Friday, February 15, 2013

As “mundanas” reflexões da jovem Natércia Barros


“A escrita é uma paixão e, como tal, temos desavenças. A escrita pode transformar-se numa obsessão. Imaginem o que é ressacar escrita, olhando para o teclado, frente ao computador, e nada escrever. É frustrante ter tanto para contar e, no preciso momento, nada conseguir articular, nada sair fluentemente”.

Natércia Barros

Dada a nossa propensão para acreditar na convergência de energias, em detrimento das “faces ocultas do acaso”, temos tido a felicidade de sermos bafejados com importantes encontros cognitivos, que em muito contrariam a apologia daqueles que têm vindo a afirmar que num mundo cada vez mais ocupado pela ciência e pelos modelos de pensamento que ela produz, pela tecnologia e pelos modelos de vida que ela desencadeia, o discurso filosófico perdeu a sua antiga força de verdade. Nem mesmo reforçando a ideia (deles) de que o filósofo parece estar prestes a perder o seu último privilégio: o de pensar, este tipo de gente tem conseguido resolver aquilo que preconizam como factor ameaçador da produção de sistemas ideológicos, condimentado pelas tão propalas ciências humanas. Estamos em dizer, tal como um dia escreveria Krishnamurti, que “a padronização do homem conduz à mediocridade”. É por isso que, sem hostilizarmos a ciência, continuaremos a apostar no autoconhecimento, admirando todos aqueles que se interessam (com seriedade) pelo exame dos problemas humanos, sem preconceitos ou padronizações.   
Hoje, impulsionados pelo “privilégio de pensar”, trazemos ao conhecimento dos “cultivadores do intelecto” as deambulações reflexivas – estamos cá para passar do ver ao sentir (N.B.) – de uma jovem ribatejana, com ancestralidade alto minhota. Trata-se de Natércia Barros que nasceu em Vila Franca de Xira, Ribatejo (local onde reside actualmente), a 26 de Maio de 1981. Estudou Humanidades, fez teatro amador durante dez anos, frequentou o Centro de Estudos do Autoconhecimento (C.E.A. – Fundado por Samuel Aun Weor), e trabalhou vários anos em logística. Apaixonada pela problemática existencial, e fascinada pelo ocultismo, escreve, principalmente, sobre temáticas que abordam o ser humano. Tem descendência Luso-Angolana, sendo o falecido avô materno, João Henrique de Sousa Barros, natural de Monserrate (Viana do Castelo), tio do poeta e nosso particular amigo, Fernando Castro e Sousa. Durante a infância, esta jovem ribatejana passou grande parte das férias em Viana do Castelo, que coincidiam com as Festas de Nossa Senhora da Agonia. Desses tempos, lembra-se vivamente do fogo-de-artifício, dos cabeçudos e das minhotas vestidas a rigor. Já durante a adolescência, não rara a vez que se sentou à beira rio, a contemplar a Ponte Eiffel, enquanto tirava apontamentos. Lançou o seu primeiro livro em 2010, intitulado “Mundano (Reflexões)”, ao qual não ficamos – e nem poderíamos ficar – indiferentes.


Impulsionada pelo princípio basilar de que, e extraindo das suas próprias palavras, “para se viver há que morrer vezes sem conta”, Natércia Barros revela-se-nos uma perspicácia criativa/literária que contraria os censores do “pensar”. Até mesmo Albert Einstein houvera contrariado os pseudo-pragmáticos da ciência quando um dia afirmou que “a imaginação é mais importante que a ciência, porque a ciência é limitada, ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro”. É nesse sentido que entendemos o livro de Natércia Barros, «MUNDANO (Reflexões)», tendo em conta que, como nos revela a “ciência da auto realização” (A. C. Bhaktivedantas Swami Prabhupãda), “recebemos esta forma humana de vida não apenas para trabalhar arduamente como o suíno ou o cão, mas também para alcançar a perfeição máxima da vida”. E mesmo que não queiramos alcançar essa perfeição, “teremos que trabalhar arduamente, pois seremos forçados a isso pelas leis da natureza”. Nesse sentido, estamos convictos de que Natércia Barros não vive indiferente à sua condição de “ser pensante” e aos desafios das leis da natureza.
Pelas páginas deste maravilhoso livro perpassam temas como o “mundano” – que dá título ao livro –, onde (a seu ver) “a vida é constituída por ciclos que duram apenas o tempo que têm de durar, duração essa que varia consoante as nossas próprias necessidades”; as “dores” física e psicológica, sendo que as primeiras “são um contínuo alerta das dores emocionais mais profundas”; o “líbido”, como o despertar de todo o sentido adormecido ou “a verdade escondida que nos dá a oportunidade de ver em nós o nosso melhor amigo”; “Deus”, tendo em conta que o mesmo “é quem nós quisermos que Ele seja: Na primeira, na segunda ou na terceira pessoa. Deus pode até ser o pior filho da mãe à face da terra e, quer queiramos ou não, até o pior dos filhos da mãe ama à sua maneira” – gostamos muito desta visão; os “espelhos”, onde a escritora se interroga: “Espelho meu, diz-me onde está o engano para que possa reparar todos os erros do passado”; as “birras”, onde Natércia considera “certas birras saudáveis, por mais estranho que pareça. A birra pode ser saudável à medida que doseamos com bom humor”; a “confiança” como “factor primordial à face da terra”; o “dinheiro”, monstro ao qual damos a vida, “composto por pequenos pedaços de papel, através dos quais se cometem vários atentados à dignidade humana”; a “Barracolândia”, terra do faz de conta ou “o Mundo do vale tudo, que na realidade pouco vale”; a “erótica”, tendo em conta que “o erotismo é o expoente máximo da sensualidade aliada ao prazer”; a “mentira”, como “ignóbil ferramenta de sobrevivência, nos dias de hoje”; a “gestão humana”, para a qual a jovem escritora ribatejana nos alerta que “quando nos habituamos a viver em concha, não sabemos lidar profundamente com os nossos semelhantes”; a “prostituição” como alegoria da alma, sendo que, para Natércia Barros – e porque não para muitos de nós – “o nosso lado obscuro é prostituto. A maior parte das pessoas vende a alma por meia dúzia de cêntimos”; o “desistir”, onde “devemos voltar as costas a sentimentos destrutivos, como a cólera ou a ira”, desistindo “das pessoas que me fazem mal, aquelas que me condenam sem entender o teor das minhas palavras”; as “vozes” em flecha que matam, “vozes ocas e esvoaçantes que penetram nos tímpanos e nos assolapam a memória”; as “pessoas como nós” que sentem e não têm pudor algum em chorar; a “resistência”, sendo a maior prova a própria vida; o “bullyng” como realidade cada vez mais atroz – do qual a autora foi vítima na primária –; o “visionário” que vê para além dos olhos; os “ignorantes”, mesmo aqueles que sendo “licenciados e nem por isso deixam de ser ignorantes”; a “bipolaridade” plasmada nas “bruscas e súbitas alterações de humor”; o “toque” porque sentimos; a “genialidade” impressa na atitude modesta, “serena e tranquila é uma mais que valia para o triunfo”; os “ossos” e “a festa do osso”, não querendo “passar a vida a roer ossos e a alimentar-me das sobras”; os “grilhões” com a ânsia por liberdade que pulsa em nós; a “mulher” que carrega “no ventre as dores do Mundo”; o “momento”, mesmo recuando no tempo vezes sem conta; o “adeus”, inspirando “pequenos sopros de vida tingida de guerra e de paz”; “o piano”, do qual adora o som, sem deixar de dizer que “carregamos as dores da Humanidade às costas, como não bastassem as nossas”; “a voz que nos fala”, sentindo “reflexos da verdadeira liberdade”; a “perplexidade da mente”, sendo que “o ser humano é o maior enigma terrestre, a maior cabala do cosmos e a máquina do tempo mais complexa”; as “crónicas de ensaio”, onde a autora solta “emoções exclusivas da alma”; as “empresas de trabalho temporário” utilizadas enquanto fachada, para branqueamento de capitais; a “magia planetária”, sabendo “que o amanhã é incerto e o presente doloroso, adormeço e vejo que passou mais um dia”; a “ilusão” onde “vivemos na sombra da própria existência”; o “discernimento” sem o qual “estamos aptos a perder a máxima racionalidade”; os “recursos humanos”, em cujos departamentos pouco ou nada tratam “relativamente a questões humanas”; o efeito “tábula rasa” e a ausência da gratidão; as “evasões”, partindo “em busca de uma vida rica em propósitos e saudade nenhuma sentir”; a “jornada interior”, sendo que a melhor viagem “é a que fazemos ao nível do ser”; o “viver”, como uma metamorfose extraordinária, deixando “o Sol invadir-nos o rosto e saborear o momento com descontracção”; a “chapada sem mãos”, dado que “devemos amar, principalmente, na adversidade”; a “lei do retorno”, aludindo ao facto de que “quanto mais damos, mais recebemos”; os “funerais” permitindo a existência de “pessoas que vão a funerais, como se fossem a casamentos”; a “quaresma” e a efemeridade do “ter”; as “medicinas alternativas”, qual cura os povos na antiguidade procuravam no seio da Natureza; a “cor”, moldada à vida “feita de luz e escuridão”; o “imaginário”, sendo que “o nosso Eu mais profundo é infantil e brincalhão” e, logo que chegados a adultos, “sem grande opção de escolha, gravitamos na lei do retorno do sonho, há muito esboçado no nosso imaginário”. Esta é a leitura que fazemos das maravilhosas e pertinentes reflexões da jovem escritora Natércia Barros.
         Para terminarmos, transcrevemos o que o actor João de Carvalho (filho do grande vulto Rui de Carvalho) escreveu a propósito deste «Mundano»: “Quando iniciei a leitura do Mundano, tive, como é hábito meu, de o folhear primeiro para o sentir. Deparei-me com um tipo de forma de escrita só comparável com um autor que muito me sensibiliza. O Dalai Lama. Escrever os próprios pensamentos implica uma libertação interior”. Subscrevemos inteiramente. Pena é o livro ser edição de autor, o que condiciona de certa forma a sua fácil aquisição. De resto, nota máxima!

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