“A
escrita é uma paixão e, como tal, temos desavenças. A escrita pode
transformar-se numa obsessão. Imaginem o que é ressacar escrita, olhando para o
teclado, frente ao computador, e nada escrever. É frustrante ter tanto para
contar e, no preciso momento, nada conseguir articular, nada sair fluentemente”.
Natércia Barros
Dada a nossa propensão
para acreditar na convergência de energias, em detrimento das “faces ocultas do
acaso”, temos tido a felicidade de sermos bafejados com importantes encontros
cognitivos, que em muito contrariam a apologia daqueles que têm vindo a afirmar
que num mundo cada vez mais ocupado pela ciência e pelos modelos de pensamento
que ela produz, pela tecnologia e pelos modelos de vida que ela desencadeia, o
discurso filosófico perdeu a sua antiga força de verdade. Nem mesmo reforçando
a ideia (deles) de que o filósofo parece estar prestes a perder o seu último
privilégio: o de pensar, este tipo de
gente tem conseguido resolver aquilo que preconizam como factor ameaçador da
produção de sistemas ideológicos, condimentado pelas tão propalas ciências
humanas. Estamos em dizer, tal como um dia escreveria Krishnamurti, que “a
padronização do homem conduz à mediocridade”. É por isso que, sem hostilizarmos
a ciência, continuaremos a apostar no autoconhecimento, admirando todos aqueles
que se interessam (com seriedade) pelo exame dos problemas humanos, sem
preconceitos ou padronizações.
Hoje, impulsionados
pelo “privilégio de pensar”, trazemos ao conhecimento dos “cultivadores do
intelecto” as deambulações reflexivas – estamos
cá para passar do ver ao sentir (N.B.) – de uma jovem ribatejana, com
ancestralidade alto minhota. Trata-se de Natércia Barros que nasceu em Vila
Franca de Xira, Ribatejo (local onde reside actualmente), a 26 de Maio de 1981 . Estudou
Humanidades, fez teatro amador durante dez anos, frequentou o Centro de Estudos
do Autoconhecimento (C.E.A. – Fundado por Samuel Aun Weor), e trabalhou vários
anos em logística. Apaixonada pela problemática existencial, e fascinada pelo
ocultismo, escreve, principalmente, sobre temáticas que abordam o ser humano.
Tem descendência Luso-Angolana, sendo o falecido avô materno, João Henrique de
Sousa Barros, natural de Monserrate (Viana do Castelo), tio do poeta e nosso
particular amigo, Fernando Castro e Sousa. Durante a infância, esta jovem
ribatejana passou grande parte das férias em Viana do Castelo, que coincidiam
com as Festas de Nossa Senhora da Agonia. Desses tempos, lembra-se vivamente do
fogo-de-artifício, dos cabeçudos e das minhotas vestidas a rigor. Já durante a
adolescência, não rara a vez que se sentou à beira rio, a contemplar a Ponte
Eiffel, enquanto tirava apontamentos. Lançou o seu primeiro livro em 2010,
intitulado “Mundano (Reflexões)”, ao qual não ficamos – e nem poderíamos ficar
– indiferentes.
Impulsionada pelo
princípio basilar de que, e extraindo das suas próprias palavras, “para se
viver há que morrer vezes sem conta”, Natércia Barros revela-se-nos uma
perspicácia criativa/literária que contraria os censores do “pensar”. Até mesmo
Albert Einstein houvera contrariado os pseudo-pragmáticos da ciência quando um
dia afirmou que “a imaginação é mais importante que a ciência, porque a ciência
é limitada, ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro”. É nesse sentido
que entendemos o livro de Natércia Barros, «MUNDANO (Reflexões)», tendo em
conta que, como nos revela a “ciência da auto realização” (A. C. Bhaktivedantas
Swami Prabhupãda), “recebemos esta forma humana de vida não apenas para
trabalhar arduamente como o suíno ou o cão, mas também para alcançar a
perfeição máxima da vida”. E mesmo que não queiramos alcançar essa perfeição, “teremos
que trabalhar arduamente, pois seremos forçados a isso pelas leis da natureza”.
Nesse sentido, estamos convictos de que Natércia Barros não vive indiferente à
sua condição de “ser pensante” e aos desafios das leis da natureza.
Pelas páginas deste
maravilhoso livro perpassam temas como o “mundano” – que dá título ao livro –,
onde (a seu ver) “a vida é constituída por ciclos que duram apenas o tempo que
têm de durar, duração essa que varia consoante as nossas próprias
necessidades”; as “dores” física e psicológica, sendo que as primeiras “são um
contínuo alerta das dores emocionais mais profundas”; o “líbido”, como o
despertar de todo o sentido adormecido ou “a verdade escondida que nos dá a
oportunidade de ver em nós o nosso melhor amigo”; “Deus”, tendo em conta que o
mesmo “é quem nós quisermos que Ele seja: Na primeira, na segunda ou na
terceira pessoa. Deus pode até ser o pior filho da mãe à face da terra e, quer
queiramos ou não, até o pior dos filhos da mãe ama à sua maneira” – gostamos
muito desta visão; os “espelhos”, onde a escritora se interroga: “Espelho meu,
diz-me onde está o engano para que possa reparar todos os erros do passado”; as
“birras”, onde Natércia considera “certas birras saudáveis, por mais estranho
que pareça. A birra pode ser saudável à medida que doseamos com bom humor”; a
“confiança” como “factor primordial à face da terra”; o “dinheiro”, monstro ao
qual damos a vida, “composto por pequenos pedaços de papel, através dos quais
se cometem vários atentados à dignidade humana”; a “Barracolândia”, terra do
faz de conta ou “o Mundo do vale tudo, que na realidade pouco vale”; a
“erótica”, tendo em conta que “o erotismo é o expoente máximo da sensualidade
aliada ao prazer”; a “mentira”, como “ignóbil ferramenta de sobrevivência, nos
dias de hoje”; a “gestão humana”, para a qual a jovem escritora ribatejana nos
alerta que “quando nos habituamos a viver em concha, não sabemos lidar
profundamente com os nossos semelhantes”; a “prostituição” como alegoria da
alma, sendo que, para Natércia Barros – e porque não para muitos de nós – “o
nosso lado obscuro é prostituto. A maior parte das pessoas vende a alma por
meia dúzia de cêntimos”; o “desistir”, onde “devemos voltar as costas a
sentimentos destrutivos, como a cólera ou a ira”, desistindo “das pessoas que
me fazem mal, aquelas que me condenam sem entender o teor das minhas palavras”;
as “vozes” em flecha que matam, “vozes ocas e esvoaçantes que penetram nos
tímpanos e nos assolapam a memória”; as “pessoas como nós” que sentem e não têm
pudor algum em chorar; a “resistência”, sendo a maior prova a própria vida; o
“bullyng” como realidade cada vez mais atroz – do qual a autora foi vítima na
primária –; o “visionário” que vê para além dos olhos; os “ignorantes”, mesmo
aqueles que sendo “licenciados e nem por isso deixam de ser ignorantes”; a
“bipolaridade” plasmada nas “bruscas e súbitas alterações de humor”; o “toque”
porque sentimos; a “genialidade” impressa na atitude modesta, “serena e
tranquila é uma mais que valia para o triunfo”; os “ossos” e “a festa do osso”,
não querendo “passar a vida a roer ossos e a alimentar-me das sobras”; os
“grilhões” com a ânsia por liberdade que pulsa em nós; a “mulher” que carrega
“no ventre as dores do Mundo”; o “momento”, mesmo recuando no tempo vezes sem
conta; o “adeus”, inspirando “pequenos sopros de vida tingida de guerra e de
paz”; “o piano”, do qual adora o som, sem deixar de dizer que “carregamos as
dores da Humanidade às costas, como não bastassem as nossas”; “a voz que nos
fala”, sentindo “reflexos da verdadeira liberdade”; a “perplexidade da mente”,
sendo que “o ser humano é o maior enigma terrestre, a maior cabala do cosmos e
a máquina do tempo mais complexa”; as “crónicas de ensaio”, onde a autora solta
“emoções exclusivas da alma”; as “empresas de trabalho temporário” utilizadas
enquanto fachada, para branqueamento de capitais; a “magia planetária”, sabendo
“que o amanhã é incerto e o presente doloroso, adormeço e vejo que passou mais
um dia”; a “ilusão” onde “vivemos na sombra da própria existência”; o
“discernimento” sem o qual “estamos aptos a perder a máxima racionalidade”; os
“recursos humanos”, em cujos departamentos pouco ou nada tratam “relativamente
a questões humanas”; o efeito “tábula rasa” e a ausência da gratidão; as
“evasões”, partindo “em busca de uma vida rica em propósitos e saudade nenhuma
sentir”; a “jornada interior”, sendo que a melhor viagem “é a que fazemos ao
nível do ser”; o “viver”, como uma metamorfose extraordinária, deixando “o Sol
invadir-nos o rosto e saborear o momento com descontracção”; a “chapada sem
mãos”, dado que “devemos amar, principalmente, na adversidade”; a “lei do
retorno”, aludindo ao facto de que “quanto mais damos, mais recebemos”; os
“funerais” permitindo a existência de “pessoas que vão a funerais, como se
fossem a casamentos”; a “quaresma” e a efemeridade do “ter”; as “medicinas
alternativas”, qual cura os povos na antiguidade procuravam no seio da
Natureza; a “cor”, moldada à vida “feita de luz e escuridão”; o “imaginário”,
sendo que “o nosso Eu mais profundo é infantil e brincalhão” e, logo que
chegados a adultos, “sem grande opção de escolha, gravitamos na lei do retorno
do sonho, há muito esboçado no nosso imaginário”. Esta é a leitura que fazemos
das maravilhosas e pertinentes reflexões da jovem escritora Natércia Barros.
Para terminarmos, transcrevemos o que o actor João de Carvalho (filho do
grande vulto Rui de Carvalho) escreveu a propósito deste «Mundano»: “Quando
iniciei a leitura do Mundano, tive,
como é hábito meu, de o folhear primeiro para o sentir. Deparei-me com um tipo
de forma de escrita só comparável com um autor que muito me sensibiliza. O
Dalai Lama. Escrever os próprios pensamentos implica uma libertação interior”.
Subscrevemos inteiramente. Pena é o livro ser edição de autor, o que condiciona
de certa forma a sua fácil aquisição. De resto, nota máxima!
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