Thursday, August 28, 2014

A Falar de Viana e D. Frei Bartolomeu dos Mártires!...

“Falar de Frei Bartolomeu dos Mártires é falar de uma figura que marcou a Igreja Católica e que marca, ainda hoje, as gentes de Viana do Castelo. O seu espírito e a sua doutrina marcaram o século XVI e a sua vida simples e regrada, de dádiva e entrega é, ainda hoje, um exemplo”.

José Maria Costa

Por termos estado envolvidos em dois projectos editoriais é evidente que não vamos arriscar, nem tecer, qualquer tipo de comentário crítico-literário acerca dos mesmos, pois, se a tal nos atrevêssemos, entraríamos em contraditório com a máxima de Bertrand Russel quando afirma que “os homens são como as palavras; se não se põem no seu lugar perdem o seu valor”. É nesse sentido que apenas nos atrevemos a descrever os conteúdos e a agradecer a todos os colaboradores que, através de um incondicional empenhamento, deram corpo a magníficos textos no âmbito da história, da antropologia, da etnografia, da arte e da religião, não esquecendo as vertentes literária e turística.
Começamos pelo primeiro projecto «A Falar de Viana» (Volume III, Série 2), apresentado ao público no dia 19 de Julho, por altura da abertura da XXXIV Feira do Livro de Viana do Castelo, que na prossecução dos objectivos definidos para esta publicação, iniciada em 2012, tem uma mensagem da artista de créditos internacionais, Joana Vasconcelos (Presidente de Honra), e apresenta-se com orientação e alinhamento de conteúdos da seguinte forma: Memória – com trabalhos de Rui A. Faria Viana (As festas no despoletar da Grande Guerra) e de Bernardo da Silva Barbosa (As festas há 100 anos); Registo – com reprodução de alguns trabalhos publicados no «Portugal Ilustrado: Grande Álbum de Turismo», numa edição da Revista Terras de Portugal, N.º 1, 1928; Antologia Poética – com poesia de Correia de Oliveira (Viana eu sou), Eugénio Monteverde (Amor divulgado), Euclides Rios (Procissão de Nossa Senhora da Agonia), Fernando Castro Sousa (Viana – de Agosto e Mar), Luís Pedro Viana (A minha história), e Carla Mesquita (Viana); Colectânea – com trabalhos de Paulo Gomes (Maria… da Agonia), Artur Coutinho (Falar de Viana), Matias de Barros (Senhora d’Agonia protectora do mar de Viana), José da Cruz Lopes (Notas biográficas de Monsenhor Daniel Machado, 1912-1978), Manuel António Fernandes Moreira (A ligação do Santuário d’Agonia à Rede Pública de Água e Luz), Elisabete Pinto (A Festa e o Teatro), Gonçalo Fagundes Meira (A representação de Castelo do Neiva na Romaria da Senhora d’Agonia), Álvaro Campelo (Entre o campo e o terreiro da feira. Gado bovino e a Sociedade Camponesa do Minho), Mota Leite (Afinidades d’Avianense com as Festas d’Agonia), Joaquim José Peres Escaleira (Contributo para o estudo das esculturas no espaço público de Viana do Castelo), Manuel Rodrigues de Freitas (Corações e brincos de Viana), António Martins da Costa Viana (Iate “Nova Albina” – entre a fúria do mar e o fogo do castelo: episódio marítimo e militar no contexto da Patuleia), António Joaquim Monteiro da Cunha Leal e outros (O Forte de Santiago e a defesa da barra de Viana do Castelo), Manuel de Oliveira Martins (O Porto de Viana e a Junta Autónoma), António José Barroso (Delitos da ingratidão debatidos pelos favores do Céu, e manifestos na relação de um horroroso e admirável caso, de três ladrões sucedido na vila de Viana da Província do Minho), José Rodrigues Lima (Asturianos em Viana “Maria da Glória Gonzalez Rio Tinto”), Francisco Sampaio (O Alto Minho no ano turístico de 1990), Américo Carneiro (Os Lunas de Viana), Reis Ribeiro (Nossa Senhora em Beato Bartolomeu dos Mártires), Sebastião Pires Ferreira (Frei Luís de Sousa e Frei Raul de Almeida Rolo: a “Bíblia” Bartolomeana), David F. Rodrigues (Pedro Homem de Melo no “Roteiro de Viana”), Francisco José Carneiro Fernandes (Reavivar memórias: José Fernandes Martins arquitecto da modernidade vianense), Manuel Inácio Rocha (Dois vianenses de vulto), Domingos da Calçada (Gen. L. A. Pimentel Pinto á volta de uma pintura), Porfírio Pereira da Silva (José Gomes da Cunha, 1891-1976, um vianense na I Guerra Mundial), Henrique Rodrigues (Vianenses mortos na primeira Guerra Mundial), André Torres Costa (Uma Necrópole em Geraz do Lima, Santa Maria), Casimiro Puga (A casa dos “Direitos de Portagem” Santa Cristina de Afife), e, finalmente, António Rodrigues França Amaral (O reino suevo – S. Martinho de Dume e o Pagus de Ovínia).


O segundo projecto editorial «D. Frei Bartolomeu dos Mártires: colectânea de textos», apresentado no dia 2 de Agosto, pelo Monsenhor Sebastião Pires Ferreira, Vigário Geral da Diocese de Viana, assinala as comemorações dos 500 anos do nascimento do Beato Bartolomeu dos Mártires, e nele são reproduzidos alguns dos melhores textos publicados nos Cadernos Vianenses e noutras publicações, de grandes autores e estudiosos bartolomeanos. São eles: Luiz de Figueiredo da Guerra (O Arcebispo Santo D. Fr. Bartholomeu dos Martyres, onde se incluem também a história do Convento de S. Domingos e a descrição dos títulos das obras completas), José Marques (Frei Bartolomeu dos Mártires: vida e obra), João Francisco Marques (O prelado, o povo e a conjuntura: solidariedade social e solicitude de D. Frei Bartolomeu dos Mártires), António Matos Reis (Itinerário de Braga a Roma seguido por D. Frei Bartolomeu dos Mártires), Manuel António Fernandes Moreira (O beato Bartolomeu dos Mártires e o Mosteiro de São Salvador da Torre), Felipe Fernandes (D. Frei Bartolomeu dos Mártires em Viana e Breves apontamentos biográficos de D. Frei Bartolomeu dos Mártires), Pe. Armando de Jesus Esteves Rodrigues (Convento de Santa Cruz “S. Domingos” de Viana do Castelo), José Luís Branco com oito trabalhos, dos quais se destacam o “processo de canonização” e a “reforma dos cardeais”, Ana Rita Batista Raposo (A arca da fé: estudo, diagnóstico e tratamento de um altar portátil), Jorge Alves Barbosa (A música na acção pastoral de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires), Alberto Antunes Abreu (A imagem do beato Bartolomeu dos Mártires), Rui A. Faria Viana (“A Vida de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires” – uma raridade bibliográfica impressa em Viana no séc. XVII), Fr. Miguel dos Santos, O.P. (A beatificação de D. Frei Bartolomeu dos Mártires e os Dominicanos), D. José Augusto Pedreira (Bartolomeu dos Mártires, bispo de todos os tempos), D. Jorge Ortiga (Fr. Bartolomeu dos Mártires: memória e profecia), D. Manuel Clemente (O martírio de Frei Bartolomeu), e, finalmente, António Manuel Couto Viana (Prece da Ribeira a Frei Bartolomeu).
Parabéns ao Município de Viana do Castelo e ao coordenador geral das duas publicações, Rui A. Faria Viana. Excelente o trabalho do designer Rui de Carvalho, porque esteticamente perfeito e irrepreensível, forma e qualidade a que já nos vem habituando, a uns anos a esta parte.
        O resto, fica para apreciação dos seus hipotéticos leitores!

Sunday, August 17, 2014

A poesia em “assento doméstico” de Fernando Pinheiro!...

“Nunca estejas completamente desocupado; lê ou escreve, reza ou medita, ou faz qualquer coisa de útil para a comunidade”.

T. Kempis

Para assinalarmos o nosso regresso a este sentir e viver «ao correr da pena e da mente…», não poderia ser doutra forma se não deambularmos pelo «assento doméstico», último brado poético do nosso particular amigo Fernando Pinheiro, nascido em 1949 na aldeia de Ucha, Barcelos, cujo orago é S. Romão (mártir cristão que no séc. IV morreu às mãos do imperador Galério). Sem nos alongarmos muito pelo seu vastíssimo – diríamos até riquíssimo – curriculum, contudo, e principalmente para os leitores deste nosso modesto deambular literário, convenhamos em acrescentar algumas notas biográficas, por forma a percebermos a sua meritória qualidade (num patamar superior) enquanto dramaturgo, escritor e poeta.
Fernando Pinheiro, com quem contactamos pela primeira vez há mais de três décadas (por circunstância de lides e compromissos radiofónicos), fez exame da 4.ª classe na escola de Galegos (S. Martinho), obteve o curso secundário no Liceu Nacional Sá de Miranda, Braga, e licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Dedicou-se ao ensaio e à animação cultural, tendo sido professor até 1998, quase sempre no concelho de Barcelos, e técnico superior de acção cultural da Câmara Municipal de Braga até 2011, ano em que se aposentou. É conhecida a sua ligação ao teatro, desde a sua mais tenra juventude, e em particular ao grupo amador “A Capoeira”, de que foi fundador com outros companheiros da década de 70, e que entretanto se transformou num dos mais importantes grupos de teatro do norte do país. Remonta também à década de 70 a sua ligação à literatura, tendo começado por editar colectâneas de poesia infanto-juvenil, até lançar títulos seus nos domínios da poesia, romance, conto e ensaio (monografias). O teatro, original ou adaptado, encontra-se fora de mercado.


«Assento Doméstico», que constitui o seu sexto título de poesia, apresenta-se, tal como nos apraz registar na simpática dedicatória que se nos dirigiu, como “uns quantos protestos de alma contra a decadência, venalidade e a incôndita procura do homem por tudo quanto é espúrio e corruptor”, por onde perpassam homens de sucesso, envoltos em manuais, qual contraste entre o “andar na berra / arrasta a bainha pelo chão / põe o cós a roçar nos joelhos / a braguilha desce prós artelhos / que as calças agora são / um saco com pernas dentro…” e o “como poderei sair à praça / com casaco e gravata / calças de cinta alta / sem jóias nas orelhas / nem ténis nos pés / sem óculos de massa / nem cachecol de lã (…) / para ser um pós-moderno / em tudo igual aos mais famosos / era capaz de tudo, das orelhas / das tatuagens, das botas / da cinta descaída / do desleixo, da barba mal feita / do ar liberal e da madeixa / mas aquele leque / a abanar no rabo…”; gentes como o Zeca “amigo maior que o pensamento / já vem toldado o sol que vai nascendo”; a libertação dos noivos, que “por costume, antigamente / ajoelhavam na terra do cemitério / e juravam ante os mortos amar eterno”; o ser “politicamente correcto até à cova / e porta-estandarte do idealismo generoso / que há-de gerar a alma da cidade nova / reclamada pelos poetas libertadores…”, levando a gravata até ao túmulo; a última tarefa de já não ir “a tempo de ser santo: / pelos antros da corrupção e da contubérnia / incólume passarei com a minha veste de gardénia / e no ilimite do céu aberto / como um anjo velho / sem mácula / voarei”; e o esgueirar dos mentirosos pelos buracos da justiça, “que fazer neste parlamento / nesta civitas de rapina / se a batota que era crime / virou ciência política?”.


Em «assento doméstico» – que de doméstico nada tem, mesmo quando, alegoricamente, fala do seu gato Rufino que “nunca deixa nada por fazer: / come, dorme, passeia, caça… / é um gato metódico”, tornando-se universal no comportamento, porque igual a todos os outros gatos –, há ainda observações; remissões; lições; expiações; dilemas; desejos; perdões alados; naufrágios; desejos insensatos; elogios da decisão e da mentira; teorias de rejeição, do invisível e de indefinição; telúricos desejos; desalento; e renúncia de a essa ilha não ir, “algum Circe não vá / transformar-me / em porco / e eu não sou / um plytropos / como Ulisses / que destruiu / a acrópole de Tróia / com uma tramóia / de pau (…) / a essa ilha não vou / alguma Circe não vá / em porco mudar-me!”. Assim é a Poesia de Fernando Pinheiro, Poesia que se nega a morrer, “porque o eterno / não se mete numa urna!” e que tira o tédio ao S. Pedro, “que já leva dois milénios / de chaves na mão / coitado do porteiro do céu / que nunca viu um ciclista / a cortar a meta no paraíso / a bicicleta está pronta / a morte pode vir…”. Simplesmente, sublime!
Por certo que os nossos leitores não estariam à espera de mais devaneios crítico-literários à volta deste extraordinário brado poético de Fernando Pinheiro, dado que nunca tivemos aspirações para tal e a poesia não se explica, sente-se: e o primeiro homem criado / à minha imagem e semelhança / não seria um Adão progenitor / mas um “homo horribilis” / capaz de matar o criador (…) se não o gesto, fique a intenção / e dou-me por liberto: / o “big-bang”, sim / o resto, não – comungamos, plenamente, com o Fernando Pinheiro.   

NOTA MÁXIMA!