“A
dissertação ambiciona identificar problemas e argumentos filosóficos nos textos
do Dr. Júlio de Matos sobre a vida mental. Aspira a ser uma análise filosófica
sobre um aspecto do problema da consciência normal e alterada no final do
século XIX português”.
António Fernando Braga
No passado dia 15 de
Março do corrente ano, no Auditório do Instituto de Letras e Ciências Humanas
(ILCH) da Universidade do Minho, o nosso prezado amigo/irmão António Fernando
Gomes Braga – filho de António Martins da Silva Braga e de Maria Júlia de
Almeida Gomes Braga, nascido na freguesia de Maximinos, Braga, em 19 de Setembro
de 1964 –, defendeu a sua dissertação de Mestrado «O Problema Filosófico da Nosografia Psiquiátrica do Dr. Júlio de Matos:
A questão epistemológica da categorização do mental». Centrando a sua
investigação na figura de Júlio de Matos, Fernando Braga acabou por nos trazer
à coacção a personalidade deste homem de grande destaque ou com relevo na
sociedade portuguesa do seu tempo, cuja influência social das suas ideias
acerca da mente anómala ou desviante foi muito acentuada. Segundo Fernando
Braga, a obra de Júlio de Matos propõe desde logo um sério desafio filosófico,
o de saber em que consistem as doenças psiquiátricas e o que é uma doença
psiquiátrica. Por isso, o objectivo principal da sua investigação e subsequente
dissertação desenvolveu-se em torno desta grande questão. E Fernando Braga
interroga-se e impeliu-nos, também, à cirúrgica interrogação: Que tipo de argumentos tinha ou produziu
Júlio de Matos para fundamentar as suas teorias acerca do assunto? Foi aí
que o estudo dos argumentos do conhecimento nos seus textos, com a finalidade
de encontrar problemas filosóficos, passou a ser uma das directrizes nucleares
deste trabalho de investigação do nosso amigo/irmão Fernando Braga, acabando
por dizer, perante o júri e seu orientador, que foram detectados alguns destes
problemas filosóficos. Para Fernando Braga, a obra de Júlio de Matos é muito
rica em áreas filosóficas como ontologia da mente: O que é que há no mundo?
Existe mesmo a patologia mental? Existe apenas para o clínico? Para o próprio
não existe. E para outros? Existirá? – questionaria Fernando Braga.
Mostrando um
discernimento intelectual – qual actor no palco da vida, como o teria visto o
Professor José Marques Fernandes naquele dia –, o nosso amigo/irmão Fernando
começou por nos dizer que “Júlio de Matos dividiu a sociedade em loucos e
não-loucos. À classe dos loucos multiplicou-a, isto é, classificou
nosograficamente em diversos grupos ou catálogos todas as patologias por si
consideradas. Nesta medida, e relativamente ao contexto epistemológico, a sua
obra obriga a profundas reflexões e suscita questões como as seguintes: Como é
que se classificam doenças mentais? Como é que se representam as categorias mentais?
Como é que se descrevem?”. E deu o exemplo de Michel Foucault ou Ian Hacking,
que trabalharam material deste género, sendo que Hacking refere mesmo que
determinadas doenças psiquiátricas são “cultivadas pelos terapeutas”, ou seja,
elas não são reais. E continuou a sua dissertação: “A homossexualidade, por
exemplo, na consideração de Júlio de Matos, era uma patologia mental. Terá isto
algum fundo de verdade? Ou terá sido uma doença cultivada pelo terapeuta?
Talvez outras ditas doenças mentais não existam de facto”. Foram essas
questões, quer no plano ontológico, quer no plano epistemológico, que acabaram
por representar alguns problemas filosóficos estudados na dissertação ora
apresentada pelo Fernando.
Fernando Braga (ao centro) acompanhado pelos Professores Manuel Curado, Pedro Martins, João Rosas e José Carlos Casulo (da esquerda para a direita). |
Naquele dia, positivo e
não positivista, ficamos também a saber que a obra de Júlio de Matos divide-se
em duas partes: uma técnica; outra filosófica. No entanto, existe uma
reciprocidade entre ambas, uma influência mútua: “Neste contexto, refira-se,
para além do âmbito clínico, a sua obra divulga paralelamente os ideais
positivistas. Júlio de Matos foi um dos principais introdutores e defensores
destes ideais em Portugal, tendo sido inclusivamente um dos fundadores da
Revista Portuguesa de Filosofia «O Positivismo». Como se sabe, a escola
positivista, liderada pela filosofia de August Comte, procurou impor uma
disciplina científica, uma doutrina assente no rigor, assente numa leitura do
facto concreto e indesmentível, tangível, mensurável e na rejeição de toda e
qualquer especulação metafísica” – disse a dado momento o nosso bom amigo/irmão
Fernando Braga. E colocaria mais duas interrogações: Poderá este cientificismo
esgotar o conhecimento da realidade? Poderá o conhecimento científico explicar
na íntegra os estados patológicos de loucura?
Por fim, ficamos a
saber que a dissertação ora apresentada procurava destacar a projecção pública
dos ideais positivistas defendidos por Júlio de Matos, procurando destacar a
influência das suas ideias nos tribunais portugueses do século XIX em temas tão
delicados como, por exemplo, o da inimputabilidade penal. A inimputabilidade, o
problema do outro, a mente humana com desvios são questões perenes,
importantes, questões filosóficas que continuamos a ter nos nossos dias e que,
no fundo, realçam a importância a atribuir à obra de Júlio de Matos. E foi isso
o que fez o agora MESTRE António Fernando Gomes Braga.
A promessa de continuar
a explorar as áreas ou problemas filosóficos, que abarquem a ontologia,
epistemologia, filosofia da mente, filosofia política e social, etc. ficou ar.
Venha então daí a tese de doutoramento.
O júri composto pelos
Professores Doutores João Rosas (Presidente), José Carlos Casulo, do Instituto
de Educação (arguente principal) e Pedro Martins, chefe do Departamento de
Filosofia – todos da Universidade do Minho –, atribuiu-lhe a excelente nota de
dezassete valores (17), um valor abaixo do que preconizáramos. O orientador da
dissertação foi o nosso particular amigo e grande filósofo da mente e das Ciências
Cognitivas, Professor Doutor Manuel Curado.
Um bem-haja a todos,
por este extraordinário contributo científico para o estudo da mente,
enigmático espaço onde gravitam o consciente e o inconsciente. Apesar de, como
um dia escreveria o Professor Manuel Curado, “sabermos muito pouco sobre o que
faz a consciência num mundo em evolução, os seres humanos sabem como
transformar a consciência”. Por que razão
existe consciência no mundo físico quando é pensável a sua não existência?
É isso que o nosso amigo/irmão Fernando Braga se propõe continuar a
procurar!
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