“Não tenho nada para
comentar, porque tanto quanto sei não há nenhuma ilicitude nem nenhuma
irregularidade que tenha sido apontada. Para mim é um não assunto”
Pedro Passos Coelho
Na semana em pensávamos
abstrair-nos do “pântano” onde o país se encontra mergulhado, retomando assim a
terapia positiva da cultura, tomada à letra pelas palavras de Rousseau quando
um dia afirmou que “moldam-se as plantas através da cultura, os homens através
da educação”, eis que somos confrontados com mais uma mirabolante reviravolta
no estado psórico do país. Não é que haja da nossa parte preocupação no que
concerne à obtenção dos tão ansiados “canudos”, mas ao nos centralizarmos na
arrojada petulância com que muitos lutam por esse “disfarce vinculativo”, por
forma a pertencerem ao “clube dos doutores e engenheiros” – e até fazem questão
de prefixar os cheques dos bancos, mesmo antes de acabarem os respectivos
cursos –, pensamos que algo de seriamente grave se passa na realização da
natureza humana, contrariando assim a confrontação de uma pluralidade de
valores e de escolhas surgida pelo enriquecimento da cultura universal. Segundo
a nossa modesta opinião, estudar para nos valorizarmos intelectualmente deveria
ser o princípio norteador dessa realização da natureza humana. O tão ansiado “canudo”
deveria funcionar apenas como o reconhecimento do percurso de evolução
cultural, longe das normas físicas colectivas, que apenas são ostentadoras de
vaidades e de interesses mesquinhos. O alcance das licenciaturas não deveria
“ser pelo parecer”, mas pela “razão” do enriquecimento intelectual. Este tipo
de gente – “ignorante” e quiçá insignificante, porque mesquinha – que contraria
o preceito do enriquecimento intelectual, está longe de perceber o princípio
preconizado por Nicolau de Cusa na “Douta Ignorância”: Nenhum outro saber mais perfeito pode advir ao homem, mesmo ao mais
estudioso, do que descobrir-se sumamente douto na sua ignorância, que lhe é
própria, e será tanto mais douto quanto mais ignorante se souber. É só por
isso – por termos também a noção da “existência” como precedente à “essência” –
que resolvemos dar alguma importância à licenciatura de Miguel Relvas, como, em
tempos (2007), demos à de José Sócrates, apesar de o sabermos possuidor de um
bacharelato de quatro anos: “Infelizmente, enquanto se mantiver o desequilíbrio
sacrificial na obtenção das licenciaturas, sendo que algumas delas são obtidas
de forma desonesta, continuaremos a mastigar teoremas desajustados às
necessidades de percurso, continuaremos a vender gato por lebre aos próprios
estudantes. E por este andar, de que valerão as certificações, os
comportamentos éticos na vida académica, a aquisição de competências para a
aprendizagem, se tudo está inquinado logo à nascença?” – interrogávamos, escrevendo,
na altura.
Agora, passados cinco anos, eis que um
ministro, assaz crítico de José Sócrates e da sua licenciatura, de seu nome
completo Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas (vulgo Miguel Relvas), de
acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º
74/2006 de 24 de Março – Regime jurídico de graus e diplomas – (alterado pelo
Decreto-Lei n.º 107/2008, de 25 de Junho), consegue obter a licenciatura de
Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Lusófona, com a modesta
média de 11 valores, depois de ter sido atestado que o seu currículo
governativo, político e profissional equivalia a 32 disciplinas do referido
curso. Dos três anos previsíveis para a referida licenciatura (termos do
Processo de Bolonha), com quatro exames acaba por a conseguir apenas num ano lectivo
(2006/2007) e ainda, em 2010/2011, “vemo-lo” a leccionar cadeiras de
Comunicação Pública e Política e de Marketing Político, como professor convidado,
nos cursos de Comunicação Empresarial e Gestão de Marketing, no Instituto
Superior de Comunicação Empresarial, em Lisboa. Para trás ficaria o “lapso” –
quantos mais não irão surgir – de, em 1985, quando eleito pela primeira vez
deputado para a Assembleia da República, ter entregado no Parlamento um registo
biográfico seu onde mencionava que era estudante universitário do 2.º ano de
Direito, quando na verdade apenas tinha feito uma cadeira (Ciência Política e
Direito Constitucional) do 1.º ano, com a nota final de 10. É evidente que nada
temos a ver – nem é nossa preocupação – com a forma como este “ilustre
ministro” tirou a sua licenciatura, nem sequer pomos em causa a legalidade da
sua obtenção, mas deixamo-nos de conter nessa possível irrelevância quando
ouvimos o presidente da associação de estabelecimentos de ensino privado dizer
que a “lei é um bocado coxa”, dado que os
cursos sejam encurtados, mas que fazer uma licenciatura num ano “não é de todo
vulgar”. Por incrível que pareça, e não será por acaso, na página do
Governo, este nosso “génio estudante” é o único ministro que omite o seu
percurso académico (ressalvamos este nosso reparo se à saída desta crónica
acrescentarem ao seu “curriculum vitae” a tão propalada licenciatura). E
ficamo-nos por aqui em considerações sobre o que a imprensa nacional tem
especulado (admitindo, tal como aconteceu com José Sócrates, alguma “cabala”
contra o “braço forte” de Pedro Passos Coelho, de forma a fragilizar o
Governo), sem que antes plasmemos as suas próprias palavras, a propósito de
todo este imbróglio: Tendo iniciado a
minha actividade política e profissional ainda muito jovem, numa altura em que
a política mobilizava milhares de cidadãos na primeira década após o
restabelecimento da democracia em Portugal, essa intensa participação cívica em
que me empenhei tornou-se, à época, incompatível com as obrigações académicas,
tal como sucedeu com muitos outros jovens dos mais diversos quadrantes
partidários. Apenas um facto curioso nos apraz aqui registar, já que, em
Janeiro de 2004, ainda Miguel Relvas não era licenciado, foi colocada uma placa
em Lagoa (Algarve) com os seguintes dizeres: «CÂMARA MUNICIPAL DE LAGOA /
(ALGARVE) / INAUGURADO A 16 DE JANEIRO DE 2004 / POR SUA EXCELÊNCIA / O
SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL / Dr. Miguel Relvas / SENDO
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL / Dr. José Inácio Eduardo»; ou então, aqui bem
perto de nós, mais concretamente em Antas (S. Paio), Esposende, no ano anterior
(2003), outra placa seria descerrada: «Foi esta Sede da Junta de Freguesia /
inaugurada por Sua Excelência o / Secretário de Estado da Administração Local,
/ Dr. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas / sendo Presidente da Câmara
Municipal, / Fernando João Couto e Cepa, / e Presidente da Junta de Freguesia,
/ Vitor Manuel da Silva Faria / Antas, 04 de Outubro de 2003». Estávamos
perante um licenciado que já o era antes de o ser!
Apesar de sermos desta
geração similar à “da participação cívica de Relvas” – dezassete anos bem
decalcados e vividos (onze anos de africanidade) ao tempo da revolução dos
cravos, com “jotas”, movimentos de trabalhadores, participações cívicas/culturais
e “deambulações” autárquicas à mistura – e de, presentemente, ostentarmos um
currículo profissional de trinta e nove anos, nunca chegamos a embarcar em
facilitismos, porque sempre achamos que o conhecimento deve ter por objectivo o
pensamento humano e a relação deste com os seus objectos, e não por abjecto
“parecer sem o ser”. Infelizmente, o “clube dos doutores e engenheiros” pela
aparência, continua a ser a única saída para aqueles que estão vocacionados, única
e exclusivamente, para o “ser aparente”, remetendo para um plano secundário o
conhecimento, enquanto actividade pela qual o homem toma consciência dos dados
da experiência e procura compreendê-los ou explicá-los. Deveriam ter em conta
que o conhecimento é sempre “em si mesmo” uma actividade teórica e
desinteressada, isto é, satisfaz um puro desejo de saber, sem se preocupar com
a sua utilidade prática. Só o conhecimento “desinteressado” permite
(empiricamente) uma acção eficaz. E isto parece que os nossos políticos não
entendem ou procuram não entender. Daí, porque mal formados intelectualmente, a
mediocridade de alguns dos governantes, deputados e dirigentes partidários. Tal
como podemos ler em “espectivas.wordpress.com” (O. Braga), o qual subscrevemos
inteiramente, “é tempo de acabarmos com a porcaria das doutorices na política.
Um político vale pela sua capacidade de iniciativa, pelas suas ideias, pela sua
mundividência e pela sua capacidade de mobilização de vontades — e não é um
alvará de inteligente que fará dele mais inteligente ou mais esperto do que ele
realmente é: o alvará de inteligente pode fazer dele um espertalhão, como
acontece na maioria dos casos”.
Face aos decorrentes
factos pouco abonatórios, no que toca à atribuição de certas licenciaturas, uma
questão pertinente se coloca: Será que haverá necessidade de repensar o ensino
superior privado em Portugal? De facto, pelo trilho das incertezas e do
mal-estar geral, achamos que começa a ser preocupante a proliferação de casos
pouco claros ou mesmo obscuros. Para bem da credibilidade de algumas instituições
superiores privadas, bem conceituadas e credíveis nos meios científicos – e que,
por uma questão de ética, nos escusamos aqui enumerar –, há que averiguar as
prevaricadoras, de forma esclarecer possíveis comportamentos, ligações
perigosas e, sobretudo, ilegalidades, se é que alguma vez existem. Até prova em
contrário, seria uma forma de limpar o campo minado da suspeição.
A fechar, uma triste
notícia: “O escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez não vai voltar a
escrever, depois de ter sido diagnosticado com demência. O anúncio foi feito
pelo irmão do escritor, Jaime Garcia Marquez, numa conferência em Cartagena das
Índias, Colômbia. Visivelmente emocionado contou que o Nobel da Literatura está
bem em termos físicos, mas que perdeu a memória”.
Um mal maior para o mundo da cultura!
Um mal maior para o mundo da cultura!
1 comment:
Uma das causas do nosso país estar como está é o facto dos políticos não terem a mínima noção do que é governar. E estas notícias das licenciaturas "manhosas" são a prova disso mesmo....
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