Friday, March 28, 2014

“MJM” volta a sensibilizar para o ambiente natural da Zona Húmida da Veiga de S. Simão!...

“Ladeando as linhas de água, em charcos, brejos e/ou pauís desenvolve-se um conjunto de espécies vegetais denominadas «formações ripícolas», que dão abrigo e alimento a muitas espécies de fauna, tais como anfíbios, aves e mamíferos raros”

EIRA (Associação de Estudos e Intervenção Regional Para o Ambiente)

Já lá vão algumas décadas a esta parte que participamos em inúmeras iniciativas, através de visitas e observação de campo, com a vista à classificação da Zona Húmida de S. Simão, como Zona Protegida a nível Europeu. Daí, ao recebermos o convite do Movimento Jovem pela Mudança (MJM) para a sua brilhante iniciativa «BIO+ Conferência, Ambiente e Agricultura», iniciativa essa que teve lugar, no pretérito dia 21 de Março, na Sede da Freguesia de Mazarefes e Vila Fria, e que contou com a presença dos ilustres palestrantes: Eng.º Horácio Faria – “A Zona Húmida de S. Simão no contexto do Noroeste Ibérico”; Eng.ª Marisa Duarte – “A sustentabilidade do Ecoturismo”; Eng.º Francisco Alves e José Emílio – “O PERSU 2020 e a Resulima”; e, Eng.º André Vasconcelos – “A importância da formação para o sucesso do empresário agrícola”, prontamente acedemos a tão honrosa deferência. Comunicações perfeitas, excepcional articulação entre o ambiente, ecoturismo, tratamento de resíduos e desenvolvimento económico através da agricultura, dariam uma irrepreensível sequência ao propósito para a sensibilização ambiental, dado que a zona húmida de S. Simão é um biótopo integrante na rede nacional dos “sítios de interesse europeu para a conservação da natureza”, como fez questão de salientar o Eng.º Horácio Faria.


É evidente que não é nosso propósito desenvolver aqui, amiudamente, as intervenções, mesmo que a sistematização se pudesse encontrar num “ponto-de-fuga”, tendo em conta ao espaço disponível e/ou tolerável neste tipo de crónicas, iremos falar um pouco da “Zona Húmida de S. Simão no contexto do Noroeste Ibérico”, em anuência (precedida de uma fraterna cumplicidade) à excelente explanação do Eng.º Horácio Faria. De facto, de acordo com inúmeros estudos efectuados por instituições ligadas ao Ambiente, a cartografia geológica da área em questão, confirma-se a natureza predominantemente aluvial desta unidade física, sendo de aceitar que o actual curso do ribeiro de S. Simão (com nascente em Subportela e o contacto com leito do Lima ocorre em S. Simão da Junqueira, Mazarefes) seria no passado uma antiga margem do Lima e, dessa forma, haveria um estuário mais aberto e profundo por volta dos dez mil anos.
Com cerca de 450 ha de terrenos alagados e aproximadamente 200 ha de campos e matas dispersas e envolventes, e com uma ligação “umbilical” ao meio estuário do Lima, topograficamente, a zona húmida de S. Simão é uma planície, facilmente inundável no Inverno, em consequência da subida de caudal do rio ou de situações de cheias, possuindo locais deprimidos onde no Verão permanece uma toalha líquida adjacente ao ribeiro, como é o caso do denominado local das “Lagoas de Vila Franca”, onde foram efectuadas intervenções de grande monda (nas quais, esporadicamente, colaboramos), face à falta de civismo de alguns “psicopatas” de circunstância, que das lagoas faziam lixeira.
Tomando por base um estudo efectuado nos finais dos anos oitenta, princípios dos anos noventa, do século passado, estaremos em citar que “a água como factor do ambiente potencializou uma evolução da flora e da fauna mais diferenciada e naturalizada nesta zona húmida, na medida em que os seus terrenos alagadiços quase sempre impunham condições muito adversas para certas práticas agrícolas e culturais. Perante os esforços de humanização deste espaço, de que a tentativa de cultivo do arroz foi exemplo, subsistem ainda hoje campos de cultura (de milho, feijão, legumes e prados, de vinha, etc.), em mosaicos traçados pelo labor humano, mas coexistindo – numa aparente harmonia – e competindo com várias espécies naturais/residentes no decurso de séculos. / Ora é esta natural competição que presentemente interessa manter porque dela brotam espécies florísticas selvagens (muitas delas adormecendo no solo em forma de sementes e/ou rizomas), mas que logo despontam quando certas condições como a ausência e/ou fraca alteridade do meio pelo homem ocorre” – como tão bem corroborou o Eng.º Horácio Faria na sua excelente intervenção.


Em 1995, a EIRA conjuntamente com outras associações propôs à Câmara Municipal de Viana do Castelo um projecto de «Valorização da Zona Húmida de S. Simão e Lagoas de Vila Franca Como Espaço Para a Educação Ambiental», para efeitos de financiamento, ao abrigo do Regulamento de Apoio a conceder pelo IPAMB às ADAS’s. Tal candidatura foi objecto da devida apreciação e mereceu, em consequência, a sua aprovação oficial, através de contrato de financiamento para concretização e execução de tal projecto. Por sua vez, a Câmara Municipal, em 1996, face ao empenhamento e vontade manifestada pelas associações, elaborou um projecto de classificação da Veiga de S. Simão como área de paisagem protegida a apresentar junto do ICN (Instituto de Conservação da Natureza), sendo que este Instituto viria a manifestar a certeza de que a Veiga de S. Simão tinha um valor natural que transcendia o interesse local e regional, enquadrando-se nas áreas a proteger em termos europeus.
Em 2001, a mesma Câmara Municipal de Viana do Castelo desenvolveu um projecto cujas finalidades principais visavam a definição e o ordenamento de percursos de observação dos valores presentes nesta zona húmida; a proposta de concepção de uma sinalética para orientar os visitantes; a possibilidade de se implementar acções ou pequenas infra-estruturas de apoio à observação e/ou vigilância da área natural; e a produção de material de divulgação sobre este biótopo. Na altura, chegou-se mesmo a fazer uma sessão de esclarecimento e uma exposição na Casa do Povo de Mazarefes. Infelizmente, do papel à prática, tudo ficou em “banho-maria”.            
 Passados todos estes anos, o alerta, sem que antes tivéssemos falado a esse respeito, foi deixado pelo Eng.º Horácio Faria: “Abrem-se grandes possibilidades de no próximo Quadro Comunitário de Apoio este espaço Natural vir a ser financiado, tendo subjacente a Protecção e Valorização da Veiga de S. Simão”.
Haja vontade de reactivar velhos anseios, passando do papel à prática. Com uma infra-estrutura de raiz, aí sim, poder-se-iam fazer regressar os achados arqueológicos navais, de que são exemplo, as pirogas encontradas no estuário do Lima (século IX/X).

A articulação entre o Homem e a Natureza faria o resto!... 

Tuesday, March 25, 2014

João Cardoso Rosas e a visão político-filosófica sobre “esquerda” e “ direita”

“A ideia de «socialismo» tem sido associada, desde as suas origens, à de «comunismo», numa relação ora indiferenciada ora mutável, por vezes dando maior generalidade ora a uma ora a outra”

Acílio Estanqueiro Rocha

Foi ao tempo da nossa vida académica, tendo como um dos principais objectivos aprofundar temáticas curriculares leccionadas nas disciplinas ao longo dos anos lectivos, que a docente da disciplina de “Seminário de Estudo Orientado” da altura, Ana Lúcia Cruz, convidou o professor João Cardoso Rosas, membro da direcção da Associação Portuguesa de Ciência Política e da comissão científica da Sociedade Portuguesa de Filosofia, cujas áreas de interesse entram nos domínios da História das Ideias Políticas, Filosofia Política Contemporânea, Ética Aplicada, Política e Religião, Direitos Humanos, John Rawls e os seus críticos, para nos trazer a debate a dicotómica problemática (política) «esquerda» e «direita».
Conscientes do facto de a democracia viver da alternância no poder, e face à excelente explanação do professor João Rosas, permitir-nos-emos em afirmar a saudável contraposição entre essas duas alternativas – para ambas viverem –, como o garante da própria democracia. Como diria o mesmo professor, uma coisa não pode viver sem a outra. Citando André Freire, espelharia a necessidade dessa mesma dicotomia na alternância de poder, sendo difícil pensar um regime liberal sem a «esquerda» e a «direita». Dentro da trilogia ideológica da modernidade, o liberalismo perfilha-se como o centro entre a «esquerda», associada ao socialismo, e a «direita» ao conservadorismo, sendo que este está mormente associado às hierarquias tradicionais.
Mas que importância tem esta dicotomia «esquerda / direita», para os regimes constitucionais? Serão necessárias as pluralidades e/ou as alternâncias de poder para as democracias? «Comunismo» e «Socialismo», serão a mesma coisa? Fernando Amaral Gomes, por exemplo, educado num conceito liberal e democrático de concepção republicana – segundo ele, anti totalitarista – adepto do socialismo personalista de Henri de Man, postulado em certo período universitário como apoiante de ideias que se escreviam no MUD Juvenil, crente de que a prática marxista – tentando opor-se ao regime de Oliveira Salazar – poderia ser o princípio da liberdade política, chegaria à conclusão reflexiva de que a mensagem comunista era de ditadura, com a preocupação imediata de destruição da economia e cultura dos países onde se instalava usando por um lado o medo, a perseguição, transformando a fraqueza dos outros em «faltas graves», e por outro, baseando também a sua propaganda na concessão de pão e de espectáculos. Segundo o mesmo autor, o socialismo-marxista não era mais do que um socialismo que, senhor das rédeas do Estado – apesar dos fundamentos do marxismo irem no sentido de que o Estado não é essa instância superior realizando, seja o que for, bem ou mal, a razão (Lenine, 21) –, se preocupasse com o governo das pessoas, mas apenas com a administração das coisas.
E perguntar-se-ia na altura: Será que estaremos perante extremismos à «esquerda» e à «direita»? O que é que, na verdade, distingue a «esquerda» da «direita»?


Apesar de ambos os vocábulos nos induzirem a antagónicos significados, desde o momento que os tomemos à letra – Esquerda, mão esquerda, sinistra manus; Direita, destra, «às direitas», loc. adv., como convém, como é justo – há, contudo, um binómio contrário que os distingue. Se estivermos a falar politicamente, a ideia de igualdade aparece associada à esquerda e a desigualdade à direita. Assim sendo, e ainda que tal dicotomia suscite alguma controvérsia, a ideia de igualdade tem que captar todas as esquerdas. André Abrantes Amaral, em artigo publicado a 18 de Dezembro de 2003, com o título «Esquerda e Direita – uma achega para a distinção», afirma que tem dado conta de uma enorme discussão volta do que é ser esquerda ou de direita, plasmada numa tendência clara para catalogar as pessoas com sendo de esquerda ou de direita, por terem certas e determinadas opiniões. Segundo ele, a ideia generalizada que se tem é que, enquanto a esquerda representa as preocupações sociais, a chamada solidariedade social (ou o que quer que isso seja), a distribuição justa da riqueza (o que se entende por justo?, poder-se-ia perguntar), a direita, representaria a realização de riqueza, o bom andamento dos negócios, veria primeiro os números e depois a realidade social, enreda numa distinção errada, já que qualquer pessoa, quer seja de esquerda ou de direita, tem preocupações sociais. Infelizmente, depreende-se pelas suas palavras que estamos perante uma atitude parcial, já que a ser de «esquerda», não formularia a hipótese de estarmos perante uma distinção errada. Estaríamos perante um nivelamento entre «esquerda» e «direita».   
Se fizermos desaparecer a distinção entre «esquerda» e «direita» não será bom para as democracias. Para o professor João Cardoso Rosas, a clivagem substantiva entre «esquerda» e «direita» permite juízos menos parciais. Se partirmos desta clivagem, constataremos, muitas vezes, que aqueles que nos parecem ser de direita (ou de esquerda) não o são verdadeiramente. Em vez de aceitarmos o que nos dizem – ou o que nós próprios podemos pensar espontaneamente em função do nosso posicionamento político – devemos perguntar: o que é que eles defendem? Por outras palavras: são a favor do princípio de rectificação, ou são contra? – questiona João Rosas. Devemos ter sempre em conta que a «esquerda», numa atitude activa, é a favor da rectificação, enquanto a «direita», ao guiar-se pela abstenção, é pela não-rectificação. E que há antípodas do regime democrático, revelados pelos extremismos à «esquerda» (comunismo revolucionário), ao «centro» (nazismo / nacional socialismo) e à «direita» (conservadorismo autoritário - salazarismo / franquismo, etc.). Perante este espectro constitucional estaremos perante ideologias antidemocráticas, a partir da dicotomia entre «esquerda» e «direita».

Para finalizar, quarenta anos depois das “portas que Abril abriu”, e em face da falta de ética da grande maioria dos nossos políticos, uma pergunta fica no ar: Fará sentido falar hoje de «esquerda» e de «direita»?    

Monday, March 24, 2014

“Não há pachorra para o lirismo enamorado” em Orlando Ferreira Barros!...

“…ela sentou-se na única mesa vazia da pastelaria coroada de odores dulcificados, e pediu, num cicio arrastado de brandura treinada na véspera, uma maçã porta da loja, descascada. pediu por favor…”

Orlando Ferreira Barros

Se há livro de poesia que nunca deveríamos ter o atrevimento de o comentar, é precisamente o «picolina» [numa edição do Centro Cultural do Alto Minho – cronos.poesia] de Orlando Ferreira Barros, dado que ambos partilhamos da ideia de que a poesia nunca deve ser comentada – e qualquer tipo de interpretação, é de todo ainda mais descabido –, mas sentida. E se iniciamos este, só por si já atrevido, deambular literário à volta da afirmação erótica – como um dia alguém afirmaria –, entendida como arte de se falar dos corpos e da cópula, por certo que arriscaremos a ser mal interpretados e, quiçá, pondo-nos a jeito da “rotulação” de assumirmos uma certa marginalidade. Mas não, ao assumirmos o nosso gosto pela poesia erótica e satírica, que já vem dos anos setenta do século passado, quando foram publicadas duas antologias (Natália Correia e Fernando Ribeiro de Mello), sem que isso signifique perversidade, foi com o maior agrado que recebemos este maravilhoso livro «picolina» do Orlando Ferreira Barros, onde o mesmo denuncia a «casta» de anti-debochados, conservadores de uma espécie de inquisidores à má consciência, de dedo em riste, disfarçáveis em “lirismo enamorado”, mas mais “putas” que as próprias putas: “prefiro o lirismo dos marginais, / dos doidos, / dos piratas, / dos putos reguilas / o lirismo dos bêbados / dos debochados / dos amantes sob as tílias / dos que fazem amor nos rochedos / dos fora-da-lei / dos atoleimados, / das putas / dos que caminham sem direcção, / dos esfarrapados, / desses que falam sozinhos / em íntimas disputas / que o lirismo seja uma perturbante desinquietação” – não há pachorra, diz-nos Orlando Ferreira Barros, do qual subscrevemos, fazendo nossas as suas palavras!


Atendamos à biografia de Orlando: em 1942 nasceu em Leiria; em 1960 foi estudar para Lisboa; em 1961 apaixona-se irremediavelmente (tal como a Espanca); em 1969 instala-se em Viana do Castelo (neste momento acha que dali nunca saiu); em 1972 nasce a sua filha loira; em 1973 começa a escrever a sério; em 1988 nasce a sua filha morena; em 2010 deixou de ver os canais portugueses de TV; em 2011 nasce o seu neto macho; em 2012 nasce a sua neta fêmea; acorda todos os dias às 6h30 com a chegada do padeiro. Se ele se atrasa, os melros tomam o seu lugar; vive feliz na fronteira Meadela/Perre (numa solidão acompanhada) com a família e mais duas canadianas que juraram nunca abandoná-lo; em 2013 fez as contas e somou seis prémios literários; em 2014 continua a escrever, o que lhe dá sentido a vida; em 2020 espera continuar a escrever (e, talvez, a somar mais uns prémios); em 2026, segundo uma cigana decifradora das linhas da palma da mão….. (??????) –, e fácil será perceber a facilidade com que dá voz a umas tantas “Esperança de Jesus”, em cujos pinceis e guaches – paula rego preparando-se para pintar a velha puta – “recusarão a linha das fêmeas disformes, as suas bocas exalando o bafo podre das brisas mortuárias com que tenho enchido as telas brancas. Nem desenharão o perfil das barregãs de cócoras, matando como assassinas minadas por desejos demoníacos ou coçando-se como cães subterrâneos que se acoitam dos homens inconfiáveis”.


Porque, irremediavelmente, gostamos de tudo o que Orlando Ferreira Barros escreve, não poderíamos deixar de apanhar o seu “autocarro para as nuvens” (qual alegoria por ele tomada a Nuno Júdice), e tornarmo-nos cúmplices na defesa da “velha puta”: “até horas tardias / borboletas vadias / sobrevoam a tua cabeça / marcavam a presença / de ti, direita e absoluta / Olha, vai ali a Picolina / Quem é? / A puta / Despejam-te insultos, / provocações / à conta da moralidade / feita de miopia curta / como se tivesses forjado / o pecado original / e fosses a vergonha / o anjo negro, malfadado, / da púdica cidade / Olha, vai ali a Picolina / Quem é? / A puta / recusaste lupanares / bordeis rascas de putedo, / abjectos lugares / onde à mulher / é proibido um segredo / uma emoção, uma ternura, / o que lhe aprouver (…)” – essa Esperança de Jesus que consumiu a vida deitada, sem pudor e sem fé, à luz regeneradora da lua, e que não vai formosa, não, mas vai segura, e de pé… lexical em que deveríamos, de contínuo, ter usado aspas, visto que extraído da inspiração do autor.
Porque seria extrema(mente) difícil expressarmos este nosso sentir – pela leitura, claro! – ou simples forma de mascarar hábitos menos castos, não queríamos deixar de terminar, por forma a não pressionarmos a desnecessárias interpretações, que em pouco ou nada terão a ver com o comportamento efectivo do seu autor, citando José Martins Garcia, em jeito de prefácio, à edição da «Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, séculos XVIII-XIX» de Fernando Ribeiro de Mello: “Tal como o doente mental resiste muitas vezes à cura por «pudor», a nossa sociedade não consente que lhe toquem nas mazelas. A atitude dos mentores é a de fechar os olhos e fingir que não há nenhum problema sexual nesta exemplar «colónia» (…) Se outra coragem nos não consentem, assumimos a coragem da marginalidade”. Obrigado Orlando Ferreira Barros, pela tua saudável marginalidade. Bem que a dona Esperança de Jesus – grande elevação de trato – merece que a tua mão desobediente, quando “desatado o nó górdio do problema / roça o lápis Viarco / mordido na ponta e por afiar…”, escreva mais um poema.

Nota máxima!

Monday, March 17, 2014

Vontade e Liberdade: o saudável “confronto” entre René Descartes e António Damásio

“Ainda que Deus não nos tenha dotado com um entendimento omnisciente, nem por isso devemos pensar que é o autor dos nossos erros, pois todo o entendimento criado é finito, e é próprio da natureza do entendimento finito não ser omnisciente”

René Descartes

Quando a maioria dos filósofos defendia que as verdades da lógica, embora dependentes da essência de Deus, eram inteiramente independentes do próprio Deus, René Descartes, de uma forma inovadora, faria depender as verdades da lógica e da matemática da vontade d’Ele. Seria assim o primeiro a fazer do mundo da matemática uma criatura separada, dependente, tal como o mundo físico, da vontade soberana de Deus. O sinal de alguma controvérsia encontramo-lo numa carta que o mesmo filósofo francês escreveu, em 1630, a Marin Mersenne: “As verdades matemáticas a que chamais eternas foram estabelecidas por Deus e dependem tanto d’Ele como o resto das suas criaturas. De facto, dizer que estas verdades são independentes de Deus é falar d’Ele como se fosse Júpiter ou Saturno, e submetê-Lo à Estinge ou às Parcas. Não hesiteis, pois, em afirmar e proclamar por toda a parte que foi Deus quem estabeleceu estas leis na Natureza, da mesma maneira que um rei estabelece leis no seu reino [...] Deve dizer-se que se Deus estabeleceu estas verdades, pode alterá-las da mesma maneira que um rei altera as suas leis. A resposta a esta afirmação é: «Pode, sim, se a Sua vontade puder alterar-se.» «Mas eu reconheço que elas são eternas e imutáveis» – «Eu faço o mesmo juízo acerca de Deus» «Mas a Sua vontade é livre.» – «Sim, mas o Seu poder é incompreensível»”.
Com base no Método da Dúvida, método esse que levou até à exaustão, a famosa frase Descartes «cogito ergo sum» – «penso, logo existo» – acabaria por não corresponder efectivamente ao verdadeiro sentido do seu pensamento, já que nas Meditações, acabaria por a “corrigir” para «Eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeiro sempre que exposto por mim ou concebido na minha mente».


No sistema de Descartes, existe um mundo físico regido pelas leis deterministas da Natureza e um mundo mental da consciência solitária. Os seres humanos, ao serem compostos de corpo e mente, equilibram-se – segundo Anthony Kenny, desconfortavelmente – entre os dois mundos. Ao contrário da maior parte dos pensadores anteriores ao filósofo francês, em que os animais diferiam dos seres humanos pelo facto de não serem racionais – embora se assemelhassem pelo facto de possuírem a capacidade da sensação – para Descartes os animais irracionais não passavam de máquinas. Para ele, um animal não poderia ter uma dor, embora a máquina do seu corpo pudesse levá-lo a reagir de forma semelhante ao de um humano, manifestando uma expressão de dor: “Não descortino qualquer argumento que prove que os animais têm pensamentos, excepto o facto de, tendo ele olhos, ouvidos, línguas e outros órgãos sensoriais como os nossos, parece provável que tenham sensações como nós; e, estando o pensamento incluído no nosso modo de sensação, parece que lhes podemos atribuir pensamentos semelhantes. Este argumento que é muito óbvio, tomou posse da mente dos homens desde o começo. Mas há outros argumentos, mais fortes e mais numerosos, ainda que não óbvios para toda a gente, que insistem fortemente no contrário”. Segundo Anthony Kenny, esta doutrina não pareceu tão chocante aos contemporâneos de Descartes – cujo pensamento se estruturava em dois grandes princípios: o de que o homem é uma substância pensante e o de que a matéria é extensão em movimento –, mas alguns dos seus discípulos, “dissimularam” algum confronto, ao afirmaram que os seres humanos, tal como os animais, não passavam de máquinas complicadas.
Em jeito de conclusão diríamos que um dos aspectos principais do projecto e método em Descartes é a opção de usar a primeira pessoa no discurso. Ao usar a primeira pessoa nos seus textos, resulta no percurso que o levou a um caminho certo – mostrar o processo em vez dos resultados, como se chega ao conhecimento. Através da “árvore do conhecimento”, organização hierarquizada do conhecimento, cujo modelo do método é fornecido pela matemática – modelo imperativo de Descartes para reformar todo o conhecimento –, o mesmo apenas deve ser construído através da razão humana. Em suma, o mesmo filósofo propõe na tarefa de libertar a filosofia do cepticismo. A dúvida é apenas um instrumento em uso na investigação.
Daí, entendermos o cepticismo de António Damásio, quando no seu livro «O Erro de Descartes» leva-nos a concluir que os organismos humanos estão dotados, desde que nascem, de uma apaixonada inclinação para fazerem escolhas que a mente social utiliza para criar comportamentos racionais: Embora não possa dizer ao certo o que despertou o meu interesse pelas bases cerebrais da razão, sei sem qualquer dúvida quando fiquei convencido de que as ideias tradicionais sobre a natureza da racionalidade não poderiam estar correctas. Assim, na sua opinião, o facto de um dado organismo possuir uma mente significa que ele forma representações neurais que se podem tornar em imagens que são manipuladas num processo chamado pensamento, o qual acaba por influenciar o comportamento em virtude do auxílio que confere em termos de previsão do futuro, de planificação deste de acordo com essa previsão e da escolha da próxima acção. E, se calhar, embora alguns não a queiram dar, António Damásio tem alguma razão, pois, para ele, “a função global do cérebro é a de estar bem informado sobre o que se passa no resto do corpo (o corpo propriamente dito); sobre o que se passa em si próprio; e sobre o meio ambiente que rodeia o organismo de modo a que possam ser adquiridas acomodações de sobrevivência adequadas entre o organismo e o ambiente.”

Uma certeza se apreende de ambos, a Liberdade aumenta com o conhecimento, o que parece ser uma negação dos detentores do poder e da razão feita lei, nos tempos que correm. Precisamente, quando nos é dado saber que a ausência de emoções acaba por prejudicar a racionalidade! 

Saturday, March 15, 2014

Desencarnou a Fina d’Armada!..

“Só as almas fortes são susceptíveis de verdadeira ternura”

A.     Vinet

Envoltos numa penumbra triste e dilacerada, recebemos o eco, ora confirmado via telefone, com mais de uma dezena de translações, plasmado na «Íbis» que havíamos fundado: «um dia eu deixarei de falar. / Deixarei de ver, de ouvir, / um dia eu deixarei de amar. / E que será depois este corpo de mulher?». Sentido, percepção, já há muito que Fina d’Armada nos alertava, para aquilo que raramente vemos: «E então debaixo de terra, / sem energia, inteligência, cabelos ruivos, / sem ele nas mãos que agora achas belas, / eu serei talvez uma molécula, uma luz errante, / serei anjo, serei alma, reencarnação, / serei um nome, húmus, refeição de vermes / ou poderei vir a ser apenas pó. / Mas nunca serei, amor, a eternidade!...». Catorze anos depois, a nossa Fina desencarnou, deixando-nos órfãos, mas conscientes do eterno retorno. Mas quem era esta MULHER que se dava pelo nome de Fina d’Armada?  
Josefina Teresa Fernandes Moreira, mais conhecida pelo pseudónimo de Fina d'Armada (pois é assim que a tratam desde criança na sua Terra Natal), nasceu na Quinta d'Armada, freguesia de Riba de Âncora, concelho de Caminha, distrito de Viana do Castelo, em 9 de Abril de 1945, e faleceu em Rio Tinto, Gondomar, distrito do Porto, em 7 de Março de 2014, vindo a repousar em Riba de Âncora (junto do seu Claro Fângio), por ironia do destino, no dia seguinte (8), Dia Internacional da Mulher. Sétima filha de um casal de proprietários agrícolas alto-minhotos, formou-se inicialmente em professora primária, depois licenciou-se em História pela Universidade do Porto. Foi professora de História e Português e, mesmo quando aposentada do ensino, continuou de uma forma afincada a sua vida literária, sobretudo na área da investigação.


Entre 1977-80, obteve uma bolsa do Instituto Nacional de Investigação Científica para escrever A Mulher Portuguesa na Primeira República. Com essa bolsa, conseguiu entrar nos Arquivos “Secretos” de Fátima. Dessa investigação, resultaram seis livros sobre esse tema, quatro deles escritos em parceria com o Joaquim Fernandes, professor na Universidade Fernando Pessoa, publicados pela “Bertrand”, “Estampa” e “Ésquilo”. Os livros escritos com Joaquim Fernandes estão traduzidos em inglês, espanhol e francês.
Ainda dentro do seu curriculum académico, trabalhou num projecto europeu, subsidiado pela UE, que envolveu quatro universidades da Europa (do Porto, de Cambridge, de Tessalónica e Barcelona), em 1996­97. Foi convidada a integrar uma equipa pela Universidade do Porto, no âmbito da Cidadania das Mulheres e Educação, por já ser conhecida como investigadora na área da história das mulheres. Daí resultou o vídeo «Valores e Raízes – Educação e Cidadania das Mulheres», em co-autoria sua e também da Professora Fernanda Henriques, da Universidade de Évora, e da Professora Maria José Magalhães, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Como especialista em História das Mulheres, participou também em acções de Formação de Docentes. Extractos de seus artigos têm sido inseridos em manuais escolares de História e Português, além de inclusão em teses.
Em 2003, concluiu o mestrado em Estudos sobre as Mulheres, na Universidade Aberta. A tese para esse mestrado foi publicada sob o título «Mulheres Navegantes no Tempo de Vasco da Gama» (Ésquilo, 2006). Com esta obra foi galardoada com o prémio “Mulher Investigação Carolina Michaëlis de Vasconcelos, 2005”.
Literariamente, iniciou a publicação de artigos em Viana do Castelo, quando tinha 16 anos, no jornal “A Aurora do Lima”. Entre 1969 e 1984, manteve uma crónica mais ou menos semanal no Jornal de Notícias, Porto, e no Comércio do Porto entre 1987 e 1991 e depois entre 1995-1999. Tem outras publicações em diferentes jornais e revistas, como na revista do jornal “Expresso”, sobre “As Mulheres nas Descobertas”. Tem mais 1000 artigos catalogados, publicados em 38 periódicos nacionais e estrangeiros.
É autora de 13 obras individuais e de 39 em co-autoria. Os temas dos seus trabalhos versam sobretudo a temática feminista, fenomenologia, história das mulheres, descobrimentos e história local. Em Gondomar, publicou em co-autoria, com outros autores do concelho, Rio Tinto – Apontamentos monográficos (1999), António de Sousa Neves (1832-1908), em 2001, a Monografia da Vila de Fânzeres (2005), Cinco Enterros do João (2006). E numa editora de Gondomar, “Evolua”, publicou «O Livro Feminista de 1715 – O Primeiro Grito Revolucionário».
No Natal de 2008, publicou o romance «O Segredo da Rainha Velha» (Ésquilo), que dizem ser o primeiro romance histórico escrito por uma mulher portuguesa, e que tem sido o seu livro de mais sucesso e o mais vendido. Baseia-se na história desconhecida da Infanta D. Beatriz, mãe do rei D. Manuel I, que, como herdeira do Infante D. Henrique, dirigiu a Ordem de Cristo e os descobrimentos. O “segredo” versa a hipótese de Cristóvão Colombo ser português e enteado de D. Beatriz. Quando este livro saiu, Fina d’Armada adoeceu seriamente. Mesmo assim continuou a escrever e a publicar. Além de trabalhos em obras colectivas, como nos “Grandes Enigmas da História de Portugal” ou na Revista “Estudos Regionais”, do Alto Minho, publicou “As Mulheres na Implantação da República” (Ésquilo) e “Republicanas quase Desconhecidas”, desta vez pelo “Círculo dos Leitores, Temas e Debates”, 2012. Em Junho desse mesmo ano, o grupo “Impala”, juntamente com a revista VIP, publicou três livros de Fina d’Armada: “Beatriz, a Mulher que Liderou os Descobrimentos”, “Fátima e as Profecias de Nostradamus” e “Heroínas Portuguesas – Mulheres que Enganaram o Poder e a História”.
Para além de historiadora, Fina d’Armada foi cronista, poetisa e autora de vários prefácios. Foi também autora de peças de teatro, já representadas, mas não publicadas. Na vertente literária, integra a “Antologia de Poetas do Alto Minho”, o “Dicionário de Mulheres Rebeldes”, o “Dicionário Antológico de Artes e Letras de Gondomar”, e em Espanha, o “Dicionário Internacional de Arte e Literatura”, bem como o de “Letras de Fronteira do Val do Miño Transfonteirizo”, de autores minhotos e galegos.
Foi homenageada pela UMAR, em Outubro de 2010, «por uma vida inteira dedicada à causa das mulheres». Em 24 de Julho de 2010, a Câmara de Caminha condecorou-a com a medalha de Mérito Dourada «por uma vida inteira dedicada às letras, às mulheres e à singularidade de fazer a diferença».
Há uma frase de Carolina Michaëlis que adoptou como sendo sua: «Eu não tenho biografia, passei a vida a estudar». Por isso costumava parafrasear: «O meu curriculum é apenas o produto dos meus estudos».

Mesmo que não acreditasses, viverás eternamente nas nossas memórias… MULHER entre as mulheres, como te apelidaria nossa “alma gémea”!

Tuesday, March 11, 2014

Minas e mineiros em «Cadernos do Património Vilarmourense»

“A fundação do Grupo de Estudo e Prevenção do Património Vilarmourense, em Janeiro de 2004, foi um acto de vontade e não desistência. Vontade em unir saberes e competências diferentes na formação e percursos de vida mas comuns no propósito de construir conhecimento novo sobre a história de Vilar de Mouros”

GEPPAV

O dinamismo de certos “agentes culturais regionais” mereceu sempre da nossa parte uma verdadeira e profunda veneração, e quiçá gratidão, face ao que é exigível à sensibilidade de cada um de nós, por sentirmos que neste mundo cada vez mais globalizado, o associativismo é o “parente mais pobre” da Cultura, também ela, face às circunstâncias da medíocre volatilidade dos políticos, cada vez mais pobre. Mas, felizmente, há pessoas que não desistem, nomeadamente quando estão em causa ameaças ao património de um lugar circunscrito ou mesmo uma região, ao ponto de se desdobrarem em esforços na defesa e inventariação desse mesmo património, o que é o caso do Grupo de Estudo e Preservação do Património Vilarmourense (GEPPAV), cujos objectivos norteadores se integraram, naturalmente, na mais representativa colectividade cultural de Vilar de Mouros, o Centro de Instrução e Recreio Vilarmourense. Esse mesmo propósito fica bem vincado nas palavras iniciais, em jeito de apresentação, ao IV volume dos “Cadernos do Património Vilarmourense: Desde então, com uma actividade persistente e a boa vontade da comunidade de que fazemos parte, podemos orgulharmo-nos do trabalho realizado. Fizemos frequentes alertas públicos relativos ao património da freguesia – quando da destruição de parte dos moinhos do Viso; sobre os efeitos nocivos de obras nas Azenhas e na calçada das Telheiras; da degradação física da ponte medieval, das fontes e fontanários ou das pesqueiras; mais recentemente, da poluição do rio Coura provocada pelas escombreiras das minas de Covas… (p. 5), ficando a sensação de todos os “intervenientes activos” se preocuparem com o rigor científico que este tipo de trabalhos exigem, passando pela realização de dezenas de entrevistas e depoimentos gravados, fotografia de milhares de páginas em arquivos e bibliotecas, digitalização de espólios familiares documentais e iconográficos, percorrendo os caminhos do passado.

     
      «Minas e mineiros em Vilar de Mouros no século XX: Exploração de estanho e volfrâmio nas concessões da Fonte Nova e Castelhão» é o tema que Raquel Cepeda Alves, Paulo Torres Bento, Joaquim Aldeia Gonçalves, Plácido Ranha Silva Souto, Basílio Barrocas e João Arieira, trazem até nós neste IV volume dos “Cadernos do Património Vilarmourense”. Como ainda se pode ler na apresentação, este “Caderno”, respeitando o formato das anteriores edições, divide-se em duas secções distintas mas complementares no interior do tema único: “Pelas premissas referidas, são dois os Estudos incluídos – um respeitante à concessão da Fonte Nova, assinado pelo colectivo GEPPV; o outro centrado na mina de Castelhão, da responsabilidade da primeira autora do trabalho, a geóloga Raquel Alves. Na segunda parte, reservado aos Documentos, publicam-se os depoimentos de vilarmourenses que trabalharam em ambas as minas (sobretudo em Castelhão)”.
À semelhança dos anteriores, trata-se de um excelente trabalho, mesmo que tomando das palavras dos outros, de grande rigor e erudição, aliados a uma notável humildade científica e a uma incansável energia. Apesar da escassa ou inexistente informação sobre o tema, aliada ao enorme vazio documental, decorrem da mestria dos seus autores (Paulo Torres Bento, Joaquim Aldeia Gonçalves, Plácido Ranha Silva Souto, Basílio Barrocas e João Arieira) a explanação sobre “A concessão da Fonte Nova (1916-1992)”, abordando três itens: 1. A Fonte Nova na época da Grande Guerra – a “mina dos Quilovates”; 2. A Fonte Nova na Segunda Guerra Mundial – o “tempo dos Pelicas”; e, finalmente, 3. A Fonte Nova na década de 50 – “trabalhos de pilha” na Coverna. Por seu lado, Raquel Cepeda Alves, abordando “O tempo do minério a patir de Castelhão”, reproduz-nos o seu estudo em sete vertentes: 1. Portugal e as minas – leis, administração e corridas ao minério; 2. Região Mineira d’Arga – a serra e as suas franjas; 3. Vilar de Mouros – singularidades geológicas e mineiras; 4. Concessão mineira de Castelhão – da esgrima documental; 5. “Foi tudo para Castelhão” – o dealbar de uma mina do volfrâmio; 6. Espaço Mineiro Abandonado – impacte e memória; e, 7. Minas Vilarmourenses – património, recursos e ordenamento.
Por fim, na segunda parte, são reproduzidas entrevistas a Maria da Soledade Jesus Fernandes de Castro (1920-2007), Adão Isaac da Silva (1921-2011), Glória Maria Barbosa (1922), Firmino Ferreira de Sá (1931), José Maria Serra (1929), Joaquim Augusto de Oliveira (1928-2012), Manuel António Guerreiro (1936) e Guiomar dos Prazeres Barrocas (1935), João Sebastião Gonçalves “Violante” (1927-2012), Maria Helena Pereira (1929), terminando com diversos documentos, elaborados cronologicamente, excelentes gráficos e tabelas bem documentadas com fotografias de locais de “Interesse Geológico e Mineiro (LIGs) de Vilar de Mouros, e uma magnífica Carta Geológica de Portugal a cores, envolvendo Vilar de Mouros e envolvente NW da Serra d’Arga (Extracto da proposta de revisão da Folha 1 C – Caminha).
De extraordinária concepção gráfica, a cargo de Carlos da Torre, porque esteticamente perfeita, esta obra conta com os apoios da Câmara Municipal de Caminha, Junta de Freguesia de Vilar de Mouros e Direcção Regional de Cultura do Norte. Nota máxima!

Friday, March 07, 2014

Ian Hacking: os filósofos, a experimentação e o realismo à volta da ciência!...

“Ian Hacking é um dos pensadores mais representativos da filosofia da actividade científica de finais do século XX, dado que foi um dos filósofos que defendeu o realismo do ponto de vista da prática experimental”

Javier Echeverría

O filósofo canadiano Ian Hacking, que no pretérito dia 18 de Fevereiro completou setenta e oito translações, especialista em filosofia da ciência, possui a graduação pela University of British Columbia (1956) e pela University of Cambridge (1958) – onde foi estudante de Peterhouse – e o doutoramento em Cambrige (1962), sob a direcção de Casimir Lewy. Ian Hacking é conhecido por trazer uma abordagem histórica à filosofia da ciência e por ser um dos importantes membros da Stanford School, em filosofia da ciência, um grupo que inclui John Dupré, Nancy Cartwright e Peter Galison. Apesar do seu grande interesse pelas revoluções na ciência histórica (na sequência do trabalho de Thomas Kuhn), Hacking defende um realismo acerca da ciência, embora por razões pragmáticas: “o electrão é real porque os seres humanos usam-no para fazer com que as coisas aconteçam”. Esta forma de realismo incentiva uma atitude realista em relação às entidades postuladas pela maturidade das ciências, mas cepticismo em relação às leis científicas, sendo que para Hacking a realidade tem a ver com a causação e as nossas noções da realidade formam-se a partir das nossas capacidades de transformar o mundo. Assim, contamos como real aquilo que podemos usar para intervir no mundo afectando outras coisas, ou aquilo que o mundo pode usar para nos afectar, ou seja, ao pensar-se nos nossos corpos e/ou nos nossos instrumentos científicos e tecnológicos, os mesmos são reais porque com eles podemos modificar as nossas percepções e nosso ambiente circundante.
Tomando por princípio o facto de os filósofos discutirem constantemente sobre teorias e sobre a representação da realidade, mas não dizerem quase nada acerca das experimentações, a tecnologia e o uso do conhecimento para modificação do mundo, Ian Hacking reporta-nos ao tempo dos aristotélicos que subestimavam as experimentações e favoreciam a dedução a partir dos primeiros princípios. Com a revolução científica do século XVII esses conceitos aristotélicos alteraram-se por completo. O grande filósofo dessa época revolucionária foi, sem dúvida, Francis Bacon (1561-1626), cujo pensamento se firmara na convicção de que não só deveríamos observar a natureza como manipulá-la, de modo a aprender os seus segredos, alegoricamente, quase como «torcer a cauda ao leão».


Com a revolução científica apareceram novas instituições, de que é exemplo a Royal Society de Londres, fundada por volta de 1660. Esta mesma instituição serviu de exemplo e como modelo para outras academias nacionais em Paris, San Petersburgo e Berlim. Surge também uma nova forma de comunicação, através das revistas científicas: As primeiras páginas das «Philosophical Transactions of the Royal Society», tinham um ar curioso. Se bem que este registo impresso de trabalhos apresentados à Sociedade tinha sempre algo de matemáticas e teoria, era mais que tudo uma crónica de acções, observações, experimentações e deduções a partir de experimentações. Segundo Hacking, os tempos hão mudado, a ponto de ele propor um regresso ao movimento de Bacon, no qual colocamos mais atenção à ciência experimental. E começa por argumentar que a experimentação tem uma vida própria.
Tomando como a máxima tradicional – quase como uma lenda – de que os filósofos estão mais acostumados ao escritório que ao banco dos artesãos, numa entrega quase cega à teoria em detrimento da experimentação, aparecem-nos filósofos como Bacon e Leibniz que mostram que não temos por que ir contra o experimental. Antes de pensar na filosofia das experimentações deveríamos fazer notar certa diferença de casta ou de classe entre o teórico e o experimentador. Questionando-se sobre o que é o método científico e experimental, ou mais concretamente por que deveria haver o método da ciência, Hacking afirma que não há uma única maneira de construir uma casa, ou mesmo de plantar tomates. E, quando se pergunta: – Que vem primeiro, a Teoria ou a Experimentação? Ian Hacking alerta-nos para o facto de que as relações entre a teoria e a experimentação diferem em diferentes estádios de desenvolvimento, e nem todas as ciências naturais passam pelos mesmos ciclos.
Há ainda a salientar que, para Ian Hacking, às vezes há trabalhos experimentais profundos que a teoria gera na sua totalidade. Segundo o mesmo filósofo, de algumas teorias importantes saem a experimentação pré-teórica; algumas teorias enfraquecem por falta de conexões com o mundo real, enquanto algumas experimentações não têm nada que fazer por falta de teoria; e ainda que possa parecer exagerada a sua formulação, a história e filosofia da ciência dominadas pela teoria destorcem a nossa percepção da experimentação. Assim, não se deve pensar, também, que numa nova ciência a experimentação e a observação precedem a teoria, embora mais tarde a teoria irá preceder à observação. Por exemplo, a história da termodinâmica é uma história de invenções práticas que gradualmente levaram a uma análise teórica. Para Hacking, uma maneira de desenvolver nova tecnologia é elaborar uma teoria e sua experimentação que por sua vez se aplicam a problemas práticos. Outra forma é quando as invenções se desenvolvem seguindo o seu próprio ritmo prático e a teoria se implica de maneira indirecta.
Enumerando algumas de um sem número de leis experimentais à espera de uma teoria, Ian Hacking afirma que os resultados experimentais dessa lista estabeleceram-se muito antes de que houvesse uma teoria que as encarnasse. Os dados estavam lançados, o que se necessitava era uma teoria que os relacionasse. A diferença entre este caso com os da óptica e da termodinâmica é que a teoria não provinha directamente dos dados, senão de ideias muito mais gerais acerca da estrutura atómica. Para o mesmo filósofo, a mecânica quântica foi por sua vez o estímulo e a solução, sendo que nada sugeria que a organização das leis fenomenológicas dentro de uma teoria geral é uma mera questão de indução, analogia ou generalização. A teoria foi, no final, crucial para o conhecimento, para o crescimento do conhecimento e suas aplicações.
Dito isto, Hacking nunca pretendeu formular que as diversas leis fenomenológicas da física do estado sólido requerem uma teoria – qualquer teoria – antes que se conheçam. E se no princípio afirmara que a experimentação tem uma vida própria, acaba por concluir que a experimentação tem muitas vidas próprias.

Em toda esta reflexão – questionando-nos se teria valido a pena dissertá-la –, e enquanto lesados no sentir experimental e no realismo à volta da ciência (com doutoramento parecendo cada vez mais uma miragem), precisamente numa altura em que o Governo português coarcta nas bolsas para a Ciência e Tecnologia, apetece-nos formular a teorização da Veritas odium parit!

Wednesday, March 05, 2014

126.º Aniversário da fundação da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo



“…Subjacente à implementação das acções referidas e como preocupação constante, está a melhoria do serviço prestado aos utilizadores de modo a que esta importante instituição da Câmara Municipal, seja cada vez mais um local de lazer e de animação da vida cultural”

Rui A. Faria Viana

Fez precisamente cento e vinte e seis anos, que a Câmara Municipal de Viana do Castelo, sendo Presidente Luís de Andrade e Sousa, deliberou na sessão de 16 de Fevereiro de 1888, fundar uma Biblioteca Municipal, instalando-a provisoriamente numa sala do Palácio dos Cunhas, à Rua da Bandeira, onde, ao tempo, funcionava o Liceu Nacional e até há bem pouco mais de dois anos, o Governo Civil do Distrito, o que equivale dizer tratar-se de uma das Bibliotecas Públicas mais antigas do país e, seguramente, a mais antiga do Alto Minho. Esta solução de recurso deveu-se ao facto da falta de instalações próprias, acordando-se depositar os livros na biblioteca do mesmo Liceu, o que, em face das circunstâncias, não passava de “um amontoado caótico de livros até à sua instalação provisória, em 1912, na sala das Comissões dos Paços do Concelho, junto à sala das sessões da vereação, depois do Pe. Rodrigo Fernandes Fontinha, então presidente da Comissão Municipal Republicana, ter proposto receber os livros legados à Câmara” – citamos Dr. Rui A. Faria Viana, em artigo publicado na revista “Íbis”, com o sugestivo título «Biblioteca Municipal de Viana do Castelo – 1912-2002: noventa anos a promover a leitura», aludindo ao facto de só no dia 3 de Novembro de 1912 a Biblioteca Municipal ter sido finalmente inaugurada e aberta ao público.


Não sendo nosso propósito estar a repetir a história da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo – escrita e reescrita por muitos e variados autores –, apenas nos motivou o orgulho de assinalar a data, olhando ao facto de, presentemente, e fazendo jus ao bom ditame da gíria popular, fazermos parte da “mobília da casa”. Contudo, convém acrescentar, por uma questão de seriedade intelectual (a César o que é de César), que antes de ser instalada no actual e magnífico edifício de raiz, projectado pelo Arquitecto Siza Vieira, em resposta às preocupações de outrora, do actual director – demonstrar junto do executivo municipal as deficiências bem como os grandes condicionalismos que as actuais instalações impõem à concretização dos objectivos preconizados no âmbito da Leitura Pública –, e à visão estratégica, acrescida de uma resposta eficiente e de futuro, assumida pelo então Presidente da Câmara, Doutor Defensor Moura, que, desde cedo, compreendeu e se empenhou “em materializar o sonho dos vianenses em possuírem uma valência nuclear na vida cultural da região” – escreveria o Dr. Rui A. Faria Viana, hoje Chefe de Divisão de Biblioteca e Arquivo Municipais –, a Biblioteca Municipal esteve instalada no Palácio dos Barbosa Maciel (1923-1966), no Palácio dos Alpuim (1966-1989) e no 1.º andar da Casa dos Monfalim (1989-2007). No dia 20 de Janeiro de 2008, por altura do 160.º aniversário da elevação de Viana do Castelo a cidade, e marcando o início das comemorações dos 750 anos da outorga do Foral Afonsino (1258), a nova biblioteca foi solenemente inaugurada pelo então Primeiro-Ministro, Eng. José Sócrates, entrando em funcionamento, a partir dessa data.
Cento e vinte e seis anos depois, a Biblioteca Municipal de Viana do Castelo é o sonho materializado de muitos vianenses, uma verdadeira e bem dimensionada BM 3, de acordo com a tipologia definida pelo então Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB), para concelhos com população superior a 50 mil habitantes. Possuindo um fundo documental, constituído por mais de cento e trinta (130) mil volumes, dividido pelo livre acesso nas salas de leitura e outro de valor patrimonial, de acesso condicionado no fundo de reservados, dadas as suas características e o seu riquíssimo valor patrimonial, com colecções únicas e raríssimas – uma das melhores camilianas (senão a melhor) do país, repartida pelos fundos de Ernesto Barbosa dos Santos e Tomás Simões Viana –, oferecidas por particulares. A Biblioteca Municipal de Viana do Castelo é hoje, por assim dizer, uma biblioteca viva e dinâmica, passando por ela escritores consagrados, através das extraordinárias iniciativas presenciais do «À conversa com…», «Contornos da Palavra» e «Feira do Livro»; animação da leitura, pelos serviços educativos; promoção do livro na área infanto-juvenil, com os «Sábados com Histórias» e «Biblioteca vai à escola»; serviço de leitura especial para invisuais; «Histórias Partilhadas», em parceria com o “Grupo Sénior+” da Escola Secundária de Monserrate, dinamizando os Lares e Centros de Dia do concelho, e estes, por sua vez, retribuem recriando e participando na «Partilha de Histórias»; biblioteca de praia, proporcionando o desenvolvimento de uma série de actividades em torno do livro e da leitura, aproveitando o bom tempo de Verão e a maior disponibilidade que as férias permitem; biblioteca itinerante, a circular pelas nossas aldeias há vinte anos, a construir imensos imaginários, porque carregada de mundos (livros) nunca sonhados, bem como no estabelecimento prisional, com biblioteca renovável, periodicamente; e realização de diversas exposições temáticas sobre o livro.
Cento e vinte e seis anos depois, a Biblioteca Municipal de Viana do Castelo cumpre escrupulosamente o fim para que está vocacionada: excelente serviço prestado ao público, nomeadamente ao nível da oferta de um fundo bibliográfico organizado em livre acesso, facilitando a comunicação entre o leitor e o livro, do empréstimo domiciliário que veio permitir a todos os utilizadores a liberdade em escolher o espaço, o tempo e o ritmo de leitura, e duma maior diversidade de oferta de documentos para consulta em que, para além do tradicional suporte em papel, se juntam agora os documentos audiovisuais e electrónicos. Daí, e mesmo que jogando em “causa própria”, os nossos sinceros parabéns!