Saturday, July 25, 2015

Cristina Valadas expõe «vida desenhada à mão» em Viana do Castelo!...

«Seus olhos, portugueses e castanhos? De gazela. E vêem com a pureza do olhar primeiro e o mundo na luminosidade do acabado de nascer, porque não pinta a realidade do que nos rodeia, embora essa realidade também possa estar presente…».

Luísa Dacosta

No sábado, 18 de Julho de 2015, na Ala Jorge Amado da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, foi inaugurada uma exposição de Cristina Valadas, artista plástica e ilustradora de renome, que vive e trabalha no Porto, tendo-se licenciado em Pintura, em 1992, pela Escola Superior de Belas-Artes da mesma cidade, e, em 1994, concluiu a pós-graduação em Design Têxtil. Expôs o seu trabalho individualmente quase duas dezenas de vezes, tendo também integrado várias exposições colectivas a partir de 1988.
Cristina Valadas, para quem «o mais importante é mesmo o momento presente e a intensidade com que vivo os momentos e a alegria que deles retiro», foi distinguida, entre outros, com o Prémio Maluda (2001). Recebeu também uma menção honrosa no Salão da Primavera (1999), o Prémio Almada Negreiros (1997), o Grande Prémio Gulbenkian de Ilustração (2000) e o Prémio Nacional de Ilustração (2007), que é, tão só, a mais importante distinção na área da ilustração em Portugal. Para além disso, Cristina Valadas tem várias obras publicadas para a infância, com especial destaque ilustrações para textos de Luísa Dacosta (“Robertices” ou “Sonhos na palma da mão”); de Jorge Sousa Braga (“Poemas com asas”); de Manuel Alegre (“Pó de Estrelas”); e de outros escritores como Valter Hugo Mãe, Eugénio de Andrade, José António Gomes, Sérgio Godinho, Álvaro Magalhães, entre outros.


Como diria Rui A. Faria Viana, Chefe de Divisão da Biblioteca e Arquivo Municipais, numa pequena cerimónia de abertura na Sala Couto Viana, a “Exposição de Obra Gráfica” é um projecto de exposições, pelo mesmo liderado, cujo tema é a obra de um artista convidado, de reconhecido valor, publicada em livros, jornais e revistas por editoras e instituições nacionais e estrangeiras, iniciado em Maio de 2013, com a exposição “diário de sombras” de Tiago Manuel (director artístico e coordenar do projecto), seguindo-se, em Janeiro de 2014, a exposição “domador de imagens” de João Fazenda, em Julho desse mesmo ano “desenhos atrás do espelho” de André Carrilho e, em Janeiro de 2015, “história natural com parafusos” de Luís Manuel Gaspar, exposição que antecedeu aquela que naquele dia foi inaugurada, “vida desenhada à mão” de Cristina Valadas.
Rui A. Faria Viana referiu ainda que o mesmo projecto, que se tem evidenciado pela sua coerência e, também já pela sua consistência, dado tratar-se da quinta exposição, que se reflecte não só na estrutura das exposições como também nos próprios catálogos. Agradeceu, ainda, ao Tiago Manuel, enquanto director artístico e coordenador, pelo trabalho realizado numa atitude de enorme profissionalismo e dedicação, e imprescindível no bom êxito deste projecto, já muito apreciado pelos vianenses e muitos visitantes.


Tiago Manuel, por seu lado, reafirmou a sua convicção, sem “rodriguinhos”, de que em Cristina Valadas não há um acto gratuito, dado que as suas mãos são um bem significativo da grande qualidade que coloca na Arte, onde tem procurado a dinâmica de vários saberes. Daí, ele mesmo ter escolhido o título para esta exposição «vida desenhada à mão», dado que, segundo Tiago Manuel, «nós os artistas desenhamos a vida à mão»; são as mãos que acariciam e sentem os objectos. Ainda para Tiago, e porque não para nós (?), Cristina Valadas, mulher que desenha com os olhos, através das suas ilustrações, nunca procurou infantilizar as crianças, mas valorizar as suas inteligências. Não é por acaso que Luísa Dacosta, a voz mais importante das mulheres que tinham voz, aquela que mais lutou contra a violência doméstica e “aplicou” a deferência ao sexo das mulheres sem cair na anedota, teve como sua grande ilustradora Cristina Valadas, dando voz a quem nos ajuda a sermos melhores pessoas: – A nossa importância reside naquilo que deixamos! – afirmação contextualizada e oportuna de Tiago Manuel, a terminar, numa aferência clara aos que vivem e actuam pela aparência na Arte, de serem sem o Ser.
Maria José Guerreiro, vereadora do pelouro da Cultura, saudou Cristina Valadas pelo facto de trazer a esta exposição a beleza e singularidade das suas ilustrações, que já perfumaram muitos livros, acrescendo ainda o facto de trazer consigo a força e a plenitude de Luísa Dacosta, a mulher que nos espanta e nos afaga com a sua escrita” – disse.
Catarina Valadas, aquando do deambular explicativo da exposição e da dinâmica dos seus vários saberes – na ilustração de livros para crianças, por exemplo, recorre habitualmente à técnica mista, combinando a pintura, o desenho e a colagem em que sobressaem temáticas associadas à fantasia e à natureza –, evidenciou a cumplicidade que sempre manteve com Luísa Dacosta, ao ponto de afirmar, alegoricamente, que ela e a Luísa Dacosta haviam casado, quase como marido e mulher. Esta cumplicidade elevou-se a tal ponto de “exigência” que Cristina Valadas, para além de criar ilustrações para os textos de Luísa Dacosta, chegou a colocar a hipótese (concretizada) de a mesma Luísa Dacosta criar o texto a partir das suas ilustrações. Foi, para ambas, uma espécie de partilha de saberes.         
Esta exposição é uma homenagem de Cristina Valadas à escritora Luísa Dacosta (1927-2015), recentemente falecida, e estará patente ao público na Ala Jorge Amado da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, até ao dia 31 de Dezembro do corrente ano. Uma exposição que se recomenda e se impõe a obrigatoriedade de a visitar.   
         Nota máxima!

Tuesday, July 14, 2015

À conversa com Afonso Reis Cabral.

Prosseguindo com a divulgação da iniciativa da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, À conversa com…, através da qual se propõe promover, em torno do livro, o diálogo e a troca de conhecimentos com escritores contemporâneos, proporcionando a oportunidade de conviver de perto com os autores e a sua obra, esteve entre nós, no pretérito dia 19 de Junho, o jovem Afonso Reis Cabral, trineto de Eça de Queiroz, o quinto de seis irmãos, nascido em Lisboa em 1990 e cresceu no Porto, Prémio LeYa 2014, com o livro «O MEU IRMÃO», já na 4.ª edição.


Este jovem/HOMEM, que escreve desde os 9 anos, publicou, em 2005, o livro Condensação, no qual reuniu poemas escritos até aos 15 anos. Publicou textos em diversos periódicos. Em 2008 ficou em 8.º lugar no “7th European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature”, entre mais de 3500 concorrentes de 551 escolas europeias e mexicanas. Foi o único português a concorrer.
Afonso Reis Cabral é licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, tendo recebido o Prémio Mérito e Excelência atribuído ao melhor aluno do curso. Na mesma instituição fez o mestrado em Estudos Portugueses com a dissertação A Orquestra Oculta – Os Estudos da Consciência e a Literatura. Foi bolseiro no Centro de História da Cultura (FCSH-UNL), onde desenvolveu investigação sobre a editora Romano Torres.


«O MEU IRMÃO» é um romance notável e de grande maturidade literária que, tratando o tema sensível da deficiência, nunca cede ao sentimentalismo, oferecendo-nos um retrato social objectivo e muitas vezes até impiedoso. Um livro feito de afectos, inspirado no agreste, não assente no descobrir, mas no criar. Para Afonso Reis Cabral, e a propósito do seu livro, a literatura vive do confronto, da imperfeição, onde toda a narrativa é visto por um narrador. Afonso Reis Cabral revelou-nos que se sente muito inseguro a escrever, mas isso é muito bom para ele, porque o obriga a reformular: – Ninguém escreve para concorrer a prémios! – disse a determinada altura.

Excelente sarau cultural, com um escritor que promete e se recomenda!




Nota à margem:Com a morte dos pais, é preciso decidir com quem fica Miguel, o filho de 40 anos que nasceu com síndrome Down. É então que o irmão - um professor universitário divorciado e misantropo - surpreende (e até certo ponto alivia) a família, chamando a si a grande responsabilidade. Tem apenas mais um ano do que Miguel, e a recordação do afecto e da cumplicidade que ambos partilham na infância leva-o a acreditar que a nova situação acabará por resgatá-lo da aridez em que se transformou a sua vida e redimi-lo da culpa por tantos anos de afastamento. Porém, a chegada de Miguel traz problemas inesperados - e o maior de todos chama-se Luciana.
Numa casa de família, situada numa aldeia isolada do interior de Portugal, o leitor assistirá à rememoração da vida em comum destes dois irmãos, incluindo o estranho episódio que ameaçou de forma dramática o seu relacionamento.   

Friday, July 03, 2015

A Europa e os sacrifícios para salvar os bancos?!...

«Se somos capazes de mobilizar milhões de euros para estabilizar o sistema bancário e temos de negociar com 28 chefes de Estado durante meses e meses por causa de seis mil milhões de euros para combater o desemprego... Compreendo os que pensam que isto não é uma sociedade justa».

Martin Schulz

Há muita gente que é muito pouco dada à reflexão sobre a sua própria condição, enquanto cidadão europeu, dessa Europa que se pauta – ou faz questão de querer parecer pautar-se – pelos princípios assentes nos valores de respeito da dignidade humana, de liberdade, de democracia, de igualdade, de Estado de Direito e de respeito dos direitos do Homem. Afirmação impressa, por convicção dos mentores do paraíso, acolchoados na retórica da mentira e da hipocrisia: Estes valores, que são enunciados no artigo I-2.°, são comuns aos Estados-Membros. Além disso, as sociedades dos Estados-Membros caracterizam-se pelo pluralismo, pela tolerância, pela justiça, pela solidariedade e pela não discriminação. Estes valores desempenham um papel importante, nomeadamente em dois casos concretos. Primeiramente, o respeito destes valores constitui uma condição prévia para a adesão de qualquer novo Estado-Membro à União, de acordo com o procedimento enunciado no artigo I -57.°. Em segundo lugar, o incumprimento destes valores pode conduzir à suspensão dos direitos de membro da União em relação a um Estado-Membro (artigo I -58.°). Constatação nossa de dissimulações, pelas palavras e não pelas acções práticas, quando “prometem” que os objectivos principais da União são doravante a promoção da paz, dos seus valores e do bem-estar dos seus povos. Artigos que se anulam uns aos outros, antevendo a imagem da “caverna” em Platão ou a “realidade medieval” do rei que vai nu.
Se somos capazes de mobilizar milhões de euros para estabilizar o sistema bancário e temos de negociar com 28 chefes de Estado durante meses e meses por causa de seis mil milhões de euros para combater o desemprego... Compreendo os que pensam que isto não é uma sociedade justa. – assim começámos, em jeito de lide, a nossa presente reflexão (chamemos-lhe assim), citando Martin Schulz.


É verdade, foi em Março do corrente ano, que o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, afirmou em Bruxelas que a Europa está a pedir sacrifícios aos cidadãos “para salvar os bancos”, defendendo que é preciso envolver os parceiros sociais e defender o modelo social europeu.
“Estamos a pedir sacrifícios aos cidadãos, aos pais, para aceitarem salários mais baixos, impostos mais altos e menos serviços. E para quê? Para salvar os bancos. E os filhos estão desempregados. Se não mudarmos isso, se não voltarmos a um tratamento igualitário e justo, as promessas feitas pela Europa não serão cumpridas”, disse Martin Schulz na conferência «Um novo começo para o diálogo social».
Na altura, Martin Schulz, num discurso de cerca de 20 minutos, referiu-se em concreto ao desemprego jovem na Grécia e em Espanha, sublinhando que “as pessoas falam de uma geração perdida na Europa” e que, “mesmo os que têm emprego muitas vezes estão presos numa espiral de estágios não remunerados e de contractos de curto prazo”. E foi mais longe, reforçando a ideia de que as “pessoas estão a pagar uma crise que não causaram e sentem que não é uma sociedade justa”, compreendendo, ao mesmo tempo, o sentimento negativo dos eurocépticos, defendendo que esta “geração perdida” não afecta só os jovens, mas também os seus pais, que “investiram a vida toda na educação dos filhos”. Martin Schulz evidenciou ainda a importância do envolvimento dos representantes dos trabalhadores e das empresas na construção de políticas e de reformas estruturais.
Sem nos pautarmos pela presunção (e, quiçá, água-benta) de nos aventurarmos pelos meandros da economia, teremos em dizer que tudo isso nos isentará de tecermos grandes comentários, dado que há muito tempo isso mesmo vem escrito no nosso livro “Baliza Trágica de Um Naufrágio”, que corre o risco de ser rejeitado por todas as “iminências”, palradoras de TV, dependentes dos bancos e dos grandes grupos editoriais, também estes dependentes dos dinheiros que são injectados nos bancos. E aqui, não estamos a falar de bancos de jardim. Atentem a uma curta passagem da nossa deambulação tágico-literária, iniciada em 2008: «E não seria necessário continuar a esmiuçar toda aquela problemática, de difícil compreensão para o mais comum dos mortais, a partir do momento em que, por sugestão de Gaspar, resolveram ver e ouvir a referida produção em vídeo, bem reconfortados no longo sofá de parede, através do portátil do João Camacho. Ali estava a compreensível articulação do dinheiro criado do nada, uma imposição do sistema bancário à sociedade como um todo, onde em vez de se encarar o dinheiro como um simples dispositivo social que se quer estável, e num formato neutro que não incorpore nenhum bem ou serviço, aparecem os juros para corromperem esse princípio, convertendo o dinheiro numa mercadoria lucrativa…». E mais não diremos, no que concerne à nossa visão europeísta. Se um dia o livro sair, estará lá tudo.
Para terminarmos, uma pequena nota de um livro que iniciamos a sua leitura, publicado, inicialmente, em Londres, em 2013, e recentemente traduzido para português: Nada nos humaniza tanto como a aporia – o estado de perplexidade intensa em que nos encontramos quando as nossas certezas se desmoronam; quando, de repente, somos apanhados num impasse, sem conseguirmos explicar o que os nossos olhos vêem, o que os nossos dedos tocam, os que os nossos ouvidos ouvem. Nesses raros momentos, enquanto a nossa razão se esforça denodadamente por apreender o que os sentidos nos relatam, a nossa aporia relembra-nos a humildade e prepara-nos a mente para verdades até então insuportáveis… (VAROUFAKIS, Yanis – O Minotauro Global: Os Estados Unidos, a Europa e o Futuro da Economia Global. Lisboa: Bertrand Editora, 2015, p. 17). Por cá, os palradores de circunstância (em palanque de TV) abstraem-se da leitura, para falarem pelo “diapasão do chefe”. Corrido o “chefe”, voltam-se para outro “chefe”. E assim sucessivamente, até se esgotarem os créditos e influências nos “corredores do poder”. A “realidade económica” em detrimento do “lirismo dos poetas”, bacorada vociferada na semana em que o vociferador é investigado por corrupção. Bem prega o Frei Tomás.  
         Boa reflexão e até para a semana!