Monday, January 28, 2013

30.º Aniversário de Actividade Literária (1983-2013)



O que mais me impressiona na personalidade de Porfírio Silva, como cidadão e tal como a sua escrita o reflecte, é a capacidade de conjugar a paixão com a objectividade.
Profundamente empenhado no mundo em que opera, a sua obra traduz, simultaneamente, o fito de mergulhar na vida e de dar testemunho comprometido, mas imparcial, dos tempos que correm.
Afrontando corajosamente contextos adversos, subjazem nas suas mensagens, não só a ânsia, amplamente conseguida, de se transcender a si próprio, como um largo sentimento de fraternidade, que o une ao seu semelhante no ânimo comum de participar na consumação de um melhor destino colectivo.
Se fosse de aceitar que todo o pensamento que não age é aborto ou traição, como dizia Romain Rolland, numa perspectiva de socialização da arte, que se gorou, Porfírio Silva escaparia sempre à condenação daquele juízo, já que a sua obra se vem afirmando, para além do intimismo que denuncia, como expressão acabada de uma autêntica solidariedade humana. 

(Opinião do Dr. Alberto Oliveira Silva [1924-2011], em 2001, quando, na altura, era Governador Civil de Viana do Castelo)

Thursday, January 24, 2013

As imaculadas opiniões de Carlos Abreu Amorim e a reorganização administrativa do território…


“Mas há um episódio que convirá relembrar aos governantes de hoje: a revolta da Janeirinha. Em 26 de Junho de 1867, foi publicada a Lei da Administração Civil que tentou extinguir 104 concelhos. No dia 1 de Janeiro de 1868 deu-se uma enorme manifestação espontânea de protesto no Porto (…) O governo caiu e foi revogado o decreto da reforma administrativa. / Talvez fosse bom que este governo à beira do fim passasse uma vista de olhos pela história…”.

Carlos Abreu Amorim

Se há pessoas que acicatavam a nossa predisposição cognitiva, no que concerne à opinião fundamentada e com alguma credibilidade intelectual, e a qual seguíamos amiúdas vezes, era precisamente – apesar de o sabermos ultraliberal – o professor universitário de Direito Carlos Abreu Amorim. A nossa afinidade prendia-se ainda ao facto de ele ser professor na nossa universidade (UM) – desculpem-nos este eufemismo académico – e, algumas vezes, concordarmos com as suas bem fundamentadas e elaboradas argumentações, porque eram (em algumas circunstâncias) consonantes com o nosso ideal democrático.
Estamos em recordar aquela “pedrada no charco” quando, em 19 de Janeiro de 2011, escreveria que pela primeira vez desde que fez 18 anos, não exerceria o direito de voto no domingo imediato: “Vou abster-me, num acto pensado que se sustenta na inutilidade do actual modelo de poderes presidenciais e na sua trágica discrepância com a elevação democrática que subjaz à eleição directa e universal do seu titular”. Para este ora ilustre deputado, “os poderes presidenciais constantes na Constituição constituem uma amálgama de elementos incoerentes sem sombra de identidade própria. Os seus defensores gostam de o nomear com uma expressão assaz reveladora desse insuperável estado de confusão: seria um modelo semipresidencial misto com pendor parlamentar!”, argumentando “a prior” – qual imperativo categórico kantiano – que na prática das últimas décadas percebeu-se que este é o lugar público onde se torna mais perceptível a directa relação entre a dimensão do cargo e a daquele que o exerce, acrescentando que “se o seu titular se reduzir a ser um «Presidente do Conselho Fiscal do Formalismo Constitucional», como sucedeu com Cavaco Silva (e com nove anos e meio dos dez de Jorge Sampaio), então não faz qualquer sentido persistir em elegê-lo por sufrágio directo e universal”. Para ele, nesta última década e meia, o nosso país andou sempre para trás, reforçando a ideia de que qualquer que fosse a questão nacional (educação, saúde, justiça, economia, finanças, credibilidade das instituições, o estado de depressão colectiva, etc.), Portugal está muito pior. E insurgia-se em tom crítico/acusatório contra a grande parte dos nossos constitucionalistas, bem como contra aqueles que ele denominava “cronistas da corte” que julgam fazer análise política, nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos presidentes da República. Na altura, esta sua corajosa posição mereceu da nossa parte um forte aplauso. Em 2012, de uma forma mais convincente à sua “indisposição cavaquista” chega a afirmar publicamente – numa das suas deambulações como comentador televisivo – que Cavaco Silva está bem quando está calado. Se o cumpriu ou não, a sua consciência o dirá!
  

Mas à medida que o fomos lendo melhor, fomo-nos apercebendo de algumas incongruências naquilo que escrevia. A nossa maior decepção presente vai no sentido de ele se permitir ao facilitismo – com que facilidade se tornou no “correio-mor” na defesa da licenciatura fantoche de Miguel Relvas – de se augurar em defesa da reorganização administrativa territorial, quando ao tempo do governo de Sócrates se vangloriara de “profeta”, permitindo-se ao seguinte comentário, em artigo publicado no Diário de Notícias, em 2010: “Não há autarquias a mais em Portugal – em termos relativos, até temos o menor número de municípios da EU. O decreto de 11 de Julho de 1882 criou 785 municípios e 4086 juntas de paróquia (hoje são 4260 freguesias). Em 1836, Passos Manuel extingue 751 concelhos – passaram a ser 351 (hoje são 308 municípios). O número de municípios e freguesias tem-se mantido com uma constância impressionante. / Mas há um episódio que convirá relembrar aos governantes de hoje: a revolta da Janeirinha. Em 26 de Junho de 1867, foi publicada a Lei da Administração Civil que tentou extinguir 104 concelhos. No dia 1 de Janeiro de 1868 deu-se uma enorme manifestação espontânea de protesto no Porto (é daqui que vem o nome do matutino portuense) que alastrou para Braga, Coimbra e Lisboa. / O governo caiu e foi revogado o decreto da reforma administrativa. / Talvez fosse bom que este governo à beira do fim passasse uma vista de olhos pela história…” – assim, textualmente, sem tirar nem pôr.
Instalado no poder, porque eleito deputado por Viana do Castelo, e esquecendo-se dos recados dados ao anterior governo, eis que “dando o dito por não dito”, aparece a defender o que outrora rejeitara e até combatera: “Portugal não tem municípios a mais. Ao contrário, a relação população/território dos seus 308 municípios é uma das melhores da Europa (a França possui 36 682; a Itália 8094; a Espanha 8116; a Holanda 430; e a Bélgica 589). O mesmo já não pode ser dito a propósito das 4259 freguesias portuguesas. Embora as freguesias desempenhem um papel proeminente, mormente fora dos meios urbanos, é necessário agregá-las (sem prejuízo da sua identidade secular), muni-las de escala e massa crítica para que possam receber competências apropriadas”. As freguesias, como o elo mais fraco, colocando-se a jeito dos “pastores” e dos “boieiros”, aqueles que Sócrates (o filósofo) dizia velarem “pelo bem das ovelhas ou dos bois, e que os engordam e tratam deles com outro fim em vista que não seja o bem dos patrões ou o próprio” (A República: 343b). A sua intervenção sobre a Reorganização Administrativa do Território das Freguesias, no Plenário de 6 de Dezembro de 2012, foi de tal forma deplorável (tendo em conta o contraditório face às suas crónicas e comentários televisivos – jamais o conseguiremos ouvir –, antes de chegar a deputado), que somos forçados a ter alguma complacência para com aquele que um dia o definiu como uma pessoa que “para além da falta de humor e da propensão para um estilo caceteiro-armado-em-intelectual (…), é notória a falta de educação e a facilidade com que resvala para a ofensa de baixo nível”. Não era essa a percepção que tínhamos até o ouvirmos nas suas acutilantes (?) intervenções na Assembleia da República… Diem perdidi!

 
    
Começamos a ficar cansados da falta de coerência – para não dizermos de carácter – de muitos dos “forjadores” de opinião e principalmente daqueles que se têm deixado enredar pelas teias do poder pelo poder. Mazarefes, freguesia há mais de mil anos –Ittem freguezia de Sam Simon de Junqueira Mazarefes he provado que he couto de antaltares, per marcos e per divisões –, uma das freguesias que ajudou a eleger Carlos Abreu Amorim, vê-se agora unida a Vila Fria, enquanto outras de menor dimensão populacional e desprovidas de infra-estruturas suficientes, mantêm a sua identidade, e nós até sabemos bem porquê. Por certo que a “super união” das freguesias da Meadela, Santa Maria Maior e Monserrate, irá precisar de um “super presidente”, tendo em conta que será maior que os concelhos de Vila Nova de Cerveira e Paredes de Coura juntos.
Caro Carlos Abreu Amorim, ao escrever que “a reforma de que Miguel Relvas [outro caso indefensável, face às patranhadas académicas] é o principal propulsor não versa a quantidade – antes pondera o incremento da qualidade do nível de Estado que nos está mais próximo. Porque a defesa da autonomia local só pode ser feita com autarquias sustentáveis e modernas”, acabou por sentenciar a minha ruptura, enquanto leitor, com as suas imaculadas opiniões, dissimuladas na pretensa vaidade de se achar “objector de consciências”. Se um dia nos cruzarmos nos corredores da nossa universidade (UM), explicar-lhe-ei porquê. Isso se nos permitir e, como não podia deixar de ser, dentro das regras da boa educação e espírito democrático.

Até lá, olhe pelo distrito que o elegeu. Ainda vai a tempo de impedir as anunciadas “portagens” nas A27 e A28. Siga o exemplo da Comissão Política Regional da JSD Alto Minho que acaba por apelar “ao bom senso do Governo para repensar a colocação de mais portagens na A27 e A28”, levando em linha de conta “a conjuntura actual de retracção económica que afecta as famílias e as empresas”. Já que não podemos ter o pai que queremos, “is pater est quem nuptiae demonstrant”.

Friday, January 18, 2013

As boas intenções de Abebe Selassie e o nosso desgoverno…


“Os portugueses fizeram sacrifícios tremendos, com o aumento do desemprego, com o impacto no rendimento disponível. Temos consciência disso. Também me impressiona o diálogo social, com os parceiros sociais, no Parlamento”.

Abebe Selassie

O etíope Abebe Aemro Selassie, licenciado pela “London School of Economics”, director adjunto do Departamento Africano do Fundo Monetário Internacional (FMI) e chefe da missão da mesma instituição financeira internacional em Portugal, integrada na “Troika” – Abebe Selassie, do Fundo Monetário Internacional (FMI); Rasmus Ruffer, do Banco Central Europeu (BCE); e Jurgen Kroger, da Comissão Europeia (CE) –, tem-se desdobrado em canseiras, ideias e boas intenções para tentar resolver a situação económica de Portugal. Recordaríamos, ainda, que este “ilustre” economista – apesar de ter feito parte do governo do seu país (Etiópia), nunca conseguiu resolver o problema da fome e da miséria que tem grassado por aquelas bandas –, é aquilo que nós costumamos designar na gíria popular por “vendedor de banha de cobra”, tentando demonstrar “folha de serviço” que possa justificar o seu principesco ordenado (que varia entre os 13.994 e os 18.188 euros por mês) e de cada vez que se desloca a Portugal, tem direito a segurança paga pelo Estado português e desloca-se em carro de alta cilindrada. Falamos deste e não dos outros, porque é da sua “viva voz” que ouvimos, ostensivamente, os mais rasgados elogios aos nossos governantes, nomeadamente ao ministro Vítor Gaspar, e o sentimos orgulhoso nas suas variadíssimas previsões que, para mau grado dos injustiçados, têm redundado em autênticas falácias.
Apesar de Vítor Gaspar estar rotulado por Abede Selassie como “um ministro muito impressionante” lá vai dizendo que o trabalho de Portugal ainda não está completo, tendo espicaçado as nossas debilidades – quiçá psicossomáticas – ao anunciar que ainda existe margem para tornar a despesa pública mais eficiente. Com falácias atrás de falácias, ouvimo-lo vociferar que os ordenados em Portugal continuam demasiado “rígidos e altos”, e que isso impede que o desemprego baixe, quando uns meses antes admitira que a austeridade no nosso país poderia ter que abrandar se continuassem os problemas de execução orçamental, sobretudo devido à fraca receita. Chegou mesmo a vaticinar que o desempenho orçamental com as exportações estava a gerar menos impostos que a procura interna, o que implicaria eventualmente uma menor dose de ajustamento em 2012. Para este “estapafúrdio” economista, talvez numa ardilosa forma de fugir aos fracassos das suas periclitantes previsões e/ou deslustradas intenções “neoliberais”, fazendo – ou procurando fazer – dos portugueses “pacóvios”, acaba por constatar que o desemprego em Portugal também é mais elevado do que o previsto no programa da “Troika”. Di-lo com a mesma lata de “cabecinha pensadora” que o dinheiro emprestado a Portugal pela “troika” é muito barato, sugerindo que é chegada a hora das reformas “inteligentes” e que os portugueses devem escolher o seu futuro. E o nosso governo de cocaras, obedece cegamente ao prenúncio do “submarino” posto ao nosso serviço, para gaudio do grande capital, Vítor Gaspar. Só não percebe quem não quer… Se cair Vítor Gaspar, cai também o Governo!

Crédito: Adaptado de (http://imagens9.publico.pt/imagens.aspx/731039?tp=UH&db=IMAGENS)

Outro factor preocupante é constatarmos a permanente linguagem de “cobrador de impostos” em Abede Selassie, quando se aventa – articulando com a voz monocórdica de Vítor Gaspar – a urgência da definição do modelo social que melhor serve os portugueses, tendo sempre em conta “o tecido produtivo e no sentido de corrigir os desequilíbrios que levaram o país à situação de insustentabilidade financeira”. Selassie chega mesmo a sentenciar que “se quiserem ter um grande estado providência em Portugal, tudo bem, mas têm de saber como pagar por ele”. E as medidas não se fazem esperar… mais impostos, mais desemprego e mais cortes nos salários e reformas. O estado social para esta gente resume-se à preocupação da “racionalização do sector público ao nível salarial e do emprego, bem como pela reforma do sistema de pensões”. Daí estranharmos as letras garrafais “acopladas” a muitas das manchetes dos órgãos de comunicação sensacionalistas do nosso país: «O chefe da missão do FMI para Portugal rejeita um novo aumento de impostos como solução ideal para os problemas da economia portuguesa». Em Dezembro de 2012, qual iluminado palestrante a convite da Ordem dos Economistas, Abede Selassie apresentou dez ideias sobre a economia portuguesa, ideias essas que passam pela reestruturação da banca. Segundo ele “os bancos precisam de mudar o seu modelo de negócios se quiserem evitar mais um ciclo de elevada alavancagem”, acrescentando que os custos das operações dos bancos são elevados e é “muito importante a redução de custos” para melhorar as condições de financiamento dos bancos e do próprio país. Vai daí, e mesmo quando Selassie afirma que “é muito claro que o mecanismo de transmissão monetária não está a funcionar como devia”, vaticinando que isto “é algo que precisa de mudanças de política da zona euro”, o governo português injecta milhões na banca e vive acautelando possíveis incompetências, mascarando-as com as obrigações do “memorando da troika” e as conjunturas negativas internacionais.
Teremos que dar razão a Fernanda Cachão (Correio da Manhã) quando comutou a expressão “equilíbrio certo” de Selassie ao eufemismo em voga aqui há uns anos que borrava de modernidade a realidade nascida no retorno de 1960 – aos bairros clandestinos, chamaram-lhes “bairros de génese ilegal”. Para esta jornalista, o “equilíbrio certo” de Salassie é assim a moderna facilidade de se pensar que a competitividade das empresas só pode montar quem trabalha. No meio de todas estas “tretas” e fracassos das políticas económicas que nos impõem, Abebe Selassie ainda tem a lata de reconhecer – dizendo-o – que o abrandamento da actividade económica da Zona Euro “não tem ajudado Portugal de todo” e tem sido mais penalizador do desempenho ao abrigo do programa de ajuda externa do que se esperava há “um ano, um ano e meio”. Depois há quem se escandalize com o sarcasmo de Miguel Esteves Cardoso: “Para menos dinheiro não se pode ter princípios. O mal do português é ter princípios a mais. Como tem mais medo de passar por parvo do que passar mal, é incapaz de pagar mais por uma coisa perto dele do que pagar menos num lugar que fica mais longe”. Temos que lhe dar razão, pois já vai sendo tempo de sacrificar os nossos princípios e as nossas peneiras, pois, estas últimas, saem bastante caras.
Voltando a Abede Selassie, já que o mesmo, em tempos, rejeitaria a hipótese de um novo aumento de impostos como solução ideal para os problemas da economia portuguesa, estranhamos a pronta resposta ao relatório pedido pelo Governo, onde o FMI propõe reduções adicionais de funcionários e de salários no Estado, o aumento das taxas moderadoras, a dispensa de 50 mil professores e um corte em todas as pensões, com vista à redução de oitocentos milhões já este ano e um corte permanente na despesa de quatro mil milhões de euros a partir de 2014. Até nos dá um “travo” na língua ao falar em tais números. O documento refere ainda, e contrariando os apanágios de Paulo Portas quando deambulava pela oposição, que os polícias, os militares e os professores continuam a ser um grupo privilegiado na sociedade, que os médicos têm salários excessivamente elevados (principalmente devido ao pagamento de horas extraordinárias), os magistrados beneficiam de um regime especial que aumenta as pensões dos juízes em linha com salários e o sistema de protecção social, que diz ser “demasiado dispendioso, injusto e especialmente para os mais jovens”, defendendo que o “subsídio de desemprego continua demasiado longo e elevado”. Quanto às benesses e mordomias dos políticos, nem uma palavra…
Admitindo que se instalou um “nervoso miudinho” perante as anunciadas medidas de austeridade, vem o Governo, pela voz do seu primeiro, anunciar aos “quatro-ventos” que o relatório do FMI não é “a Bíblia do Governo”, apelando – ainda que demagogicamente – a um debate nacional o mais alargado possível sobre a redução da despesa pública e a reforma do Estado, louvando a voz activa do seu secretário de Estado adjunto, Carlos Moedas (vale a pena ver e ouvir as suas magníficas intervenções ao tempo do governo de Sócrates, para ver que a “bota não dá com a perdigota”), quando disse, e muito bem, que o relatório do FMI está muito bem feito, que contém informação muito relevante. Mas qual? – perguntamos nós.
Por último, ficamos a saber também que o Governo português, por forma a apaziguar “o formigueiro no carreiro”, recusa cortes de salários e avança com despedimentos, demonstrando claramente uma extraordinária vocação para a velha técnica de “vendedores de tapetes”.
Quanto a Abede Selassie, porque não enceta uma saga para salvar o seu país natal. Com todo este “arcaboiço” economicista, por certo que viríamos a Etiópia como uma grande potência mundial. A não ser que os polícias, os militares e os professores continuam a ser um grupo privilegiado na sociedade etíope, tirando visibilidade política aos bem-intencionados mentores das sociedades equilibradas pelo capitalismo selvagem, profeticamente anunciado por Karl Marx.

Estaremos em dizer que com gente desta “laia”, jamais alcançaremos a “salus populi”!...

Friday, January 11, 2013

«Figuras populares de Ponte de Lima» de Luís Dantas, uma pérola da literatura limiana


“Estamos perante um conjunto de importância primordial para a nossa memória colectiva – um quinhão de biografias que nos apresentam personagens únicos, com os seus amores e desamores, as suas paixões e a forma peculiar de existir e agarrar a vida”.

Daniel Campelo

Em jeito de prenda de Natal, complementada com um cartão de boas festas (onde em nome da verdadeira amizade, algumas deferências, não merecidas, se nos foram dirigidas), recebemos do grande poeta da imagem limiano Amândio de Sousa Vieira, o livro de Luís Dantas, «Figuras Populares de Ponte de Lima», editado em 2009, pelo Município de Ponte de Lima, mas só agora trazido ao nosso conhecimento.
A última vez que escrevemos a respeito de Luís Dantas foi em Outubro de 2008, numa das nossas crónicas semanais que “detínhamos” no jornal “Falcão do Minho” (com o título “Imperativos da Memória”), a propósito do seu magnífico livro «Os Limianos na Grande Guerra», onde sem dissimulações ou subterfúgios expressaríamos o maior respeito por este extraordinário historiador, poeta e escritor, que, infelizmente, nos deixou órfãos em 20 de Maio de 2011. Ainda a propósito – desculpem-nos o pleonasmo – da nossa visão crítica, no que concerne à dimensão intelectual do Luís Dantas, e como forma de separar águas (quantas chafurdices por aí se publicam), escrevemos: “Já por várias vezes escrevemos que não é historiador quem quer ou quem, circunstancialmente, o afirma. Não basta escrever para nos afirmarmos historiadores. Esta afirmação não carece de justificação, dado que se consultarmos as visitas à Torre do Tombo ou aos arquivos distritais, facilmente detectaremos a fraca assiduidade desses autodenominados eruditos, forjadores da história em decalques sucessivos. Até já se escusam à bibliografia, como se essa atitude fizesse denotar alguma modéstia ou presunçoso eruditismo. Repetem-se uns aos outros como crisálidas da palavra e da verdade histórica”. E acrescentaríamos: “O mesmo não acontece com Luís Dantas, esse limiano licenciado em História, professor em Lisboa, poeta e autor de várias obras, com colaboração dispersa em vários jornais e revista da especialidade. (…) Tal como os trabalhos anteriores, este é mais um ensaio que em muito veio enriquecer o panorama histórico de Ponte de Lima. Por se tratarem de trabalhos inéditos, fazem a diferença. Para se ser historiador – o pensar e agir cientificamente orientado – tal como escreveria Patrick Gardiner, é preciso orientar a atenção em questões a respeito da condição e da estrutura da mente humana. É nesse sentido que vemos e sentimos Luís Dantas trabalhar”. Passados quatro anos, e mesmo com o seu desaparecimento físico, mantemos a mesma convicção.
Falando agora de «Figuras Populares de Ponte Lima», e quando era suposto, em face do que o título nos sugere, ter entre mãos uma simples descrição de figuras sem a mínima importância – por de populares se tratarem –, eis que assistimos à produção de uma verdadeira pérola literária, onde o verdadeiro (desculpem-nos a redundância) sentido estético da palavra escrita se nos apresenta, face à sua beleza, como uma tela aguarelada… poeticamente aguarelada. Nesta maravilhosa obra, Luís Dantas acaba por reforçar o estatuto maior de um poeta e escritor, magnamente burilado na arte de bem escrever. Estamos em dizer que, face ao sistema ou conjunto de sinais que permitem a expressão ou comunicação, sem desprimor para a apreciação afectiva – sempre tomada pelo gosto pessoal – de outros escritores limianos e de suas obras, «Figuras Populares de Ponte de Lima» é uma obra inultrapassável, porque nos remete para uma prática colectiva, onde a linguagem não é concebida como um fenómeno privado. Daí Luís Dantas, logo no início desta sua preciosa obra, citar Jacques Le Goff: “… e a história (é) dos homens, de todos os homens, não unicamente dos reis e dos grandes”. De facto, e fazendo nossas as palavras do prefaciador, o nosso particular amigo João Alpuim Botelho, “o que torna este livro verdadeiramente especial é a capacidade de encontrar estas pessoas [populares], no meio da multidão anónima (cada vez mais globalizada e idêntica) e de perceber que os seus comportamentos, apontados como ridículos e considerados paródicos, representam um tempo e um modo de vida que desaparece”. Através da pena de Luís Dantas, sem ridicularizar os personagens (antes pelo contrário, revigora-lhes a memória) até o linguajar popular ganha expressão colegial, pois sempre ouvimos dizer que é a linguagem no seu todo, na sua função essencial, a realização do pensamento da própria humanidade. Não é por acaso que hoje muitas das expressões populares fazem parte dos dicionários.


Perpassam pelas páginas deste precioso livro figuras como Lourenço, “o Preto”, trazido para Ponte de Lima pela mão de um general que tinha acabado a sua campanha em África, “E nas festas? Ah! Senhor, nas festas, a música da sua flauta rebrilhava. Nas Feiras Novas, era cartaz”; Pinta Ratos, “tinha o chapéu de coco descaído para a nuca e o olhar assombrado”; Zé Pilauta, o último almocreve da vila, “todas as manhãs, fizesse chuva ou sol, vinha de São João da Ribeira, com passagem obrigatória pela mercearia do Gasparinho do Arrabalde, até ao Largo”; João da Luciana; Caetano Ferrajola; João da Bomba, com “arremedos do poeta Bocaje”; O Fazenda, “ensinou muitos lavradores a ler pelo jornal diário”; O João da Barca, mestre na arte de ferrar; A República, qual Aurora “ia-se embora pelo caminho de além da Ponte a mastigar pequenas raivas”; Joaquinzinho; O Sucateiro, “dizia-se que apareceu na vila vindo não se sabe bem de onde”; O Mário; O Guerrinha, “na trabuzana da vida, os versos de zombarias e escárnios foram a sua perdição. Saíam-lhe da alma, como uma chilreada”; O Zé Povo, “tido por muitos como um dos primeiros provadores de vinhos e aguardentes do lugar”; Zé Caraitas, mestre de barbearia; São Roque; Pai Quim, “só via o rio Lima”; Manel Cauteleiro; João da Mena; João Nabiça; Zé Ferreiro, “percorreu pequenas e grandes distâncias, trepou aos cumes das serras, esgaravatou nas minas de volfrâmio, viveu vastas aventuras com pegureiros, galegos e contrabandistas, venerou os santos em festas e romarias”; O Cachadinha, “lembro-me [também nós] dele beber uma, duas tigelas e botar flores nos cabelos das raparigas com quadras de redondilha maior”; O Se Luís, “era um mouro, mas tinhas as suas folgas”; Zé Brandão, “o estudante mais boémio do Externato”; O Néu Franquinha, morador no bairro das Pereiras; e, finalmente, as Lavradeiras do Rio Lima, citando a Bicocas e a Maria da Inês.
Só percorrendo as páginas desta maravilhosa pérola literária, poderemos constatar a falta que nos faz a pena e a memória de Luís Dantas. O Município de Ponte de Lima, ao editar «Figuras Populares de Ponte de Lima» prestou um extraordinário serviço à Cultura da região. Bem-haja por isso!