Friday, January 31, 2014

“Monstros Antigos” em Porfírio Silva!...

“De toda a poesia portuguesa lida em 2013 — estou a falar de inéditos de consagrados, novos e novíssimos —, Monstros Antigos é o livro que mais me instigou…”

Eduardo Pitta

Se eventualmente o título desta nossa crónica pudesse intrigar todos aqueles que, semana a semana, fazem o favor de nos ler, depressa se excluiria tal pressuposto, tendo em conta que o Porfírio Silva em “referência titular” é um filósofo da ciência, cujo trabalho mais recente se centra no tema das sociedades artificiais e no papel social dos robôs. De facto, este Porfírio (Carvalho) Silva (n. 1961), é licenciado e mestre em Filosofia. Doutorou-se em Epistemologia e Filosofia das Ciências, em 2007, com uma tese sobre as ciências do artificial como ciências do humano. Foi Investigador Visitante no Institut Supérieur de Philosophie, da Université Catholique de Louvain, e na Facultad de Filosofía da Universidad Complutense de Madrid. É actualmente investigador no Instituto de Sistemas e Robótica (pólo do Instituto Superior Técnico), como bolseiro de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Aí, tem sido organizador dos Ciclos de Conferências com o título genérico “Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais”, actividade multidisciplinar que teve em 2011 a sua terceira edição. Publicou os livros A Filosofia da Ciência de Paul Feyerabend (1998, Piaget), A Cibernética: Onde os Reinos se Fundem (2007, Quasi), Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais (2011, Âncora) e Podemos matar um sinal de trânsito? (2012, Esfera do Caos). É colaborador do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa e do Projecto MILPLANALTOS.


Regressado há cerca de quatro meses (22 de Setembro de 2013) do Japão, onde esteve como Investigador Visitante no Department of History and Philosophy of Science (Graduate School of Arts and Sciences) da Universidade de Tóquio, Porfírio Silva acaba por nos surpreender com a publicação de «Monstros Antigos», numa bem conseguida edição, porque esteticamente perfeita, da “Esfera do Caos Editores”. E de nada lhe vale dizer que “não passo a ser poeta por escrever um livro de poesia. Podia, pois, hesitar em publicar. Só que não há tempo para burilar justificações: esta é uma poesia da urgência, uma poesia necessária, algo que poderia adiar em tempos de lassidão – mas não hoje. É duro afastar o nevoeiro com as mãos nuas, mas é preciso tentar. Quem diz com as mãos, diz com as palavras”, quando a percepção que temos da poesia, enquanto essência do estar e do ser, leva-nos a creditá-lo como um poeta desentrincheirado, de urgência: “Escrever poesia é uma necessidade quando o dia do cão negro espreita, quando se desequilibra a única aresta do tempo onde passados e futuros se encontram. O que é difícil, em tempos difíceis, é não meter os poemas em trincheiras. Temos de evitar a todo o custo que os poemas se metam em trincheiras. As trincheiras, mesmo que se destinem a ser sepulturas, são cómodas: dizem-nos de que lado estamos, quem supostamente são os nossos e quem supostamente são os outros, para que lado disparar. / Só que uma poesia de urgência não pode entrincheirar-se. Pelo contrário, tem de encontrar os caminhos para se chegar aos sítios onde sempre se esteve e que continuam a parecer pátrias estrangeiras. Porque só o estranho pode tornar-se uma pátria” – lemos em sinopse.


Embora “Monstros Antigos” não seja de leitura fácil para o mais comum dos mortais, principalmente em tempos em que “há palavras por todo o lado / comportando-se com o esvoaçar quebrado dos mosquitos” (p. 63), teimaremos em dizer que estamos perante um extraordinário livro de poesia, que se apresenta como um excelente exercício para mente, mesmo para aqueles que se possam achar menos pensadores. É evidente que a poesia não se explica, sente-se e apreende-se deliciosamente (ou não), mas, mesmo assim, não resistimos à aproximação da “tempestade de silêncio”, onde “as palavras e as bocas desencontraram-se na poeira do mundo” (p. 7). Neste entrosar de palavras, Porfírio Silva acaba para nos despertar para o sentido filosófico dos espaços temporais, físicos e cognitivos; da génese e da “mutação das formas”; do apocalipse criado dentro de nós: “Descubro dentro brinquedos partidos, / mais do que os deixados pela infância. / Carrinhos e bonecas, dardos, arcos e enigmas / desarrumados e sujos dizendo-me que / crescer é aceitar que somos piores / e mais pequenos do que o pensamento” (p. 16); da “separação em espaço e senso, rasgo tenso adrede” (p. 18); da essência da política, onde “o poeta desce aos campos de trigo e cevada / para matar cada ratazana com uma rima” (p. 21), do sorriso, do olhar, da brisa, da lágrima, do toque, do silêncio, da palavra, da âncora, da ponte, do segredo, das memórias, do odor; do “sofrer dores duras como as do parto, / saudoso das antigas crises existenciais, / das que lembram livros e boa filosofia, / antes, durante e depois de um jantar farto” (p. 26); do evitar das palavras metafísicas; da alegoria da caverna, onde “Só as pessoas vêem, não os seus olhos: / estamos sentados num filme de sombras / num futuro certo o Sol vai sucumbir / e todos reclamam que nada importa / num tempo tão depois de agora” (p. 37); dos milagres; da “autoridade do legislador a quem incumbem as definições legais” (p. 42); da máquina de colar as asas nos anjos; do “argumento das mãos sujas à origem do universo” (p. 45); do “impacte visual esperado sobre as superfícies” (p. 51); dos construtores de almas, tendas onde os animais se abrigam, “ao lado dos seus irmãos e dos seus medos” (p. 52); do cruzamento de perguntas e respostas mal emparelhadas; da ficção metalúrgica, onde “as estátuas em bronze da santidade e do pecado, / sobrevivas por séculos ao santo e ao pecador em pessoa” (p. 64); do “pássaro pesado sem asa” e do “navio ferido sem vela”; do haver um ar de luz nas palavras; da escada que não nos leva a lado nenhum: “Mais exacta e capciosamente, / a escada leva à copa das árvores / onde só habitam pássaros (e) refugiados” (p. 75); da fábrica do mundo, onde “as linguagens, como os continentes, derivam e apartam-se” (p. 76); e, a terminar, do fragmento de uma biologia dos monstros antigos, onde poderá perguntar se “estará no poder da tua [nossa] fábrica / compreender a génese ao ponto / de estruturas corporais espantosas resultarem, / produzindo novos monstros antigos, / metade palavra metade silêncio, / vivendo ora nos teus ora nos meus medos?” (p. 79). E, porque temos a noção do limite da nossa contingência (em oposição ao necessário), por aqui nos ficamos, deixando aos outros possíveis leitores deste magnífico – para nós, claro – livro de poesia, a liberdade de interpretação, mesmo que não se venha a saber “quem move o mundo”.
Tal como aconteceu com Eduardo Pitta, também nós fomos instigados à leitura deste “Monstros Antigos” do nosso homónimo Porfírio Silva, e gostamos.

Nota máxima… Leitura que se recomenta!                 

Tuesday, January 28, 2014

Michael Walzer e “as esferas da justiça”

Na prática, a destruição do monopólio do dinheiro neutraliza o seu predomínio”.

Michael Walzer

Da leitura que fizemos de Michael Walzer, numa sociedade em que os significados sociais se encontram definidos e hierarquizados, a justiça vem em auxílio da desigualdade. A teoria da justiça está atenta às diferenças e é sensível aos limites. Nas sociedades mais diferenciadas a justiça tem um campo mais vasto de acção, pois, há mais bens diferenciados, mais princípios distributivos, mais agentes e mais meios de actuação. E quanto maior for o campo de acção da justiça, mais evidente se tornará que a forma assumida por esta será a da igualdade complexa. O despotismo tem também maior campo de acção.
A justiça, é encarada como o contrário do despotismo, tem pois a ver com as mais terríveis experiências do séc. XX. A igualdade complexa é o oposto do totalitarismo: máxima diferenciação, em vez da máxima coordenação. Como sabemos, as formas contemporâneas de política igualitária tiveram a sua origem nas lutas contra o capitalismo e o especial despotismo do dinheiro. O despotismo do dinheiro assusta menos do que as formas de despotismo que tem a sua origem no outro lado da linha que separa o dinheiro da política. Sem dúvida, a plutocracia assusta menos do que o totalitarismo; aí a resistência é menos perigosa. A principal razão desta diferença é que o dinheiro pode comprar cargos, educação, honras, mordomias, etc., sem coordenar radicalmente as várias esferas distributivas e sem eliminar processos e agentes alternativos. Muito depende dos cidadãos, da sua capacidade de se afirmarem através do conjunto de bens e de preservarem a sua própria noção do seu significado dos mesmos.
A igualdade complexa continuará a ser uma possibilidade viva, mesmo que novos adversários da igualdade venham substituir os antigos. Esta possibilidade é permanente para todos os efeitos práticos, tal como a oposição que lhe é feita. O estabelecimento de uma sociedade igualitária não representará o fim da luta pela igualdade. Tudo o que se pode esperar é que a luta se torne um pouco mais branda à medida que os homens e mulheres aprendam a viver com a autonomia das distribuições e a reconhecer que resultados diferentes para pessoas diferentes em diferentes esferas tornam a sociedade justa. Por outro lado, a política hoje é apenas uma, embora provavelmente a mais importante, das muitas esferas da actividade social. Não se pode garantir aos cidadãos uma “oportunidade” em toda a parte. Não se lhes pode garantir uma “oportunidade” onde quer que seja. Porém, a autonomia das esferas produzirá uma maior repartição dos bens sociais do que qualquer outro sistema concebível. Espalhará mais amplamente o prazer de governar e tornará certo o que hoje permanece em dúvida: a compatibilidade entre o ser governado e conservar o amor-próprio. É que o governo sem dominação não ofende a nossa dignidade nem nega a nossa capacidade moral e política. O respeito mútuo e o amor-próprio compartilhados são apoios firmes da igualdade complexa e juntos constituem a fonte da sua possível resistência.


Michael Walzer, no seu livro “As Esferas da Justiça”, sustenta o pluralismo das esferas da justiça social ou distributiva e da igualdade. Partindo do facto de que as nossas convenções sociais levam à divisão da justiça em esferas autónomas relativamente ao princípio distributivo, agrega todo um conjunto de critérios aceites pela comunidade e denomina-os globalmente de “igualdade complexa”. Esta será a base para a distribuição social dado que a sociedade humana é, por natureza, uma comunidade distributiva, estamos juntos para partilhar, dividir e trocar.
Assim, Michael Walzer, com superior mestria, conduz-nos ao reconhecimento e assunção dos percursos do poder político no quotidiano dos cidadãos. Naturalmente, poderíamos pensar e até exigir ao autor outras abordagens, em concreto, sobre a teoria geral que formulou para a justiça social nas suas complexas esferas. A análise que difunde mostra-nos a complexidade inerente à tomada de decisões e coexistência sob o impacto dessas mesmas decisões.
          Para terminarmos, uma questão se coloca: – Que esferas da justiça, para o Portugal de hoje?

Thursday, January 23, 2014

Médico Manuel Franco Pita estreia-se como romancista!...

“Muitos consideram o intelecto como um armazém para encher, quando é um instrumento para usar; na prática é uma e outra coisa”

A.Schweitzer

Manuel Franco Pita, médico há longos anos no norte do País, acaba de lançar o seu primeiro livro, sob a chancela da “Calendário de Letras”, com o sugestivo título «Como és linda, Ana...». Este magnífico romance, o qual tivemos o grato privilégio de o apresentar publicamente, resulta de um sonho antigo, pois, ao longo da sua vivência profissional, ao ter conhecimento de muitas histórias – de vida umas, de morte outras, muitas de sofrimento e outras de amor – “viu o homem no seu expoente máximo, estóico enfrentando a adversidade, outras derrotado e sem esperança. Mas viu muitas coisas que fazem dele o expoente máximo da criação, o homem é um ser com uma imensa capacidade de amar. Quem quer que seja, dêem-lhe alguém e ele amará…” – lemos em sinopse. E assim nasceu uma história feita de muitas histórias.

Mesa - da esquerda para a direita: Francisco Madruga (Calendário de Letras); Manuel Franco Pita (Autor); Porfírio Silva (Apresentador); Américo Carneiro (Academia de Letras e Artes - ALA).

De facto, «Como és linda, Ana…» é uma história feita de muitas histórias, onde as bem caracterizadas personagens se interligam, sem perecerem ou entrarem em conflito entre a ciência e a espiritualidade, mesmo quando nos é dado saber que a ciência invade cada vez mais os diversos âmbitos da experiência e do pensamento humanos. Assim, Manuel Franco Pita, enquanto médico, através deste mesmo romance, faz-nos sentir que a espiritualidade e a Ciência procuram satisfazer o desejo humano de conhecimento do mundo e são dois modos de atribuir sentido à existência e à ordem da realidade. 
A realidade em «Como és linda, Ana…», revela-se-nos na afinidade entre anjos e demónios, uma espécie de interesse radical dos seres humanos pela sua própria sobrevivência. As personagens, espelham bem o sentido psicológico ou utilitário, da mesma sobrevivência. Em «Como és linda, Ana…» ficamos a saber que “há um tempo de médico e outro de Deus”, ou que “em coma profundo ter-se-ia verificado a abolição completa da percepção da dor mas tal significaria também que o indivíduo estaria mais perto da morte, o que quer que ela fosse. Talvez a travessia de um túnel, num estado de bonomia e paz, com uma luz ao fundo, assinalando uma nova ordem das coisas e um novo modo de sentir, um novo modo de ser e estar”; que na dermatologia também há cardeais, “porque a medicina também é um papado com os seus padres, bispos e cardeais”; que há gente que não quer “enveredar por uma senda de ressentimento, animosidade, ódio ou algo desse teor…”; que há quem ame um, voando “como as águias, as asas serenas abertas batendo devagar, o vale a passar lá em baixo…” e outro, voando “como voam os falcões, em golpes de asa febris, a cruzar os vales e os rios, a subir ao cimo e a descer rasante com a urgência de haver muito para dominar”; que há carícias que duram “o tempo de um relâmpago”; que a “máfia não tem sentimentos, se os tivesse não existia”; que através da eclosão de ódios antigos, ancestrais, pode-se chegar à limpeza étnica, qual “caixa de Pandora que Gorbatchev abriu”, segundo um antigo agente do KGB; que “a vida pára quando pára o coração, não quando param os outros órgãos. É a paragem cardíaca o último evento vital…”; que, como o filósofo o aventara, “ o livre arbítrio era o motor da vida e do mundo e que apenas os inteligentes triunfavam”; que os homens mentem mais, mas as mulheres mentem melhor; e que “há coisas que estão vedadas aos homens. Ou para além das suas capacidades. Sonhar a cores… Sonhar com Deus…(…) Talvez sonhar com Deus seja permitido às mães…”.


Em suma, e de modo a concluirmos, diremos que, tomando como nossas as palavras em sinopse, «Como és linda, Ana…» é uma história feita de muitas histórias e acção firmada «de médicos que se apaixonam, da loucura de um deles por crianças, de uma advogada que vê a obra de meia vida desfazer-se e que recomeça, de mafioso que dá a vida por um polícia, de um cirurgião exímio em final de carreira que aceita o desafio da vida – separar duas gémeas siamesas numa separação perigosa. E de outras histórias ainda. Porque cada instante da vida tem uma história. De tudo se poderá concluir que o amor é sublime, que os médicos talvez não saibam tanto como parece e que às mães seja permitido sonhar com Deus. Porventura muitas coisas mais, mas que cada um conclua o que achar melhor».
É essa a saudável dinâmica deste magnífico romance, que termina com sorrisos partilhados de Paulo Fontoura e Rosemary Abreu [Beijaram-se. Primeiro como a brisa beija as flores depois como o vento beija os pinhais. / De mão dada no corredor foram como a água de um rio. De um rio calmo, azul, perfeito], quando de uma enfermaria lhes chegou “a música da voz de uma enfermeira a acariciar o cabelo de uma criança doente. E levaram consigo a poesia que fluiu, quando ela disse – Como és linda, Ana…”, uma linda menina que morreu de cancro, para a qual, o médico Manuel Franco Pita, quis escrever-lhe o livro mais belo do mundo: Para ti Naná, para leres no Céu… E para nós, aqui na Terra, por forma a sairmos do estado de coma profundo, ainda que por imperativo da travessia de um túnel, “com uma luz ao fundo, assinalando uma nova ordem das coisas e um novo modo de sentir, um novo modo de SER e ESTAR”.
          Nota máxima… Leitura que se recomenda!

Friday, January 17, 2014

“O Silêncio que Fala” em Raquel Rodrigues!...

“O vocabulário do amor é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo”

Vergílio Ferreira

Raquel Rodrigues, nascida (1959) e criada em Viana do Castelo, licenciada em Gestão Comercial e Contabilidade, acaba de publicar o seu terceiro livro de poesia «O Silêncio que Fala», numa edição da “Chiado Editora”. Vocacionada desde muito cedo para a escrita e para as artes, áreas em que se considera uma autodidacta, publicou o seu primeiro livro «Sentimentos», em Julho de 2011, e «Telas em Prosa» – um desafio aceite de ilustrar o seu livro de poemas com as suas telas –, em Outubro desse mesmo ano. Expôs pela primeira vez, de 28 de Janeiro a 29 de Fevereiro de 2012, na Galeria do Instituto da Juventude de Viana do Castelo e, em Setembro desse mesmo ano, na Galeria da Câmara Municipal de Caminha.


Falando agora do seu último brado, «O Silêncio que Fala», para o qual fomos incumbidos do prefácio e da sua apresentação – levada a cabo no pretérito Sábado, 11 de Janeiro de 2014 –, teremos em dizer que «O SILÊNCIO QUE FALA» de Raquel Rodrigues, afigura-se-nos como, e deduzindo das suas próprias palavras, o pintar da “tela da vida em tons de fogo” (e como o AMOR é fogo!), querendo viver na plenitude, tendo como sentimento a palavra VIDA. E associa-se ao “silêncio que fala” da vida: o sonho, a paixão, o desejo, o(s) beijo(s), a solidão, o existir, o destino, o desalento, o vazio, o sentir, a saudade, o olhar, a partilha, o prazer, a alma, a paixão, o abrigo, o mar, o sol, a chuva, o vento, o deserto, a noite e o dia, o tempo, os espinhos, o perfume, os corpos e a cumplicidade do SER.
É através do SER que Raquel Rodrigues se entrega ao sonho que desabrocha como rebentos ao vento, sem querer que ele acabe, esculpindo imagens com as folhas do mesmo; percepciona e sente a luz do luar invadindo o corpo; cheira a maresia vinda da janela do quarto e sente a brisa do mar perfumando o corpo, num “platinado sensual que inebria”; experiencia o devaneio por entre a bruma da solidão; tem o desejo de sentir, mesmo quando na sua ausência, dando vida ao desejo de sentir (desejo sentido, premiado pela felicidade de sentir); vislumbra a linha do horizonte onde o céu toca o mar, qual odor de maresia e passos que levam ao infinito; procura as “asas do destino”, a ânsia de beijar e mãos percorrendo o corpo até ao íntimo, no toque e o afagar, culminando no êxtase da união, no prazer e rejuvenescimento, “alvoroçante entre lençóis / e aromas de amor findado”; salgada por fora, sangrando por dentro; voar para além do “negror do sonho”, gritando para além do infinito; sentindo amantes indivisíveis – o antes e o depois do amor –, quais peles salgadas do amor feito, expressariam a cumplicidade do seu ser “de ti em mim”; conta passos dados em redor da vida, num correr desenfreado para os braços da noite; questiona a vida que se reflecte na imensidão da amargura, estando e resistindo com a força do seu ser; faz amor com o mar, entregando-se às suas carícias, sentindo-se sua, através da sensualidade singela do seu toque na sua pele; ensaia o voo rasante da razão, com o levantar dos braços bem alto, voando no tempo, qual gaivota no mar dos seus sentidos; acordar no sussurro das palavras, etc., etc.


Raquel Rodrigues, também tem um sentir político, premeditado através do grito: “Não tolero / Não aceito / É um nó na garganta / Que asfixia / O grito / À liberdade / O querer o não ter / O pão para comer…” ou “Preciso acreditar / Que este Outono / Se transforme em primavera / Que a minha voz / Se torne soante / Em contíguo com / A do meu povo…”, sobrelevando, ao mesmo tempo a Liberdade: “… Socialmente injusto / Onde a corrupção prolifera / No sofrimento de um povo / Que nada faz para o derruir / Que sente / E se adapta / Que fala mas não age…”, passando pela “… desgraça / Dos que sobrevivem / Com a míngua do ser…”.
Tal como alguém um dia diria “não é poeta quem quer”, mas quem age pelo sentir, transcendendo e possibilitando o pensamento, fazendo eclodir a visão poética a partir da “raiz única das potências da alma”. E, para nós, Raquel Rodrigues preenche todos esses requisitos, porque lhe sentimos esse pulsar, através das suas próprias palavras: “A poesia é palavra muda / Que brota do peito / Dorido…”.

Gostamos deste «O SILÊNCIO QUE FALA» e isso nos basta, para o acharmos esteticamente perfeito (excelente capa – parabéns a Susana Monteiro) e recomendarmos a sua leitura!

Tuesday, January 14, 2014

João Fazenda expõe em Viana do Castelo

No trabalho do João Fazenda estão sempre a saltar-me aos olhos, como em «pop-up» dono de vontade própria, metáforas. Admito que talvez lhes dê exagerada importância, sobretudo quando o autor afirma tratarem-se apenas de elemento entre outros, como a cor, o desenho, a composição”.

João Paulo Cotrim


Pelas 11 horas do dia 4 de Janeiro (Sábado), na Biblioteca Pública Municipal de Viana do Castelo, foi inaugurada a Exposição «domador de imagens (obra gráfica editada em livros, revistas e jornais)» de João Fazenda, um dos mais conceituados “construtor de imagens” a nível internacional, a viver presentemente em Londres. A referida exposição estará patente ao público até ao dia 14 de Junho do corrente ano.
Foi através deste conceituado artista – uma mais-valia a sua vinda a Viana do Castelo – que apreendemos das suas próprias palavras que “uma ilustração que acompanhe um texto tem sempre outros aspectos para onde olhar: as cores, o traço… Tudo isso são aspectos da imagem que contam coisas, mesmo que pequenas, que criam um ambiente, uma impressão, que comunicam para além do texto”, conceptualizando o seu pensamento em termos de objectos, de edição, de coisas em contexto ou em diálogo, considerando o trabalho de ilustração “um trabalho sobre uma imagem, mas uma imagem em diálogo com os textos, com a palavra, com outras imagens… Não existe sozinha. Pode ter autonomia, deve tê-la para conter expressão e valor, mas está sempre a construir pontes ou vive disso. É essencial pensar dessa maneira porque só assim a consigo construir como um todo, sempre com esses canais de ligação e diálogo, que não são apenas metáforas, há tantas outras coisas…” – assim se exprime, tal como diria João Paulo Cotrim, um “mestre das subtilezas”, um tão querido e “subtil mestre”.


E para melhor avaliarmos a dimensão deste “subtil mestre”, convém recordar que João Fazenda nasceu em Lisboa, no ano de 1979, é Licenciado em pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, o seu trabalho divide-se entre a ilustração, a animação, a banda desenhada e a pintura. Colabora como ilustrador em diversos jornais e revistas nacionais. Ilustrou também livros infantis, cartazes de cinema e capas de discos. É autor, juntamente com Marte, da série de banda desenhada Loverboy e, com Pedro Brito, da novela gráfica “Tu és a Mulher da Minha Vida. Ela é a Mulher dos meus Sonhos”. Foi distinguido por mais de uma vez pela Society for News Design com Award of Excellence em ilustração e em 2007 recebeu o Grande Prémio Stuart/El Corte Inglês de Desenho de Imprensa. Participou em diversas exposições colectivas e individuais em Portugal e no estrangeiro. Realizou os filmes de animação “Café”, em parceria com Alex Gozblau, e “Algo de Importante e Sem Querer”, ambos com argumento de João Paulo Cotrim.
De facto, a manhã desse mesmo dia foi preenchida da forma mais positiva possível, assistindo à inauguração da referida exposição que se enquadra num projecto de Rui A. Faria Viana (Chefe de Divisão da Biblioteca e Arquivo Municipais), cuja direcção artística e coordenação está a cargo de Tiago Manuel, também ele um conceituado artista vianense e do mundo (para quem, no dizer de João Paulo Cotrim, “a natureza não se confina ao lugar de grande cenário, pano de fundo, antes entra na massa compósita das coisas, dos seres, das emoções e dos pensamentos”), contando com a nossa modesta colaboração na montagem, de parceria com Jorge Silva. Foi mais um acontecimento de grande nível cultural, o vivido naquele dia na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo. Pena é a apatia de quem muito critica, quando são parcos na acção.
          Uma sugestão: façam uma visita a esta magnífica exposição!

Friday, January 10, 2014

Publicado mais um tomo dos “Cadernos Vianenses”!...

“Trata-se, assim, de uma publicação que constitui o repositório das diversas análises e abordagens de problemas e assuntos de interesse transversal para a sociedade vianense em perspectivas tão díspares como a cultural, etnográfica, popular e outras”

José Maria Costa

No final do ano de 2013 foi lançado o Tomo 47 dos «Cadernos Vianenses», publicação editada ininterruptamente pela Câmara Municipal de Viana do Castelo desde 1978, e que há quatro anos a esta parte tem vindo a ser coordenada, de uma forma irrepreensível, pelo actual Chefe de Divisão de Biblioteca e Arquivo Municipais, Rui Alberto Faria Viana. Pela positiva, convém aqui salientar as alterações introduzidas pelo seu actual coordenador, a partir do número 44 (2010), no sentido de melhorar e tornar mais atraente esta mesma publicação, de que se destacam a forma de apresentação dos conteúdos e das imagens, sem alterar o aspecto físico com que nos habituamos ao longo de mais de três décadas de publicação. Aliás, já aqui o referimos em anteriores apontamentos, que esta extraordinária publicação deu um grande salto em termos científicos e qualitativos – obrigando-nos a referir como uma mais-valia, o envolvimento neste projecto editorial, do qualificado designer Rui Carvalho –, a ponto de fazerem sentido as palavras do seu coordenador, no dia de lançamento do presente tomo: O design gráfico deste tomo, como dos três anteriores, é da responsabilidade do Dr. Rui Carvalho, a quem agradeço a estreita colaboração que me tem proporcionado e o profissionalismo que pôs neste trabalho que, estou certo, muito contribuirá para o bom êxito de mais este número dos “Cadernos Vianenses”.

Mesa: Rui A. Faria Viana (Coordenador), José Maria Costa (Presidente) e Maria José Guerreiro (Pelouro da Cultura) 

Outro nome a referir é o do artista plástico Rui Pinto que, desde 1978, tem vindo a elaborar as capas da referida publicação: constituindo um conjunto artístico coerente e único que muito enriquece esta publicação, e que no caso presente evoca muitos dos temas que tem sido objecto de abordagem e caracterizam esta publicação de interesse local – citamos o coordenador, Rui A. Faria Viana.
Para além da apresentação, feita pelo presidente do município, José Maria Costa, o presente tomo, e sem que entremos em minuciosas descrições dos artigos publicados, teremos em dizer que o mesmo apresenta-se com três separadores temáticos (secções): ESTUDOS VÁRIOS – “O Mosteiro de S. João de Cabanas e a Paróquia de Afife”, de Horácio Faria; “Sistemas defensivos no litoral vianense durante o período filipino (1580-1640), de Jorge Filipe Pereira de Araújo; “A visitação de 1618 a Viana”, de Susana Maria Vaz de Carvalho; “Identificação de um manuscrito: as Liçoens de Artilharia do engenheiro Manuel Pinto Vilalobos, de Miguel Soromenho; “Viana em Camilo: [«Tramoias d’Esta Vida» (1863)]”, de David F. Rodrigues; “Uma peça inédita de Salvato Feijó: D. Baganha e Areosa”, de António Matos Reis; “A Cruz Vermelha de Viana e a epidemia de Castro Laboreiro em 1914”, de Gonçalo Fagundes Meira; “Modernismo urbano revisitado. O caso de Viana do Castelo”, de José da Cruz Lopes, Manuel Rivas Gulías e Rui Branco Cavaleiro; “O traje à vianesa e as políticas propagandistas do Estado Novo”, de Eliana Gigante Amorim; “A emigração no Alto Minho (1960-1965), de Ernesto Rodrigues Português, José Rodrigues Afonso, José Rodrigues Lima e Manuel António Domingues; FIGURAS E MEMÓRIAS – “Mendes Carneiro: humanista nas ciências e nas letras”, de Francisco José Carneiro Fernandes; “Registo de acidente em Viana do Castelo em 1938”, de António de Carvalho; terminando com CONTINUADOS – onde se incluem trabalhos que têm continuação dos números anteriores, cuja temática e estrutura são já do conhecimento de todos os habituais leitores dos «Cadernos Vianenses»: “100 anos de correio no concelho de Viana do Castelo (1880-1980)”, de José Miranda da Mota; “Acerca de umas Chapas metálicas com algarismos em relevo existentes na zona baixa de Viana do Castelo”, de Vasco Filipe Costa Antunes; “Inventário dos moinhos de água e de vento, engenhos e lagares de azeite”, de Carlos Brochado de Almeida e Mário Carlos Sousa Gonçalves, concluindo-se no presente número este inventário, iniciado no tomo 41 (2008); “Arrolamento dos bens das igrejas”, de António Maranhão Peixoto.

Capa do Tomo 47 dos «Cadernos Vianenses»
A finalizar, surgem de uma forma resumida algumas notas sobre os colaboradores, com o objectivo de uma melhor identificação de todos os que assinam trabalhos inseridos neste tomo dos «Cadernos Vianenses».
Segundo o coordenador dos «Cadernos Vianenses», o tomo (48) do próximo ano abordará – pelo menos terá uma secção exclusiva – os 500 do nascimento de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, o que irá proporcionar uma diversificada leitura de vários colaboradores apaixonados ou interessados nesta temática, permitindo, ao mesmo tempo, uma boa oportunidade para divulgarem os seus trabalhos.      
      Resta-nos felicitar a Câmara Municipal por saber (e querer) manter este elo cultural, que continua a fazer história no panorama editorial de Viana do Castelo e não só, dado que muitas são as solicitações de permuta com outras publicações similares. Daí, por esta e outras razões, nota máxima para esta publicação!