«Ninguém ama verdadeiramente aquilo que não
conhece. A sabedoria dessa frase comum aplica-se também à área da Cultura,
domínio muito vasto, complexo e evolutivo, alvo frequentemente de nefastas
concepções equivocadas e de redutoras ideias-feitas...»
José Cândido
de Oliveira Martins
Sem dissimulações, começaremos
por dizer que o nosso particular amigo Amândio Sousa Vieira acaba de publicar,
felizmente com a anuência do Município Ponte-limense, uma obra de grande fôlego.
Não fosse a sua exacerbada modéstia, não estaríamos aqui a discorrer no sentido
de parafrasear José Cândido Martins, ilustre docente da Universidade Católica
Portuguesa, quando afirma por escrito – sim, as palavras ditas leva-as o vento
–, tirando-nos as palavras da boca, por delas concordarmos e subscrevermos, que
«estando profundamente enraizada no passado e na memória das gentes, essa
opulenta e multifacetada tradição, que nos moldou antropológica e
culturalmente, impõe dois desafios fundamentais: o do mais amplo conhecimento
desse legado, que tende a desaparecer com a passagem das gerações e a fatídica
erosão temporal; e o da valorização e salvaguarda desse património, através da
adopção de iniciativas e políticas variadas, desde logo a nível local e
autárquico…», terminando com a consciencialização da relevância do tema e do
papel desempenhado por este ilustre limiano, de seu nome completo, Amândio
Amorim de Sousa Vieira.
Quase que poderíamos
ficar por aqui, não fosse a desedificada perturbação de alguns fazedores
(tomando-nos de novo pelas palavras de José Cândido Martins) de “nefastas
concepções equivocadas e de redutoras ideias-feitas”, mas a nossa percepção, porque
equidistante da sensação e da intuição intelectual, obriga-nos a remover os
engulhos dos pseudo-intelectuais e/ou serviçais de circunstância. Daí, para
nós, a percepção assentar na apreensão directa de uma situação objectiva,
suprimindo os actos intermédios: Amândio Sousa Vieira não é um fotógrafo mas um
Artista da Imagem. Ponto final.
Falando agora da obra
«P’RA QUE VIVA PONTE DE LIMA! TERRA DE TRADIÇÕES», começaremos pelo sentido
estético, a experiência que comporta uma forma fácil de relacionarmos a
imaginação e a acção do sujeito com o objecto, diremos que estamos perante uma
obra perfeita. A partir daqui podemos ainda relacionar, como um dia escreveu o
nosso amigo/filósofo italiano, Mario Perniola, a estética da vida e estética da
forma (verdade estética e auto-referencialidade), se tivermos em linha de conta
a vida e a acção cognitiva de Amândio Sousa Vieira, com a sua experiência,
representação, síntese de sensações e pensamentos. Só assim, e tomando como
referencial todas as suas obras anteriores, poderemos chegar a essa conclusão: o essencial da experiência estética é a
objectivação (George Santayana).
Quanto ao conteúdo,
porque de Tradições se trata, e,
segundo este ilustre limiano, “P’ra Que Viva Ponte de Lima” é fundamental divulgar e defender tudo o que
possa engrandecer a sua longa e rica história, o efeito do produto final
acaba por reflectir a paixão, a interpretação, a seriedade e o percurso de uma
vida pautada pelo sentido estético, atrás referido, e ético em Amândio Sousa
Vieira – acrescentamos nós. Os agradecimentos, as referências e a extensa
bibliografia atestam, só por si, o rigor científico, aliado à paixão,
interpretação e seriedade, para lhe conferirmos o sentido ético, a boa maneira
aristotélica, porque firmado na ciência prática tendo por assunto os actos do Homem enquanto Ser possuidor de razão, e por objectivo a virtude na condução da
vida. E creiam-nos que não estamos a exagerar, quando falamos assim de Amândio
Sousa Vieira, tendo em conta que nada devemos um ao outro.
Obra profusamente
ilustrada com mais de 400 ilustrações, sendo que as fotografias actuais,
nomeadamente as de a partir de 1980, são do autor. As mais antigas pertencem a
vários arquivos, públicos e privados (assinalando as que foi possível), fazendo
questão de salientar que todos os desenhos, pinturas e gravuras estão
devidamente identificados, razão pela qual aludimos à seriedade intelectual e
gratidão de Amândio Sousa Vieira, principalmente quando se refere, para além
das pessoas e instituições citadas em “Agradecimentos”, a Joana Caçador e
Mariana Quintela, pelo precioso contributo dado a esta magnífica obra.
Poderíamos embarcar na
veleidade de reduzir a nossa apreciação à já recalcada teorização, quase sempre
injusta e desajustada, de que tudo isto nasceu de um embrionário hobby ou mero
passatempo de recolhas avulso, quando sabemos não ser bem assim. Pelo menos, e
tendo a noção de que o inato e o adquirido parecem estar interdependentes (não
fazendo, por isso, qualquer sentido procurar medir as partes respectivas de um
e de outro), memorialistas discretos como o Amândio Sousa Vieira não são bem
assim nem para lá caminham.
Os textos da sua
autoria que se repartem por seis capítulos: Capítulo I – Baile da Espadelada; Capítulo II – Vida no Campo; Capítulo III – Feiras;
Capítulo IV – Festas e Romarias; Capítulo
V – Outras Tradições; Capítulo VI – Ranchos e Rusgas; falam por si. E quando
as palavras são ditas e escritas assertivamente, apenas teremos que as tomar
como emprestadadas, por preito e gratidão: O
interesse de Amândio Sousa Vieira pelas tradições e costumes de Ponte de Lima
reflecte no fundo a paixão de uma vida (…). O seu vasto arquivo é a melhor prova disso. Um amante anda sempre à
procura da coisa amada… – citamos da “Introdução” de José Velho Dantas.
Amândio Sousa Vieira
acaba de prestar um valiosíssimo serviço à reconstituição das tradições e da
etnografia da região que ele mesmo tanto ama, levando-nos a relacioná-las (Ex auctoritate propria)
com as diversas expressões da vida social, artística e identitária.
NOTA MÁXIMA!
(In, Cardeal Saraiva, Ano 108, N.º 4647, 30 de Março de 2014, p. 16 - "Ao correr da pena e da mente" - 175)
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