Saturday, November 24, 2012

Tiago Manuel ilustra “Antologia Poética” de Mário de Sá-Carneiro


“Quando recebi o convite para ilustrar a poesia de Mário de Sá-Carneiro, aceitei o desafio com a confiança de quem conhece bem o chão que pisa. Não quero com isto dizer que foi fácil a empresa ou que de tais cuidados tirei prazer. As obras que nos ajudam a compreender a vida raramente estendem o vocabulário até ao contentamento”.

Tiago Manuel

Tal como afirmamos em jeito de apelo, aquando do nosso sensitivo “devaneio crítico” a propósito das exposições do nosso bom amigo Pintomeira, para que procurassem fazer uma visita às duas exposições e se deixassem envolver pela mística das pessoas interessadas em obras de arte e não apenas na ideia de arte, na altura salvaguardamos, contudo, o nosso “acto de contrição”, pelo facto de carregarmos o “martírio” de sermos bibliófilos, condicionante circunstancial de apenas nos ficarmos pela ideia de arte, em detrimento do interesse em obras de arte, infelizmente, o mesmo tem acontecido com tudo o que Tiago Manuel tem produzido e o lugar destacado que ocupa no panorama artístico em Portugal. Apreciamos-lhe a sua vastíssima obra, interiorizamos as suas mensagens pictóricas, mas – porque condicionados pelas nossas “magras jornas” – temo-nos ficado apenas pela ideia de arte. E hoje predispusemo-nos a falar dele, pelo simples facto de termos adquirido o seu último trabalho artístico.


Para os mais distraídos, e como tributo à nossa venerável admiração pelo artista, aqui fica uma pequena nota biobliográfica: O Tiago Manuel nasceu em Viana do Castelo, a 1 de Agosto de 1955. Fez a sua formação artística com os mestres Aníbal Alcino e Júlio Resende. A sua obra tem sido apresentada no país e no estrangeiro em instituições e galerias de referência. Foi premiado várias vezes. EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS: 2010 – “Sai do meu Filme”, Exposição de Desenho, Antigos Paços do Concelho, Viana do Castelo; 2008 – Mishima, Manifesto de Lâminas, Centro Cultural de Belém, Lisboa; 2008 - Galeria Spectrum Sotos, Saragoça; 2007 – Galeria Palmira Suso, Lisboa; 2002 –Lugar do Desenho, Fundação Júlio Resende, Gondomar; 2001 – Serpente, Galeria de Arte contemporânea, Porto; 2001 – Bedeteca de Lisboa, Palácio do Contador-Mor, Lisboa; 2000 –  Galeria Assírio & Alvim, Lisboa; 1998 – Galeria Spectrum, Saragoça; 1998 – Galeria Arte Periférica, Lisboa; 1996 – Galeria Arte Periférica, Lisboa; 1995 – Museu Municipal de Viana do Castelo; 1994 – Galeria J.M. Gomes Alves, Guimarães; 1993 – Galeria Quadrum, Lisboa; 1992 – Sede do Instituto Politécnico de Viana do Castelo; 1992 – Galeria Spectrum, Saragoça; 1992 – Galeria Absidial, Nantes; 1991 – Galeria Quadrado Azul, Porto; 1991 – Galeria Municipal, Famalicão; 1990 – Galeria Pedro e o Lobo, Lisboa; 1989 – Galeria Quadrado Azul, Porto; 1989 – Galeria Orfila, Madrid; 1989 – Galeria Matisse, Barcelona; 1986 – Salão da Cultura, Viana do Castelo; 1986 – Círculo de Artes Plásticas, Coimbra; 1983 – Museu Nogueira da Silva, Braga; 1983 – Galeria de Arte Moderna, S.N.B.A., Lisboa; 1982 – Salão da Cultura, Viana do Castelo; 1980 – Salão da Cultura, Viana do Castelo; 1979 – Salão da Cultura, Viana do Castelo; 1979 – Fundação Eng. António de Almeida, Porto; 1978 – Salão da Cultura, Viana do Castelo (exposição promovida pelo Instituto no âmbito da Presidência Aberta). EXPOSIÇÕES COLECTIVAS: 2011 – “Tinta nos Nervos”, Banda Desenhada Portuguesa, Museu Col. Berardo, CCB, Lisboa; 2009 – “Sonhos com Moldura”, Centro de Arte de São João da Madeira; 2008 – ARCO / Casa da Cerca, Almada; 2008 – “2008 Voltas no Carrossel” – Exposição colectiva de ilustradores portugueses e estrangeiros, Auditório Augusto Cabrita, Barreiro; 2007 – PRÉMIO STUART DE DESENHO DE IMPRENSA, Lisboa; 2006 –1ª Edição do “FAROL DOS SONHOS – Encontro Internacional sobre o Livro e o Imaginário Infantil” Cascais, 2006 – PRÉMIO STUART DE DESENHO DE IMPRENSA, Lisboa; 2004 – PRÉMIO STUART DE DESENHO DE IMPRENSA, Lisboa; 2004 – SALÃO LISBOA de Ilustração Portuguesa 2004, Câmara Municipal de Lisboa; 2002 – SALÃO LISBOA de Ilustração Portuguesa 2002, Câmara Municipal de Lisboa; 2001 – SALÃO LISBOA de Ilustração e Banda Desenhada, Câmara Municipal de Lisboa; 2000 – SALÃO LISBOA de Ilustração e Banda Desenhada, Câmara Municipal de Lisboa; 1998 – ARCO, Feria Internacional de Arte Contemporâneo, Madrid; 1997 – “Contra Viento y Marea” Fotografia Ibérica Contemporânea, Ministério da Educação e Cultura de Espanha, Escola de Belas Artes de Saragoça; 1994 – Exposição de grupo, Museu Municipal de Viana do Castelo; 1993 – “Prémio Nacional de Pintura Júlio Resende”, Câmara Municipal de Gondomar; 1993 – Tarazonafoto, Encontros Internacionais de Fotografia, Tarazona; 1991 – “Prémio Nacional de Pintura Júlio Resende”, Câmara Municipal de Gondomar; 1990 – Exposição Nacional de Desenho, “A Invenção do Lápis”, E.S.A., Árvore, Porto; 1989 – II Exposição Nacional do pequeno formato, Árvore, Porto; 1989 – “Le Temps du Regard”, Ministére de la Communication, des Grands Travaux et du Bicentenaire (Villejuif, Créteil, Paris, Rennes); 1987 – III Bienal Nacional de Desenho/ Árvore, Porto, Évora; 1986 – Exposição sobre os Direitos Humanos (Fundação Eng. António de Almeida, Porto; Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; e Sede dos Direitos Humanos, ONU, Genebra); 1984 – Exposição Convívio, S.N.B.A., Lisboa; 1984 – 3ª Exposição de Artes Plásticas do Centro Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo; 1983 – 2ª Exposição de Artes Plásticas do Centro Cultural do Alto Minho, Viana do Castelo.
Na qualidade de ilustrador publicou nos jornais “Público”, “Expresso”, “JL –Jornal de Letras”, “Letras & Letras”, “O Diário”, nas revistas “Colóquio/Letras” da Fundação Calouste Gulbenkian, “LER-Círculo de Leitores” e nas editoras “Âmbar”, “ASA”, “Afrontamento”, “Media Vaca” (Valência) e “Bertrand”, entre outras. Últimos trabalhos: “O sangue por um fio”, livro de poesia de Sérgio Godinho, Assírio & Alvim, Lisboa, 2009 – Cartaz para o filme “Ruínas” de Manuel Mozos, Festival INDIELISBOA, 2009. Em 2008 criou e passou a dirigir a colecção de banda desenhada “O Filme da minha Vida”, editada pela Associação de Produção e Animação Audiovisual AO NORTE, Viana do Castelo.

Desde 2000, para além do “Sai do meu filme” (Calendário de Letras, Porto, 2010), Tiago Manuel já publicou doze livros, artisticamente inspirados por sete dos seus vinte e cinco heterónimos – Terry Morgan (“Lua Negra” e “O amor é vermelho e arde”), Murai Toyonobu (“NAUTILUS the ship” e “Tango”), Tom Mccay (“Debaixo da Lua vive gente” e “Os sonhos da cobra”), Tim Morris (“O Escapista” e “Mente Perversa”), Marriette Tosel (“O armário psicótico / boas maneiras”), Tamayo Marín (“A tempo inteiro”) e Max Tilmann (“Este céu cheio de terra” e “Já não há maçãs no paraíso”) –, cujas obras produzidas e a produzir abrangem as seguintes áreas: ilustração de autor, banda desenhada, humor negro, histórias infantis, romance gráfico, diários ilustrados com fotografias e pinturas, teatro, literatura policial, moda e cinema. Da sua publicação total resultará uma pequena biblioteca de 50 livros. Muito recentemente acaba por ser editada uma antologia poética de Mário de Sá-Carneiro, que contém ilustrações de Tiago Manuel, numa edição de “Kalandraca Editora Portugal, Lda.”, onde são publicados poemas escritos entre 1913 e 1916 (“O Lord”, “A Queda”, “Estátua Falsa”, “El-Rei”, “O Fantasma”, “O Recreio”, “Pied-de-Nez”, “Apoteose”, “Ápice”, “Último Soneto”, “Salomé”, “O Resgate” e “Fim”). Segundo o nosso ilustríssimo artista – que tanto apreciamos – Tiago Manuel, ao ler os poemas de Mário de Sá-Carneiro, “senti que as palavras do poeta desenhavam a minha vida direita pelas linhas tortas do mundo que conheço, em tudo quase igual ao mundo que ele conheceu cem anos antes. A mesma dor, os mesmos medos, as mesmas nuvens sombrias antes da catástrofe”. Filosoficamente, percebemos perfeitamente a “dicotomia” cognitiva, não estranhando por isso que o Tiago Manuel se assumisse como autor dos poemas e Mário de Sá-Carneiro fosse remetido para a elaboração dos desenhos, como uma “realidade e reflexo no espelho estilhaçado da vida. / Hoje ainda vejo o meu rosto; amanhã, só a luz tocará a superfície onde se apagaram os meus olhos”. E termina no dizer dos outros que Mário de Sá-Carneiro amou uma mulher e morreu, interrogando-se se haverá melhor maneira de gastar a vida. Quiçá, a existência de alguma verosimilitude na vida de cada um, reflexo dos nossos próprios passos. Daí, o “espelho” como forma de “encarnarmos” o sentir dos outros: “A última ilusão foi partir espelhos –/ E nas salas ducais, os frisos de esculturas/ Desfizeram-se em pó… Todas as bordaduras/ Caíram de repente aos reposteiros velhos”.
Um livro excepcional, a merecer nota máxima, e que será apresentado no próximo dia 30 de Novembro de 2012, pelas 21 horas e 30 minutos, na Livraria Papa-Livros, Rua Miguel Bombarda (Porto), sendo que as reproduções das imagens de Tiago Manuel ficarão aí expostas até 4 de Dezembro.

Saturday, November 17, 2012

«Paço de Giela» um património histórico-monumental a preservar…


“Mas esperava-me uma triste surpresa em Giela: as ameias do palácio – mais de uma dúzia – tinham acabado de ser arrancadas e estavam no chão, algumas desfeitas em pedaços, outras inteiras, porque a rijeza do granito aguentou a pancada da queda. Sentia-se que a selvajaria era recente; era como uma ferida que ainda sangrava”.

José Hermano Saraiva (O Tempo e a Alma)

Sempre que pretendemos descomprimir as dilacerações da mente, procuramos deambular pelas mais pitorescas e agradáveis paisagens do Alto Minho, enriquecidas pela fertilidade dos seus vales e pela altitude e beleza das suas montanhas. Felizmente que é essa a sensação que sentimos quando amiudadamente nos deslocamos até “Terras de Valdevez”, cuja posição geográfica lhe empresta a cumulação de uma poética luxuriante, bem no coração do Vale do Lima, recortada também pelo não menos mitológico Rio Vez, que nasce e desagua dentro do concelho. Já não era a primeira vez que nos predispúnhamos a visitar Arcos de Valdevez e, de uma forma particular, o multisecular Paço de Giela (classificado de Monumento Nacional, através do Decreto de 16 de Junho de 1910), localizado a cerca de quilómetro e meio da sede do concelho, na encosta duma pequena elevação, que domina o vale, quase fronteira à vila. Trata-se de um solar fortificado, uma autêntica preciosidade medieva, cuja origem está profundamente ligada à origem e formação da terra de Valdevez.


O Paço de Giela, aí pelos anos vinte do século XX, é descrito por Luís de Figueiredo da Guerra (1853-1931) como um edifício que se compõe “do alcácer voltado ao sul, tendo junto para o nascente uma alta e forte torre quadrada, cuja única janela olha para poente; na sua coroa de ameias, sobre setentrião, existe ainda um machiculis ou parapeito de guarita: o palácio no gosto manuelino data dessa gloriosa época, e assaz conservado apresenta uma bonita janela ou varanda de honra, encimada pelo escudo dos Limas de Galiza (Limas, Silvas e Sottomayores); o senhoril cubo roqueiro é obra dos fins do século XIV ou princípio do XV, mas posteriormente reedificado: notam-se nele vestígios de três pavimentos, achando-se apenas ligado por uma quina ao Paço, servindo actualmente de asilo a pombas. Este morro sobre que assenta o castelo é contraforte do monte do Morilhões, que fecha o vale pelo nascente”. Aos nossos olhos, e face a uma investigação efectuada em termos arquitectónicos, podemos dizer que se trata de uma preciosidade medieva, constituída por dois corpos distintos, denotando que ambos eram denticulados de ameias: o torreão medieval (século XIV) da construção primitiva, e a residência paçã, de estrutura quinhentista. A torre de planta quadrangular, é provida de seteiras e de um balcão de mata-cães. A residência senhorial, forma um vasto rectângulo com quatro fachadas. Está arrimada ao torreão e tem um andar rústico. Valorizando a construção, ainda que de linhas simples, a portada de acesso, protegida por um arco de volta redonda, sobre a qual poisa a varanda da sacada, trabalhada em cantaria. Nesta fachada, voltada a Norte, rasgam-se duas janelas de estilo manuelino, intercaladas entre outras duas, de molduras lisas e linhas sóbrias, o que faz denotar ser de época posterior. A face oriental, tem duas janelas, sendo uma delas chanfrada e, no alto, quatro modilhões. Na fachada oposta, sobressai uma bem estilizada janela, curiosa pela sua decoração com cordame manuelino, encimada por uma pedra de armas que, face à dificuldade de leitura pela arrizada cobertura de vegetação, a fazer fé em Figueiredo da Guerra será dos Limas (Limas, Silvas e Sottomayores). Aliás, por cima da portada de acesso também ostenta uma singela pedra de armas, bastante desgastada, que heraldicamente deveria conter os mesmos apelidos. Inferiormente à janela manuelina, e num recanto, uma acanhada porta ogival, com o limiar afastado do chão. Na área envolvente a esta preciosidade arquitectónica existem outros edifícios, também em ruínas, que dizem ter servido de residência aos caseiros, e uma arruinada capela engolida pela vegetação, cujo patrono era “Santa Appolonia”. De uma forma sucinta, dado que o espaço desta crónica – e disso temos consciência – não nos permite alongar muito mais o nosso “apaixonado” devaneio pelas coisas da nossa terra (do Lima que nos viu nascer e nos vai inspirando), convenhamos em dizer que em 2 de Janeiro de 1399 deu D. João I, estando no Porto, a seu vassalo Fernão Anes de Lima, daquele dia para todo o sempre, para seus filhos, netos e descendentes legítimos por linha direita, as terras de Fraião em Coura, de S. Martinho, de Santo Estevão (Facha e Geraz), e de Valdevez, com todos os seus lugares, termos e suas herdades, casais, rendas, direitos, foros e pertenças, com suas entradas e saídas, rocios, montes, fontes, rios, ribeiros, pescarias, colheitas, montados, tabeliões e todas as outras coisas que às ditas terras pertencem; e ainda a sua jurisdição civil, crime, e mero império, com todos os outros direitos temporais e reais, assim como el-rei os possuía, reservando somente a correição e alçada. Este mesmo monarca lhe fez nova mercê quando estava no arraial sobre Tui, em 24 de Junho daquele mesmo ano de 1399, doando-lhe a casa e honra de Giela, que se achavam vagas na coroa. Segundo Figueiredo da Guerra, “esta linhagem procede de Limia na Galiza, donde tomaram o nome; Fernão Anes tomou o partido de Portugal, e viveu em Valdevez, jazendo à porta da igreja paroquial de Giela; seu filho Leonel de Lima, como primogénito, herdou a casa da Giela”. E foi assim que tudo começou!
  
A última vez que aí nos deslocamos foi no domingo, 4 de Novembro de 2012, e levávamos connosco a “má impressão” das visitas anteriores e o longínquo testemunho (1986) negativo de José Hermano Saraiva (1919-2012) – O atentado cometido no Paço de Giela vem agudizar o sentimento de urgência de intervenções neste sentido. O nosso património artístico e monumental está a desaparecer rapidamente –, mas também a esperança deixada (e/ou prometida) pelo município arcuense, dinamicamente liderado por Francisco Araújo, em Novembro de 2011, aquando da divulgação do “Concurso de Ideias” para requalificação do espaço envolvente ao Paço de Giela, já que é proprietário deste importante imóvel desde 1999, cujo declínio e abandono se começaram a acentuar a partir do século XIX. Na altura, foram divulgados os três primeiros classificados do concurso de ideias internacional lançado pelo município, em colaboração com a Ordem dos Arquitectos da Região Norte, para a referida requalificação da área envolvente ao Paço e edifícios anexos, a qual corresponde aproximadamente a 17,8 ha: (1.º) ABDA – Arquitectos Botticini – de Appolonia e Associati, SRL; (2.º) CVDB Arquitectos Associados; (3.º) Giovanni Alessandro Piovene Porto Godi, Vasco Miguel Pinel de Melo e Mónica Ravazzolo. Segundo foi dito, também, que “os concorrentes encontraram soluções que asseguram a valorização dos edifícios existentes, respeitando o cariz específico do local e acima de tudo o Paço e a forma como é visto, bem como a efectiva comunicação da zona em questão com a área urbana da Vila”. Aplaudimos a iniciativa, ainda pelo facto de explorarem temáticas como a “água” e o “garrano”, assim como a criação de condições para a realização de actividades desportivas, culturais e turísticas, projectando um Anfiteatro ao ar livre e uma Unidade Hoteleira.


Mesmo tendo nós consciência das dificuldades inerentes à conjuntura económica presente, que o país e a Europa atravessam, esperamos ansiosamente pela segunda fase do projecto de recuperação do Paço de Giela e área envolvente, que passará pela adjudicação da obra e sua concretização. Será bom para o município e, sobretudo, para toda a região alto minhota!

Friday, November 09, 2012

Arlindo Pintomeira mostra “Exteriores-Interiores” e “Outras Faces”


“Em conclusão, podemos dizer que nesta poética da composição artística, em que consiste «Interiores», Pintomeira isola as unidades mínimas da composição, tentando aproximar-se, o mais que pode, das formas de vida contidas na encenação dos objectos”.

Moisés de Lemos Martins

Pelas dezassete horas e trinta minutos do dia 3 de Novembro, foram inauguradas duas exposições – “Exteriores-Interiores” e “Outras Faces” –, em Viana do Castelo, do nosso respeitável amigo e extraordinário artista Arlindo Pintomeira, nos Antigos Paços do Concelho e na Galeria da Santa Casa da Misericórdia, respectivamente. As duas exposições estarão patentes ao público até 31 de Dezembro, o que significa que o envolvente à Praça da República será palco, tomando como nossas as palavras de Moisés de Lemos Martins, da “poética da composição artística” de Pintomeira, permitindo-nos, enquanto observadores sensíveis, explorar a natureza das nossas próprias emoções, por temos consciência de que a expressão bem-sucedida de uma emoção permite ao observador ganhar consciência dela; e a noção clara de que – como um dia escreveria Nigel Warburton – “o artista mostra aos observadores da obra de arte como expressar a emoção particular que se encontra na obra”. Já há muito tempo que Pintomeira tem conseguido criar em nós a útil magia da emoção, sem que para isso – e contrariando a sapiência redutora de alguns pressupostos eruditos de Arte – tenhamos a necessidade de “desfiar rosários” elementares ao conhecimento preconcebido, para usufruirmos da liberdade do “gosto”, da “imaginação” e da “visão”, como corolário da velha máxima: “a verdadeira obra existe na forma de ideias na mente do seu criador, e na mente de quem está a apreciar a obra”. Temos vindo a apreciar a arte em Pintomeira, valendo-nos também do factor da “imaginação”, tendo em conta que – para R. G. Collingwood – “uma verdadeira obra de arte é uma actividade total que a pessoa que dela desfruta apreende ou tem dela consciência pelo uso da sua imaginação”. E esta nossa actividade imaginativa não é somente visual, mas também emotiva, porque percepcionamos, apreendemos e deixamo-nos envolver pela criação do artista. Mesmo que não bastasse tais “predicados”, só por isso (actividade imaginativa) Arlindo Pintomeira é para nós um artista que nos agrada profundamente.
Porque já nos alongamos em demasia nas considerações “sensíveis-pessoais”, e sem nos querermos envolver na crítica elaborada que, a nosso modesto ver, é dada “estatutariamente” ao mundo da arte e seus entendidos, apenas nos apraz registar os bens elaborados textos “crítico-literários” de José-Luís Ferreira (sociólogo, escritor, investigador de arte) – A sua linguagem pictórica, criada a partir de evidências imagéticas contextuais ou, deliberadamente, (des)contextualizadas, adquire-se (ou provém) de um constante e requintado exercício radical de exploração pangeométrica, buscada em pressupostos íntimos duma génese anímica e (re)invencional da imagem de alto contraste, com o objectivo da sua transposição, sob pretextos de equilíbrio óptico, obedientes a um doseamento compositivo secreto (…) – e de Moisés de Lemos Martins (professor da Universidade do Minho) – Existe hoje na pintura de Pintomeira este esplendor dos objectos, uma poética que inscreve o humano naquilo que o não pode ser. O seu sistema de objectos faz-nos pensar numa “autopoiesis”, que age no mundo como uma unidade autónoma que se auto-engendra –, inseridos do catálogo da exposição “Exteriores-Interiores”; e os de José Paulo Leite de Abreu (director do Museu Pio XII) – Na obra de Pintomeira sobressaem também os contornos, que focam o olhar do interlocutor, sublinham centralidades e funcionam como útero onde se esconde e defende o essencial da mensagem a transmitir – e de Moisés de Lemos Martins (professor da Universidade do Minho) – Com o desenho de linhas e o alinhamento de pontos, Pintomeira figura cordas físicas e tácteis. As linhas, tal como os pontos alinhados em recta, são então cordas tensas, abrigos contra o abandono, a impessoalidade e o isolamento. O artista entrançou-os num tecido a que nos liga –, no que toca à exposição “Outras Faces”. Escolhemos estas citações porque, de certa forma, vão de encontro aos nossos iniciais devaneios da sensibilidade emocional.


Para os mais incautos, convenhamos em dizer que Arlindo Pintomeira nasceu na Limiana freguesia de Deocriste, Viana do Castelo, em 1946. É na cidade de Viana que, em 1966, realiza a sua primeira exposição na Galeria da “Livraria Divulgação” (hoje Bertrand). Desiste da sua formação em arquitectura e ingressa, em 1967, num dos mundos que mais o fascinava: o da pintura. O outro era o cinema, uma paixão dos tempos do Liceu. Vai para Lisboa, frequenta um atelier colectivo na Mouraria onde encontra o pintor surrealista Raul Perez. Convive mais tarde com Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas e outros do movimento surrealista português. Anos mais tarde, mais exactamente em 1972, e após uma curta passagem por África, parte para Paris na companhia da pintora e modelo holandesa Marijke de Hartog que conhece em Portugal e com quem casa em 1976, em Amesterdão. Os dois fixam-se na capital holandesa. Abortada a possibilidade de inscrição na “Nederlandse Filmacademie” ( Academia de cinema da Holanda), razão primeira que o levou a deixar Portugal, Pintomeira frequenta em 1978-1979 a CREA (Studentencentrum van de Universiteit van Amsterdam) onde estuda pintura e cinema. Após algumas exposições na Holanda, faz em 1978 a sua primeira exposição em Paris, na “Galerie Entremonde”. No mesmo ano participa no “Salon Metamorphoses” em homenagem a René Magritte realizado no “Grand Palais” de Paris. Com esta participação, termina o seu período surrealista.
Durante a década de 80, no seu atelier em Amesterdão, Pintomeira recebe várias influências, sendo a mais marcante a do grupo CoBrA (agregação das letras iniciais das cidades de Copenhada, Bruxelas e Amesterdão) e do qual fazem parte grandes nomes como Karel Appel, Corneille, Asger Jorn e Lucebert. Algumas influências desse movimento, como as texturas espessas, o desenho automático, as cores vivas e primárias do expressionismo em combinações complementares, e ainda os motivos simples e depurados com algumas ligações ao surrealismo e á arte primitiva, acompanharam o artista durante grande parte da sua obra.
Na década de 90 inicia uma fase de estilização e depuração da figura que consiste no constante exercício e experimentação à volta do contorno, tornando-o preponderante através do seu alargamento, prolongação e multiplicação; em 1999 Pintomeira deixa Amesterdão e regressa a Portugal. O trabalho que realiza no seu novo atelier no norte do país, dá origem um um vasto conjunto de obras figurativas, ainda com influências do grupo CoBrA e que denomina de “Nova Linha”; entre 2003 e 2010, e alternando com “Nova Linha”, Pintomeira produz também um vasto trabalho sobre tela e papel a que dá o nome de “Faces”; o ano de 2007 marca uma viragem acentuada na sua obra figurativa. As influências CoBrA e os contornos desaparecem. O tema “Interiores” apresenta trabalhos próximos da “Pop Art” com influências do design gráfico. A figura está manifestamente presente e as cenas de interiores denunciam representações teatralizadas. Neste sistema de objectos sobressaem o palco, a tela e a encenação; em 2009 e 2010 é produzido o tema “ Outras Faces”; conjunto de obras realizadas em impressão digital e acrílico sobre tela e que nos transportam para uma nova “Pop Art”; e, finalmente, em 2011 surge “Exteriores” que vem complementar “Interiores” produzido entre 2008 e 2009. É composto por uma série de trabalhos que reúnem figuras do quotidiano em encenações urbanas, atravessando passadeiras de rua, onde a sinalética rodoviária é fortemente explorada.
Terminaremos, agora sim, recordando que desde 1966 e até à actualidade Pintomeira tem no seu currículo uma quantidade enorme de exposições individuais, em Portugal e no estrangeiro. Entre 1971 e 2010 participou em várias exposições colectivas, bienais e feiras de arte, tanto em terras lusas como noutros estados europeus. Está representado em várias colecções institucionais, colecções públicas e privadas em diversos estados da União Europeia, nos Estados Unidos e Israel.
Aqui fica um apelo: procurem fazer uma visita às duas exposições e deixem-se envolver pela mística das pessoas interessadas em obras de arte e não apenas na ideia de arte. Desse mal padecemos nós, porque, infelizmente, carregamos o “martírio” de sermos bibliófilos, condicionante circunstancial de apenas nos ficarmos pela ideia de arte, em detrimento do interesse em obras de arte… Beati possidentes!

Monday, November 05, 2012

Premeditada reflexão no 25.º Aniversário do «Centro de Atletismo de Mazarefes»


“O atletismo é indiscutivelmente o mais universal de todos os desportos. Nenhuma outra federação congrega tantos países como a Federação Internacional das Associações de Atletismo. Nenhuma outra modalidade goza de semelhante acentuação olímpica”.

Sequeira Andrade

Ao falar-se do atletismo – e para termos uma noção clara de que o mesmo é a forma mais antiga de desporto e/ou a mais universal das modalidades desportivas –, teremos que forçosamente recuar até aos primórdios da nossa civilização, mesmo até ao tempo do homem das cavernas que, de uma forma natural, praticava uma série de movimentos, nas actividades da caça e de defesa, onde saltava, corria, lançava, ou seja desenvolvia uma série de habilidades relacionadas com as diversas provas de uma competição de atletismo. Contudo, o atletismo sob a forma de competição, teve a sua origem na grande civilização grega, cujo espírito agónico era uma das suas características, desde os mais remotos tempos. Esta realidade já se encontra nos Poemas Homéricos, onde a preparação física é realçada como uma componente essencial da mundividência helénica. Segundo o professor catedrático José Ribeiro Ferreira – um dos grandes especialistas de estudos clássicos – “a paixão atlética emerge, assim, no quotidiano de um povo, que desenvolveu o seu espírito de competição, através da participação em diversos festivais e jogos que proliferaram nas diversas cidades gregas. Imbuídos de [tal] espírito agónico, amantes do exercício físico e desejosos de se superiorizarem aos demais, os Gregos gostavam de participar em competições e jogos desportivos que reunissem a fina-flor dos atletas”. As primeiras reuniões desportivas organizadas da história foram os Jogos Olímpicos, organizados pelos gregos no ano de 776 a.C., cujo principal evento aí realizado foi o pentatlo, que compreendia lançamento de disco, salto em comprimento e corrida de obstáculos. Celebravam-se no santuário de Zeus em Olímpia e cujo principal motivo eram celebrações e festividades religiosas, nas quais se integravam jogos atléticos, que ali se realizavam de quatro em quatro anos. Os jogos serviam amiudadas vezes de palco a conversações e a tratados de importância geral para os Gregos. Não é por acaso que Olímpia foi escolhida, com frequência, como lugar ideal para depositar o registo desses tratados e preservar tais documentos. Era o tempo em que os atletas vitoriosos eram recebidos com festejos nas suas cidades e cumulados de honras, sendo que os jogos davam a impressão mais nítida de uma unidade grega.


Esta realidade filosófico-desportiva é bem diferente nos tempos que correm, já que a cumulação de honras vai mais para outro desporto que nos escusamos aqui mencionar, para não ferir susceptibilidades, muitas vezes clubistas. É dentro deste contexto civilizacional contemporâneo que, em 1975, a coberto de uma juventude irreverente, seria fundado o Grupo de Acção Cultural e Desportiva de Mazarefes (GACDM), embrionariamente consumado por nós, Manuel Vaz da Silva, José Maria Rodrigues Forte e Américo Afonso da Balinha. Das profícuas actividades deste Grupo, o atletismo foi sempre a vertente associativa que mais longe levou o nome da nossa terra, a ponto de, a determinada altura, ser uma das grandes fontes de rendimentos para a sustentabilidade do mesmo Grupo. Em 1987, e porque se precipitavam algumas incongruências e crispações em relação à modalidade, o responsável pela mesma, Manuel Vaz da Silva, a conselho de algumas personalidades ligadas ao meio desportivo federado, resolveu romper com o Grupo que havia ajudado a criar, fundando o Centro de Atletismo de Mazarefes (CAM), com a empenhada colaboração de outros aficionados, a saber: Manuel da Silva Liquito, Armando Afonso Forte, José Napoleão Ferreira Ribeiro, Agostinho Dias Forte, João Paulo Dias Carvalho, José Gomes Forte e António José Liquito da Torre. Não foi fácil esta ruptura com o GACDM, levando a algumas incompreensões e até a empolgadas reacções negativas por parte de quem se manteve fiel ao Grupo, ora órfão do atletismo. Os ânimos exaltados foram-se apaziguando ao longo dos anos e todos foram ganhando o seu espaço, conquistando as suas cumulações de honras e a respeitarem-se mutuamente, fazendo transparecer a certeza de que tal percurso foi o melhor que poderia ter acontecido para a nossa freguesia, porque se duplicaram talentos, construíram-se novas infra-estruturas e promoveram-se proximidades. Tal como na Grécia, essa mesma competitividade acabou por ser palco de conversações e tratados de importância geral para todos nós e para a terra que nos viu nascer, e que a alguns soube acolher. Compreendemos perfeitamente as palavras de Manuel Vaz da Silva, aquando das comemorações do vigésimo quinto aniversário do Centro de Atletismo de Mazarefes (27 de Outubro de 2012), a propósito das dúvidas suscitadas pelos mais incrédulos, na tentativa de menosprezar o trabalho levado a cabo ao longo destas duas décadas e meia, relevando-as para o caminho percorrido em detrimento da desconstrução de uns poucos, que nada fizeram pela freguesia e muito menos pelo atletismo, em especial.
Hoje o atletismo em Mazarefes goza de boa saúde, porque há uma excelente e saudável articulação com as entidades oficiais, nomeadamente com a Câmara Municipal de Viana do Castelo, Junta de Freguesia de Mazarefes, Associação de Atletismo de Viana do Castelo – sendo que o CAM contribuiu de uma forma particular para a sua fundação –, e com a Associação Social, Cultural e Desportiva da Casa do Povo de Mazarefes (saída da fusão do Grupo de Acção Cultural e Desportiva de Mazarefes com a Casa do Povo, da mesma freguesia). Fruto desta saudável articulação, Mazarefes dispõe hoje de uma Pista de Atletismo, de uma excelente sede social e de um polidesportivo sintético, há bem pouco tempo inaugurado.
Para terminar este nosso “deambular” da pena e da mente, convém aqui salientar que o Centro de Atletismo de Mazarefes tem no seu vastíssimo palmarés, desde campeões distritais a campeões nacionais, quer a nível individual quer colectivo, e pelo quarto ano consecutivo é considerado o clube do ano pela Associação de Atletismo de Viana do Castelo, por ser um clube dos mais representativos, tanto em número de atletas como em títulos conquistados. Como diria Manuel Vaz da Silva, o atletismo existe em Mazarefes há trinta e sete anos – numa alusão clara ao Grupo de Acção – e “por vezes digo que a nível distrital já ganhamos tudo que havia para ganhar”. Diremos nós que, com este espírito colectivo, ganhou a freguesia, a cidade e a região.

Parabéns ao Centro de Atletismo de Mazarefes e a todos aqueles que dão corpo a projectos desta natureza!