“A
nossa civilização está ainda, a meio de uma fase de transição: já não é guiada,
totalmente, pelo instinto, mas não é, ainda, conduzida, na totalidade, pela razão”.
Theodore Dreiger
No dia seguinte à
defesa da dissertação de Mestrado «O
Problema Filosófico da Nosografia Psiquiátrica do Dr. Júlio de Matos: A questão
epistemológica da categorização do mental» – do bracarense e nosso
particular amigo/irmão Fernando Braga, da qual falamos na nossa anterior
crónica –, a convite do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Viana do
Castelo, rumamos (16 de Março) até à cidade de Guimarães – Capital Europeia da
Cultura 2012 e Europeia do Desporto 2013 – para participarmos numa
extraordinária jornada cultural, onde seria debatido o problema da recuperação
dos “Centros Históricos”, no qual Guimarães é um exemplo de sucesso e
dinamismo, levando a que hoje o mesmo seja Património Mundial da Humanidade e
que, através da aplicação “Mobitur” e da “Plataforma das Artes e da
Criatividade”, tivesse conquistado dois dos cinco prémios da “Cidade Perfeita”,
projecto numa iniciativa conjunta da revista VISÃO e da SIEMENS, que teve como
objectivo dar a conhecer as melhores iniciativas e boas práticas das cidades
portuguesas ao nível da governação, sustentabilidade, inclusão, inovação e
conectividade. Só por isso, e mesmo que mais nada nos motivasse, não nos
poderíamos fazer de rogados a tão simpático convite. Assim, os vianenses (cerca
de duas dezenas) que se deslocaram a Guimarães, nos quais nos incluíamos, foram
recebidos pela extraordinária “cicerone” Alexandra Parada Barbosa Gesta – diplomada
em Arquitectura pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto, arquitecta no
Município de Guimarães desde 1980, que de 1983 a 1992 e de 1995 a 2007, foi responsável
pelo projecto de recuperação do “Centro Histórico” de Guimarães, elevado a
Património Mundial da Humanidade em 2001, vereadora do Pelouro do Urbanismo,
com as competências no DPPU (Departamento de Projectos Planeamento
Urbanístico): Divisão do Gabinete Técnico Local (DGTL) –, que nos viria a
proporcionar uma magnífica “lição” de urbanismo e qualidade de vida, presencial
e devidamente calcorreada, sem subterfúgios e com “opus artificem probat”. Ficamos
a saber que o “Centro Histórico” de Guimarães teve sapiente intervenção do
arquitecto Fernando Távora, consultor do Município durante seis anos,
desenhando as praças em conformidade com o papel que desenvolveram ao longo da
sua história da evolução urbana. Na Praça de Santiago, presenciamos a “estada
humana” nas varandas das multiseculares habitações, restauradas a preceito.
Corroboramos da visão de Alexandra Gesta, no que toca à desertificação,
urbanismo e qualidade de vida, nas vilas e cidades.
Atentando contra à
distracção de muitos, e por forma a reforçarmos a partilha da nossa visão com a
arquitecta Alexandra Gesta, aqui fica o que escrevemos em Março de 2005,
publicado em “Impressões” no “Falcão do Minho”, Ano XVIII, n.º 841, crónica
promotora de alguns “pequenos ódios encoirados”, sobrantes para o nosso lado:
«Quando devíamos estar a debater o gravíssimo problema da desertificação das
pequenas e grandes cidades, eis que a preocupação dos agentes comerciais vai no
sentido de apontarem o dedo à proliferação das grandes superfícies. Embora faça
sentido, essa preocupação tem sido também dissimulada por alguma apatia ao
fenómeno da cidade desabitada, para que se venha a justificar o injustificável.
Já uma vez o escrevemos (1991) que a vila de Ponte de Lima faz repensar Viana,
não apontando, na altura, os factores circunstanciais que levariam a tal
“afirmativo despautério” do nosso subconsciente. De facto, ao fim de semana, a
vila de António Feijó, de Norton de Matos e do Cardeal Saraiva continua a
fervilhar de gente, dando sinais de uma inter-relação afectiva entre o comércio
e o cidadão. Em terras de Ponte, sempre houve a preocupação de combater a
desertificação, por forma a se estabelecer essa inter-relação. Os
estabelecimentos de restauração – e similares – entendem e cultivam esta
ancestral prática (quase familiar) de, no mesmo local do comércio, se reservar
o primeiro andar ou divisões confinantes ao rés-do-chão, para habitação.
Pegou a moda de nas
pequenas e grandes cidades transformarem todos os espaços disponíveis e
habitáveis, em grandes centros comerciais, onde proliferam, de uma forma
desordenada – face ao desequilíbrio de forças –, agências bancárias,
“prontos-a-vestir” e outras tantas superficialidades, que em nada são convidativas
à permanência ou à afectividade do cidadão, já que os residentes há muito que
se transferiram para os arredores da cidade, sendo as suas anteriores
residências transformadas em escritórios de advogados, laboratórios e outras
coisas tais... Queixam-se os comerciantes e queixam-se os cidadãos. Em Viana,
por exemplo, já foi normalidade viver sobre o tecto ou paredes-meias com um
qualquer estabelecimento comercial, cujos proprietários se queixam, hoje, dessa
desenfreada desertificação. Associado a este desânimo vem a insegurança.
Deixou-se de ouvir este ou aquele pequeno barulho e o alarme quando dispara, já
os “amigos do alheio” estão a fazer contas à vida, bem longe do centro
nevrálgico dos malogrados “visitados”. Ninguém ouviu, ou se ouviram disfarçam
sorrateiramente e dizem-se “moradores noutro bairro”. Ir ao café era morar ali
ao lado!
Ponte de Lima tem sido
para nós ponto de encontro, no terreiro ou no pátio, a fervilhar de gente. Bem
ao centro da Vila, muitos são os nossos amigos que moram por cima de agências
bancárias, cafés ou “prontos-a-vestir”. Uma simbiose perfeita, quando se
reflecte nas consequências de decisões irreflectidas. O lucro de hoje, muitas
vezes é o prejuízo de amanhã!
Vivemos um tempo em que
as grandes superfícies começam a proliferar nos arredores das cidades, bem
perto das actuais residências dos cidadãos. Será que ainda não deram por isso?»
– Não se trata de profecia, mas apenas a constatação da realidade, porque
atentos ao pulsar do quotidiano comunitário!
Depois deste repetitivo desabafo com cerca de uma década, não poderíamos
terminar este “ao correr da pena e da mente…” sem darmos conta da nossa visita
– em fim de tarde – à “Plataforma das Artes e Criatividade”, numa espécie de
regressão às vivências africanas da infância e juventude, auscultando as
máscaras ali expostas, “os mais comuns e os mais inquietantes dos objectos,
porque é da sua natureza afirmarem e negarem simultaneamente a mesma coisa,
esconderem e revelarem, serem secretas e regulares”. Até quando as “máscaras”
continuarão a equacionar a mundividência das relações entre os sujeitos humanos
e não humanos? As máscaras ali expostas fizeram-nos lembrar a tal ponte que
estabelece relações de continuidade entre a matéria e o espírito, entre o
objecto e o referente. E as mesmas podem ajudar a desmistificar
desertificações, urbanismos e qualidades de vida, desde que se assumam
personificações positivas de proximidade. Tal como um dia diria Marlon “a
estreiteza espiritual origina, quase sempre, a intolerância”. Por muito que se mascare
a razão, muitos dos detentores dessas inquietantes máscaras, normalmente são os
menos razoáveis no equacionamento da mundividência e da qualidade de vida. Pensem
nisso!
1 comment:
Boa tarde, estou a escrever uma tese de mestrado sobre a desertificação do centro histórico da cidade de Lisboa. Se pudesse falar-me mais ou indicar-me onde me posso informar sobre este caso de Guimarães e nas intervenções de sucesso que foram aplicadas ficaria-lhe imensamente grata. mariajoaopinheiro@gmail.com
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