“É
tempo de agir, companheiro / e de não mais temeres falar / o tempo é de quem o
agarrar / a vitória de quem for ligeiro”.
Lucilo Valdez
Pelas dezasseis horas
do dia 21 de Janeiro último, fez doze anos que ficámos órfãos do bom
amigo/irmão e camarada – como carinhosamente o tratávamos – Lucilo Valdez,
homem da cultura e do teatro, a quem o distrito de Viana do Castelo muito ficou
a dever e ainda não lhe prestou a devida homenagem. O seu corpo foi a sepultar
no dia 23 de Janeiro de 2001 – pouco passava das 15 horas, quando o seu féretro
desceu à terra –, no “campo santo” de Benfica, depois de ter estado em
câmara-ardente no Cemitério de Carnide, junto às Telheiras, Sala 2B, em Lisboa.
Infelizmente, muito poucos foram os altominhotos que o acompanharam até à sua
última morada.
Recordar o Lucilo
Valdez doze anos depois, é como permitirmo-nos à “presunçosa vaidade” de com
ele – e a par de centenas de amigos comuns por esse Alto Minho, o que seria
fastidioso enumera-los – termos partilhado confidências e ideais, sempre com a
noção de que a sua forte personalidade fazia jus à velha máxima de que “as
pessoas não valem por aquilo que escrevem ou dizem, mas por aquilo que são
capazes de fazer pelo seu semelhante, no momento oportuno”. Escreveríamos por
altura do seu passamento, e como reforço à definição desse homem bom (que,
indiscutivelmente, o era), que a sua forte personalidade e carácter, advinha-lhe
das suas próprias palavras, quando em 1988, nas manhãs poéticas da rádio, ele
mesmo se nos revelaria: Sou um homem
inquieto; um homem do meu tempo; de espírito aventureiro; um pouco rebelde;
contra muita coisa, muitas vezes não importa que esteja sozinho, mas quando
acho que tenho razão bato-me por ela; uma pessoa cheia de defeitos – às vezes
eu digo que a minha qualidade é ter alguns defeitos que os gosto de ter, embora
pese a muita gente, chateie muita gente. Há outras qualidades que gostava de
ter, que não tenho; não sou uma pessoa perfeita; quanto a mim detesto os homens
perfeitos, as pessoas que se julgam perfeitas… não há ninguém perfeito. É isto
que penso que sou!... A realização pessoal era para ele outra das metas
inatingíveis: Acho que um homem que se
considera realizado, considerar-se-ia morto em vida, porque o que faz o homem
avançar é haver sempre mais um degrau para subir, haver sempre um sonho por
concluir, uma aspiração por satisfazer. No dia em que nos sentíssemos
realizados, já não estaríamos cá a fazer nada, então, seria apenas
limitarmo-nos a vegetar. Há muita coisa mais por alcançar que gostaria de
conseguir para me sentir realizado. Mas, mesmo assim, mesmo que na prática
todas as minhas ambições, todas as minhas aspirações, todos os meus sonhos fossem
concretizados, fossem conseguidos, nessa altura descobriria outro degrau,
alcançava uma estrela. Ao chegar a essa estrela, viria outra estrela mais além,
que quando estava na primeira etapa não a tinha visto, e então procuraria
alcançar essa estrela (…). Lucilo Valdez jamais aceitaria vegetar. Por isso
deixou esta vida terrena, materialista, para hoje fazer parte do cosmos, lugar
que sempre sonhou, aspirou e quis. Era um homem que acreditava – tal como nós
(por sua influência) – nas regras cósmicas.
Mas, para que a memória
não nos atraiçoe e para que os mais novos fiquem com uma percepção da vida e
obra deste cidadão de mérito vianense (título atribuído pelo Município de Viana
do Castelo, a 20 de Janeiro de 2001, um dia antes do seu falecimento, e que, felizmente,
ele teve conhecimento), aqui fica uma síntese do seu percurso de vida: Lucilo
Valdez nasceu na freguesia de S. Sebastião da Pedreira, na cidade de Lisboa, a
26 de Janeiro de 1938. Por imperativo da profissão do pai (funcionário da
Direcção Geral da Aeronáutica Civil), quando tinha 9 anos de idade foi para os
Açores, onde completou os ensinos primário e secundário na Ilha de Santa Maria,
depois de fazer exames no Liceu de Ponta Delgada. Na altura frequentava um
colégio particular. Possuindo um certo jeito para o desenho, desde miúdo a arte
teatral despontou em si o entusiasmo necessário para que ainda muito novo
construísse as suas próprias marionetas. Para além disso, foi um dos fundadores
da “Rádio Clube Asas do Atlântico”, nos Açores, tendo participado nos Jogos
Florais dessa mesma rádio, onde obteve uma “Menção Honrosa”. Mais tarde,
convidaram-no para realizador de um programa de música clássica, e para
participar num outro, com contos infantis, da sua autoria. Em 1959, quando
tinha cerca de 21 anos de idade, regressa a Lisboa. É nesta cidade que vem a
ser “desenhador-publicitário” e ilustrador do jornal português “Economia &
Finanças” onde se destaca pelos retratos a tinta-da-china de políticos mundiais
na altura em foco – dos quais guardamos religiosamente alguns – e pelas
caricaturas e desenhos da capa. Para além do jornal “Economia & Finanças”,
Lucilo Valdez participou em várias revistas humorísticas como caricaturista,
com anedotas ilustradas. Deixou diversos contos publicados em jornais de Lisboa
e de África e, nomeadamente, colaborou como “cartoonista” no jornal “Falcão do
Minho”.
No campo artístico,
Lucilo Valdez frequentou um curso de desenho e pintura de Belas-Artes, na
Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, e mais tarde foi para a Escola
“António Arroios” onde, apesar disso, não viria a completar qualquer curso.
Ainda no âmbito da sua formação cultural, não esperando com isso obter qualquer
diploma, frequentou um pequeno curso de línguas. No campo criativo tem vários
quadros pintados a aguarela, guache e tinta-da-china, tendo ilustrado dois dos
nossos livros e, a nosso pedido, criado o boneco “O Biblocas” (Boletim
Infanto-Juvenil da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo), em Julho de 1999.
Como nutria um carinho
especial por todas as artes e ciências dedicadas ao estudo do homem, e vendo
que as mesmas pareciam estar reunidas à volta do teatro, assim começou a sua
longa caminhada em prol do teatro português. Em 1969 ingressa no “Clube Teatro
I Acto de Algés”, clube esse que tinha estreitas ligações e uma certa afinidade
com a “Casa da Comédia”. Frequentou um curso de teatro durante ano e meio,
dirigido pela actriz Clara Joana, e outro de seis meses com o encenador
Fernando Gusmão, que na altura estava a dirigir o “Grupo 4”. Por volta de 1971
começou a dirigir grupos de teatro amador de Lisboa e arredores e, como actor,
foi dirigido por profissionais. Na altura trabalhava no Serviço de Pessoal do
“Metropolitano de Lisboa”. Em fins de 1972 é convidado pela FNAT, hoje INATEL,
para desempenhar as funções de animador de teatro em Viana do Castelo. E o
percurso do Lucilo Valdez, ao longo dos cerca de vinte e oito anos que por aqui
passou, foi escrito debaixo de um animado voluntariado, por vezes penoso,
fazendo frutificar talentos e ajudando a desempoeirar as velhas casas do povo,
que nessa mesma altura já albergavam algumas das novas associações. Ele mesmo
nos ajudou a fundar, em 1975, o “Grupo de Acção Cultural e Desportiva de
Mazarefes”, mais tarde fundido com a Casa do Povo, passando a denominar-se de
“Associação Social, Cultural e Desportiva da Casa do Povo de Mazarefes”.
A história da passagem do Lucilo Valdez pelo Alto Minho – de uma forma
particular no que toca ao teatro – terá que um dia ser feita, pois todos nós
sabemos que ele muito contribuiu para o desenvolvimento cultural da nossa
região. Se não o fizermos, será uma manifesta e profunda ingratidão!
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