Friday, April 22, 2016

A rota para a “ciência normal” em Thomas Kuhn!...

«A criação de jornais especializados, a fundação de sociedades de especialistas e a reivindicação de um lugar especial nos currículos de estudo, têm geralmente estado associadas com o momento em que um grupo aceita pela primeira vez um paradigma único…»

Thomas Kuhn

Um pequeno debate acerca da Ciência e da actual política de atribuição de bolsas para doutoramento pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), levou-nos a fazer uma pequena reflexão à volta de determinados conceitos ou paradigmas que nos ajudam a compreender certas articulações de atribuição ou não dessas mesmas bolsas.
Tomando por referência o conceito “ciência normal”, tendo em conta que para Thomas Kuhn tal conceito «significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas», estaremos perante a constatação de que essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior. Segundo o mesmo filósofo, presentemente, essas realizações são relatadas pelos manuais científicos elementares e avançados, que expõem o corpo da teoria, ilustram as aplicações bem-sucedidas e comparam-nas, com observações e experiências exemplares. E há exemplos ao longo da história, sendo que esses manuais – ou livros – se tornaram populares no começo do século XIX. Thomas Kuhn destaca: A «Física» de Aristóteles, o «Almagesto» de Ptlomeu, os «Principia» e a «Óptica» de Newton, a «Electricidade» de Franklin, a «Química» de Lavoisier e a «Geologia» de Lyell, obras que, por algum tempo, serviram para definir e legitimar os problemas e métodos de um campo de pesquisa, para gerações posteriores de praticantes da ciência. E Thomas Kuhn aponta duas características essenciais para que isso tivesse acontecido:
1 – Suas realizações foram suficientemente sem precedentes para atrair um grupo duradouro de partidários, afastando-os de outras formas de actividade científica dissimilares;
2 – Simultaneamente, suas realizações eram suficientemente abertas para deixar toda a espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência.
Thomas Kuhn refere-se às realizações que partilham essas duas características como «paradigmas», termo que, como ele afirma, está estreitamente relacionado com a «Ciência Normal». A partir daqui, importa saber como é que são criados os «paradigmas» e em que medida contribuem para a investigação científica?
No discorrer deste ensaio, o autor sugere-nos alguns exemplos aceites na prática científica, que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação: “Astronomia Ptlomaica” (ou “Copernicana”), “Dinámica Aristotélica” (ou “Newtoniana”) e “Óptica Corpuscular” (ou “Óptica Ondulatória”). E poderiam ser citados outros exemplos.
Voltando aos «paradigmas», Kuhn defende que o estudo dos mesmos paradigmas é o que prepara os estudantes para serem membros de uma determinada comunidade científica, na qual exercerão mais tarde a sua prática. Uma vez inseridos na comunidade científica, esses mesmos estudantes aprendem e são orientados por investigadores – que aprenderam as bases de seu campo de estudo a partir dos mesmos modelos concretos – cuja prática subsequente raramente irá provocar desacordo declarado sobre pontos fundamentais. No fundo, há um indubitável compromisso com as regras e padrões para a prática científica, porque baseado em «paradigmas» partilhados. Segundo Kuhn, esse compromisso – ou comprometimento – e o consenso aparente que produz são pré-requisitos para a «ciência normal», isto é, para a «génese e a continuação de uma tradição de pesquisa determinada».


Face à necessidade de acrescentar algo mais sobre as razões da introdução do conceito de «paradigma», Thomas Kuhn deixa no ar duas interrogações: Por que a realização científica, como um lugar de comprometimento profissional, é anterior aos vários conceitos, leis, teorias e pontos de vista que dela podem ser abstraídos? Em que sentido o paradigma partilhado é uma unidade fundamental para o estudo do desenvolvimento científico, uma unidade que não pode ser totalmente reduzida a componentes atómicos lógicos que poderiam funcionar em seu lugar? – remetendo-nos para «A Ciência Normal como resolução de quebra-cabeças».
Na certeza, porém, de que os «paradigmas» auxiliam as comunidades científicas, as respostas a estas questões e outras similares demonstrarão ser básicas para a compreensão, tanto da «ciência normal», como do conceito associado de «paradigma», sendo que o «paradigma» é essencial e relevante para a investigação científica. O exemplo de que se um historiador, ao seguir, desde a origem, a pista do conhecimento científico de qualquer grupo, seleccionar os fenómenos interligados, provavelmente encontrará alguma variante menor de um padrão. Por isso, e parafraseando Kuhn, «nenhuma história natural pode ser interpretada na ausência de, pelo menos, algum corpo implícito de convicções teóricas e metodológicas entrelaçadas que permitam a selecção, avaliação e a crítica». Ainda segundo Kuhn, na ausência de um paradigma, os historiadores deparar-se-ão com sérias dificuldades, a ponto de todos os factos que possivelmente são pertinentes ao desenvolvimento de determinada ciência têm a probabilidade de parecerem igualmente relevantes.
Nova questão se coloca: Como são criados os «paradigmas» e como é que as revoluções científicas ocorrem? Porque achamos relevante à compreensão desta problemática, começaremos por citar Thomas Kuhn, quando se refere às escolas características dos primeiros estágios do desenvolvimento de uma ciência que, circunstancialmente, aos tempos de hoje, nos omitem detalhes que cientistas posteriores considerariam fontes de iluminações importantes – afirma que «se esse corpo de crenças já não está implícito na colecção de factos — quando então temos à disposição mais do que “meros factos” — precisa ser suprido externamente talvez por uma metafísica em voga, por outra ciência ou por um acidente pessoal e histórico». E prossegue: «Não é de admirar que nos primeiros estágios do desenvolvimento de qualquer ciência, homens diferentes confrontados com a mesma gama de fenómenos — mas em geral não com os mesmos fenómenos particulares os descrevam e interpretem de maneiras diversas. É surpreendente (e talvez também único, dada a proporção em que ocorrem) que tais divergências iniciais possam em grande parte desaparecer nas áreas que chamamos ciência». Com o desenvolvimento da ciência da natureza, onde através de um indivíduo ou grupo, se produz uma síntese capaz de atrair os praticantes de ciência que os prosseguem, gradualmente, as escolas mais antigas começam a desaparecer. Aí, dá-se a conversão dos seus adeptos ao novo «paradigma». Aqueles que se mantiverem aferrados às concepções mais antigas, são meramente excluídos e os seus trabalhos ignorados, dado que, no dizer de Thomas Kuhn, o novo «paradigma» implica uma definição nova e mais rígida do campo de estudos.
Convém aqui realçar que ao desaparecimento das escolas antigas se deve o triunfo das escolas pré-paradigmáticas e que, ao competirem entre si, fazem emergir um novo «paradigma». Aqui, Kuhn diz-nos que o novo «paradigma» implica uma definição nova e mais rígida do campo de estudos, a ponto de aqueles que não desejarem vincular-se ao mesmo, vêem-se na contingência de procederem isoladamente ou unirem-se a um outro grupo. O mesmo filósofo da ciência vai mais longe, ao afirmar que «historicamente, tais pessoas têm frequentemente permanecido em departamentos de Filosofia, dos quais têm brotado tantas ciências especiais». E os «paradigmas» passam a estar na génese da transição de um conceito de grupo para o conceito de profissão ou disciplina. Dará para compreender? Talvez!

Monday, April 18, 2016

A Arte em Fernando Hilário com «Desenhos para Pessoa»!...

«A ideia teve o seu começo involuntário. O Poeta tem razão: “Todo o começo é involuntário”. Depois, desceu sobre a ideia alguma luz e descobriu-se-lhe alguma forma…»

Fernando Hilário

Quando anuímos ao convite do Professor Doutor Fernando Hilário, para estarmos no dia 9 de Abril do corrente ano, na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, com o sentido de darmos o nosso modesto contributo emocional, perante esta maravilhosa matéria-prima que resultou neste não menos maravilhoso produto acabado «DESENHOS PARA PESSOA», teremos de confessar que tememos um pouco pela nossa “integridade intelectual”, já que aliada à circunstância de padronizarmos a arte pelo gosto (emergente da natureza dos seres humanos), sempre pensamos, por defeito de formação – os filósofos não são os únicos a desenvolver teorias de arte –, que o valor da arte está necessariamente ligado ao prazer estético ou à satisfação; estamos, também, perante uma das grandes referências da Literatura e da Arte, em Portugal. Sim, de uma forma sintetizada, Fernando Hilário licenciou-se em Letras e doutorou-se em Teoria da Literatura e Literatura Comparada; foi professor do ensino secundário e do ensino superior privado e público; trabalhou na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto e com a Faculdade de Letras da Universidade do Porto na área da formação pedagógica de professores; é membro investigador do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; co-fundador do Centro de línguas e literaturas da Universidade Fernando Pessoa, Ponte de Lima; tem obra publicada nas áreas do Modernismo português, das Artes plásticas e da Literatura angolana; actualmente, desenvolve trabalho de investigação na área da Poesia de expressão significante.


E poderíamos ficar por aqui. Mas não! Onde ficava a ideia do belo e do juízo estético, situado por Kant entre o logicamente necessário (teoremas matemáticos) e o puramente subjectivo (expressões de gosto pessoal)?...
Assim sendo, e tendo em conta que a subjectividade resulta da aparência de um juízo cognitivo, porque exprime um sentimento de aprovação pessoal, depressa nos atrevemos a saltar essa temerosa barreira do jogar à defesa, intelectualmente falando, por noção clara de que a beleza precisa de ser apreciada subjectivamente. Hans-Georg Gadamer (1900-2002), filósofo alemão considerado como um dos expoentes máximos da hermenêutica filosófica (interpretação de textos escritos, formas verbais e não verbais), uma das nossas redes neste “trapézio” da Arte, apesar de ter defendido que a abordagem à arte através da “experiência do gosto estético é relativamente externa e… algo redutora”, escreveu, também, a dado momento, que «Uma obra de arte… exige ser construída pelo espectador ao qual é apresentada. Não é… algo que possamos simplesmente usar para um fim particular, nem uma coisa material da qual possamos fabricar alguma outra coisa. Pelo contrário, é qualquer coisa que apenas se manifesta e se exige quando é reconstruída pelo espectador» – citamos. Ainda, segundo Gadamer, é por isso que o juízo estético e a produção artística andam de mão dada, sendo que a criatividade do artista precisa de público e, para o público (condição nossa, naquele momento e agora), a arte criativa oferece «a experiência que melhor cumpre o ideal de um deleite “livre” e desinteressado» – voltamos a citar Gadamer. Luís Filipe Castro Mendes, diplomata e poeta (ora nomeado Ministro da Cultura), que conhecemos nas Correntes d’Escritas deste ano, por exemplo, referiu-se a Fernando Pessoa como um dos grandes desafiadores da modernidade. Segundo Castro Mendes, o poeta é aquele que mais inspira do que é inspirado e o seu ganho está nos leitores, sinal acrescido dessa sensação de ganho, quando tem alguém que o leia. Aí, a perda é como uma irreversibilidade melancólica. 


Com «DESENHOS PARA PESSOA» de Fernando Hilário, estamos perante a expressão da emoção e a ideia de a Arte ser uma fonte de entendimento, quando o artesão sabe o que quer fazer antes de o fazer, passando aos outros – nomeadamente aos espectadores –, no dizer de Tolstoi, «intencionalmente e por meio de certos sinais externos, sentimentos que ele viveu e de os outros serem infectados por estes sentimentos e também os experimentarem»; e perante um livro com várias vertentes artísticas, que conjugadas no plural deixa de ser “simplesmente arte”, para ser, no dizer e na acção de Fernando Hilário, um «Baú da Arte-Toda», um legado ao Mundo de Fernando António Nogueira Pessoa, no plano literário, poético, estético e filosófico. No fundo, a actividade artística, inspiradamente experienciada por uma profunda emoção, usando a aptidão com palavras e desenhos, numa rigorosa expressão estética e emoção geradora, cujo sucesso desse esforço, acaba por resultar no estímulo da mesma emoção geradora e do rigor estético no seu público, circunstancialmente, os espectadores-receptores. Sentimos em «DESENHOS PARA PESSOA», o propositado propósito de omissão dos títulos, forma de libertação, até cronológica, com o fim do exercício de livre expressão estética. Só assim, no dizer de Tolstoi, é que os artistas comunicam a sua experiência emocional, não no sentido de profetizarem, mas de levar-nos ao modo distinto de entendimento da experiência humana!
«DESENHOS PARA PESSOA» é de facto um livro maravilhoso, e porque não dizer magnífico, porque agrega a forma significante e a expressão de emoção. Há uma perfeita relação entre os desenhos do Hilário para Pessoa, e os textos de Pessoa em Pessoa, conjugando-se harmoniosamente, também, as cores e a articulação do espaço.  
Ambos, os “Fernandos” – em Pessoa e em Hilário –, conseguiram captar a atenção do público, manifesta convicção nossa de que uma boa ou grande Obra de Arte – nesta circunstância apelativa de «DESENHOS PARA PESSOA» em Fernando Hilário –, estimula e dirige as percepções da audiência e não é apenas objecto passivo de apreciação. Daí dizermos que gostamos, e isso nos basta.

NOTA MÁXIMA!  

Friday, April 08, 2016

Jean-Paul Sartre e o existencialismo ateu em tempo de Páscoa!...

«Ce qui veut dire que je ne puis ni chercher en moi l’état authentique qui me poussera à agir, ni demander à une moral eles concepts qui me permettron d’agir…»

Jean-Paul Sartre

Na “longa estada” caseira, por altura da Páscoa e em tempo de algumas fragilidades cognitivas (motivadas por hircos exteriores à nossa consciência), resolvemos reler Charles Leslie Stevenson (1908-1979), quando, ao tempo de obrigações e compromissos académicos, nos propôs uma reflexão a propósito de sete teorias (rivais) sobre a Natureza Humana, e pelas quais perpassamos Platão (O Governo dos Sábios); Cristianismo (A Salvação Divina); Marx (A Revolução Comunista); Freud (A Psicanálise); eis que nos confrontamos com Sartre e «O Existencialismo Ateu». Stevenson, ao passar de Freud para Sartre, chama a nossa atenção para o facto de transpormos a temporalidade da Viena de fins do séc. XIX, para Paris da década de 30 e 40 do séc. XX. Ao lado psicológico da medicina em Freud, despontaria a filosofia expressa tanto em termos literários quanto académicos, em Sartre. No entanto, há algo em comum entre as duas visões, que se revela na preocupação com os problemas do indivíduo, e particularmente com a natureza da consciência. Estamos perante os chamados “existencialistas”, denominação dada a muitos escritores, filósofos e mesmo teólogos. Procurando discernir uma base comum para o existencialismo, Stevenson apresenta-nos três preocupações ou teorias fundamentais que nos ajudam a identificar esse mesmo conceito:
1 – O ser humano enquanto indivíduo, e não com as teorias gerais sobre homem. Acredita-se que tais teorias deixam de lado a coisa mais importante de cada indivíduo — o seu carácter único.
2 – Uma preocupação com o sentido ou o objectivo das vidas humanas, mais do que com verdades científicas ou metafísicas sobre o universo. Assim, a experiência interior ou subjectiva considerada mais importante do que a verdade “objectiva”.
3 – Uma ênfase na liberdade dos indivíduos como a sua propriedade humana distintiva mais importante. Os existencialistas acreditam na capacidade de todo o indivíduo de escolher as suas atitudes, objectivos, valores e formas de vida.
Apesar da base comum do existencialismo poder ser encontrada através da descrição de detalhes concretos de personagens e situações específicas, em romances e peças de teatro, o filósofo só pode ser considerado existencialista se tentar fazer afirmações gerais sobre a condição humana (mesmo se esta afirmação consiste em negar a possibilidade ou a importância de outras afirmações de carácter geral!) – citamos Stevenson.


Outro factor a destacar e que nos é revelado por Charles Leslie Stevenson é o de que, apesar das diversas formas de divisão das filosofias existencialistas, a mais radical assenta sob o ponto de vista religioso e ateu. E são citados Kierkegaard (considerado o primeiro existencialista moderno) que, tal como Marx, rejeitou o sistema teórico abstracto como sendo uma grande mansão onde não se vive na realidade, e sustentou a importância suprema do indivíduo e das suas escolhas, distinguindo as três principais formas de vida — estética, ética e religiosa; Nietzsche (considerado agressivamente ateu), sendo que o seu traço mais característico é a sua ênfase na nossa liberdade em mudar a base dos nossos valores, e a sua visão do “super-homem” do futuro, que rejeitará os actuais valores passivos, baseados da religião, por valores mais reais baseados numa humana “vontade de potência”.
No século XX, para além dos ateus, há também existencialistas cristãos. O existencialismo assume uma força importante na teologia, tanto protestante quanto católica, assim como na filosofia. O movimento filosófico localiza-se na Europa, nomeadamente na Alemanha e na França, tendo muito menos influência, por exemplo, sobre os países de língua inglesa. Apesar de podermos apontar as suas origens em Soren Kierkegaard (1813-1855) e em Nietzsche (1844-1900), teremos que ter em linha de conta a influência do método da “fenomenologia” do filósofo de língua alemã Edmund Gustav Husserl (1859-1938), método filosófico que tentou encontrar um ponto de partida não problemático através da descrição dos “fenómenos” tais como eles parecem ser, sem nenhum pressuposto de como eles sejam na verdade. Segundo Stevenson, por exemplo, Husserl provocou dessa forma uma viragem subjectiva, quase psicológica na filosofia, transformando-a no estudo da consciência humana. Outra das grandes referências é Martin Heidegger (1889-1976), o mais importante filósofo alemão, cuja preocupação central é a existência humana e a possibilidade de uma vida “autêntica” quando se encara a própria posição no mundo a inevitabilidade da própria morte – citamos.
Para Sartre o Universo, o mundo como um todo, é a própria negação da existência de Deus. Ele não argumenta a favor dessa conclusão negativa, embora defenda que a ideia de Deus é contraditória em si. Sartre ao considerar que a negação de Deus já fora amplamente demonstrada por pensadores anteriores a ele, a partir dali, na sua obra, preocupa-se em examinar as suas consequências. Assim como Nietzsche, Sartre sustenta que a ausência de Deus é de importância fundamental para todos nós; o ateu não difere do cristão simplesmente numa questão metafísica, mas tem uma visão profundamente diferente da existência humana. Se Deus não existe, então tudo é permitido (como afirmara Dostoiévski). Não há valores transcendentes ou objectivos determinados, nem tão pouco leis divinas ou ideias platónicas ou qualquer outra coisa. Não há um sentido ou propósito último inerente à vida humana; neste sentido a vida é “absurda”, Estamos “abandonados” no mundo e temos de cuidar de nós mesmos. Sartre insiste que o único fundamento para qualquer valor é a liberdade, e que não pode haver uma justificativa externa ou objectiva para os valores que alguém adopta como uma escolha própria.
Sartre nega que haja uma “natureza humana”, afirmação pela qual rejeita o existencialismo de cunho generalizado. Para ele, a existência do homem precede a sua essência, que o mesmo será dizer que não fomos criados com nenhum objectivo, nem por Deus nem pela evolução nem por qualquer outra coisa. A asserção central da condição humana é, naturalmente, a liberdade humana. Para Sartre a liberdade reside na consciência de que existimos e termos de decidir o que fazer de nós mesmos. Apesar disso não pretende negar a existência de certas propriedades universais inerentes à sobrevivência, como é exemplo, a necessidade de comer.
       E não é que, em tempo de Páscoa, esta releitura levou-nos a concluir, que, tal como em Jean-Paul Sartre, a má-fé como tentativa de fugir da angústia acaba por se nos revelar numa “fuga” ilusória, dado que a nossa própria liberdade é uma verdade necessária!