Saturday, December 21, 2013

«Abrindo portas» com Artur Rodrigues Coutinho!...

“A diversidade e arte que os autores (artistas) nos revelam na sua execução, são facultadas ao leitor através da interessante e maravilhosa colecção de fotografias que o Reverendo Senhor Padre Artur Rodrigues Coutinho, pela sua cultura, espírito de investigação, desejo e preocupação de deixar, aos vindouros, o conhecimento da evolução das sociedades, do passado da história humana, para melhor se compreender e construir o futuro”

Luís Vila Afonso

Por sempre termos apreciado a acção intelectual, humanista e espiritual (poderá parecer redundância, mas fizemos questão de a “tridimensionar”) do nosso aparentado conterrâneo Artur Rodrigues Coutinho – pois, tal como nós, nasceu na milenar freguesia limiana de S. Simão da Junqueira de Mazarefes, aos sete dias de Janeiro de mil novecentos e quarenta e sete –, cedo o elegemos como uma das referências, eticamente falando, na nossa vida. Apesar de já aqui, numa das nossas crónicas anteriores, dele termos falado (o que nos isenta de repetitivos decalques biográficos), continuaremos a creditá-lo como aquele que “sempre soube aproveitar o contacto com o meio e as populações, auscultando-lhes as memórias e as vivências, traduzidas e/ou aliadas a um verdadeiro trabalho de campo, etapas indispensáveis ao conhecimento histórico, etnográfico e antropológico, tendo em conta que o conceito de etnografia está intimamente ligado à antropologia” – escrevemos na altura.


«Abrindo Portas», numa edição esteticamente bem conseguida do Centro de Estudos Regionais (CER), é mais um trabalho (premeditadamente) sequencial da assoberbada paixão do bom amigo Artur Rodrigues Coutinho pela etnografia, etnologia e antropologia social ou cultural. Embora saibamos das ligeiras diferenças de conteúdo, de objecto, do método e de orientações, estaremos em dizer que, como um dia aventaria Claude Rivière, essas diferenças assentam muitas vezes e/ou apenas nas próprias tradições. Se a etnografia corresponde a um trabalho descritivo de observação e de escrita; a etnologia, “ao elaborar os materiais fornecidos pela etnografia, visa, após análise e interpretação, construir modelos e estudar as suas propriedades formais a um nível de síntese teórica, tornando possível pela análise comparativa”; a antropologia acaba por se apresentar ainda mais generalizadora do que a etnologia. Tudo isto para concluirmos que as ligeiras diferenças de conteúdo se sintetizam numa única disciplina, o que nos leva à plena convicção (afirmativa) de que este trabalho de Artur Coutinho, lançado em cerimónia pública na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo (14.12.2013), é por assim dizer um abrir de portas – e fazendo nossas as palavras de Fabíola Silva, no prefácio – “aos curiosos e dá as ferramentas básicas para que todos possam partir para a descoberta da porta, desde objecto tão banal, mas que na realidade é tão essencial no nosso quotidiano”. A sintetização a que aludimos (ou constatamos) neste «Abrindo Portas», está bem patente na minuciosidade descritiva empregue pelo autor, através de pormenores particulares (profusamente ilustrados) – e que por vivermos numa globalidade exasperada, os ignoramos ou desconhecemos – contidos no universal de uma porta: ferrolhos, batentes, aldravas, puxadores, fechaduras, chaves, dobradiças, trancas, protectores de cantarias, raspadeiras do calçado (vulgo “limpa-pés”), visores, gateiras, caixas de correio e argolas para prisão de cavalos. Artur Coutinho é um antropólogo cultural e social atento, levando-nos a olhar as portas de uma forma diferente.
Neste magnífico trabalho, Artur Coutinho fala-nos ainda d’A CASA: ESPAÇO E FRONTEIRA (Capítulo I), sendo que esta, segundo o autor, “representa o nosso espaço, onde nos sentimos a nós próprios com consciência ou sem ela, com tranquilidade, com serenidade, com segurança e a presença dos nossos que nos são muito queridos”; d’A PORTA NA BÍBLIA (Capítulo II), apresentando-se a mesma como um local singular e anunciador de algo que se passa dentro, qual alegoria ao facto de que “uma porta é sempre uma porta para o bem ou para o mal” ou – citando o próprio autor – “o acto de abrir a porta deve ser um acto de escuta, de proximidade, de intimidade, mas muitas vezes, distraídos com as coisas do mundo a fechamos para ela não se abrir com facilidade às coisas de Deus”… Simplesmente sublime!


Para além da descrição das FERRAMENTAS E OUTROS ELEMENTOS, Artur Coutinho fala-nos ainda das portas da Sé Catedral de Viana do Castelo e da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, fechando com “um pequeno olhar sobre Viana”, onde faz um pequeno registo fotográfico de portas da cidade: “Não se trata de um registo completo, mas de um desafio para os que pretendam fazer um trabalho exaustivo sobre estas curiosidades da nossa terra. / Viana do Castelo tem muitas mais que estas, melhores e piores, mas tão diversificadas que podem encher os olhos e as mentes de todos aqueles que tenham espírito de observação” – citamos.
        «Abrindo Portas», uma obra com nota máxima!

Friday, December 13, 2013

“Verba volant, scripta manent” ou rito de passagem anim(b)alista!...

“Primeiro tem de se considerar que as disposições de carácter são de uma natureza tal que podem ser destruídas por defeito e por excesso tal como vemos acontecer com o vigor físico e com a saúde (é que temos que fazer uso primeiro do testemunho de coisas visíveis antes de chegar às invisíveis).”

Aristóteles (In, Ética a Nicómaco, 1104a1)

Embora possa parecer de uma forma desconexa ou descontextualizada, o propósito de abordarmos a “senilidade” e falta de ética (quiçá, de carácter) de alguns políticos, hoje iremos abordar a questão do “ritual” – inicialmente de inspiração religiosa, quando era suposto dois tipos de relações: dos homens com os deuses, e, inversamente, dos deuses com os homens; e que Claude Rivière afirma constituírem as primeiras “o domínio dos sacra (ritos sacramentais, sacrifícios, orações, apelando eventualmente para especialistas do oculto), os segundos são os signa, que dispensam o apelo aos sacra e dão a impressão de uma imediatez, apesar de estarem ligados a técnicas de interpretação que revelam da mística” – como uma performance, ou seja, como uma forma de representar, uma prática que tem um carácter repetitivo, uma certa regularidade mais resistente à mudança, estaremos em afirmar que tal acção (porque forma de agir) se “prescreve” num conjunto de actos repetitivos e codificados. Embora nem todos os comportamentos repetitivos possam ser designados de rituais, há por vezes práticas que, pela sua forma de estruturação, eficácia social e simbólica, podem, muitas vezes, conferir-lhes esse sentido. As praxes académicas e os jogos de futebol – com as suas claques –, por exemplo, se lhe conseguirmos descortinar um sistema simbólico inerente à acção, já que, através dessas práticas, os condimentos da oratória, da entoação e da canção, aliados à forma de trajar, podemos “imprimir-lhes”, circunstancialmente, algum sentido ritual. Mas, mesmo assim, são muitos os antropólogos que afirmam a inexistência de ritual nas praxes académicas e/ou nos jogos de futebol, ao conferir-lhes uma prática de divertimento, adaptação ao meio e/ou convívio.
No processo ritual – e parafraseando a antropóloga e nossa particular amiga Manuela Palmeirim – os actores reconhecem quem faz o quê, quando e como. Fazem-no, mas, muitas vezes, não sabem o que esses símbolos significam. Por isso, o ritual é normalmente acção, representação, a prática e não o que os símbolos significam. Aqui, o carácter emocional tem um grande significado. Para autores como Max Black, Tambiah e G. Lewis, importante são as regras, o que fazer e não o seu significado. É nesse sentido que – em oposição à ideia de que os rituais servem para “dizer ou comunicar qualquer coisa” – nos é dado afirmar que, normalmente, os mesmos servem para “fazer qualquer coisa”. Em suma, dizer é fazer, é instituir o mundo.
 Segundo Max Black, a linguagem ritual é de representação, de acção (performance) e essencialmente emocional. Por outras palavras, os símbolos não significam, têm essencialmente um valor emocional. Outro facto a salientar é que nos rituais a linguagem não se confunde com a linguagem comum, dado que as linguagens rituais são oratórias, entoações e canções. A canção, por exemplo, é uma linguagem por excelência ritual. Já Claude Lévis-Strauss (1908-2009) afirmara a difusão da linguagem, enquanto fenómeno de estrutura social, como unificadora de comunidades separadas em comunidades de língua única e o processo inverso de subdivisão em comunidades de línguas diferentes. Sem nos procurarmos desviar do nosso objectivo, “atentaremos” em reforçar a ideia de que a linguagem ritual ao permitir a sua estilização distancia-se assim da linguagem comum.
    

Voltando aos símbolos, recordaremos que Victor W. Turner, numa visão contrária a Lévi-Strauss, define os símbolos como uma abordagem interpretativa, sendo que, para ele, se quisermos penetrar na estrutura interna das ideias contidas num ritual, temos de compreender como é que os participantes nesse mesmo ritual interpretam os seus símbolos. É o próprio Turner que o afirma: Meu método é assim necessariamente o inverso daquele de inúmeros estudiosos que começam por extrair a cosmologia que frequentemente se expressa em termos de ciclos mitológicos e, então, passam a explicar rituais específicos como exemplos ou expressões de “modelos estruturais” que encontraram nos mitos. E dá como exemplo os ndembos – povo do noroeste da Zâmbia que, tal como os iroqueses, estudados por Lewis Henry Morgan (1818-1881), é matrilinear, e combina a agricultura de enxada com a caça, à qual atribuem alto valor ritual – que possuem muito poucos mitos e narrativas cosmológicas ou cosmogónicas. A oposição a Lévi-Strauss – e apesar de Turner concordar quando este acentua que o “pensamento selvagem” tem propriedades tais como homologias, oposições, correlações e transformações, as quais são também características do pensamento requintado – reside no facto de, por exemplo, no caso dos ndembos, os símbolos utilizados indicarem que tais propriedades estão envolvidas por revestimento material, forjado na sua experiência de vida. Victor W. Turner procura através da função social dos símbolos, descodificar o significado dos próprios símbolos, dado que para ele os símbolos não têm, forçosamente, uma significação única: Cada elemento simbólico relaciona-se com algum elemento empírico de experiência conforme claramente revelam as interpretações indígenas dos remédios vegetais. No fundo, a linguagem ritual não passa de uma linguagem emocional de baixo conteúdo proposicional, ou seja, de fracos enunciados. Os símbolos estão aí, ao dobrar de cada esquina…
E porque “ritos de passagem são aqueles que marcam momentos importantes na vida das pessoas” expressar-nos-emos – sem combinarmos a (ndembo) agricultura de enxada com a caça – pelo escrito de acabar com as pescas e a agricultura (incluindo “vacas leiteiras”), subtraindo, anos mais tarde, através do rito de passagem verbal, de voltar as atenções para o mar e o desenvolvimento da agricultura; pelo voto – a par da Margaret Tatcher e do cowboy Ronald Reagan –, da “não libertação” de Nelson Mandela, justificado no tempo presente, de forma verbal, pelo contexto documental de “um incentivo à violência”, só porque reafirmava “a legitimidade da luta do povo da África do Sul e o seu direito a escolher os meios necessários, incluindo a resistência armada, para alcançar a erradicação do apartheid”, evidenciando, ao mesmo tempo, um baixo conteúdo emocional, mesmo quando disfarçado de endeusamentos de circunstância, para ficarem bem na “fotografia”: «Eu tive o privilégio de conhecer Nelson Mandela. Inquestionavelmente, um dos maiores estadistas do século XX…». Palavras [anim(b)alistas] e expressões de “modelos estruturais” que não passam de desculpas esfarrapadas, revestidas (e ainda que nos tornemos repetitivos) de linguagem emocional de baixo conteúdo proposicional, ou seja, de fracos enunciados.
       Será que estamos a assistir a ritos de passagem? Talvez! Daí, e face às circunstâncias da nossa “crucificação” presente, continuarmos a acreditar e a formular: enquanto as palavras voam, o escrito permanece!

Saturday, December 07, 2013

Carla Mesquita, uma voz embrionária na literatura alto-minhota!...

“Todos os dias, devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro bonito e, se possível, dizer algumas palavras sensatas”

Goethe

Sem qualquer constrangimento, porque sempre nos pautamos pela máxima de Montapert – Ajuda melhor os outros quem lhes mostra como se hão-de ajudar a eles mesmos. É melhor dar esperança e força que dar dinheiro –, hoje resolvemos falar da jovem Carla Mesquita, que começou a dar os primeiros passos como autora, em 2009, com a publicação do seu primeiro livro «Momentos» (poesia), numa edição da Junta de Freguesia da Meadela (Viana do Castelo). No corrente ano (2013), participou na IV Antologia de Poesia Contemporânea da Chiado Editora – Entre o sono e o sonho – e publicou «Dar sangue é ser amigo: Associação de Dadores de Sangue da Meadela: a fazer amigos desde 1996», editado pela Associação de Dadores de Sangue da Meadela (Viana do Castelo).


Este último trabalho, trata-se (a nosso modesto ver) de uma obra esteticamente bem conseguida (embora pese a subjectividade do nosso gosto) e cientificamente bem estruturada onde, para além dos testemunhos de abertura – António Mesquita, Presidente da Associação de Dadores de Sangue da Meadela; Manuel Luís Antunes Belo, Presidente da Assembleia Geral da ADSM; José Maria Costa, Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo; Manuel Américo de Matos Carvalhido, ex-Presidente da Junta de Freguesia da Meadela; António Fernandes, Presidente da Comissão de Festas de Santa Cristina da Meadela; Manuel José da Costa Azevedo Vilar, Pároco da Meadela; Defensor Moura, Fundador da Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo; Miguel Jorreto, Director de Imunohemoterapia ULSAM; José de Castro Oliveira, Capelão do Hospital de Santa Luzia; Isabel Miranda, Directora Técnica do Centro de Sangue e Transplantação do Porto IPS; Luís Ceia, Presidente da Associação Empresarial de Viana do Castelo; Virgílio Augusto Teixeira, Presidente da Direcção de Dadores Benévolos de Sangue de Vendas Novas; Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Paredes de Coura; Nuno Caroça, Presidente da Associação de Dadores Benévolos de Sangue da Póvoa de Santa Iria; Lucinda Araújo, Presidente da Associação de Dadores Benévolos de Sangue do Concelho de Caminha; David Sousa, em nome dos colaboradores da ADSM; Catarina Cavaleiro, com o poema “Sublime missão”; Luís Ramiro, Colaborador da ADSM; Jacinta Maria Pisco Alves Gomes, Maria Albertina Álvaro Marques e Maria Manuela Amorim Cerqueira, em nome da ADSM; Ilídio Passos Ribeiro, Dador de Sangue; José Borlido, Sócio Honorário da ADSM; e Carlos Santos, com o poema “Solidariedade”, no diz ser um «tributo aos Dadores de Sangue, e dedicado a todos os que se Dão solidariamente, sem nada esperar em troca» –, Carla Mesquita se firma e afirma, em jeito de introdução, que “o sangue é um órgão essencial à vida e apesar dos progressos científicos ainda não foram encontrados produtos de substituição para este fluído. Assim, a Dádiva de Sangue é, e sê-lo-á, ainda nos próximos anos, indispensável”. De facto, e parafraseando a jovem autora, esta problemática constituiu-se numa preocupação constante para a sociedade em geral. Segundo a autora, este trabalho foi elaborado com o intuito de dar a conhecer o percurso da ADSM que, apesar de ser jovem, tem já uma actividade vasta no campo de sensibilização para a dádiva de sangue.
Constituem abordagens subsequentes à introdução: Breve história da dádiva de sangue, onde ficamos a saber que a descoberta da circulação do sangue foi feita por W. Harvey, em 1613; Contexto português, cuja problemática do sangue constituiu-se numa preocupação constante em Portugal, desde o ano de 1900; Dia Nacional do Dador de Sangue, 27 de Março, instituído através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/86, tendo como objectivo reconhecer a importância da contribuição desinteressada dos Dadores Benévolos de Sangue para o tratamento de doentes; O caso de Viana do Castelo, primordial iniciativa de Defensor Moura e da Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo; e, finalmente, História do Núcleo de Dadores de Sangue da Meadela, associação que se tem pugnado por muito fazer em prol dos doentes, “quer por doação de sangue, por empréstimo de equipamento, quer através de outras iniciativas de carácter social”, ajudando ao mesmo tempo a conseguir o almejado objectivo das autoridades nacionais da área do sangue: a auto-suficiência. Rigor científico, porque “escorado” em citações bibliográficas.  
Para aqueles que não conhecem a jovem Carla Mesquita, de seu nome completo Carla Maria Meira Dias Mesquita, convenhamos em dizer que é filha de Manuel Dias Ligeiro e de Maria Lúcia Midão Meira Dias, e nasceu na secular (Phanos – Cidade do Farol) freguesia de Fão, Esposende, a 1 de Abril de 1982, mas vive na Meadela, onde constituiu família. Possui o Mestrado em Ciências da Informação e da Documentação, pela Universidade Fernando Pessoa; Licenciatura em Ciências e Tecnologias da Documentação e Informação, pela Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, do Instituto Politécnico do Porto; e Curso de carácter geral do agrupamento 4 – Humanidades, 12º Ano do ensino secundário completo. Neste momento desempenha funções de Técnica Superior na Biblioteca Pública Municipal de Viana do Castelo.   
Aqui ficam estas nossas sensatas palavras à jovem escritora Carla Mesquita, tomando como referência o princípio “wildeano” de que “o que desejamos só é agradável enquanto não o possuímos”.
        Força Carla Mesquita, nunca desistas… QUOD SCRIPSI, SCRIPSI!