Saturday, February 28, 2015

Rui Cardoso Martins e «o osso da borboleta» em tempo de chuva!...

«…O OSSO DA BORBOLETA é um romance sobre um país que não encontra lugar no mundo. Da aflição das pessoas que procuram o amor, de fracasso em fracasso. Comédia humana onde, apesar de tudo, o mal pode morrer e a vida continuar.»


Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2015, dia em que choveu copiosamente, em tempo de “reflexão/descompressão” de uma semana extremamente penosa para os “estados da alma”, e prestávamos, ao fim da tarde, a nossa sentida homenagem, à dimensão cosmológica, aos que connosco se cruzaram, partilharam intimidades e familiaridade, numa cumplicidade desinteressada, leal, solidária e arrebatadora – Jaime Gonçalves Enes (1915-2015), S. Salvador da Torre, Viana do Castelo; Maria Augusta Alves Forte Pereira (1953-2015), Vila Boa, Barcelos; Maria Madalena Vieira de Sousa (1922-2015), S. Paio, Arcos de Valdevez –, resolvemos prolongar essa descompressão, participando, à noite, no «À conversa com…», habitual iniciativa da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, que visa promover, em torno do livro, o diálogo e a troca de conhecimentos com escritores contemporâneos, proporcionando a oportunidade de conviver de perto com os autores e a sua obra, e onde se pretende, ao mesmo tempo, que seja um espaço de incentivo à leitura, de divulgação das obras dos autores da actualidade, de promoção da cultura e do conhecimento, e, sobretudo, de interacção entre o público leitor e os escritores.
A chuva permanecia, irritante e desmotivadora. Mesmo assim não resistimos ao desafio lançado pela Biblioteca, para ouvirmos e convivermos, por algumas horas, com o escritor, repórter, cronista e argumentista português, Rui Cardoso Martins. Na “bagagem”, para dois dedos de conversa, trazia o seu mais recente romance «o osso da borboleta», apontado pela editora «Tinta da China» – referimo-la, ética e esteticamente falando, pela qualidade que empresta às suas publicações – como “um romance sobre um país que não encontra lugar no mundo. Da aflição das pessoas que procuram o amor, de fracasso em fracasso. Comédia humana onde, apesar de tudo, o mal pode morrer e a vida continuar”. Era um verdadeiro “handicap” para não faltarmos à chamada.


Acerca de «o osso da borboleta», muito se falou, proporcionando, ao mesmo tempo, excelentes momentos de humor, uma das peculiares características criativas em Rui Cardoso Martins. «O osso da borboleta», como podemos ler em sinopse, procura reproduzir, metaforicamente, “uma cidadezinha atlântica portuguesa, hoje. Praia, casino, pescadores, peixeiras, doutores, bandidos, o rasto dos refugiados judeus da Segunda Guerra. Nesta terra consumida pela grandeza do passado – ou pela falsa memória de que foi grande – um homem escondeu-se do mundo. Onde nem todos os polícias juntos o encontram”, e fala com as pombas e com deusinhos gregos, tem um Olimpo de vitrine: «Aqui, no quarto ao lado, tenho a vitrine dos deusinhos clássicos. Ainda não viste a zona, mas fica por baixo da janela onde se apanham pombos. A parede está forrada de grandes enciclopédias antigas portuguesas, brasileiras, espanholas, francesas, inglesas, etc., que o mundo publicou desde um século. Há muitas diferenças nos mapas antigos e novos. Mudança de tamanho dos países, invasões, anexações, genocídios, desaparecimentos de território, trocas de nome, de línguas oficiais» (p. 35).
A vizinha de baixo arrasta as pantufas da velhice e da solidão, insulta as flores. D. Purificação já foi a mais bela mulher da cidade. O jogo do passado vem ter com a Borboleta. Um deus de província e do dinheiro sujo quer esmaga-lo. Morre o cão, acaba a raiva: «Como ela se zanga com as flores do jardim nas traseiras. Jardim não, pátio. Pátio é exagero, um saguão entre o prédio e o muro» (p. 41). Aqui, em «o osso da borboleta» também gravita o criacionismo: «Porque Deus não sabe se cria mais uma galáxia quando se lembra dela, se é a galáxia que se forma quando a escreve no caderno» (p. 46) e o Universo que partilha o destino de uma chávena de café ou de um lago, e onde “dar a pílula às pombas não lembra ao diabo”. Aqui, há sempre, de facto, «uma história verdadeira sobre um vizinho que não se sabe se aconteceu…» (p. 53), só porque se está bem, tendo reservas no sótão. É do sótão, clausura do homem que se escondeu do mundo, que se avista a janela da D. Purificação: «Ela está na janela da frente. Não vejo. Deste lado do prédio, no sótão, só tenho a couve e o céu com o algeroz da armadilha para pássaros» (p. 67).  
Naquele dia de “reflexão/descompressão”, dia em que choveu copiosamente, apreendemos uma lição: «Há quem viva as memórias de outras pessoas, ouve contar e mais tarde acha que foi consigo que se passou. Há os que aprendem, em criança, que é obrigatório lembrar as memórias dos outros, e nem se lembram de recordar as suas, nunca se atrevem (…) E há essa doença de lembrar todos os dias e horas da vida, e o que disse alguém e como estava vestido nesse instante, se chovia ou não chovia» (p. 135). E por aqui nos ficamos, dado que nesse dia, em local sagrado, frequentado por gente de fé, “roubaram-nos” o guarda-chuva.
Principalmente para os mais distraídos e pouco participativos, convenhamos em dizer que Rui Cardoso Martins nasceu em Portalegre, em 1967. Licenciado em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa, é jornalista e cronista do jornal Público desde a sua criação, onde criou a crónica “Levante-se o Réu”, e como repórter cobriu, entre outros acontecimentos, o cerco a Serajevo e Mostar, na Guerra da Bósnia, e as primeiras eleições livres na África do Sul. Recebeu dois prémios Gazeta de Jornalismo. Foi, ainda, um dos fundadores das “Produções Fictícias”, sendo um dos escritores do programa «Contra-Informação», da RTP 1. Foi co-autor de «Herman Enciclopédia», escreveu para «Conversa da Treta» e para o jornal «Inimigo Público». Foi co-autor da série dramática «Sociedade Anónima», da RTP, finalista no Festival Internacional de Veneza. Enquanto argumentista de cinema escreveu o guião de “Zona J” e (em parceria) o da longa-metragem “Duas Mulheres”.
É autor dos romances «E se eu gostasse muito de morrer» (2006); «Deixem passar o homem invisível» (2009), “Grande Prémio de Romance e Novela APE”, eleito um dos livros do ano por várias publicações e críticas, e um dos três nomeados nos prémios SPA; «Se fosse fácil era para os outros» (2012); e «o osso da borboleta» (2014), livro que serviu de mote para os dois dedos de conversa, que decorreu na bem preenchida Sala Couto Viana, apesar do tempo chuvoso não se apresentar muito convidativo à participação dos admiradores da obra deste insigne autor, que, para além de ter alguns dos seus livros traduzidos em inglês, espanhol e húngaro, publicou contos em várias revistas nacionais e internacionais.
Foi uma noite de sexta-feira bem-humorada, positivamente bem-humorada, apesar da aflição das personagens que gravitam pelo romance, que procuram o amor, de fracasso em fracasso. Apesar de tudo, conclui-se, que se trata de uma comédia onde o mal pode morrer e a vida continuar, mesmo que ofuscada pelo tempo de chuva.
          NOTA MÁXIMA! 

Friday, February 20, 2015

Artur Veríssimo e a sua «Rapariga celta sentada num javali»!...

«…Tal como lhe prometi, li o seu Rapariga Celta Sentada num Javali durante a viagem. [...] Li o seu livro num ápice. A escrita agarrou-me logo de entrada. Tem algo de novo, de diferente, uma riqueza verbal e reveladora de uma erudição discreta, que salta nas entrelinhas sem agredir. Uma ironia sagaz percorre todas as narrativas.»

Onésimo Teotónio Almeida

Foi com o maior prazer, diríamos até impulso intelectivo, que acedemos ao convite da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, para estarmos presentes na cerimónia de lançamento do livro «Rapariga celta sentada num javali» de Artur Veríssimo, nascido a 5 de Fevereiro de 1956, em Angra do Heroísmo, Açores. Ligado à acção educativa desde 1975, exerceu, para além da docência, vários cargos de chefia e de formador, tendo sido, também, coordenador e co-autor de manuais escolares de português (1992-2013) e director executivo da revista «(In)Formar». Mestre em Cultura e Literatura Portuguesas, pela Universidade dos Açores, publicou, para além da novela Uma pedra no sapato (1988), as obras didácticas «Registos de observação e Dicionário da Mensagem» (2000). Foi distinguido com o Prémio Literário Almeida Firmino (1988), a que concorreu com o original «A serpente está escondida na relva».
«Rapariga celta sentada num javali», título demasiado sugestivo, quiçá, demasiado místico até, levou-nos a procurar saber algo mais acerca do autor e da sua romanesca inspiração. Ao apresentar-se como “uma História de Amor, de solidão acompanhada e de generosos delírios (muito) académicos”, aumentou em nós uma espécie de pressão “endémica”, cautelosa e defensiva. Estávamos perante um autor que não conhecíamos, mas ao lermos a apreciação “facebookiana” do escritor e ensaísta Urbano Bettencourt, não resistimos ao nosso impulso de inveterado bibliófilo: «Gostei imenso da tua original e surpreendente novela. É bom ver-te pegar numa série de “questões” açorianas e tratá-las pelo reverso; era uma coisa que fazia falta e ajuda a relativizar o mundo. A circulação de textos e o olhar irónico foram talvez dos aspectos que mais me seduziram (acho que o único facto inverosímil consiste em pôr os congressistas na Terceira a beber água mineral de S. Miguel....). O teu livro despertou-me a vontade de escrever sobre ele; vou ver se consigo livrar-me de dois textos que tenho entre mãos e depois consigo mesmo escrever sobre ele». Adquirido o livro, e porque nunca compramos os livros à medida da estante, passamos à sua necessária leitura.


Uma agradável surpresa nos esperava. A chave de todo o enigma, nomeadamente a da Brianda, oradora ruiva, e a do Viriato, “feroz opositor à moeda única europeia, conhecido salteador, com mais fama do que proveito”, era-nos dada, numa nota inicial, pela própria editora: «Rapariga celta sentada num javali é a obra que melhor reflecte a experiência de vida do autor, designadamente a que decorre da sua participação em congressos». A partir dali, em face da “paralelo-mundividência” pelos congressos e obrigações académicas, dispensamos o uso da rede que nos prendia à “pressão endémica”. Leitura sem rede, soava melhor e permitia-nos estabelecer pontes. Da surpresa inicial, passamos ao espanto. Estávamos perante uma das mais brilhantes deambulações literárias, onde somos confrontados com a dificuldade acrescida de sabermos onde começa a ficção e acaba a realidade: «Um javali de médio porte está a ser procurado na praia da Figueira da Foz depois de ter abalroado, esta quinta-feira de manhã, uma viatura numa rua da cidade. (…) Aqui o realismo é apenas isto mesmo, nada tem de mágico. O que é estranho é o tempo em que vivemos, não a procura do javali que há-de desenterrar a trufa do nosso contentamento.» Ironia e humor refinados (uma riqueza verbal e reveladora de uma erudição discreta, que salta nas entrelinhas sem agredir – bebendo nas palavras de Onésimo Teotónio Almeida, com as quais corroboramos), escorados numa escrita de “cátedra”, condimentada através de uma elevada carga metafórica e/ou filosófica, leva-nos, de facto, a imprimir-lhe o mérito de estarmos perante uma bem articulada “história de amor, de solidão acompanhada de generosos delírios (muito) académicos”: É preciso tirar o velho intelectual dos atalhos onde se quer meter ou para onde já o empurrámos involuntariamente. Sem ajuda do narrador, a personagem, na pouca criatividade do desejo que a consome, depressa sentaria a oradora ruiva a seu lado, com luzes apagadas. Daí o surgimento de uma mão fortuita que lhe descesse o fecho da portinhola e lhe entrasse pela abertura franca das ceroulas iria um passo… (p. 29). O que fica do que passa num congresso? Boa pergunta para tantas respostas. Os próprios títulos dos capítulos são, só por si, um hino à criatividade peculiar-caracterizadora do autor, de que é exemplo o quinto capítulo: Onde se prova que o muito falar nos congressos adormece os salteadores de estrada (e os que o não são assim tanto) e se descobre, antes do golo do Pauleta, que D. António, Prior do Crato, conhece as ilhas de bruma (p. 35).
Como seria despropositado e até injusto, para com o autor e para com os hipotéticos (obrigatoriamente, necessários) leitores, desvendar aqui todo o trama deste extraordinário romance, apenas nos ficaremos pela degustação de algumas lexicalizações, que nos fizeram despoletar estados psicológicos e cenários alegóricos (de uma forma séria, rindo a bom rir), das vivências congressistas: “Na sala, os dois amigos figadais de há pouco abraçavam-se” (p. 55); “Estando o congresso atrasado, a sessão decorreu em simultâneo com o intervalo (…) Não foi fácil acomodar as pessoas, muitas das quais nem eram congressistas, que a maioria destes achara o intervalo bem mais apelativo” (p. 79); “A assistência estava rendida. E a vaga de risos, com odor a café, que veio do exterior pela porta que, uma vez mais, se abriu, juntou-se à torrente de boa disposição que varria a sala, como se um espaço fosse o prolongamento natural do outro” (p. 82); “Como numa revoada de patos-bravos a fugir aos tiros dos caçadores, o bando de congressistas precipitou-se para a porta de saída” (p. 89); “Na sala, um conhecido catedrático, meio-surdo, levantou-se, curvado pelo peso da idade, ainda estremunhado de sono, e pediu a palavra” (p. 104); “Uma mulher (é a primeira vez que a vejo) faz a sua entrada na sala no preciso momento em que alguém chama ao palco uma nova conferencista, a professora Anne Reys. Desce parte do corredor central, sob os aplausos do público, que não se apercebe logo de que ela não é a senhora Reys” (p. 135); “Deixo o orador suspenso, de copo na mão, até ao capítulo seguinte, como se o tivesse parado por acção de um comando remoto, carregando no botão «pausa»” (p. 149); “O orador esperou que as gargalhadas diminuíssem de volume e, com um sorriso de orelha a orelha, recomeçou.” (p. 159) – simplesmente, SUBLIME.
E para terminarmos, quase como fazendo jus à “História de Amor”, nada melhor apimentar as vivências congressistas: “Deu por si, de joelhos e mãos no chão, montado pela oradora que bramia um chicote imaginário, os corpos nus cravados na penumbra, à vista dos cortinados que reproduziam uma caçada ao javali. Demasiado literário para ser verdade…” (p. 94). Estava contada a história da “rapidinha ida ao quarto da oradora ruiva”. Dado que o que se sente não se explica… o resto fica com os leitores.
        NOTA MÁXIMA! 

Saturday, February 14, 2015

Obra gráfica de Luís Manuel Gaspar em exposição na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo!...

«… “História natural com parafusos” apresenta-se como uma viagem vertiginosa entre os mundos submersos e os visíveis, as origens e a actualidade, o obscuro e o luminoso.»

Maria José Guerreiro

No último sábado, 7 de Fevereiro de 2015, foi inaugurada na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo (Ala Jorge Amado), uma exposição da obra gráfica editada em livros, revistas e jornais, do artista plástico, poeta e crítico textual, Luís Manuel Gaspar, com o sugestivo título «história natural com parafusos», que, bebendo das palavras de Maria José Guerreiro, «nos leva a uma reflexão individual e introspectiva mas questionadora, sem dúvida, do seu lugar e posicionamento no mundo. Enquanto na língua francesa, utilizamos uma única forma “je suis”, na língua de Camões, declinamos em duas formas “ser” e “estar”. Afinal, nós não somos só, também estamos!» – citamos.


Esta exposição, a quarta sequencial de um projecto que nasceu da acção da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, corporizado na pessoa do seu Chefe de Divisão, Rui A. Faria Viana, e com a cumplicidade – quiçá, conivência – do artista plástico e ilustrador com créditos internacionais, Tiago Manuel, que rapidamente soube transmiti-lo à Vereadora do Pelouro da Cultura, Maria José Guerreiro, que apesar de sensível às dificuldades impostas por uma política governamental economicista, soube contornar alguns obstáculos e sensibilizar o resto do executivo, levando a que o mesmo viesse a assumir por inteiro este mesmo projecto, projecto esse que não se destina só ao público de um modo geral, mas também, e principalmente, à dinâmica escolar, quer a nível do ensino primário, preparatório e secundário, quer mesmo a nível superior. O efeito, segundo Tiago Manuel, tem sido muito positivo. De realçar que, desde que começou este projecto, o ensino secundário tem desenvolvido acções orientadas e a própria dinâmica deste acontecimento é feita, não de uma forma caótica, mas através de uma organização pré-definida. E o “pivot” de todo esta dinâmica escolar tem sido o Tiago Manuel.
Tudo começou com o Tiago Manuel (Viana do Castelo, 1955), revisitado em «diários de sombras», onde foi exposta a sua obra gráfica editada em livros e revistas, de 25 de Maio a 28 de Setembro de 2013. Seguiu-se-lhe João Fazenda (Lisboa, 1979) com «domador de imagens», expondo a sua obra gráfica editada em livros, revistas e jornais, de 4 de Janeiro a 14 de Junho de 2014. André Carrilho (Amadora, 1974), expôs de 19 de Julho a 27 de Dezembro de 2014 «desenhos atrás do espelho», obra gráfica editada em livros, revistas e jornais, onde, segundo João Paulo Cotrim, o mesmo “não resiste nem movimento nem ao labirinto da narrativa, (…), mas a originalidade do seu percurso até aqui joga-se na construção das personagens”, através do cartoon político e social. Agora, com Luís Manuel Gaspar, somos bafejados com um extraordinário artista plástico e poeta, que faz ilustração, principalmente para a área da poesia e prosa-romance. Segundo Tiago Manuel, Luís Manuel Gaspar “tem uma vantagem, e logo muito grande, em relação aos anteriores, dado que o seu trabalho remete para intimismos”. De facto, a literatura precisa sempre de um estímulo, como forma de nos levar a ler. E esse estímulo começa logo pela imagem. Corroboramos da ideia de Tiago Manuel, quando afirma que “a imagem não é literal, de explicar o que está no conteúdo, mas, antes, funciona como um parceiro”. E Luís Manuel Gaspar, enquanto ilustrador, é um escritor, um parceiro do próprio escritor, acrescendo o facto de ser, também, um excelente poeta.


O nosso muito obrigado ao Jorge Silva, parceiro na montagem desta magnífica exposição: Título: história natural com parafusos; Autor: Luís Manuel Gaspar: Projecto: Rui A. Faria Viana; Direcção Artística e Coordenação: Tiago Manuel; Local: Biblioteca Municipal de Viana do Castelo; Data: 7 de Fevereiro a 11 de Julho de 2015. Catálogo – Textos: João Paulo Cotrim; Pintura/Auto-retrato: Luís Manuel Gaspar; Arranjo gráfico e impressão: Jorge Costa; Produção: Tiago Manuel.       
Para terminarmos, e tendo em conta o seu vastíssimo curriculum, o que seria incomportável esmiuçar aqui no espaço limitativo destas nossas deambulações da pena e da mente, tomando por “referência sintética” as notas inseridas num dos painéis da exposição, convenhamos em dizer que Luís Manuel Gaspar nasceu em Lisboa (1960), “é artista plástico, poeta, crítico textual, revisor e secretário de gatos. Publica capas, ilustrações e banda desenhada em livros e periódicos desde 1986. Tem colaborado nas revistas «Ler», «Colóquio/Letras», «Prelo», «Suroeste», «Telhados de Vidro», «Cão Celeste» e «Intervalo». Expôs individualmente em Lisboa (1987), Sines (1993), Viana do Castelo (2011) e, de novo, Lisboa (2012 e 2013). Foi comissário ou consultor de exposições relacionadas com Almada Negreiros, Ramón Gómez de la Serna e o modernismo ibérico. Publicou alguns folhetos de poesia e trabalhou na edição de obras de diversos autores portugueses, entre os quais Francisco Bugalho, Raul Brandão, Alexandre O’Neill, Manuel António Pina, Ruy Belo, Herberto Helder, Carlos de Oliveira, Al Berto e Rui Pires Cabral. Tem sido um dos editores responsáveis pela Obra Literária de José de Almada Negreiros, em publicação na Assírio & Alvim”.
         Obrigatoriamente, uma exposição a visitar! 

Saturday, February 07, 2015

Os «Elogios/Elegias» de Cláudio Lima!...

«Na visão de Cláudio Lima, o canto elegíaco consagra a libertação da lei da morte, para invocar um famoso verso camoniano, daqueles que transcenderam a quotidianidade cinzenta da vida: escritores, sobretudo poetas, artistas plásticos, músicos, pensadores, cientistas, mulheres que muito amaram, santos que serviram, com infinito afecto e sublime dedicação, os pobres, os doentes e os excluídos sociais.»

Vítor Aguiar e Silva

Indubitavelmente, Cláudio Lima é um dos grandes Poetas contemporâneos. E ao “imprimirmos” tal afirmação, ainda que subjectiva para alguns (felizmente, muito poucos), não o estamos a acantonar a uma região, dado que a dimensão universal do pensamento, enquanto objecto da lógica, tem uma realidade formal distinta da que tem quando constitui o objecto de uma ciência. Essa é a nossa percepção, exercício que implica algo distinto da sensação, mas também da intuição intelectual, quando lemos a poesia de Cláudio Lima. E também, porque imbuídos pelo pensamento de Halifax, quando um dia afirmou que «o verdadeiro mérito é como os rios: quanto mais profundo, menos ruído faz», somos obrigados a interiorizar a ideia – como forma da relação com as coisas sensíveis – de que a poesia de Cláudio Lima assenta em rios profundos, rios esses que com as suas afluentes, também elas profundas, acabam por desaguar no oceâneo, alegoricamente marcado pela universalidade do pensamento. Daí, a nossa negação ao acantonamento.
Jamais poderemos esquecer os devaneios de alguns poetas de afluentes ou rios pouco profundos, quando, afirmando-se em inspiração própria, sem influências, porque pouco dados às leituras, se emprestam à ruidosa negação da “douta ignorância” ou do “operário em construção”. Cláudio Lima não é assim. Diremos mesmo que se pressente na sua poesia uma “construção poética” alicerçada na inspiração daqueles – como escreve Vítor Aguiar e Silva em prefácio –, “que transcenderam a quotidianidade cinzenta da vida”. É nesse sentido que entendemos «Elogios/Elegias», o último brado poético de Cláudio Lima, primorosamente editado sob a chancela da Editora Labirinto.


Tal como escreve Vítor Aguiar e Silva, palavras ditas e sentidas, e com as quais corroboramos, «a paronomásia inscrita no título (…) evoca liminarmente dois grandes veios da poesa europeia, desde a sua aurora grega: o canto de louvor, o canto epidíctico de celebração, e o canto de tristeza e dor, o pranto e a lamentação pela perda de alguém», levando a que Cláudio Lima liberte da lei da morte aqueles que, como atrás referimos – citando Aguiar e Silva, “transcenderam a quotidianidade cinzenta da vida”. Ao fazê-lo, ou da maneira que o faz, não poderemos dizer que Cláudio Lima se revê no papel de um inveterado saudosista, mas, antes pelo contrário, o canto elegíaco vai no sentido de consagrar a dita libertação da lei da morte. De facto, só morre quem é esquecido.
Gostamos, de uma forma particular, da perspectiva do “mito sebástico” neste extraordinário brado poético de Cláudio Lima, ao permitir fazer a ponte entre o monarca (D. Sebastião), que deu origem ao estranho messianismo, que levou o povo português – segundo Maria Amália Vaz de Carvalho – a viver dominado pela sua fraqueza, ou a sua força, “em confiar sempre da Providência, do Acaso, do Destino e nunca de um plano raciocinado e assente”: Cortina densa o nevoeiro / vem repetir a infausta saga / do Encoberto. / Cai sobre nós como um presságio, / uma síncope de espera a dilatar-se / em areais funestos. (p. 18), Fernando Pessoa e seus heterónimos: Por dentro do tempo / como um vento / sussurram tuas insónias / heterónimas. / Por dentro do tempo / – túnel por concluir – bruxuleia uma candeia / a se extinguir. (p. 21), e Agostinho da Silva: Tens um nome comum, como convém; / um nome linear de vogais doces / como a doçura que têm / os frutos sumarentos e precoces. / Mas, além-nome, grande Profeta / o Além te elegeu / para traçares a grande linha recta / do sinuoso destino que nos deu. (p. 26). Quiçá, pela pena e pela mente de Cláudio Lima, e através desta ponte, se venha a cumprir o “Quinto Império”: Outra rota? Outro sonho? Outro pendão / noutro mastro? Pouco importa! / A chave de nós está na nossa mão / como também o código da porta. (p. 27). Repetimos, Cláudio Lima não se apresenta como um sebástico-messianista, nem tão pouco como saudosista.

Outros nomes gravitam neste «Elogios/Elegias» de Cláudio Lima: Camilo Pessanha, onde As palavras que levitam são as tuas, / pescador de pérolas doentes. / As Afrodites palpitantes, nuas, / não saem do mar se não consentes. (p. 25); Miguel Torga: Sobre a montanha desci os olhos salgados de / pasmo e de ternura. E disse os fonemas primeiros / de um amor sem ruga, pura embriaguez de terra. (p. 28); Sophia de Mello Breyner Andresen: É em ti / que o verbo se arrepende de ser neutro / e revela tudo quanto sabe. (p. 30); Eugénio de Andrade: Ficarás em pedra e sol / e letras sumárias mas agudas / no inacessível patamar da música. (…) Ficarás em pedra e saudade sob o musgo / do tempo, rumor de asas e de luzes / a lembrar a leveza dos teus versos. (p. 32); Vergílio Ferreira, aquando da sua morte: Não, não vamos deter mais do que um instante / na tua serena máscara final. (p. 33); David Mourão-Ferreira, também pelo mesmo motivo: Um silêncio sepulcral agora incide / sobre as sílabas doces e claras / do teu canto, / essa música tua de vibrações raras / que nos tocava tão no fundo e tanto. (p. 34); José Cardoso Pires, também, aquando da sua morte: E agora, José? / O sorriso malandro / inteligente e arguto / esmoreceu para sempre / em madrugada de luto. (p. 35); Luiz Pacheco, aquele para o qual: A vida é esterco, / percurso / sem remédio. (…) Mesmo assim / do Príncipe Real / uma embaixada de pombos / veio ao funeral. (p. 36); Sebastião Alba, o semi-lúcido: Agora que Carl Sagan morreu / quem fica a mandar nas estrelas / sou eu. (p. 37). Nas páginas deste «Elogios/Elegias» há ainda lugar a requiens por Hilário, António Variações, Zeca Afonso, Amália Rodrigues, Carlos Paredes, Madalena (bíblica): Por bem pouco chorei sobre o meu corpo / rasgado e abandonado ao fim da noite; / e permaneci passiva, assim de borco, / à mercê do pecado e do açoite. (p. 47), Francisco de Assis, Madre Teresa de Calcutá, Carl Sagan, Gabriel Garcia Lorca, Pablo Neruda: Nunca deste ao poema um brilho de domingo. (p. 55), Chopin, Louis Armstrong, Pablo Picasso, Salvador Dalí e Sylvia Plath. Por forma a não influenciarmos eventuais leitores, o que será passível de algum constrangimento interpretativo, vamos ficar mesmo por aqui.
Para terminarmos, e embora sejamos da opinião de que a biografia de um Poeta está na sua obra, não resistimos à tentação de dizer, principalmente para os mais distraídos, que Cláudio Lima é pseudónimo de Manuel da Silva Alves, natural de Calvelo, Ponte de Lima, onde nasceu a 6 de Abril de 1943. Tem formação na área da Filosofia, é casado, pai de dois filhos e está radicado em Braga. Iniciou-se muito jovem nas lides da escrita, colaborando em revistas escolares e suplementos juvenis, entre eles o do “Diário de Lisboa”, que acolheu as primícias de muitos escritos então revelados. Além de estar representado em mais de trinta obras colectivas, tem significativa e variada colaboração dispersa por jornais e revistas de Portugal, Angola, Brasil e Galiza, nas modalidades de poesia, conto, crónica, crítica literária e social, ensaio, diarística, etc. A nível individual, tem mais de uma dúzia de obras publicadas, sendo de realçar que a maior parte delas encontra-se esgotada. Para além de outros, foi agraciado com o Prémio Nacional de Poesia “Fernão de Magalhães Gonçalves” 2008, e com a Medalha de Mérito Cultural pelo Município de Ponte de Lima.  
        «ELOGIOS/ELEGIAS» de Cláudio Lima. Um livro e um autor que se recomendam. Daí, NOTA MÁXIMA!