Saturday, July 21, 2012

«Arte na Leira», a alma de Mário Rocha…


“Janelas abertas na distância de um gesto, os dedos abertos em forma de cristal e rigor, postos sobre a fronte, sobre o degredo. Beijam-se os pincéis, como palavras dentro de nós. As cores sonham vontades, os traços verdades em tons de deserto e azul. É o momento de amar, de partir nos teus quadros Mário, de possuir na pele o desejo de ser parte do que pintas”

Pedro Abrunhosa

Mário Rocha, no sopé da Serra d’Arga com a «Arte na Leira», tem sido a trigonometria que nos leva a sobrelevar, para além do gosto, a emoção na arte. Mário Rocha é daqueles artistas que nos acicata a emoção, permitindo-nos a relação entre a sua criatividade e a nossa sensibilidade, dando razão a Tolstoi quando um dia escreveu que “a arte é uma actividade humana que consiste em um homem passar a outros, intencionalmente e por meio de certos sinais externos, sentimentos que ele viveu e de outros serem infectados por estes sentimentos e também os experimentarem”. E o nosso grande amigo Mário Rocha faz jus à partilha e à ideia que temos dos verdadeiros artistas, nomeadamente aqueles que inspirados por uma experiência de profunda emoção usam a sua aptidão para dar corpo a essa emoção numa obra de arte, ao que nós acrescentaríamos a expressão e a imaginação. De facto, na estética de Collingwood, por exemplo, a imaginação desempenha um papel central, sendo que é pela construção imaginativa que o artista transforma a emoção vaga e incerta em expressão articulada. Segundo o mesmo Collingwood, o processo de criação artística é, assim, não uma questão de exteriorizar o que já existe internamente, tal como muitos propõem, mas um processo de descoberta imaginativa, ou seja, um processo de autodescoberta. «Arte da Leira», a nosso modesto ver, é assim um lugar de emoção, expressão e imaginação, espaço de relação entre o artista e o público. Aqui, contrariando o que admitem muitos dos filósofos da arte – defendendo que sustentar o cognitivismo a respeito da arte é admitir alguma espécie de preconceito contra a própria arte –, achamos que a arte torna-se tanto mais valiosa quanto mais aprendemos e/ou apreendemos com ela cognitivamente. Com esta iniciativa da «Arte na Leira», a decorrer desde 1999 (14.ª edição), e segundo os seus mentores, “pretende-se transmitir que a vida é a arte do encontro com a própria arte”. E isso têm-no conseguido.
   

Quando em 2002, Mário Rocha nos pediu para elaborarmos uma pequena nota introdutória ao catálogo da «Arte na Leira» desse mesmo ano, plasmamos a nossa emoção – numa cumplicidade plena com o artista – afirmando convictamente que é através da expressão artística que a nossa identidade ganha forma, porque uma obra de arte não é só uma ideia: é uma ideia realizada. E diríamos também que Mário Rocha, um sensitivo nato, a expressão viva da Arte Realizada, sonhou um dia partilhar a sua causa-efeito com o seu (nosso) meio, fazendo jus a uma máxima de um poeta universalista que nos proporcionaria a sensibilidade da arte pela arte, e não da arte pelo homem: “Arga de Baixo, Casa do Marco, refúgio do Pintor-Poeta – onde o granito beija o chão aprazível e virgem da urze, onde vale a pena respirar o ar da cultura e o céu se mistura com a simplicidade do povo serrano, puro e castiço – volta a ser convergente identidade e carácter da expressão artística”. Tal como escrevemos e sentimos nessa altura, também agora falamos com a pastora Natália – por certo já “retratada” por Mário Rocha em “Ares da Serra” – e percebemos o quanto importante é a arte viver em simbiose com o bravio da terra e dos homens desse “Deus Maior” e omnipotente, porque alma da natureza. É nesse sentido que a «Arte da Leira» continua a fomentar o desenvolvimento de actividades de expressão artística e cultural, numa perspectiva de aproximação entre o mundo rural e o mundo artístico. Apesar de esta iniciativa ter sido inicialmente um “aconchego” regional (Alto Minho) – onde Mário Rocha, autor da iniciativa, para além de ser o mentor do projecto artístico é também o proprietário da casa – a sua dimensão valorosa já há muito que ultrapassou os simples cenários dos escarpados da Serra de Arga, sendo considerada (por muita e variada gente ligada às artes, e não só) inovadora em Portugal «no que toca a esta dimensão de um evento cultural do ponto de vista de uma exposição colectiva onde se espera mais-valias significativas ao nível do desenvolvimento das capacidades de reflexão crítica, imaginação e criatividade».
Queremos aqui recordar que Mário Rocha nasceu na freguesia de Perre, Viana do Castelo, em 1954, dedicando-se à pintura desde 1968, tendo inaugurado a sua primeira exposição com apenas 17 anos de idade. Frequentou a Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, no Porto e actualmente reside em Gondomar onde possui o seu próprio atelier. Para além de participar em muitas exposições individuais e colectivas – o que seria fastidioso aqui enumerá-las –, a sua obra está representada em várias colecções particulares e oficiais.
   

De 14 de Julho a 19 de Agosto do corrente ano, com a conivência/participação do nosso grande amigo e anfitrião Mário Rocha, perpassarão pela «Arte na Leira» artistas de renome nacional e internacional, tais como: Luís Coquenão, Jean Pierre Porcher, Gil de Sousa, Rafael Springer, Marco Rooth, Carvalho Araújo, Nuno Portela, Telmo Castro, Eva von Knobelsdorff, Rui Dias, Manuel Lima, Ricardo Drumond, Ana Aragão, Fátima Pitta, Mário Rebelo de Sousa, Flor Rocha, Mafalda Ayres, Margarida Costa, Luís Paupério, João Lopes Cardoso, Miguel Silva Rocha, Luz Lafuente, Cecília Lages, Maria Neves, Pedro Miguel Rodrigues, Indipotrochoid, Rita Sá Lima, Cristina Bastardo, Luís Pedro Viana, João Santos, Francisco Mota Bernardo, Catarina Silva, José Luís Cunha e Luís Coelho, sendo estes últimos três, em fotografia.
Terminaremos, tal como escrevemos há dez anos: Hoje e sempre Arte – os trilhos empedrados, ladeados por muros de pedras soltas; as casas humildes, de gente humilde; os moinhos e as presas; regras na rega, o milho, o feijão, o centeio, a aveia; a ancestralidade, marcada pelas tradições, pelo “querer” e pela fé; os rebanhos, cada cabeça com seu nome, obediente às ordens do(a) pastor(a); o granito e o xisto; os ribeiros salpicados de azevinhos; as fontes, ditas milagreiras; os sobreiros, os carvalhos, os castanheiros, os louros, as faias e as giestas; os lobos, os coelhos bravos, as raposas, as perdizes e o javali; a imponência, a aridez e a grandiosidade da Serra; o pôr-do-sol e o luar; as concertinas, o cantar ao desafio; as lendas e a história, com seus castros, conventos e templos – na Leira

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