“Tiago
Manuel é um caso singular de imaginação plástica entre o rigor do realismo e as
minúcias do delírio. Escusado será dizer que estes pólos são intermutáveis.
Poder-se-ia falar também num realismo minucioso e num rigor delirante. E talvez
por isso eu experimente vivencialmente o paradoxo de querer e não querer usar o
adjectivo «fantástico» a propósito da sua obra”.
Vasco Graça Moura
Tiago Manuel (Fotografia de Alfredo Cunha) |
De 25 de Maio a 28 de
Setembro de 2013, estará patente ao público, na Biblioteca Municipal de Viana
do Castelo, uma exposição de Tiago Manuel, com o título «diário de sombras
(obra gráfica editada em livros e revistas)». Apesar de já aqui termos falado
do Tiago Manuel, numa das nossas anteriores crónicas, convenhamos em dizer que
este ilustre e multifacetado artista plástico vianense (nascido a 1 de Agosto
de 1955) expõe o seu trabalho desde 1978, tendo já estado presente em numerosas
mostras colectivas em Portugal e no estrangeiro – como o Salão Lisboa de
Ilustração e Banda Desenhada (em 2000, 2001, 2002 e 2004) ou a ARCO, Feria Internacional de Arte Contemporáneo
(Madrid, 1998). Também expôs a título individual numerosas vezes, entre outras,
na Galeria Matisse (Barcelona, 1989), na Galeria Absidial (Nantes, 1992) e no
Centro Cultural de Belém (Lisboa, 2008, com Mishima,
Manifesto de Lâminas). Em 1999 deu início àquela que designa a sua «maior
obra conceptual». Nesse âmbito, e servindo-se de uma «galeria» de 25 autores
(heterónimos por si criados), concebe trabalhos nas áreas da ilustração de
autor, banda desenhada, humor negro, histórias infantis, romance gráfico,
teatro, literatura policial, moda, cinema e diários ilustrados com fotografias
e pinturas. Da publicação total desta obra «resultará uma pequena biblioteca de
50 livros», na qual se incluem, entre outros, os títulos Lua Negra (assinado como Terry Morgan, Assírio & Alvim, 2000), Nautilus the Ship (com o heterónimo
Murai Toyonobu, Bedeteca de Lisboa, 5 volumes, 2001-2004), O Escapista (do Tim Morris, Campo de Letras, 2005) entre outros.
Ilustrou obras de autores como Aquilino Ribeiro ou Sérgio Godinho e colaborou
com publicações como Colóquio de Letras,
Público e Ler. E estas pequenas notas, reflectem um pouco os conteúdos
artísticos da exposição, ora inaugurada, do Tiago Manuel.
Abertura da Exposição «diários de sombras (obra gráfica editada em livros e revistas)» a 25 de Maio de 2013 |
No dia da inauguração, Tiago
Manuel evidenciou, a nosso modesto ver, a sua filosofia de vida e forte
personalidade de homem artista, atento a tudo o que gravita à sua volta, destituindo
e abdicando de indultos ou febriologias de poder, fazendo jus às palavras de
João Paulo Cotrim quando escreve que “para Tiago Manuel, como para Yukio
Mishima, a natureza não se confina ao lugar de grande cenário, pano de fundo,
antes entra na massa compósita das coisas, dos seres, das emoções e dos
pensamentos. Na mais divina, portanto artística, das liberdades, desafiando
medos e morais, compõe de um modo orgânico estranhos e, ao mesmo tempo,
reconhecíveis lugares e figuras. Junta fragmentos para despertar símbolos poderosos
(…)”. Goste-se ou não do Tiago Manuel, jamais alguém poderá apeá-lo do lugar de
destaque – por mérito próprio, caminhante ao lado de seus mestres, Aníbal
Alcino e Júlio Resende – que tem no panorama artístico-cultural nacional (e não
só, porque além fronteiras). Por nos reconhecermos “douto na nossa ignorância”
e na matéria, tendo em conta que outros o expressaram da melhor maneira, daí o
“forragear” do sentido estético que jamais conseguiríamos exprimir pelas nossas
palavras: “Tiago Manuel cria heterónimos, nada menos de 25, a que correspondem
identidades e processos estilísticos diferentes, por vezes mesmo muitíssimo
diferentes. Se quisermos falar de diversidade e unidade no seu caso, teremos de
ver a unidade num universo extremamente complexo, mas atravessado a muitos
níveis por uma espécie de vasos comunicantes, e a diversidade nos anunciados,
conteúdos e respectivos modos de expressão, com recurso à fragmentação, a uma mise en page devoradora da banda
desenhada e da montagem fotográfica, uma ácida ironia que percorre toda a gama
de registos possíveis, do delírio ao burlesco, ao obsceno e ao grotesco” –
citamos Vasco Graça Moura. De uma forma particular gostamos, também, da
anuência de Tiago Manuel a Santo Agostinho, como forma de exprimir a sua filosofia
de vida, plasmada no sentido contrário e inestético da posse de bens materiais
que não possuíamos quando nascemos e que não levamos quando partimos. O mesmo
Santo Agostinho que aventaria a ciência como o alimento da alma e quem não a
possui está como que em jejum e com fome. O homem necessita então do
conhecimento das coisas para ser feliz. Precisa alimentar-se do conhecimento
para alcançar a felicidade, visto que para Santo Agostinho, descobrir a verdade
é descobrir a felicidade. Mas aquele que descobre a verdade, busca a própria
sabedoria.
Para terminarmos – e
por anteriormente termos lido, pela pena de Maria José Guerreiro, que o “Tiago
Manuel compromete, perturba, intriga. O seu humor ázimo e o traço implacável
tornam-na única e diversa, linear e profunda, gráfica e literária. / E a sua
lucidez faz-nos arder os olhos. / Mas acorda-nos” –, convenhamos em recordar
que a Vereadora do Pelouro da Cultura da “Princesa do Lima”, palavras dela que
delas fazemos nossas, expressaria a convicção de que a simplicidade do Tiago é
uma armadura, uma forma de esconder uma enorme complexidade, uma enorme
riqueza. E isso é o que a obra do Tiago nos transmite.
A acção artística e
intelectual do Tiago Manuel, reflecte-se numa “Obra d’Arte” comprometida com o
seu tempo. Compete-nos a nós eternizá-la. E visitando esta exposição, poderá
ser o princípio da unidade necessária de forma e conteúdo, evidenciando a
percepção e o entendimento artísticos, enquanto leitor/espectador que, segundo
Vasco Graça Moura, “não pode ficar indiferente ao que lê e vê num universo
plástico, gráfico e conceptual em metamorfose contínua”. De facto, parafraseando
o mesmo Vasco Graça Moura, concordamos em dizer que “Tiago Manuel é um caso
singular de imaginação plástica entre o rigor do realismo e as minúcias do
delírio”.
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