“(…)
Nesta data emblemática da nossa democracia, estamos a homenagear uma destacada
figura de escritor e poeta que muito e durante muito tempo, a par de outras
lutas e ideais, se bateu pela instauração da democracia, da conquista plena da
liberdade – João Marcos”.
Cláudio Lima
Com palavras incisivas,
conhecedoras, e verdadeiramente sentidas por todos aqueles que privaram de
perto com o excelso poeta, ensaísta e escritor João Marcos [N. Rebordões Santa
Maria, Ponte de Lima, 25 de Abril de 1913 – m. Lisboa, 6 de Janeiro de 2005], o
poeta limiano Cláudio Lima acabaria por reforçar a sua – e nossa, porque dela
partilhamos – convicção de naquele dia memorável homenagearmos um cidadão
consciente e interveniente, “que desde muito jovem despertou para a contestação
do regime opressivo saído da revolução de 28 de Maio de 1926, iniciada em
Braga, e derrubado em 25 de Abril de 1974, nas ruas de Lisboa. Precisamente na
data que ele celebrava o seu 61.º aniversário”. Numa retrospectiva, a nosso
ver, poeticamente bem elaborada – porque doutro poeta se trata –, Cláudio Lima
fez jus à proximidade de que dispunha em relação ao homem de Rebordões Santa
Maria (Ponte de Lima) e à sua obra, descobrindo-lhe as “entranhas”, mesmo
aquelas que parecem ser exclusivamente do foro íntimo: “Com efeito, se lermos
atentamente os seus primeiros voos poéticos, constatamos que bem precocemente
se começou a sentir uma espécie de pássaro cativo, ávido dos horizontes limpos
e amplos que, após a tragédia de duas guerras mundiais, se iam vislumbrando no
mundo ocidental”, para depois citar a parte final de um poema inserido na sua
primeira obra, Polifonia Singela
(1946), onde essa ânsia de evasão lhe persegue o espírito inconformado: Liberdade! és tão bela, tão rara, / Se te
vejo assim prêso, cativo! / Mas, ó Deus! Permiti que ainda vivo, / Que ainda
válido saia daqui! / Sempre – sempre! – hei-de ter na memória / Êstes dias de
amarga tristeza! / Sempre – sempre! – hei-de ter em mim prêsa / Uma ideia do
que eu padeci!...
Cláudio Lima falou
ainda da obra de João Marcos na vertente de índole ensaística, da faceta
limianista e da sua derivação poética, paulatina e progressiva, “para a
reflexão aprofundada de categorias como divindade e humanidade, ser e destino,
tempo e eternidade, contingência e finitude, consciência e liberdade, fé e
cepticismo, etc., numa aproximação às teorias existencialistas de Heidegger,
Sartre e, na sua vertente cristã, de Gabriel Marcel”. E citou exemplos dessa
propensão poética-filosófica, nas obras O
ser e o nada (1996), Epopeia do Homem
Cósmico (2000) e Versos do Fim do Dia
(2002). Por “defeito” de formação – nossa, claro! –, não resistimos à
transcrição do seu poema “Manhãs de Neblina”, inserido no seu “O ser e o nada”:
Neblinas envolventes das manhãs / cinzar
das minhas horas saturadas / vírus dos meus tudos almas dos meus nadas /
insonso escorrer nas telhas vãs / de um céu inimigo / que traz consigo / nem
sol nem chuva – / venham na vossa cauda as tardes mansas / a mão sem luva / do
sol que muda a face dos meus dias / se não em reversíveis esperanças / ao menos
em mentidas alegrias. / E possa da verdade das lembranças / fiar-me na mentira
dos meus dias. – Simplesmente, sublime!
Foi justa a homenagem,
como justas foram as palavras do Cláudio Lima, as quais subscrevemos
inteiramente: “E passo a falar um pouco da sua qualidade de ilustre figura das
letras portuguesas, ombreando com os melhores da plêiade limiana do seu tempo.
Seja a cortejar as musas, seja a urdir as tramas da ficção, em todas as
competências da arte literária se houve com extraordinária elegância e
conformidade, merecendo generalizado aplauso de seus pares e consensual
apreciação por parte da crítica”. E no campo da poesia, ouvimos atentamente o
Cláudio Lima, cognitivamente, dizer: “Ora lírico e sereno na fruição dos
momentos felizes, ora angustiado e tenso perante os enigmas e mistérios da
existência; ora crispado e veemente ante as injustiças de que sente vítima ou
testemunha, sob todos estes aspectos nós podemos admirar em João Marcos a mais
perfeita construção, o mais irrepreensível trato do cânone e do idioma”. De
facto, João Marcos tinha razão quando se referia a Cláudio Lima: “parece que me
conhece desde criança, que sempre acompanhou passo a passo a minha vida, toda a
vagabundagem do meu caminho – tanto
os bons momentos como as passas do Algarve. Descobriu até o que não lhe contei
textualmente, e sem fugir à verdade”. Irrepreensível análise crítica, merecidos
aplausos!
Para além de termos
gostado das palavras de Franclim Sousa, e sem desmerecimento para a sua
profícua acção nas áreas da Cultura e da Educação em Ponte Lima, não queríamos
deixar de aqui salientar a intervenção (em jeito de fecho) do presidente do
Município, Victor Mendes: discurso fluente, mentalmente bem estruturado – sem
esquecer o papel do poder local no desenvolvimento do país e a força da data
assinalada –, agradavelmente assimilado e aplaudido!
Acabamos o dia no “Bar
do Arnado”, do bom amigo José Ernesto Costa, numa excelente tertúlia
cultural/gastronómica, magnamente acompanhados pelo próprio José Ernesto Costa,
Franclim Castro e Sousa, Cláudio Lima e sua “alma gémea” – e quiçá, musa –, Fátima Alves.
Para terminarmos, apenas uma frase que reflecte a sensação positiva que
colhemos naquele dia, trinta e nove anos depois das portas que Abril abriu, e
cem do nascimento do grande poeta e escritor João Marcos: Ditosa Terra que seus filhos
memoriza!
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