Saturday, October 26, 2013

António Matos Reis publica “Foral manuelino de Valença”!

“Com a publicação do «Foral Manuelino de Valença», dá-se mais um contributo valioso à interpretação, ao conhecimento e à valorização da nossa evolução e identidade como terra e como povo”

Jorge Salgueiro Mendes
(Presidente do Município de Valença)


Quando se assiste à publicação de obras de natureza histórica, normalmente há da nossa parte uma redobrada cautela no que toca ao conteúdo e ao autor. No entanto, há determinados autores que dispensam qualquer retraimento, desconfiança ou prudência da nossa parte, porque nos vão habituando à precisão e ao rigor científico, determinados na argumentação documental, na seriedade interpretativa dos mesmos documentos – porque bem formados na área em que gravitam – e na antítese ao plágio descarado, muito em voga cá pelo nosso burgo. E um dos historiadores que figura no escantilhão das nossas exigências histórico-científicas, é precisamente o nosso particular amigo António Matos Reis, Doutor no ramo do conhecimento em História, pela Universidade do Porto, com tese intitulada “Os Concelhos na Primeira Dinastia à luz dos forais e de outros documentos da Chancelaria Régia”, o qual tem exercido várias funções, entre as quais as de Docente de História, no ensino oficial, as de Conservador e Director do Museu Municipal de Viana do Castelo e as de Director do Departamento de Desenvolvimento Económico, Social e Cultural, na Câmara Municipal de Viana do Castelo. Publicou até hoje cerca de duas centenas de trabalhos, incluindo vários livros, entre os quais se contam os seguintes, dedicados ao estudo dos forais e da história dos municípios: Origens dos Municípios Portugueses (com duas edições, 1991 e 2002), O Foral de Valença (1996) e História dos Municípios 1055-1385 (2007). Este último foi galardoado com o Prémio Nacional de História Medieval “Almeida Fernandes” no ano de 2008. No corrente ano, enquadrado nas comemorações dos quinhentos anos da atribuição do Foral, por Dom Manuel I, a Valença (1512), António Matos Reis acaba por nos contemplar com o Foral manuelino de Valença, numa bem conseguida edição – revestida de uma riqueza estética e de conteúdo – do Município de Valença, obra de que acusamos a sua gentil oferta.


Quase que poderíamos ficar por aqui se não nos deslumbrássemos com a explanação meticulosa, em termos históricos, dos forais antigos aos forais novos, tendo em conta que “na sua maior parte, os municípios portugueses foram criados, na Idade Média, através da outorga de um documento, de início, como todos os outros documentos da época, referido simplesmente como uma carta mas, a partir das últimas décadas do século XIII, designado como foral”; do processo de elaboração dos forais manuelinos; de Valença entre as origens e o foral manuelino, perpassando pelo caminho do desenvolvimento – as feiras, “concretamente, em Valença, cuja localização geográfica era adequada ao encontro de mercadores e de populações provenientes de amplas áreas dos dois lados da fronteira”; de Valença no centro da história; das restrições da “liberdade”, atendendo ao facto de que “para que a vida municipal se pudesse desenrolar pacificamente, foi necessário pôr cobro às ingerências de poderes exteriores aos municípios”; e, finalmente, do território do concelho que, de um modo geral, “pode afirmar-se que os municípios da margem portuguesa do rio Minho, comparados com outros, integravam territórios de dimensões relativamente moderadas, e Valença não constituía excepção sob esse aspecto. O termo que viria a estar sob a alçada municipal nos mais antigos concelhos, como sucedeu com Ponte de Lima, com Melgaço e com Valença, limitava-se inicialmente a pouco mais do que o espaço correspondente ao que viria a considerar-se a sede do município (…)” – citamos António Matos Reis.
Num terceiro capítulo, este creditado medievalista acaba por fazer a descrição do foral manuelino de Valença, abordando as suas características materiais, a estrutura do códice, o seu conteúdo, terminando com a sua transcrição, adoptando as normas mais generalizadas em Portugal, que resultam da adaptação à nossa língua das normas estabelecidas pela Commission Internationale de Paléographie (Avelino Jesus da Costa, Normas Gerais de Transcrição e Publicação de Documentos e Textos Medievais e Modernos, 3.ª ed., Coimbra, Instituto de Paleografia e Diplomática, 1993); apontamento bibliográfico, onde são citadas cerca de três dezenas de obras consultadas; glossário, limitado a alguns vocábulos que têm um significado especial ou cujo entendimento pode ter alguma dificuldade para certos leitores, por serem de uso pouco frequente; e um bem estruturado índice remissivo.
Terminaremos com a sugestão do autor, a qual subscrevemos inteiramente: “Que o público em geral e em especial os jovens estudantes aceitem o desafio de ler este texto, procurando entender o foral manuelino e o seu interesse para a história de Valença”.
      Os nossos parabéns ao Autor e ao Município de Valença. Nota máxima para a obra, ora trazida ao conhecimento público! 

Sunday, October 20, 2013

“Do cavalo e da jovem rapariga” e o selvagem da desonra!

“De entre os Códridas já não se elegiam reis, por se considerar que se tinham tornado efeminados e brandos. Hipómenes, um dos Códridas, quis afastar esta acusação. Tendo surpreendido um amante com a sua filha Leimônê, matou-o amarrando-o ao carro com sua filha, e a esta encerrou-a com um cavalo até que morreu”

Aristóteles
(Fragmento da Constituição dos Atenienses)


Ao tempo das nossas incursões académicas, foi-nos proposto um exercício, onde nos confrontamos com dois pequenos excertos dos textos de Ésquines (Contra Timarco) e de Aristóteles (Fragmento da Constituição dos Atenienses), e por acharmos que, tal como afirmaria Richard E. Palmer, em hermenêutica o processo de interpretação “vai de um conteúdo e de um significado manifestos para um significado latente ou escondido”, aventamos a hipótese de o objecto de interpretação, neste caso concreto os dois pequenos textos, poder ser constituído por símbolos mitológicos, sociais ou literários.
Inicialmente, espelhando uma certa desarticulação de raciocínio, só porque fomos iludidos pelo cenário, desprezamos o conteúdo ou o tema nevrálgico de tais “construções literárias”. Na altura, tomaríamos a interpretação certa, envoltos na máxima grega «Antes a Morte que a Desonra», sendo que o castigo corporal era encarado, na antiga Grécia, como modelar. Os condimentos que nos poderiam conduzir a tal interpretação estavam lá, mesmo quando o fizemos – ou procuramos fazer – à luz da história, sem esquecermos o tempo e o espaço. Mas, sem querer, apenas estávamos a dissimular uma construção interpretativa de “pescadinha de rabo na boca”. Apesar de termos tomado em linha de conta o sentido figurado ou metafórico, levados pelos conceitos do exemplo moral, numa Grécia da sabedoria, da beleza e da justiça, dado que as mulheres estavam sujeitas a restrições – eram bastante dominadas pelos maridos, pais ou irmãos e raramente participavam na política ou em qualquer outra forma da vida social –, só posteriormente nos apercebemos do nosso erro de raciocínio.


Enquanto nos enredávamos na teia “Do cavalo e da jovem rapariga”, sentíamos – ou ficaríamos com a sensação de – que, como uma centelha, a verdadeira “jurisprudência” do zeloso e guardião pai, da virgindade da jovem rapariga, ocultava algo bem mais grave do que a simples disciplina exemplar do castigo corporal, pela agravada desonra perpetrada por sua casta filha. Os termos, quer num quer noutro texto, levar-nos-iam a pensar, ainda que erradamente, na exemplaridade moral, tendo em conta que na Grécia Antiga a violência fazia parte da sua cultura e, quiçá, do seu subconsciente. A acidentalidade do espaço geográfico; a luta pela hegemonia; as querelas locais – de que é exemplo o duelo entre Ésquines e Demóstenes –; a expressão e sobrevivência dos próprios deuses, ainda que simbolizados pelas forças da Natureza, ostentavam também os sentimentos bons ou maus dos seres humanos – para os Gregos, todos os homens se transformavam em deuses logo após a morte –, revestindo-se em histórias mitológicas, ora poéticas e graciosas, ora absurdas e pueris, ora imorais e grosseiras; e a própria “Tragédia Grega”, levar-nos-ia a equacionar a própria violência como factor preponderante para a interpretação dos textos. Mas, então, qual seria a interpretação certa a dar aos pequenos textos que nos falam do «cavalo e da jovem rapariga»?      
Que interpretação certa? Reformulando a nossa visão, e depois de termos lido o excelente trabalho científico dos Professores Ana Lúcia Curado e José Manuel Curado, quase que não arriscaríamos em procurar uma outra interpretação. Contudo, ao lermos a dado momento do referido texto que “o facto de existir esse conhecimento do folclore mágico das plantas não significa que pessoas sofisticadas e urbanas como Ésquines e Aristóteles o conhecessem” despertou em nós um desafio de procurarmos interpretar os referidos textos, contextualizando-os ao objecto – e/ou objectivo – para que haviam sido criados. Longe de nós em tentarmos diminuir (ou anular) a interpretação de tão ilustres catedráticos, já que, incontestavelmente, esse mesmo estudo assenta no profundo domínio do grego e da Hermenêutica, sendo que, além disso, a sua fundamentação não deixa qualquer margem para dúvidas.
Ao procurarem dizer-nos que Ésquines e Aristóteles projectaram sobre os diminutos elementos da história (a rapariga e a planta de nome estranho) “esquemas de inteligibilidade que reflectem os seus interesses intelectuais”, por forma a construírem uma história fortemente moralizadora, os mesmos professores permitir-nos-iam – com algum devaneio intelectual da nossa parte (por certo que nos perdoarão!) –, recorrer à interpretação alegórica, já que o texto de Ésquines assenta no julgamento de Timarco, onde são postas em causa as qualidades morais incompatíveis com as funções de cidadão e, circunstancialmente, o prostituído não pode exercer nenhum cargo público, nenhuma magistratura (Ésquines: Contra Timarco: I 19). De facto, Timarco foi levado a julgamento por falar na assembleia depois de ter tido semelhante conduta. Carlos Espejo Muriel, da Universidade de Granada, no seu trabalho «Pederastico Griego» fala-nos de exemplos que Ésquines nos oferece e aborda esta temática num capítulo intitulado «A negação da homossexualidade na Grécia». Numa das conclusões chega mesmo a afirmar: La pederastia es un fenómeno antiguo que nada tiene que ver con la homosexualidad, no en cambio esta última que responde a un concepto moderno, que tantas veces se ha utilizado para negar precisamente el deseo homosexual en la antiguedad, deseo que por otro lado queda expuesto al comprobarse la realidade de los gays en Grecia. E agora, que julgamentos e interpretações se fazem, ao tempo de outras imoralidades?
Pelo facto de – conscientemente – nos assumirmos como filhos da Grécia e de Roma, sempre que nos cruzamos com uma jovem rapariga e/ou um cavalo, procuramos reinterpretar a nossa própria existência. No tempo presente, enquanto os cavalos selvagens pastam livremente na Serra d’Arga ou no Gerês, a conduta política e sexual, a virgindade e a desonra deixaram de ser equacionadas, dado que a sobrevivência – a da politicamente correcta – dos “deuses” permanece, mas de uma forma selvagem… O selvagem da desonra!
Ao longo da “vida” sempre procuramos ser cautelosos, mormente quando accionamos o exercício permanente de interpretação. E essa será sempre a nossa postura. Daí, o poderem dormir descansados! 

Friday, October 11, 2013

O conhecimento nos limites do fenomenismo em David Hume!

“A atenção regular a um interesse tão importante como o da salvação eterna é capaz, por si só, de extinguir as afeições benevolentes e originar um egoísmo limitado e restrito. E quando um tal temperamento é encorajado, facilmente ilude todos os preceitos gerais de caridade e benevolência”

David Hume

Já lá vão cerca de cinco anos quando, através de uma crónica que mantínhamos no jornal Falcão do Minho, escrevemos acerca de David Hume [N. Edimburgo, 1711 – m. Edimburgo, 1776], filósofo, economista, escritor e historiador inglês, o primeiro a admitir o seu pendor ateísta, frequente acusação de que eram alvo alguns dos filósofos que o antecederam, numa altura em que tal adjectivação não se traduziria, por certo, em elogio para ninguém. Antes pelo contrário, os filósofos enfrentariam graves dificuldades de forma a convencerem as pessoas da antítese à “ordem estabelecida”. Sendo que David Hume admitiria o confronto com a teologia, tal acto – diríamos, atitude ou acção –, levá-lo-ia a ser protagonista de um escândalo público, cuja dissuasão pretendida pelos seus opositores se baseava numa argumentação filosófica, e não em eventuais torturas.
Na altura – de uma forma concisa o abordaríamos pelos seus princípios do pensamento – reportando-nos ao facto de que se no início da era Cristã, a filosofia foi absorvida pela teologia, centrada na aceitação de textos elaborados, por forma a construir-se novas argumentações dogmáticas, a partir Descartes (Séc. XVI), considerado como fundador da filosofia moderna, despreza-se os velhos pressupostos e a fundamentação assenta na filosofia da razão, ou seja, no método para conduzir a razão na busca da verdade, tentando unificar as ciências. Através deste “processo” procurava-se demonstrar que era possível negar tudo. Meio século mais tarde, John Locke revolucionou a noção de conhecimento ao introduzir o empirismo, cujo argumento defendia o princípio fundamental da filosofia, não na razão, mas na experiência. E David Hume procurou ir mais longe, ao querer demonstrar que já não era possível a construção de sistemas filosóficos, opondo-se, claramente, ao “penso, logo existo” de Descartes, com “a explicação da identidade pessoal: o «eu» como feixe de representações”. Daí, ser considerado o último representante dos empiristas britânicos clássicos: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704). O projecto de David Hume é, por assim dizer, o de construir uma ciência do homem, por forma a se “descobrir os princípios que regem as operações do pensamento ”.


Segundo Diego Sánchez Meca, David Hume ao romper drasticamente com a tradição metafísica ocidental que vai desde Heraclito até Gottfried Leibniz, inicia o movimento que nos leva às modernas filosofias antimetafísicas. A sua obra, nomeadamente o controvertido «Tratado da Natureza Humana», influenciou inúmeros filósofos, levando a que Bertrand Russel o viesse a considerar – ou a declará-lo – como o maior filósofo da língua inglesa. A influência sobre Immanuel Kant foi de tal ordem que o incitaria a “abandonar a metafísica racionalista e tornando possível a redacção da Crítica da Razão Pura”. Centrado no poder e na capacidade do entendimento humano, David Hume procura, assim – parafraseando Diego Meca –, romper com a metafísica, por considerá-la resultado de um infrutuoso esforço da vaidade humana, obcecada em penetrar em ideias e objectos abstratos, inexequíveis ao próprio entendimento humano. Ao rejeitar a parte mais incerta e desagradável do saber, Hume promove a Teoria do Conhecimento, a “filosofia primeira”. Segundo ele, a actividade do espírito ao ser fruto da acção em combinar, associar e generalizar os dados da experiência – dando forma às ideias abstratas, por ligação entre o particular e o universal – conduz-nos à subjectividade, cujo conteúdo mental tem apenas como origem as impressões. Ao sugerir-nos a inexistência de ideias inatas, acaba por reforçar a tese de que “todos os conteúdos da nossa mente se formam com base em impressões sensíveis ”. Assim, para ele, a ideia de substância na metafísica corresponde, naturalmente, a um conjunto de ideias particulares, reunido pela imaginação. Por isso, os conteúdos na nossa mente assentam na bipolarização de percepções: “Impressões” representações imediatas (experiência), por um lado e “Ideias”, representações mediatas (pensamento), por outro. Ao associarmos ideias, poderemos aumentar assim o nosso conhecimento!
Para David Hume, ao existirem três princípios de conexão entre as ideias: Semelhança (resemblance); Contiguidade (contiguity) no tempo e no espaço; e, Causa ou Efeito, graças aos mesmos, a imaginação – sendo que a mesma está na origem da ilusão e os princípios enraizados na natureza humana – amplia bastante o seu poder, ajudando a descodificar o processo de abstracção e produção das ideias gerais. Segundo o mesmo filósofo, as doutrinas filosóficas até então existentes ao carecerem de bases sólidas e, circunstancialmente, ao exprimirem princípios escolhidos sem provas, resultariam numa dicotomia entre si. No entanto, Hume, ao propor o estudo que consiste na investigação da origem das nossas ideias, estabelece – ou procura estabelecer – uma relação das ciências com a natureza humana. E essa relação só poderá ser estabelecida através do entendimento humano, tendo a noção de que este só poderá, também, ser conhecido pela observação e pela experiência. Aliás, a concepção filosófica na tradição empirista – e aqui reportamo-nos a David Hume – ao ser sustentada por duas teses gerais: “Todo o conhecimento tem a sua origem na experiência (percepções)” e “o conhecimento do mundo é constituído por relações estabelecidas entre percepções, elas mesmas determinadas pela experiência”, rejeita o “abstraccionismo aristotélico-escolástico” e o “inatismo cartesiano”. É por isso que a tradição empirista diverge da racionalista: Se os primeiros analisam as sensações e inferem indutivamente (empírica), os segundos pautam-se pela análise das ideias e inferem dedutivamente (racional). Convergem, no entanto, no objectivo da investigação filosófica, por forma a esclarecerem “como é que os sujeitos chegam a formar uma imagem do mundo”; no ponto de partida, exprimindo “a consciência dos sujeitos e respectivos conteúdos”; e, finalmente, no ponto de chegada, com a “possibilidade de formação de conhecimento sobre o mundo externo dentro de certos limites”.
Voltando à teorização das ideias, epistemologicamente falando, constatamos que as ideias simples organizam-se em ideias complexas, segundo princípios de associação, sendo os principais, como atrás descrevemos, a semelhança, a contiguidade no tempo e no espaço e a relação de causa e efeito. Hume, ao estabelecer uma distinção entre factos e relações, permitiu eliminar a metafísica, levando a que o raciocínio seja hoje considerado uma descoberta de relações entre os factos e as relações, sendo que as relações entre factos são contingentes – fundadas, necessariamente, na experiência –, enquanto as relações entre relações são necessárias, por se admitir que o seu contrário implica contradição. Mais, para Diego Sánchez Meca, em David Hume a tese caracterizadora do empirismo – todo o nosso conhecimento vem da experiência – utiliza para sua formulação, uma termologia distinta à de John Locke. Segundo o mesmo Sánchez Meca, “para Hume é mais correcto afirmar que toda ideia deriva da impressão, pois, no todo conteúdo de consciência é uma ideia, a não ser que seja conveniente distinguir entre impressões e ideias, devendo-se entender estas últimas como as imagens que conserva a memória e a imaginação das impressões ”. Assim, David Hume deixa bem claro que não há ideias inatas, pois ao todo conhecimento se basear na experiência, a mesma experiência consiste em dois tipos de percepções – impressões e ideias: “Quanto às impressões que têm origem nos sentidos, na minha opinião e a sua causa última é perfeitamente inexplicável pela razão humana e há-de sempre impossível decidir com certeza se elas têm origem imediata no objecto, se são produzidas pelo poder criador da mente ou se provêm do Autor do nosso ser”. David Hume denominaria por impressões, as percepções que penetram com maior intensidade e violência e, sob esta designação englobou todas as nossas sensações, paixões e emoções, quando surgem pela primeira vez na alma; enquanto por ideias, referir-se-ia às suas distintas imagens no pensamento e raciocínio. Ou seja, enquanto as ideias podem ser distinguidas umas das outras pela sua “vivacidade” (apoio empírico), as impressões gozam de primazia genética sobre as ideias, dado que possuem uma qualidade (“vivacidade”) superior às ideias. Se é que interpretamos bem, o mesmo acontece com as ciências matemáticas, cuja grande vantagem sobre as ciências morais, reside no facto das primeiras nos oferecer sempre clarividência e determinação, sendo facilmente perceptível a mais pequena distinção entre elas, face à ausência de ambiguidade ou variação na forma de exprimir as mesmas ideias. Normalmente, os mesmos termos exprimem as mesmas ideias, invariavelmente.
Por último, no que concerne à “explicação da identidade pessoal: o Eu como feixe de representações”, para Hume não existem substâncias; os corpos materiais são meros complexos de sensações; e, o Eu mais não representa que um feixe de sensações. Por outras palavras, “em nenhum momento temos uma percepção de nós mesmos”.
E, para melhor entendermos David Hume, terminaríamos com algumas palavras de João Paulo Monteiro: «A teoria humeana da inferência indutiva diz-nos como se procede à descoberta das causas dos fenómenos. Nos termos da teoria, fica bem claro que uma causa, para ser conhecida, só pode ser um objecto ou evento observável».
        As nossas sinceras desculpas aos nossos leitores, por esta pequena incursão filosófica/humeana, mas já há muito tempo que tínhamos necessidade de falar dos princípios filosóficos do pensamento, exercício cada vez mais necessário à “mandriice intelectual aguda” dos forjadores dos “calhostros da mamadeira na política”. Pensem e reflictam mais na prosperidade, resignando-se, obrigatoriamente, na adversidade. E, até para a semana!

Friday, October 04, 2013

Publicada “Nova História da Imprensa Portuguesa: das origens a 1865” de José Tengarrinha!

“Embora actualmente os termos «jornalismo» e «imprensa» abranjam diversificadas formas de comunicação social, o objecto do nosso estudo cingir-se-á às publicações escritas tendencialmente com carácter periódico e noticioso”

José Tengarrinha

José Tengarrinha, doutorado em História, conhecidíssimo professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, acaba de publicar uma magnífica obra, sob a chancela da “Temas & Debates / Círculo de Leitores”, com título «NOVA HISTÓRIA DA IMPRENSA PORTUGUESA: DAS ORIGENS A 1865» e 1003 páginas, cuja apresentação pública ocorreu no dia 3 de Outubro, no Centro Nacional de Cultura. Segundo se pode ler em sinopse, “esta Nova História da Imprensa Portuguesa faz a história das publicações periódicas, suas origens e desenvolvimentos, desde os primeiros papéis informativos surgidos em Portugal no século XVI e traçando a sua evolução no longo percurso de formação do jornalismo moderno no nosso país que tem como marco fundamental a sua fase de industrialização. Este fenómeno nacional é visto numa perspectiva comparada com os principais factos que então marcaram a imprensa europeia, tanto para assinalar contrastes e distanciamentos como para ter em conta as influências externas exercidas sobre o jornalismo português”. É precisamente essa a percepção que temos da obra.
De uma forma peculiar e com o rigor científico que o caracteriza (não publicasse ele obras em Portugal e no estrangeiro no domínio da História e das Ciências Sociais), José Tengarrinha acaba por nos retratar em quatro fases a supracitada evolução do jornalismo, recorrendo numa primeira fase aos PRIMÓRDIOS: I. As origens das folhas informativas, II. Os primeiros jornais, III. O «Novo» século XVIII, IV. Nas invasões francesas, V. O jornalismo da primeira emigração, VI. A crise (1811-1820), VII. A Censura às folhas informativas, VIII. Balanço da primeira fase, IX. O dealbar da Imprensa no Brasil; numa segunda fase ao NASCIMENTO DA IMPRENSA DE OPINIÃO: I. O primeiro período liberal (1820-1823), II. A interrupção do Regime Constitucional, III. O segundo período liberal (1826-1828), IV. Regime Miguelista e Guerra Civil (1828-1834); numa terceira fase aos LIBERAIS CONTRA LIBERAIS: I. A abertura à contemporaneidade (1834-1842), II. Do Cabralismo à Regeneração (1842-1851); e, por último, numa quarta fase à REGENERAÇÃO PACIFICADORA (1851-1864): I. Convergências e rupturas, II. Questões Centrais – economia e progresso, III. A desconcentração da Imprensa, IV. Maior diversificação dos géneros, V. Breve Balanço. Acresce a esta perspectiva comparada com os principais factos, seis APÊNDICES: I. A História acidentada do antepassado do “Diário da República”, II. A primeira Lei de Liberdade da Imprensa (Decreto de 4 de Julho de 1821), III. Lei de 22 de Dezembro de 1834 que foi a principal base do enquadramento legal da Imprensa Periódica no Liberalismo, IV. As perseguições sofridas “A Revolução de Setembro” em 1844, V. A aventura histórica do “Espectro”, VI. A independência política do escritor em relação ao jornal em que colabora. Esta magnífica obra possui ainda, para além das “Fontes e Bibliografia”, um índice remissivo, onde facilmente podemos localizar o que pretendemos, nomeadamente no que toca a títulos e intervenientes activos.


Poderíamos ficar por aqui se não tivéssemos constatado a referência bibliográfica, como uma das fontes consultadas por José Tengarrinha, da obra de grande fôlego «PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS VIANENSES», editada em 2009 pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, integrada nas Comemorações dos 750 Anos do Foral Afonsino atribuído a Viana, da autoria de Rui A. Faria Viana e António José Barroso. Convenhamos em dizer que, em Dezembro desse mesmo ano, esta mesma obra mereceu por parte de José Pacheco Pereira, no seu programa «Ponto Contra Ponto» (SIC), os mais rasgados elogios, a ponto (desculpem-nos a redundância) de a referir como exemplo a seguir por outros municípios do país: “Para que não se diga que só há dinamite às peças, eu trago aqui uma caixa de dinamite, mais de cento e cinquenta anos de dinamite cerebral, num estudo muito interessante sobre a imprensa local…” – citamos. Agora, nesta magnífica obra de José Tengarrinha, podemos ler numa das notas (p. 806), a propósito da história do jornal mais antigo de Portugal Continental, “A Aurora do Lima”: «PARA A EXTENSA HISTÓRIA DESTE JORNAL VER O EXCELENTE TRABALHO DE RUI A. FARIA VIANA E ANTÓNIO JOSÉ BARROSO "PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS VIANENSES" (VIANA DO CASTELO, CÂMARA MUNICIPAL, 2009)». Mais palavras, para quê? Pena é que alguns procurem menosprezar aquilo que de grande valor – e rigor científico – se faz em Viana do Castelo!
Para terminarmos, aqui fica uma retrospectiva, em termos de “Índice Remissivo”, da imprensa da região, citada na obra de José Tengarrinha: A Aurora do Lima (Viana do Castelo, 1855), 742, 795, 798, 881; A Razão (Valença do Minho, 1854-1861), 794, 798.
        Uma obra com nota máxima, esperando-se a sua continuidade até aos tempos de hoje. Seria a “cereja no topo do bolo”!