoas questionar-se-ão do nosso persistente atrevimento em falar de novo deste inspirado vate limiano, quando já o fizemos por duas vezes este ano, nomeadamente numa das nossas crónicas – a propósito da sua magnífica “Antologia Poética” – e no “Anunciador das Feiras Novas, onde o baptizaríamos de “um poeta mesológico do Lethes e do Mundo”. Na altura, fizemos questão de salientar que sempre soubemos perscrutar-lhe a alma, porque o sentimos possuidor das três distinções mais imediatas e óbvias do mundo da mente: o “Puro Intelecto”, o “Gosto” e o “Sentido Moral”, parafraseando Edgar Allan Poe quando afirma que “da mesma maneira que o Intelecto se preocupa com a Verdade, assim o Gosto nos informa sobre o Belo, enquanto o Sentido Moral se responsabiliza pelo Dever”. Achamos que, pelo ajuste das distinções, não serão necessários mais condimentos ou adjectivações para considerarmos Amândio Sousa Dantas, sem o acantonarmos ao nosso espaço geográfico e sem menosprezarmos outros poetas que tanto admiramos, um dos grandes poetas contemporâneos nacionais. Tal facto, tendo em conta a nossa convincente afirmação (tão só, sedimentada pelo nosso gosto pessoal), permite-nos, ao mesmo tempo, formular alguma concepção especulativa no que concerne à “mimese poética” de muitos outros poetas – e poetisas – de quem gostamos. E não são poucos, tendo em conta que todos eles têm o seu lugar próprio na nossa percepção cognitiva – escolha de uma impressão, ou efeito, a ser transmitido (E. A. Poe) – de cada um. À sua vez, iremos falar de todos aqueles que, “poetando”, nos criam um estado emocional, uma saudável nostalgia ou uma sonorização melódica – sim, com certa musicalidade –, transmitindo partilha de pensamento (mesmo quando na dor), porque a poesia se repercute na linguagem humana, utilizada com fins estéticos, compreendendo mesmo aspectos “metafísicos”, no sentido de sua imaterialidade e da possibilidade de se transcender ao mundo fático.


Mas, voltemos ao Amândio Sousa Dantas e ao seu mais recente brado poético – “Sentimento do Poema”, qual espelho de revelação, voo, existência, desafio, presságio, despedida, tristeza, silêncio, ternura, abraço, olhar, sombra, caminhos, medo, dúvida, natureza, rio, vento, reconciliação, desolação, entardecer, paisagem, rumo, luz, assombro, adeus, tempo, palavra, vida como um fio, comunhão, esperança, amor e eternidade – complexo lexical em que devíamos ter usado aspas, visto que extraído dos textos –, melhor expressaria o sentimento profundo do poeta, em cuja “metafísica não segue a [sua] minh’alma” (sou mais de olhos na paisagem / pela viagem de Ulisses), e que tudo conjugado dissimula, de uma forma perfeita, uma canção para seu irmão: “As lágrimas transformaram-se / em vidro estilhaçado: / e eu, meu irmão / teu rosto não alcanço, / e só na minha alma um rio corre / sem cessar – eu não o posso atravessar”. Se não fosse a riqueza de conteúdo que percorre todo o “Sentimento do Poema”, onde “o poeta é responsável pelo ar que o rodeia” e “um fio se tece por sua dor”, bem que poderíamos ficar por aqui. Contudo, mais nos apraz dizer que o “Sentimento do Poema”, apesar de nos revelar um sentimento amargurado (de dor) de quem perdeu algo que o complementava – pensa crescer árvore / sol ou o amor exacto / no esplendor do dia (Luís Dantas) –, produzindo um efeito profundo e duradouro de que “só a força invisível do poema” o contempla: “Hoje conheço o silêncio mais fundo, / como o estremecer da terra e / de nós a desprender-se. / Ali, uma fenda se abre dentro de mim. / Eis-me sozinho a estancar a dor”, é, simultaneamente, um hino à imortalidade e ao amor: “Imortal / sou e / o que de mim / ficou? / o amor”. De facto, a poesia em Amândio Sousa Dantas flui com a maior naturalidade porque, felizmente, e extraindo das suas próprias palavras, “o poeta não se refugia na cara da dor. / Só a vida se abre ao conhecimento”. Só os grandes poetas conseguem ver, numa verdadeira e sensitiva reconciliação, “que a compaixão se funde no poema”. Mais não diremos, ficando o apelo à sua leitura e interiorização, como um abraço que nasce da emoção: “Assim – sem mais nem menos – / Um abraço do poema ao sol: / e toda a sombra / do poeta / por ele se ilumina”. Simplesmente, sublime…
“Sentimento do Poema”, mais um livro com nota máxima!

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