As margens da palavra!…
«As escritas
quotidianas são, actualmente, fontes primárias de especial relevo para
investigações transdisciplinares (História, Linguística, Antropologia,
Sociologia, Psicologia, entre outras). Dos acervos pessoais e familiares
gerados nos últimos séculos os investigadores têm à sua disposição uma parte do
que foi, na verdade, produzido pelos agentes da História»
Maria Olinda Rodrigues
Santana
Henrique Rodrigues
A PALAVRA
sempre foi para nós um escudo, acção de defesa e, tal como um dia lemos no
«Tratado da Ciência Cabala ou Notícia da Arte Cabalística», especulação natural
da virtude das letras, mesmo contra aqueles que a utilizam como “arma de
arremesso”, envolta na intriga, dissimulação e alcoviteirice em proveito
próprio. Aí constamos que da eficácia e virtude das letras (caracteres que
formam a palavra) resultam, muitas vezes, “vários e notáveis efeitos
naturalmente; porque, como vemos e lemos, por elas se denota já honra, já
vitupério, escravidão, liberdade, e causas semelhantes, e daqui procede a
observação de algumas nações políticas”, que punham na face o S ao escravo, e
nas costas o L ao ladrão… Honestidade pela PALAVRA deixou de ter o cunho de uma
formalidade a cumprir, nomeadamente quando os que nos antecederam, acabaram por
nos educar no culto do respeito de uns pelos outros, através da palavra dada
sem ser, obrigatoriamente, exarada a tinta ferrosa. Daí, um dia, Manuel Rivas
(Barrós), escritor, poeta, ensaísta e jornalista galego, ter afirmado que “a
exaltação tem mais palavras que a calma”.
Hoje e agora, AS
MARGENS DA PALAVRA, o mote que Maria Olinda Rodrigues Santana e Henrique
Rodrigues, no papel de coordenadores, encontraram para produzir uma
extraordinária obra, aguarelada por palavras expressas em cartas, vozes e
silêncios femininos, numa edição da Associação Portuguesa da História do Vinho
e da Vinha (APHVIN/GEHVID), ser motivo para nós de exaltação intelectual e
científica dos coordenadores (simultaneamente autores do prefácio) e dos que os
acompanharam neste desvelar (revisitado) de escritas gravadas por gentes
anónimas de várias classes sociais, escritas essas que “têm chamado a atenção
dos historiadores, dos linguistas, dos etnógrafos, dos antropólogos e doutros
investigadores”, uma vez que estas fontes primárias permitem aos mesmos lançar
olhares sobre espólios documentais muitas vezes condenados ao desaparecimento.
Trata-se de um
caso único e especial, resultante de um óptimo trabalho, complementado pelos
tratados científicos dos seus autores, especialistas de várias áreas, a quem
prestamos aqui o nosso reconhecimento e gratidão: Ana Sílvia Albuquerque – Da vida e obra da mãe: reconstrução de um
itinerário existencial e educativo; António Barros Cardoso e Sílvia Trilho
– A angústia da distância encurtada pela
escrita; Chris Gerry e Filomena Morais – De Florbela a Judith, de Judith a Florbela: uma correspondência
imaginada, 1924-1925; Ernesto Português – Escritas silenciosas no Colégio de Regeneração nos finais do séc. XIX;
Henrique Rodrigues – Silêncios e tempos
de escrita da emigração de oitocentos e Escritas
e silêncios de “Madrinhas de Guerra”: abordagem à correspondência feminina para
um militar da Guerra Colonial; José Ignacio Monteagudo Robledo – Poder silencioso e submissão feminina em uma
correspondência hispana-argentina; Maria Beatriz Rocha-Trindade e Amílcar
Baião Pinto – Apontamentos: uma Viagem a
África - 1897-1898; Maria Izilda Matos – Saudades: Epistolário de e/imigrantes portugueses escritos e
sensibilidades (Portugal-Brasil 1890/1930); Maria Olinda Rodrigues Santana
e Assis Gaspar Machado Monteiro – Nas
encruzilhadas da vida: memórias contadas, silêncios guardados…; Maria
Olinda Rodrigues Santana – Escritas e
representações de sabores no feminismo; Mila Simões de Abreu – O misterioso alfabeto do Alvão e a origem da
escrita em Trás-os-Montes: como uma ideia falsa se espalha através das redes
sociais; Pedro Javier Cruz Sánchez – Creencias
sobre la pared, epistemologia y problemática del emblema de la cruz en el
âmbito urbano tradicional; Salvador Magalhães Mota – As Cartas Pastorais como instrumento de comunicação e propaganda
privilegiada de conservadores e de reformistas na Congregação dos Bernardos na
segunda metade do século XVIII. Alguns contributos.
Aqui fica um excelente trabalho que, por certo, nos motivará à reflexão,
debate e divulgação da História social e cultural do tempo da comunicação à
distância através do escrito. NOTA MÁXIMA!... (com
apenas um senão: os 200 exemplares publicados).
[Imperativos da Memória (III) - As margens da palavra!... A Aurora do Lima (Viana do Castelo), Ano 163, Número 13, Quinta-Feira, 12 de Abril de 2018]
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