Friday, February 28, 2014

Estar aqui… com Tina Tinoco!...

“Os seus poemas estão sempre encostados à verdade, no conteúdo e na forma: é uma escrita limpa, clara, sem malabarismos de escrita, sem enfeites. É autêntica, escorreita, inteira… como ELA!”

Conceição Lima

Conhecemos a Tina Tinoco, porque tínhamos que conhecer. Estava “escrito” que assim fosse ou tivesse que ser. Por acreditarmos que não há acasos na vida de cada um de nós, na pressuposta “certeza” de Aristóteles, cujo objectivo da humanidade era a prossecução da felicidade, que definiu como passagem a acto daquilo que melhor somos capazes de fazer, assente na razão, como a maior faculdade do homem, enquanto conceito de humanidade, claro: …não concordo com uma frase que ouço com frequência: “O Poeta é um fingidor!” Quando o Poeta escreve, desnuda-se, grita aos sete ventos o que lhe vai na Alma… eu pelo menos… completamente! Ah, só mais uma coisinha, tenho uma dificuldade tremenda em escrever sobre o Amor… escrevo mais sobre o Desamor… quiçá reflexo das minhas vivências… – assim nos diz Tina Tinoco, em Nota Introdutória ao seu livro de poesia «Estou aqui…».


Esta obra – independentemente do tamanho (77 páginas) – de poesia da Tina Tinoco é afecta e efectivamente uma presença, uma partilha e uma saudável maneira de estar, na procura da existência, na relação com os outros: Estou aqui / Para ti… / Para mim… / Para nós… / Partilhemos / Sonhemos / Toquemo-nos / embalemo-nos / sintamos os nossos corpos / vibrar nesta dança! / Que esta melodia se eternize, / que nos arraste, / que nos leve, / até LÁ…!!! / Mil sentimentos se cruzam… . / Ah mundo mágico!... / deixa-nos quedar neste encantamento / deixa-nos ser / um do outro!! – plangente vibração de quem parece estar só, abandonada, aparentemente abandonada, quando a noite cai, os pássaros silenciam e os cães latem. Por incrível que pareça, este é o espelho de cada um de nós, diferente mas ao mesmo tempo igual: Suplica protecção aos deuses nocturnos. / As noites de inverno estão gélidas. / Mais uma vez olha a lua. / a companheira de todas as intempéries. / Murmura-lhe… / Amiga, / não me abandones, / a tua luz sacia-me, / acalenta-me a alma, / fazes-me sentir vivo! / Ainda… hoje… / Amanhã… não sei! – porque o frio, as árvores nuas, as folhas caídas, o banco do jardim vazio, a nostalgia e o caminhar sem norte, são passos e aguarelas em cada um de nós.
Tina Tinoco dedica este maravilhoso poetar aos que a lêem e que a sentem, com a voz reveladora que lhe denuncia e desnuda a Alma, com palavras em catadupa, “libertando a revolta, a mágoa, a dor…”, mas em som angelical, doce, porque a pacifica. Nunca a sua revolta, a mágoa e a dor poderiam ser agressivas, mesmo quando se afirma escrever sobre o desamor: Estranha melodia a nossa… / Murmuramos… / Praguejamos… / O querer sentirmo-nos / Deixa-nos num labirinto emocional, / agimos assim… / Falamos assim, / Queremos… / Não queremos… / Um abismo rasga-se entre nós / Surgirá algum dia aquela ponte, aquela palavra / que resgatará / Aquele sorriso, aquele olhar, aquele toque… / Fazendo-nos lembrar / Que é tempo de tréguas!... – tréguas que, no fundo, resultam no desejo de amar.
Por lhe auscultarmos os passos e os desabafos (“Amiga(o), / não me abandones, / a tua luz sacia-me, / acalenta-me a alma, / fazes-me sentir vivo(a)!”), há muito que sentimos a Tina Tinoco guerreira, batalhadora com alma e ardor, em prol do Amor e não do desamor, mesmo quando as flores coloridas germinavam onde houvera pedras cinzentas, frias, lexical que nos obrigaria às habituais aspas, porque extraído da inspiração da poeta.


Fazendo nossas as palavras de Conceição Lima, ao contrário do que se diz dos poetas, Tina Tinoco não é uma “fingidora”, porque, diremos nós, dá “tractos” à sua imaginação para tentar descobrir uma explicação para o fenómeno da natureza humana, no rosto, nos sorrisos, no aconchego de um abraço, nas sensações místicas de um prazer intenso, nas lágrimas salgadas que humedecem os lábios, no crer e no deleite, no caminhar, no estar, no desejo, no querer, no amar, no sentir, no meditar, no sonhar, no acordar, na fragilidade, na dor, no tempo, na realidade, na utopia, na saudade, no voar, no olvidar, no ser, no virar de cada página que escreve, a bem escrever. E no «Estou aqui…», a natureza e os objectos são testemunhas dos estados emocionais da poet(is)a: através da árvore, quando os corações de almas apaixonadas, encostaram-se a si corpos cansados; do temporal, mas sobrevivendo às intempéries; do mar, quando, reciprocamente, se abre para nós: As tuas cores / A tua força / A tua beleza / Extasiam-me, / Embriagam-me, / Orgasmicamente!; da janela; do sol e do pôr-do-sol, “bola de fogo gigantesca” que Despertas em mim / O ser moribundo, / O ser adormecido, / que outrora vivera!; do vento, onde A poeira levanta-se, / As portas batem, / As crianças buscam o aconchego, / Os namorados enlaçam-se…; do guarda-chuva vermelho, de um vermelho quente, qual doce envolvência, Caminhávamos, / Gargalhávamos, / os dedos enroscavam-se / numa quente cumplicidade, / numa quente sensualidade; da (minha) lareira, lembrada quando está frio; da tela, ainda que imaginada, tornada mágica; do livro – o que temos entre mãos e que ora ousamos comentar – Pega, / é para ti! / Não temas em abri-lo! / Vira a página, / E mais outra… / Acabas de entrar no mundo das palavras. / Levam-te por lugares inimagináveis / Encontras guerreiros e vilões, / Batalhas heroicamente / E / Sentes-te feliz!...

E também nós, Tina, estivemos aqui… “porque é bom sonhar, porque é bom viajar no mundo dos sonhos, porque é bom entranhares-te no LIVRO”. «Estou aqui…» de Tina Tinoco, devolveu-nos as asas, devolveu-nos a vida, numa doce cumplicidade onde Adoro sentir que és meu, / Adoro sentir que sou tua… Porque “a POESIA surge quando a vida acontece”, gostamos, e isso nos basta… MAGNUM OPUS!           

Tuesday, February 25, 2014

Palavras, linguagem, sinais e realidades em Santo Agostinho

“Porque não posso deixar de supor, apenas soam tais palavras, que a conclusão se refere ao que é significado por essas duas sílabas, em virtude daquela lei que tem muita força na ordem da natureza, a saber, que ouvidos os sinais, o pensamento se dirija para as coisas significadas”

Santo Agostinho (In «O Mestre», Cap. VIII)

Ao propor-se esclarecer seu filho Adeodato [N. 372 – m. 389], quanto à possível confusão assacada ao sentido e intenção do desenvolvimento do diálogo, como se de exercícios meramente dialécticos se tratassem, Santo Agostinho chama a sua atenção para o facto das disputas argumentativas dos que se dedicam ao jogo dos raciocínios e das palavras – Mas é difícil nesta altura dizer aonde pretendo chegar contigo, ao longo de tantos rodeios. Com efeito, talvez julgues que estamos a brincar, e que para assim dizer desviamos o espírito de coisas sérias, com certas questiúnculas infantis; ou então, que buscamos algum bem diminuto ou medíocre –, não reflectirem o objecto de atingir uma vida venturosa e sempiterna, conseguida simbolicamente pela subida de degraus, tendo Deus como guia, ou seja, a Verdade. Nesse sentido, Santo Agostinho propõe-se, de parceria com seu filho Adeodato, em investigar as coisas que, não sendo sinais, são “significadas com sinais, não outros sinais, mas as coisas a que chamamos significáveis”. Na sequência desse desafio, Santo Agostinho começa pela palavra «homem», questionando seu filho se «homem é homem» ou – perante a sua resposta afirmativa – se não seria antes o resultado da união das sílabas «ho» e «mem». E, desta vez, Adeodato ao responder negativamente escusar-se-ia (e/ou recusar-se-ia) em ser definido por duas sílabas: Mas como me impediria essa ambiguidade, se eu respondi a uma coisa e outra? Com efeito, o homem é inteiramente homem; essas duas sílabas não são senão duas sílabas; e aquilo que significam não é senão a realidade existente. Maria Leonor Xavier – autora da introdução e comentários –, quando se refere à ordem da linguagem em «O Mestre», está em poder parecer que a discussão em torno das palavras não passe senão de uma digressão preliminar à apresentação do seu principal teor: a doutrina do Mestre Interior. Todavia, e ainda segundo a ilustre catedrática, a investigação conduzida sobre a função significante das palavras proporciona-nos mais do que um exercício propedêutico das forças do espírito, na medida em que descobre elementos de uma ordem racional da linguagem. E prossegue: entre esses elementos, destacam-se duas regras de linguagem que regem a função de significação das palavras: a regra da nominação e a regra da comunicação. Por aquilo que apreendemos em Santo Agostinho, a regra da nominação (podem significar nomeando) não é tão evidente como a regra da comunicação (uma regra do pensamento). Por isso, mais importante que as palavras é o conhecimento, sendo que as palavras ao serem meramente remissivas, estimulam-nos apenas o conhecimento e só têm valor em função do mesmo. Por outras palavras – com as devidas desculpas pela redundância –, e ainda segundo o que apreendemos, se não houver um conhecimento prévio, as palavras não têm valor. No fundo, as palavras só servem enquanto instrumento das coisas. Ao constatarmos com “realidades conhecidas sem sinal” em Santo Agostinho, concluiremos que é possível conhecer as coisas à letra sem a contaminação da linguagem. Para ele, o poder da palavra reside não nela própria, mas na realidade mesma da qual ela é sinal.
  

Com a envolvência dicotómica, introduz-se assim a necessidade em distinguir quando uma palavra é pensada apenas segundo o som ou letras pelas quais se forma, ou quando é pensada pela realidade que significa. Imbuídos da noção dessa mesma dicotomia, estaremos em concordar com Maria Leonor Xavier quando afirma que “O Mestre” é, ademais, um diálogo que conta com um interlocutor muito especial, o filho adolescente de Santo Agostinho, Adeodato: Tópicos gramaticais são naturalmente acessíveis a Adeodato, embora o diálogo pretenda exibir a sua instrução disciplinar do que manifestar as suas qualidades filosóficas, de acordo com os novos propósitos pedagógicos que animar o autor. Se Adeodato assevera que apenas se deve responder ao que as palavras significam, Santo Agostinho afirma-se pela distinção clara entre as palavras e/ou a sua função gramatical e a realidade que esses sinais significam: Para omitir outras razões, se a minha primeira pergunta a tivesses tomado toda pelo aspecto das sílabas que soam, nada me terias respondido; efectivamente poderia até parecer-te que também eu nada tinha perguntado. Agora porém, quando eu fiz ressoar três palavras, uma das quais repeti ao inquirir – se homem é homem – que a palavra central e a final não as tomaste segundo os sinais mesmos, mas segundo a realidade por elas significada, é manifesto mesmo só por isto, que imediatamente julgaste dever responder à pergunta, certo e confiante – citamos Santo Agostinho.
Parafraseando Maria Leonor Xavier, estaremos em afirmar que através das palavras, não só se atribuem denominações como também se pode dizer ou chegar à verdade. Segundo a mesma autora, essa relação entre o discurso e verdade requer uma mediação pelo processo do conhecimento. Não é por acaso que graças às investigações filosóficas de Ludwig Wittgenstein, Santo Agostinho é conhecido como tendo escrito sobre a filosofia do tempo e da linguagem. Para se perceber melhor a noção entre sinais e realidades em Santo Agostinho, tomaremos em referência a abordagem que Peter J. King faz a propósito do conceito de linguagem neste “douto” da Igreja Católica: A sua abordagem da linguagem está de acordo com o modelo do período, envolvendo o pensamento de que as línguas humanas fazem duas coisas: servem para representar ideias e pensamento e representam a estrutura dos pensamentos, na medida em que estes são «vozes internas» em si mesmos em qualquer língua, que são tornados públicos pelas nossas verbalizações linguísticas. [...] A linguagem [em Santo Agostinho] consiste no último tipo de signo, cuja natureza é totalmente convencional. Aquilo que exactamente se passa na mente muda no decurso do pensamento de Agostinho e não é fácil de determinar.
Tendo em atenção a necessária separação entre sinais e realidades e em resposta à interpelação de seu filho Adeodato, quando lhe pergunta “porque nos fere então o espírito quando se diz – portanto não és homem – uma vez que segundo o que foi admitido, nada de mais verdadeiro se podia dizer?”, Santo Agostinho apela para a necessidade dessa mesma distinção (e/ou necessária separação) afirmando que porque não posso deixar de supor, apenas soam tais palavras, que a conclusão se refere ao que é significado por essas duas sílabas, em virtude daquela lei que tem muita força na ordem da natureza, a saber, que ouvidos os sinais, o pensamento se dirige para as coisas significadas – citamos.
Para concluirmos da melhor forma o pretenso comentário (diríamos antes, devaneio) ao capítulo VIII d’O Mestre, citaremos António Soares Pinheiro, a dado momento da introdução ao referido diálogo, inserido em Opúsculos Selectos da Filosofia Medieval quando nos diz: “Analisando o mundo do conhecimento, havia já distinguido em O Mestre duas categorias de verdades, as sensoriais e as inteligíveis. Interiorizando-se mais na consciência, descobre entre as verdades inteligíveis as «verdades eternas», último e irredutível fundamento de toda a verdade e certeza”. Segundo o mesmo autor, Santo Agostinho não foi apenas buscar à consciência as certezas fundamentais; o verdadeiro objecto da filosofia ficou sendo para ele a mesma consciência, cujas profundidades e mistérios competia à inteligência desvendar.

Hoje, infelizmente, as palavras, a linguagem, os sinais e a realidades, são dados ao homem para dissimular vulgaridades, levando à adversidade e à resignação!   

Friday, February 21, 2014

“N-COOLTURA” proporciona visita guiada ao Castro de Roques!...

“A vontade enérgica é uma esperança meia realizada”

Camilo Castelo Branco

Foi com uma “vontade enérgica” que participamos no último dia das jornadas culturais do “N-COOLTURA”, projecto cultural protagonizado, de forma pioneira, por três freguesias vianenses do vale do Neiva: Vila de Punhe, Mujães e União de Freguesias de Barroselas e Carvoeiro, sendo que as autarquias envolvidas compreendem a importância da cultura no desenvolvimento intelectual do indivíduo e da comunidade e, nesse sentido, assumem o compromisso de desenvolverem, até 2017, diversas actividades circunscritas ao mesmo projecto. Segundo nos apercebemos, embora o projecto seja marcadamente de âmbito cultural, numa visão integrada e complementar, admite a possibilidade de outros temas serem expostos, como, por exemplo, o ambiente, o desenvolvimento, a educação e o desporto. Há a realçar o facto de o Núcleo Promotor do Auto da Floripes ter tido um papel importante nesta fase inicial deste mesmo projecto que, enquanto projecto didáctico, se pretende aberto e multi-participativo, obrigando “a uma ligação umbilical com a comunidade escolar e a um contínuo envolvimento do rico tecido associativo e institucional que abrange as três comunidades” – citamos, dos objectivos do “N-COOLTURA”.


Imbuídos pelo espírito de cooperação, ainda que como mero espectador, preenchemos a parte da manhã de 15 de Fevereiro de 2014 (Sábado), ouvindo Alexandre Parafita, Professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, escritor e investigar, através de uma excelente palestra subordinada ao tema “Tradições, lendas e mitos: o que vale o património imaterial de um povo?”, indo ao encontro do “slogan” destas jornadas culturais: «O IMATERIAL E O PATRIMÓNIO LOCAL». Excelente dissertação, complementada com uma exposição filatélica: «O património do Vale do Neiva» e a leitura da “Lenda do Santinho”, da autoria da jovem estudante Andreia.

Da esquerda para a direita: Manuel Rego, Tarcísio Maciel, Porfírio Silva, António Costa e Manuel Ribeiro

Da parte de tarde, rumamos até à acrópole do Castro de Monte de Roques, povoado fortificado com ocupação da época do ferro, de planta ovalada, constituído por cinco cinturas de muralhas, com cerca de seis hectares, tendo em alguns troços aproveitado para a defesa o declive natural do terreno. Noutras zonas, como por exemplo no sector N., parece que as muralhas eram reforçadas. Casas de planta circular, com pavimento de terra batida e fogueira central; alguma delas têm aparelho exterior distinto do interior e ficam junto a um arruamento lajeado com conduta lateral para a água. Dentro da primeira cintura de muralhas existe uma fonte de mergulho, bastante obstruída; o Penedo do Galo e o da Pegada do Santinho, cavidades que deram aso à lenda de São Silvestre e seu cajado; e a tão conhecida Boca da Serpe que foi, segundo tradição, a entrada da cisterna onde os castrejos se abasteciam de água, qual “visita pedagógica”, magistralmente guiada pelo Arqueólogo Tarcísio Maciel, nos faria recordar o grande vulto do vale do Neiva, Leandro Quintas Neves (1895-1972), os seus trabalhos, assim como as comunicações apresentadas em vários congressos nacionais e internacionais sempre bem acolhidos, tanto pela oportunidade como pela sua qualidade. Toda esta região, Leandro Quintas Neves palmilhou de uma forma incansável registando todos esses passos ao ínfimo pormenor, com a mestria que lhe era peculiar, transpondo para os seus trabalhos toda a envolvência que caracteriza e enforma o «modus vivendi» do homem alto-minhoto. Escreveu um dia o Coronel Alberto Sousa Machado, a seu propósito: «Como escritor, apesar do seu muito saber, foi um modesto sem qualquer presunção ou vaidade. O seu carácter de uma honesta sinceridade vincada tanto o seu proceder nas relações humanas como os seus escritos fruto de um estudo meticuloso e persistente. É essa faceta característica de todos os seus escritos no ramo das ciências a que se dedicou, a arqueologia e a etnografia». E como bem recordaria Tarcísio Maciel, foi Leandro Quintas Neves o pioneiro, que trouxe até nós, desenterrando do passado, o Castro de Roques. À acrópole desta grande “metrópole” castreja, guiados pela grande mestria de Leandro Quintas Neves, subiram grandes vultos da arqueologia e da etnografia de então, tais como: Coronel Sousa Machado, Abel Viana, Prof. Doutor Santos Júnior, Tenente Coronel Afonso do Paço, José Rosa Araújo, entre outros.

E porque, ao falarmos do nosso passado, estamos a falar do nosso futuro, já não era sem tempo de começarmos a ter mais respeito pelo património (material e imaterial) da nossa região, de modo a acreditarmos num futuro melhor e proficuamente COOLtural!

Monday, February 17, 2014

Rousseau: do pecado do paraíso, ao paraíso sem pecado

“Rousseau introduziu uma dimensão qualitativa à heterodoxia religiosa da época, tornando-a mais organizada, agressiva e perigosa”

Fernando Augusto Machado

Foi através da obra «Rousseau em Portugal», do Professor Doutor Fernando Augusto Machado, catedrático jubilado da Universidade do Minho, o qual tivemos o prazer de conhecer e com ele aprender, que encontramos o condimento necessário à apreciação do terceiro capítulo dessa mesma obra – «Antropologia: do pecado do paraíso, ao paraíso sem pecado» – e que, ao mesmo tempo, nos levou a questionar até que ponto podemos encontrar razões, ao tempo, que demonstrem causas dos poderes político e religioso em Portugal, para temerem as obras de Rousseau. Se tomarmos em linha de conta que, como afirma o autor na introdução, com Rousseau não se pode privar sem paixão, independentemente do sentido que a oriente: pelo seu génio, pelo relevo alcançado, pela diferença, pela controvérsia, pela provocação, pela “loucura”, facilmente depreenderemos que muitas teriam sido as razões que levaram os poderes político e religioso em Portugal, a temerem as obras e, sobretudo, o pensamento de Rousseau.
Começando pelo desclassificado «Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens» – sendo que o concurso a que Rousseau se propôs com esta obra foi ganho por Grosley que defendeu exactamente a mesma tese de Rousseau –, discurso esse que acabou por lhe valer o título póstumo de fundador das ciências do homem. Sobre o pretexto do elemento lei natural Rousseau vai construir a sua teoria antropológica: Sendo o homem o elemento de convergência central do pensamento rousseauniano e, nessa sequência, o que lhe dá unidade, vai ser também a sua teoria do homem o núcleo mais fecundo de controvérsia e de definição de ataque dos seus opositores. De facto, o entusiasmo pela História Natural assente na construção da ideia de homem como criatura da natureza, como elemento integrado na grande cadeia natural dos seres, levaria ao furor da produção e das leituras, de que é exemplo a Histoire Naturalle de Buffon, obra que viria a merecer a ira condenatória da Faculdade de Teologia de Paris, em Janeiro de 1751, e que fez nascer uma retratação estratégica do autor, publicada em Março de 1753 no IV volume da obra. A teoria do homem natural de Rousseau vai no sentido de um referencial qualitativo relativamente ao naturalismo da época, dado que mais que definir ou conhecer a história do homem natural, o mesmo filósofo propõe que se realize uma nova religião, uma nova educação e uma nova moral. Segundo Fernando Machado, é através desta projecção prática para uma nova política que reside a dimensão mais revolucionária de Rousseau e através da qual germinaram com maior fecundidade – aquilo que Fernando Machado chama – as sementes da violência que em vida o perseguiram e depois o anatemizaram: Neste sentido, trata-se de uma teoria que vale sobretudo pelo não dito, pelas implicitudes que se escondem na “quimera” e que se manifestam a posteriori. Daí as frequentes leituras ingénuas dos que se movem apenas nas patências dos conteúdos, julgados como criação da bizarria ou loucura de um espírito fraco que se entretém a insultar a humanidade!


De notar ainda que, para este ilustre catedrático da Universidade do Minho, o paradigma antropológico rousseauniano afasta-se radicalmente dos padrões existentes a três níveis: nas perspectivas metodológicas da sua construção; nos pressupostos e na definição da essência do seu objecto, a natureza humana; nos objectivos que pretende servir. Na metodologia de construção, Rousseau pretende adoptar uma metodologia de teor genético na busca da natureza originária, de forma a descortinar a verdadeira essência do ser, ou seja, a sua natureza, perspectivada no desenvolvimento histórico-social do homem, em detrimento do paradigma bíblico do homem perfeito da criação: Através desta teoria do homem natural, Rousseau atribui ao indivíduo homem um conjunto de atributos ou “direitos” que são anteriores à sua realidade social e que são insusceptíveis de modificação sem que isso determine a mudança da própria essência. Por outro lado, para este mesmo filósofo, o conceito de natureza do homem nada tem a ver com o conceito de homem natural, sendo que ao primeiro lhe é inerente uma compreensão muito mais alta, substantivada através de potencialidades inactuais ao segundo, como sejam, entre outras, a razão, a sociabilidade e a linguagem. Perante estas perspectivas, fácil será constatar o incómodo para os detentores dos “padrões morais” existentes na época.
Não admira nada toda esta controvérsia, dado que Rousseau carregava o conceito de realismos e positividades, remetendo o estado da natureza para uma natureza desdivinizada: Apresentando disponibilidades potenciais constitutivas de manifesta superioridade, o homem da natureza assentava, todavia, numa base próxima da animalidade em termos de disponibilidade actual, nomeadamente no que respeita à racionalidade. Substituindo a racionalidade pela liberdade e perfectibilidade da espécie, Rousseau acabou por projectar o homem numa historicidade incompatível com o Génesis. Por exemplo, o mesmo filósofo considera a família como o mais antigo grupo societário e o único natural: Só que a sua constituição não é fruto do princípio actuante de uma sociabilidade natural. É antes instrumento ao serviço de uma necessidade vital inerente ao princípio de conservação da espécie e do indivíduo. Outro facto a realçar, enquanto que para a ortodoxia cristã o estado de corrupção obrigava a uma mudança de sentido no desenvolvimento humano, ou seja, implicava a definição prévia de metas e fins exteriores ao próprio homem, para as doutrinas naturalistas foram firmando o princípio do desenvolvimento espontâneo com ou sem intervenção divina: A conjugação deste último aspecto depurado da intervenção imediata do divino com o princípio da bondade natural permitiu a Rousseau a elaboração de uma antropologia não finalista e liberta de qualquer orientação transcendental.
Por estas e outras razões, facilmente constataremos que Rousseau foi um nome que marcou a modernidade, quer no campo antropológico, político, ou mesmo religioso.

E Portugal não fugiu à regra!   

Saturday, February 15, 2014

Fonseca Alves publica “Memórias de Guerra”!...

“(…) um livro, sem dúvida, cheio de interesse não só para os participantes na narrativa, pois vão ter a possibilidade de recordar bons e maus momentos da sua juventude em solo africano, mas também para terceiros eventualmente interessados em conhecer um pouco da História recente de Portugal no que se refere à dita guerra colonial”

Célio Rolinho Pires

Conhecemos há cerca de duas décadas o bom amigo Fonseca Alves, através desse maravilhoso antídoto que se chama poesia, e de dois amigos comuns, infelizmente desaparecidos do nosso meio físico: Júlio Evangelista e Manuel Parada. O início da nossa amizade – por certo perpetuada até ao definhamento do templo físico da nossa alma – foi selado com a amável oferta da sua obra discográfica «Ex-líbris da Poesia Portuguesa», na qual Júlio Evangelista, em jeito de prefácio, o apresenta da seguinte forma: «Homem culto e declamando como ninguém, Fonseca Alves foi o introdutor em Portugal de Omar Khayyam – sábio e poeta da Pérsia antiga – não só quanto à declamação e ao seu lançamento discográfico, mas ainda através de recitais, saraus culturais, da realização de palestras e entrevistas à comunicação social. A sua arte é perfeita. Voz timbrada com correcção, modulações cativantes e por vezes subtis, os versos na sua voz transformam-se ou em gritos de alma, ou em sussurros de amor, águas versejando nos córregos, ondas lambendo as praias de espuma, brisas ciciando segredos (…)». Retrato fiel e coerente, que nos leva apenas a acrescentar o facto de ter sido da Polícia Judiciária e exprimir as suas convicções políticas por um assoberbado e/ou coerente nacionalismo (envolto num bem vincado princípio de carácter, princípio esse hoje tão mal tratado e descaracterizado pelas “libelinhas” e “vendilhões do templo”, na política da globalização), o que faz aumentar a nossa admiração por si.
Hoje, estamos aqui para falar das «Memórias de Guerra do Ultramar» do lado menos poético de Fonseca Alves, já que se trata de uma obra da sua autoria, editada pela “EDIÇÕESECOPY”, onde – e parafraseando Célio Rolinho Pires – nos oferece um produto “de alguém bem preparado de um ponto de vista cultural e a escrita que nos apresenta é escorreita, sadia, aliciante, bem estruturada, por vezes bem-humorada e até vernácula, em certo sentido. É de referir, em abono da verdade, que o Fonseca Alves conhece bem os meandros da literatura, sobretudo da poesia, sendo, aliás, declamador bem conhecido nos circuitos ligados às artes e ao teatro. Mas também, e no tocante à História, chegou a ter a seu cargo, penso que sobre a História Antiga, programas de apresentação semanal de larga audiência, em algumas rádios locais do Norte. Portanto, este livro que ora sai, pese embora a temática específica da guerra, é sem dúvida um trabalho bem estruturado de um ponto de vista formal, mas também semântico, sintáctico e, até, estilístico-literário (…)” – Assim, textualmente… Para quê inventar, se nos revemos nas palavras do prefaciador?
Mesmo assim, que nos perdoem o autor e o prefaciador, não queríamos deixar de arriscar uma “leitura pessoal”, assente na nossa sensibilidade estética, revestida de uma humildade calma e prudente, numa tentativa de equilíbrio e bom senso, por forma a não cairmos na “presunção” de nos alvorarmos em crítico literário. Nesse sentido, atrevemo-nos a afirmar que estamos perante uma obra magnífica, realista, sem distorções, dissimulações ou falsos heroísmos, o que nos leva a emprestar-lhe as palavras de Amadeu Torres (Castro Gil), a propósito do nosso “Chamaram-me Muxicongo”, porque bem lhe assenta como uma luva: “Não foi, com efeito, o desejo de agradar que lhe moveu a pena, até porque algumas verdades podem amargar. Escreveu, sim, para o mundo, para a história. São estas abordagens que possibilitarão um dia as grandes visões de conjunto, nas quais a imparcialidade e objectividade ressaltarão finalmente por sobre todas as ambiguidades e desmemórias que teimam ainda impor-se-nos ou impingir-nos”, da África minada pelas intrigas e interesses ocultos de países hipocritamente amigos, e da “parafernália militar fornecida por aqueles cujos tiranetes disfarçados de vendedores de banha de cobra pretenderam submeter o mundo às super-ditaduras” – aqueles soldados negrilhos, que não desertaram quando o podiam ter feito, mantiveram-se fidelíssimos nas fileiras do Exército Português, porque enquanto portugueses de Moçambique, mais patriotas do que alguns da Metrópole, quiseram servir uma África Lusíada, um Portugal de Portugal (p. 29) –, bem visíveis nos tempos que correm, diremos nós.


Este livro descreve de uma forma tão genuína, diríamos até peculiar, lugares, cheiros, trilhos de picadas, matizes de amarelo e verde do capim, as lonjuras do planalto, a aurora a raiar até ao crepuscular vespertino, estádios psicológicos de patriotismo, refractários e desertores, o sentido do dever cumprido, comprometedoras condutas, sentidos bem apurados, indícios de fanfarronice, silêncios aterradores, copiosas chuveiradas debaixo do bidão, concomitância sonora de granadas, sensibilidade no gatilho, voos de reconhecimento, presteza e determinação à voz do comando, soldados desfalecentes e espojados no solo, ataques a aquartelamentos, estar no mato e bater-se com denodo e portuguesismo, falsos conceitos de valores e hodiernos heroísmos, missões extremamente arriscadas e quase infactíveis nos matos agrestes, guerra selvosa e vulpina onde não se distingue o trivial quotidiano, a distribuição de um quarto de casqueiro com chouriço (divinal, enlatado e conservado em azeite, que ainda hoje faria sorrir muitas famílias), a suplicação a Nossa Senhora dos Aflitos, etc., etc., complexo lexical em que devíamos, de contínuo, ter usado aspas, visto que extraído dos textos. Nada aqui é inventado.
Um bem-haja para a editora e para o bom amigo Fonseca Alves, pelo testemunho dado em prol do verdadeiro curso da História.

Nota máxima!            

Tuesday, February 11, 2014

Procura dos sinais de consciência

“Os espíritos medíocres condenam sistematicamente tudo quanto está acima da sua compreensão”

La Rochefoucauld

Só porque tivemos uma semana extremamente negativa, ao ponto de um amigo/irmão – apesar da sua formação em medicina – se ver confrontado com um problema de causalidade mental, a merecer da nossa parte o recurso à interpretação e indiscernibilidade da obsessão pelo suicídio, colocando-nos perante três interrogações pertinentes, que remontam ao tempo em que deambulávamos por obrigação, à volta da “Filosofia da Mente e Cognição”: Como identificar a influência causal? Quais os sinais que revelam essa influência causal? Se essa influência causal existe, como denuncia a sua presença?
Comecemos pela imagem científica do mundo. Torna-se bem claro que todos dependem de uma imagem científica do mundo. O mapa do problema de William James, por exemplo, é claro na indicação do curso da acção. Duas histórias correm lado a lado com fidelidade: Uma das histórias só tem sentido contra a outra se exercer uma função útil. A sequência de pensamento jamesiano pode ser melhor compreendida pelo fim. Suponha-se que, de facto, existe uma influência causal da consciência no sucesso biológico dos indivíduos. Será que o que importa é a identificação dos sinais da consciência? Para Manuel Curado (UM) – fazendo nossas as suas palavras –, há quatro pontos a ter em conta: 1 – A manutenção de um registo de memória ao longo do tempo de vida do indivíduo é um início da presença da consciência; 2 – Os indivíduos biológicos em que a distinção entre dor e prazer é conspícua têm mais probabilidades de sobrevivência do que os indivíduos em que essa distinção é inexistente; 3 – Um nível X de complexidade organizacional dos cérebros é condição suficiente para identificar a presença da consciência; e, por fim, 4 – Os sentimentos de paixão amorosa revelam a influência causal da consciência na vida dos sujeitos.


O problema jamesiano da procura de sinais da eficiência causal da consciência não está encerrado numa colecção finita de situações padronizadas. Assim, a referência aparentemente excepcional do ser humano adulto consciente é um esquema de interpretação da presença da consciência entre muitos outros esquemas. Uma coisa é certa, se optarmos por um princípio racional, facilmente concluiremos que não existe nenhum princípio dessa natureza a partir do qual se possa avaliar todas as situações de identidade entre sujeitos conscientes (autistas vs. pacientes da síndrome do locked in, lobotomizados vs. microcéfalos, professores universitários vs. apanhadores de coral, etc.) e entre estados de consciência (depressão vs. alegria, sonho lúcido vs. insónia, actividade racional vs. vergonha, etc.). A haver esse princípio, ele teria que ser interpretado. Por isso, o resultado da procura dos sinais de consciência é ambíguo. Ou seja, partimos do que é suficientemente bom para poder ser interpretado como consciente (Ex: quando alguém toma uma atitude socialmente reprovável é característica a expressão – És um inconsciente!) e reforça-se no que é indiscernível de uma experiência subjectiva que se toma provisoriamente como padrão (a do próprio sujeito) – Para nós, hoje, é indiscernível a corrupção e prática da Inquisição; a pena de morte; a escravatura actual, etc.
E porque andamos absorvidos pelas fragilidades do nosso amigo/irmão, diremos que as experiências subjectivas de um único sujeito são constantemente interpretadas e comparadas e, também a seu respeito, não existe um critério absoluto (Ex: uma coisa é aquilo que eu sou, outra coisa é aquilo que julgo que sou. Se eu não me conheço em função da minha consciência – e/ou equilíbrio pessoal –, como poderei desenvolver a minha urbanidade desde a família à sociedade?). Um indivíduo para que possa saber que está consciente tem que identificar sinais e essa é uma actividade em linha de continuidade com processos como o da identificação de rostos de pessoas suas conhecidas. Conteúdos parciais da consciência, como actividade racional, sonho, depressão, ou sentimento amoroso, são interpretados e os seus sinais não são tão evidentes que não necessitem de um inquérito racional (Sonhar é um estado da consciência – por isso é que há a interpretação imediata dos sonhos). A apreensão que a consciência faz de si mesma para ser tão imediata que não necessita de processos de interpretação de sinais. Uma das características principais da consciência é a da verificação de inconsistências nas avaliações de identidade, seja a própria, seja a de outros seres humanos. Ter sensações subjectivas significa, entre muitas coisas, que alguns sinais, eventos, estruturas e conteúdos, são interpretados como fazendo parte do si mesmo e outros como não fazendo parte do si mesmo.
 Outro facto a ter em conta é que, no dizer de Manuel Curado (Obsessão Ocidental: o problema da causalidade mental), o elemento comum à normalidade e à patologia é a possibilidade do erro que acontece na interpretação de sinais ou indícios. O ponto interessante é o de que todos têm de fazer interpretações porque o referente da palavra que utilizam – “consciência” – não pode ser acedido sem a actividade de interpretação. O grau mínimo da interpretação começa por ser a observação, isto é, o ponto em que se contacta com o objecto a interpretar. Não há interpretações universais tal como não há actos de observações neutros.

Nesse sentido, escusar-nos-emos a interpretações e indiscernibilidades, e manteremos uma atenção redobrada à actividade racional do nosso amigo/irmão, mesmo quando de um médico se trata!   

Friday, February 07, 2014

“In perpetuam rei memoriam” de João Roriz!...

“O homem culto é razoável para com os outros, compreensivo, correcto, bem-educado, atencioso. Em resumo: Um homem no sentido mais elevado da palavra”

Montapert

Foi num dos dias (terça-feira, 28 de Janeiro de 2014) em que fomos visitar, ao Hospital Distrital de Viana do Castelo, o nosso amigo/irmão Gualberto Boa-Morte Galvão, ilustre artista da fotografia da nossa praça, que ouvimos da sua boca a triste notícia do passamento, às sete horas desse mesmo dia, do seu (e nosso) particular amigo de longa data João José Roriz, um vimaranense que sempre teve o coração preso a Viana do Castelo.
Já uma vez o havíamos escrito – A Aurora do Lima, Ano 149, N.º 38, 21 de Maio de 2004 –, que enquanto ficamos agarrados ao sentimento de “autodestruição”, dizendo, por tudo e por nada, mal da terra que nos viu nascer, outros deixam-se encantar pelo bucolismo do “verde mais verde” e pelo branco caiado das capelinhas deste Alto Minho granítico, hospitaleiro e encantador. E se, eventualmente despertamos para esse sentimento, culpabilizando terceiros pela nossa falta de “auto-estima”, por certo que alguma dessa aguçada predisposição maleficente não pode ser imputada nem assentava na personalidade do bom amigo e artista de fotografia, João José Roriz. Este ilustre empresário vianense (deixem-nos que assim o consideremos), apesar de ter nascido na cidade berço de Guimarães, na Rua D. João I, a 28 de Maio de 1933, tinha o coração preso a Viana: Viana é a menina dos meus olhos!
 Era da idade de nosso pai (desencarnado há três anos) o que justifica, logo à partida, uma certa empatia. Contudo, a recordação mais remota, advém-nos aquando, em terras do Congo e Zombo (Angola), nosso pai receberia a nossa primeira fotografia da “praxe”, no áureo florescer dos três anos de idade... Dali a seis meses partiríamos para sua companhia, trocando o Lima das lampreias pelo Luidi dos jacarés, fazendo-nos acompanhar pela foto assinada “Roriz Viana”. Estávamos em 1959!

João Roriz no programa «Café Nocturno» (Radio GEICE), com o autor desta crónica e o inesquecível Lucilo Valdez

Mas, voltemos ao amigo João Roriz: Após a conclusão do ensino primário, tinha no seu horizonte um ingresso no ensino superior caso, ao dez anos de idade, não ficasse órfão de pai, o que obrigaria, sendo o filho mais velho de três irmãos, a trabalhar para poder sustentar a casa. É em Guimarães que começa a trabalhar como marçano, na altura no – talvez – melhor estabelecimento comercial da região – Casa dos Linhos e Atoalhados «Teixeira d’Abreu». Simultaneamente frequentou a Escola Comercial e Industrial «Francisco da Holanda» no Curso Comercial nocturno.
Veio para Viana do Castelo há mais de sessenta anos onde ingressou no ramo da fotografia de seu tio «Foto Roriz», profissão essa que, felizmente para todos nós, viria a ser exercer por muitos e longos anos.
Estabelecido por conta própria no mesmo ramo há mais de cinquenta anos acumulou, em tempos, ainda a função de “correspondente-operador” da «Radio Televisão Portuguesa» (RTP), para o distrito de Viana do Castelo, durante 22 anos. Foi ele um dos principais responsáveis pela criação das delegações da RTP e do IAPMEL, sempre acompanhado por diversos membros do Governo, e atendendo aos serviços prestados à comunidade, no seu primeiro mandato de três anos como presidente da então «Associação Comercial de Viana do Castelo» (ACVC), com extensão aos concelhos de Caminha, Vila Nova de Cerveira, Paredes de Coura e Valença, é atribuída à referida associação pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, a medalha de ouro da cidade.
Foram muitas as instituições que conheceram a sua dinâmica – ora como presidente da direcção, conselheiro ou como membro de um outro órgão directivo –, das quais destacamos o «Rotary Club de Viana do Castelo», o «Viana Taurino Club», a «Comissão Regional de Turismo», a «Junta Autónoma do Portos do Norte» (JAPN), a «Comissão Regional da Segurança Social» e a «Federação do Comércio Retalhista Português». Para além disso foi vogal da «Defesa Civil do Território», da «Comissão de Trânsito», da «Comissão de Festas de Viana do Castelo» e da «Comissão Administrativa do Sport Clube Vianense» (SCV). Foi, também, um dos sócios fundadores da «Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo».
João Roriz sempre soube repartir o seu tempo em apoio às instituições atrás referidas e encontrava ainda energias para dirigir (ou colaborar) as festas de Carreço, servindo a Junta de Freguesia, onde tinha a sua residência, há cerca de 40 anos. Era casado com a D. Maria Elisete, professora do Ensino Básico.
Este Homem que tinha por lema “dar de si, antes de pensar em si”, talvez ainda não tenha sido reconhecido, como devido, pelos serviços prestados à região, quiçá ao país. Na altura em que era “correspondente-operador” da RTP, ainda se falava, pela positiva, de Viana, a menina dos seus olhos...

Bem-haja, amigo João Roriz e até sempre!                 

Monday, February 03, 2014

Jean-Paul Sartre e a natureza humana

“Os homens. É preciso amar os homens. Os homens são admiráveis. Sinto vontade de vomitar – e de repente aqui está ela: a Náusea. Então é isso a Náusea: essa evidência ofuscante? Existo – o mundo existe -, e sei que o mundo existe. Isso é tudo. Mas tanto faz para mim. É estranho que tudo me seja tão indiferente: isso me assusta. Gostaria tanto de me abandonar, de deixar de ter consciência de minha existência, de dormir. Mas não posso, sufoco: a existência penetra em mim por todos os lados, pelos olhos, pelo nariz, pela boca…”

Jean-Paul Sartre

Esta semana discutíamos com um amigo de longa data – autodidacta, que se dedica ao conhecimento científico da identidade cultural dos seus símbolos, cultos e rituais, complementado com estudos científicos de toponímia –, a possibilidade fraudulenta, segundo ele, da teoria freudiana do determinismo psíquico (consciente, pré-consciente e inconsciente), e lembrar-nos-íamos logo de Jean-Paul Sartre, quando o mesmo nega que haja uma “natureza humana”, afirmação pela qual rejeita o existencialismo de cunho generalizado. Para ele, a existência do homem precede a sua essência, que o mesmo será dizer que não fomos criados com nenhum objectivo, nem por Deus nem pela evolução nem por qualquer outra coisa. A asserção central da condição humana é, naturalmente, a liberdade humana. Para Sartre a liberdade reside na consciência de que existimos e termos de decidir o que fazer de nós mesmos. Apesar disso não pretende negar a existência de certas propriedades universais inerentes à sobrevivência, como é exemplo, a necessidade de comer.
Para chegar à asserção central da liberdade humana, o filósofo francês, parte de uma distinção radical entre a consciência (o ser-para-si), e os objectos não conscientes (o ser-em-si). Ainda, segundo ele, este dualismo básico é evidenciado pelo facto de que a consciência – sendo que a mesma está sempre consciente de si mesma – tem necessariamente um objecto, que é sempre consciência de alguma coisa que não é ela própria, sendo necessário distinguir entre ela própria e o seu objecto. Esta interacção liga-nos à nossa própria capacidade de fazer juízos a respeito desses mesmos objectos. Envolto em afirmações obscuras como «O nada reside enovelado no coração do ser – como um verme», Sartre faz jogos de palavras “desorientantes”, de que é exemplo também a máxima da “existência objectiva de um não-ser”. Segundo ele, a capacidade de conceber a negativa constitui a liberdade de imaginar outras possibilidades, a liberdade de fazer uma suspensão de juízo. O poder de negar é, por assim dizer, o mesmo que as liberdades de pensamento (imaginar possibilidades) e de acção (tentar realizá-las)... Ser consciente é ser livre!


Ao sustentar que a consciência é necessariamente transparente para si mesmo e que todo o aspecto das nossas vidas mentais é intencional, escolhido e de nossa responsabilidade, o filósofo francês contradiz a teoria freudiana do determinismo psíquico. No seu Esboço de uma Teoria das Emoções, Sartre afirma que as emoções não são coisas que nos “assolam” mas maneiras pelas quais apreendemos o mundo. E dá alguns exemplos em como somos responsáveis pelas nossas emoções e pelos traços duradouros da nossa personalidade – ao afirmarmos que as uvas de um cacho estão verdes, quando fora ou na impossibilidade de as alcançar –, sendo que a nossa liberdade e, consequentemente, a nossa responsabilidade, se estende a tudo que pensamos e fazemos.
Tomando como referência Kierkegaard, convenhamos em referir que Sartre usa o termo “angústia” para descrever a consciência da própria liberdade. Segundo o mesmo filósofo, a angústia não é o medo de um objecto exterior, mas a consciência da imprevisibilidade última do próprio comportamento.

Jean-Paul SARTRE alerta-nos para o facto de ao encararmos má-fé como tentativa de fugir da angústia, a mesma acaba por se nos revelar numa “fuga” ilusória, dado que a nossa própria liberdade é uma verdade necessária. Por isso, a angústia, a consciência da nossa liberdade, é dolorosa, e assim tentamos evitá-la. Sartre dá dois exemplos famosos de má-fé, sendo que apenas os citaremos para contextualizarmos o seu pensamento: «Uma moça está ao lado de um homem e sabe muito bem que ele gostaria de seduzi-la, mas quando ele segura a sua mão, ela tenta evitar a necessidade dolorosa de uma decisão e finge não notar» e «Um garçom que, ao identificar-se completamente com o papel de garçom, finge que esse papel específico determina todas as suas acções e atitudes». Sartre rejeita a explicação freudiana da má-fé em termos de estados mentais inconscientes.