Monday, February 20, 2017

«O Rasto da Memória» em Domingos da Calçada!...



«O “Rasto da Memória” é um testemunho das pegadas deixadas pela minha gente na caminhada sacrificial neste Vale de Lágrimas; uma tentativa de tornar perene a sua presença na nossa recordação.»

Domingos da Calçada

Embora peque por tardia, esta crónica devemo-la há mais de seis meses, altura em que o SIR (preferimos ao estatuto português de “Comendador”) Domingos da Calçada foi agraciado pela sua Terra Natal com o título Cidadão de Honra, homenagem mais que justificada e perenemente justa pelos seus inegáveis méritos em prol da sua terra e de todo o vasto Vale do Neiva. Dois anos antes, como fizemos questão de salientar em anterior apontamento, foi publicamente homenageado, por altura da XXXII Feira do Livro de Barcelos, pela edilidade barcelense, na pessoa do seu presidente Miguel Costa Gomes, com o Grau Prata, Medalha de Mérito Cultural. Nesse mesmo dia, com a anuência da «Tertúlia Barcelense», foi dada à estampa «Poemas Tardios», pérola da poética regional, porque genuína, perfeita, sentida e saída do espelho da alma.


Acautelamos essa primazia de entrarmos no “rol” dos convidados de honra para assistirmos à “coroação” pública do melhor memorialista que conhecemos até hoje, para darmos a mão à palmatória dessa repreensível falha, apenas atenuada pelas circunstanciais fragilidades humanas, condicionados por contratempos físico-motores de um dos membros superiores.
 Como já em tempos idos escrevemos (Junho de 2013), a propósito de uma magnífica obra intitulada “Gente do Vale”, obra que premiaria a importância e a preponderância memorialista de Domingos da Calçada, um dos maiores – senão o maior – contistas que conhecemos até à presente data, penitenciamo-nos dessa falha para falarmos do seu último brado, aberto à preservação aristotélica do conteúdo original da Poética e da história (sem estórias) e subsequente ligação à tradição local, no rasto da sua memória, tornado o título vinculativo à mestria deste extraordinário memorialista.
«O Rasto da Memória», mais uma vez editado sob a chancela da Calígrafo, eminência consentida por Fernando Pinheiro, um dos editores mais sérios, homem culto e extremamente rigoroso na qualidade das suas escolhas (no que toca à escrita e aos seus autores), reforça os atributos de exímio (peculiar, até) contista e cronista que há em Domingos da Calçada. Mantem-se o registo do acto perfeito da criatividade memorialista e literária de Domingos da Calçada, evidencia-se também na composição dos enredos, harmonizada pelo bem doseado antagonismo maniqueísta, que nos leva a subscrever as palavras do autor: E cada história tem a sua fisionomia. Há umas que não merecem ser esquecidas e outras que o não devem; apesar das notórias diferenças entre o bem e o mal, todas legaram testemunhos que devemos aproveitar. É um maniqueísmo que não fere, porque desprovido de “escárnio & mal dizer”, mas que ajuda a depurar personagens, espaços físicos, comportamentos psico-emocionais e utensílios que fazem história. 
 

Torna-se bem claro que não iremos falar dos contos e das crónicas que dão corpo a este (O) rasto da memória, porque ao fazê-lo incorreríamos no acto obstrutivo para com o leitor. Ninguém quererá comprar um livro ou ver um filme que alguém precipite antecipadamente o fim ou a morte do artista. Apenas diremos que este novo brado, sem ser o último de Domingos da Calçada, manifesta-se num extraordinário contributo para a preservação da memória de um povo – um povo com memória é um povo com identidade –, onde são revelados e/ou perpassam vários saberes que abrangem várias áreas estudadas por gentes de pretenso saber ou a eles candidatos: história, sociologia, antropologia, etnografia, arqueologia e até mesmo filosofia: Durante as audições, cada um dava a sua opinião sobre a forma de melhorar a construção do verso ou do poema, propondo a substituição desta ou daquela palavra por outra que melhor soasse ao ouvido ou avivasse a ideia da mensagem a transmitir. Poética em Aristóteles? Quiçá!
«O Rasto da Memória» tem o condão de eternizar lugares, estados cognitivos e pegadas deixadas pelas gentes de Domingos da Calçada, como diria Mota Leite, “num género de estilo fluente mas pleno de ancestralidade local”.       
Apenas uma nota final para dizermos que Domingos da Calçada, pseudónimo literário Domingos de Castro Barbosa Maciel, nasceu em Durrães, Barcelos, a 18 de Fevereiro de 1931. Aí frequentou a escola primária, tendo prestado provas de exame na Escola Gonçalo Pereira, na sede do concelho. No Porto foi aprendiz de caixeiro, no célebre Passeio dos Carapuceiros, situado então no lado esquerdo da rua dos Clérigos. Prosseguiu a actividade comercial, como trabalhador e gerente, enquanto desempenhava o ofício de avaliador de propriedades rústicas e urbanas.
Ao estabelecer um contacto directo com as gentes do Vale do Neiva, coleccionou ocorrências e ouviu casos passados na Ribeira, sempre registados numa linguagem pura, plena de rusticidade e de termos caídos em desuso. Tal recolha encontra-se publicada na sua colectânea intitulada Seroeira. Também assinou vários trabalhos monográficos sobre costumes e tradições da sua paradisíaca região, para além de ter dois títulos de poesia édita. Tem para publicação um trabalho intitulado Recordações Tripeiras: Os Carapuceiros dos Clérigos.
Um livro e um autor que recomendamos.
         NOTA MÁXIMA!

Monday, February 06, 2017

Inaugurada exposição «liberdade com legendas» de Miguel Rocha!...



«Sugestivo título este “Liberdade com legendas”, encerrando em si uma aparente contradição que se sustenta da antítese entre a possibilidade múltipla da imagem e o condicionamento da palavra…»

Maria José Guerreiro

Integrada num projecto liderado por Rui A. Faria Viana, chefe de Divisão de Biblioteca e Arquivo Municipais, e tendo como director artístico e coordenador o conceituado artista vianense Tiago Manuel, foi inaugurada, no pretérito dia 21 de Janeiro (Sábado), na Ala Jorge Amado da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, a oitava exposição da “obra gráfica de um artista”. Como fez questão de salientar Rui A. Faria Viana, este projecto, iniciado em Maio de 2013, já fez passar por Viana do Castelo artistas como Tiago Manuel, João Fazenda, André Carrilho, Luís Manuel Gaspar, Cristina Valadas, João Vaz de Carvalho, Isabel Baraona e, agora, Miguel Rocha, de seu nome completo Miguel João Pinheiro Soares Rocha, nascido em Lisboa em 1968.
Miguel Rocha, enquanto ilustre artista (ilustrador e autor de banda desenhada), passou a infância em Alhandra, regressando depois a Lisboa onde vivenciou a juventude, estudando na Escola António Arroio e na Sociedade Nacional de Belas Artes. Começou por trabalhar na área da ilustração, publicidade e artes gráficas e fez a paginação de Selecções BD, I Série (1988-1991), enquanto foi desenvolvendo os seus primeiros trabalhos. Estreou-se mais tarde, mais concretamente em 1997, como autor de BD. De lá para cá o seu trabalho tem vindo a ser publicado e mereceu vários prémios no Amadora BD – Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora (FIBDA), festival que lhe dedicou uma exposição retrospectiva em 2001.


Rui A. Faria Viana referiu ainda, como preceito da elevada dimensão artística de Miguel Rocha, a autoria do cartaz oficial do Campeonato Europeu de Futebol, UEFA Euro 2004.
Tiago Manuel, como director artístico e coordenador do projecto, acrescentou que não basta trazer um artista de referência sem ter uma preocupação de trazer um autor cuja obra faça sentido na programação e no crescimento intelectual dos públicos, nomeadamente os públicos estudantis e até os académicos. Reforçou ainda a ideia de que a obra de Miguel Rocha está ligada à mensagem dos homens, principalmente à BD de intervenção, sem ser panfletária, mas de intervenção. Para o director artístico e coordenador do projecto, há uma evidente preocupação no artista Miguel Rocha de fazer um trabalho, mas também marcado pela ética.


Na voz activa e sapiente dos artistas, gostamos da cumplicidade de José Miguel Gervásio quando escreveu que a culpa é do lápis. «A dimensão disto tudo que se vê, é coisa da porra do lápis. Digo eu, que percorro vezes sem conta o contra caminho que tu fazes no subir. É quase igual, o meu ao teu, mas de sentido oposto. O meu caminho tem outros percalços, levo outras coisas em mãos, o coração cheio de outros enfados. As descidas extraordinárias que fazem os fins de tarde desaparecer engolidos pelo sol, as árvores, pá, ao fundo, à mão de se lhes pegar pequeninas. O mesmo ar lêvedo e, no entanto, a aridez substancia-se diferente. Diferente na essência, quero eu dizer. O meu lado é mais seco. Tem menos palavras que o teu. O teu percurso tem mais bocas. A essência é o sumo deste jogo que eu jogo na corrente que desce. Isto é um jogo que merece ser jogado…» – citamos do texto do catálogo. Percebemos perfeitamente, quando essa cumplicidade entre artistas assenta no lápis, enquanto instrumento do silêncio, colhendo magia.
 Para nós, foi uma manhã maravilhosamente preenchida, principalmente quando aquilo que se faz assenta em noções e métodos de trabalho: preparação, medida e determinação de tempos, decomposição do trabalho e observações instantâneas. A inauguração da exposição de Miguel Rocha, «liberdade com legendas (obra gráfica editada em livros)», foi um excelente exercício de linguagem expressiva, tendo em conta que o uso imaginativo e talentoso da linguagem pode entreter-nos e deliciar-nos. Até na liberdade com legendas, ligada à imagem específica ou à expressão memorável. Dentro da nossa "Douta Ignorância", foi uma manhã de magnânima experiência emocional, porque foram usadas palavras, desenhos e movimento que deram corpo à relação entre o artista e o público, no qual nos incluímos.
Palavras, imagens e movimento, a Arte como actividade humana que consiste em o artista passar a todos nós, intencionalmente e, neste caso, por meio de sinais externos, sentimentos que viveu e de nós sermos infectados pelos seus sentimentos, por forma a experimentá-los também. Miguel Rocha conseguiu-o, porque sentimo-lo.
Obrigatoriamente, uma exposição a visitar, até ao dia 8 de Julho de 2017.
         NOTA MÁXIMA!