Thursday, April 12, 2018

Imperativos da Memória (III)

As margens da palavra!…

«As escritas quotidianas são, actualmente, fontes primárias de especial relevo para investigações transdisciplinares (História, Linguística, Antropologia, Sociologia, Psicologia, entre outras). Dos acervos pessoais e familiares gerados nos últimos séculos os investigadores têm à sua disposição uma parte do que foi, na verdade, produzido pelos agentes da História»

Maria Olinda Rodrigues Santana
Henrique Rodrigues


A PALAVRA sempre foi para nós um escudo, acção de defesa e, tal como um dia lemos no «Tratado da Ciência Cabala ou Notícia da Arte Cabalística», especulação natural da virtude das letras, mesmo contra aqueles que a utilizam como “arma de arremesso”, envolta na intriga, dissimulação e alcoviteirice em proveito próprio. Aí constamos que da eficácia e virtude das letras (caracteres que formam a palavra) resultam, muitas vezes, “vários e notáveis efeitos naturalmente; porque, como vemos e lemos, por elas se denota já honra, já vitupério, escravidão, liberdade, e causas semelhantes, e daqui procede a observação de algumas nações políticas”, que punham na face o S ao escravo, e nas costas o L ao ladrão… Honestidade pela PALAVRA deixou de ter o cunho de uma formalidade a cumprir, nomeadamente quando os que nos antecederam, acabaram por nos educar no culto do respeito de uns pelos outros, através da palavra dada sem ser, obrigatoriamente, exarada a tinta ferrosa. Daí, um dia, Manuel Rivas (Barrós), escritor, poeta, ensaísta e jornalista galego, ter afirmado que “a exaltação tem mais palavras que a calma”.   
Hoje e agora, AS MARGENS DA PALAVRA, o mote que Maria Olinda Rodrigues Santana e Henrique Rodrigues, no papel de coordenadores, encontraram para produzir uma extraordinária obra, aguarelada por palavras expressas em cartas, vozes e silêncios femininos, numa edição da Associação Portuguesa da História do Vinho e da Vinha (APHVIN/GEHVID), ser motivo para nós de exaltação intelectual e científica dos coordenadores (simultaneamente autores do prefácio) e dos que os acompanharam neste desvelar (revisitado) de escritas gravadas por gentes anónimas de várias classes sociais, escritas essas que “têm chamado a atenção dos historiadores, dos linguistas, dos etnógrafos, dos antropólogos e doutros investigadores”, uma vez que estas fontes primárias permitem aos mesmos lançar olhares sobre espólios documentais muitas vezes condenados ao desaparecimento.


Trata-se de um caso único e especial, resultante de um óptimo trabalho, complementado pelos tratados científicos dos seus autores, especialistas de várias áreas, a quem prestamos aqui o nosso reconhecimento e gratidão: Ana Sílvia Albuquerque – Da vida e obra da mãe: reconstrução de um itinerário existencial e educativo; António Barros Cardoso e Sílvia Trilho – A angústia da distância encurtada pela escrita; Chris Gerry e Filomena Morais – De Florbela a Judith, de Judith a Florbela: uma correspondência imaginada, 1924-1925; Ernesto Português – Escritas silenciosas no Colégio de Regeneração nos finais do séc. XIX; Henrique Rodrigues – Silêncios e tempos de escrita da emigração de oitocentos e Escritas e silêncios de “Madrinhas de Guerra”: abordagem à correspondência feminina para um militar da Guerra Colonial; José Ignacio Monteagudo Robledo – Poder silencioso e submissão feminina em uma correspondência hispana-argentina; Maria Beatriz Rocha-Trindade e Amílcar Baião Pinto – Apontamentos: uma Viagem a África - 1897-1898; Maria Izilda Matos – Saudades: Epistolário de e/imigrantes portugueses escritos e sensibilidades (Portugal-Brasil 1890/1930); Maria Olinda Rodrigues Santana e Assis Gaspar Machado Monteiro – Nas encruzilhadas da vida: memórias contadas, silêncios guardados…; Maria Olinda Rodrigues Santana – Escritas e representações de sabores no feminismo; Mila Simões de Abreu – O misterioso alfabeto do Alvão e a origem da escrita em Trás-os-Montes: como uma ideia falsa se espalha através das redes sociais; Pedro Javier Cruz Sánchez – Creencias sobre la pared, epistemologia y problemática del emblema de la cruz en el âmbito urbano tradicional; Salvador Magalhães Mota – As Cartas Pastorais como instrumento de comunicação e propaganda privilegiada de conservadores e de reformistas na Congregação dos Bernardos na segunda metade do século XVIII. Alguns contributos.
         Aqui fica um excelente trabalho que, por certo, nos motivará à reflexão, debate e divulgação da História social e cultural do tempo da comunicação à distância através do escrito. NOTA MÁXIMA!... (com apenas um senão: os 200 exemplares publicados).


[Imperativos da Memória (III) - As margens da palavra!... A Aurora do Lima (Viana do Castelo), Ano 163, Número 13, Quinta-Feira, 12 de Abril de 2018]