Saturday, November 17, 2012

«Paço de Giela» um património histórico-monumental a preservar…


“Mas esperava-me uma triste surpresa em Giela: as ameias do palácio – mais de uma dúzia – tinham acabado de ser arrancadas e estavam no chão, algumas desfeitas em pedaços, outras inteiras, porque a rijeza do granito aguentou a pancada da queda. Sentia-se que a selvajaria era recente; era como uma ferida que ainda sangrava”.

José Hermano Saraiva (O Tempo e a Alma)

Sempre que pretendemos descomprimir as dilacerações da mente, procuramos deambular pelas mais pitorescas e agradáveis paisagens do Alto Minho, enriquecidas pela fertilidade dos seus vales e pela altitude e beleza das suas montanhas. Felizmente que é essa a sensação que sentimos quando amiudadamente nos deslocamos até “Terras de Valdevez”, cuja posição geográfica lhe empresta a cumulação de uma poética luxuriante, bem no coração do Vale do Lima, recortada também pelo não menos mitológico Rio Vez, que nasce e desagua dentro do concelho. Já não era a primeira vez que nos predispúnhamos a visitar Arcos de Valdevez e, de uma forma particular, o multisecular Paço de Giela (classificado de Monumento Nacional, através do Decreto de 16 de Junho de 1910), localizado a cerca de quilómetro e meio da sede do concelho, na encosta duma pequena elevação, que domina o vale, quase fronteira à vila. Trata-se de um solar fortificado, uma autêntica preciosidade medieva, cuja origem está profundamente ligada à origem e formação da terra de Valdevez.


O Paço de Giela, aí pelos anos vinte do século XX, é descrito por Luís de Figueiredo da Guerra (1853-1931) como um edifício que se compõe “do alcácer voltado ao sul, tendo junto para o nascente uma alta e forte torre quadrada, cuja única janela olha para poente; na sua coroa de ameias, sobre setentrião, existe ainda um machiculis ou parapeito de guarita: o palácio no gosto manuelino data dessa gloriosa época, e assaz conservado apresenta uma bonita janela ou varanda de honra, encimada pelo escudo dos Limas de Galiza (Limas, Silvas e Sottomayores); o senhoril cubo roqueiro é obra dos fins do século XIV ou princípio do XV, mas posteriormente reedificado: notam-se nele vestígios de três pavimentos, achando-se apenas ligado por uma quina ao Paço, servindo actualmente de asilo a pombas. Este morro sobre que assenta o castelo é contraforte do monte do Morilhões, que fecha o vale pelo nascente”. Aos nossos olhos, e face a uma investigação efectuada em termos arquitectónicos, podemos dizer que se trata de uma preciosidade medieva, constituída por dois corpos distintos, denotando que ambos eram denticulados de ameias: o torreão medieval (século XIV) da construção primitiva, e a residência paçã, de estrutura quinhentista. A torre de planta quadrangular, é provida de seteiras e de um balcão de mata-cães. A residência senhorial, forma um vasto rectângulo com quatro fachadas. Está arrimada ao torreão e tem um andar rústico. Valorizando a construção, ainda que de linhas simples, a portada de acesso, protegida por um arco de volta redonda, sobre a qual poisa a varanda da sacada, trabalhada em cantaria. Nesta fachada, voltada a Norte, rasgam-se duas janelas de estilo manuelino, intercaladas entre outras duas, de molduras lisas e linhas sóbrias, o que faz denotar ser de época posterior. A face oriental, tem duas janelas, sendo uma delas chanfrada e, no alto, quatro modilhões. Na fachada oposta, sobressai uma bem estilizada janela, curiosa pela sua decoração com cordame manuelino, encimada por uma pedra de armas que, face à dificuldade de leitura pela arrizada cobertura de vegetação, a fazer fé em Figueiredo da Guerra será dos Limas (Limas, Silvas e Sottomayores). Aliás, por cima da portada de acesso também ostenta uma singela pedra de armas, bastante desgastada, que heraldicamente deveria conter os mesmos apelidos. Inferiormente à janela manuelina, e num recanto, uma acanhada porta ogival, com o limiar afastado do chão. Na área envolvente a esta preciosidade arquitectónica existem outros edifícios, também em ruínas, que dizem ter servido de residência aos caseiros, e uma arruinada capela engolida pela vegetação, cujo patrono era “Santa Appolonia”. De uma forma sucinta, dado que o espaço desta crónica – e disso temos consciência – não nos permite alongar muito mais o nosso “apaixonado” devaneio pelas coisas da nossa terra (do Lima que nos viu nascer e nos vai inspirando), convenhamos em dizer que em 2 de Janeiro de 1399 deu D. João I, estando no Porto, a seu vassalo Fernão Anes de Lima, daquele dia para todo o sempre, para seus filhos, netos e descendentes legítimos por linha direita, as terras de Fraião em Coura, de S. Martinho, de Santo Estevão (Facha e Geraz), e de Valdevez, com todos os seus lugares, termos e suas herdades, casais, rendas, direitos, foros e pertenças, com suas entradas e saídas, rocios, montes, fontes, rios, ribeiros, pescarias, colheitas, montados, tabeliões e todas as outras coisas que às ditas terras pertencem; e ainda a sua jurisdição civil, crime, e mero império, com todos os outros direitos temporais e reais, assim como el-rei os possuía, reservando somente a correição e alçada. Este mesmo monarca lhe fez nova mercê quando estava no arraial sobre Tui, em 24 de Junho daquele mesmo ano de 1399, doando-lhe a casa e honra de Giela, que se achavam vagas na coroa. Segundo Figueiredo da Guerra, “esta linhagem procede de Limia na Galiza, donde tomaram o nome; Fernão Anes tomou o partido de Portugal, e viveu em Valdevez, jazendo à porta da igreja paroquial de Giela; seu filho Leonel de Lima, como primogénito, herdou a casa da Giela”. E foi assim que tudo começou!
  
A última vez que aí nos deslocamos foi no domingo, 4 de Novembro de 2012, e levávamos connosco a “má impressão” das visitas anteriores e o longínquo testemunho (1986) negativo de José Hermano Saraiva (1919-2012) – O atentado cometido no Paço de Giela vem agudizar o sentimento de urgência de intervenções neste sentido. O nosso património artístico e monumental está a desaparecer rapidamente –, mas também a esperança deixada (e/ou prometida) pelo município arcuense, dinamicamente liderado por Francisco Araújo, em Novembro de 2011, aquando da divulgação do “Concurso de Ideias” para requalificação do espaço envolvente ao Paço de Giela, já que é proprietário deste importante imóvel desde 1999, cujo declínio e abandono se começaram a acentuar a partir do século XIX. Na altura, foram divulgados os três primeiros classificados do concurso de ideias internacional lançado pelo município, em colaboração com a Ordem dos Arquitectos da Região Norte, para a referida requalificação da área envolvente ao Paço e edifícios anexos, a qual corresponde aproximadamente a 17,8 ha: (1.º) ABDA – Arquitectos Botticini – de Appolonia e Associati, SRL; (2.º) CVDB Arquitectos Associados; (3.º) Giovanni Alessandro Piovene Porto Godi, Vasco Miguel Pinel de Melo e Mónica Ravazzolo. Segundo foi dito, também, que “os concorrentes encontraram soluções que asseguram a valorização dos edifícios existentes, respeitando o cariz específico do local e acima de tudo o Paço e a forma como é visto, bem como a efectiva comunicação da zona em questão com a área urbana da Vila”. Aplaudimos a iniciativa, ainda pelo facto de explorarem temáticas como a “água” e o “garrano”, assim como a criação de condições para a realização de actividades desportivas, culturais e turísticas, projectando um Anfiteatro ao ar livre e uma Unidade Hoteleira.


Mesmo tendo nós consciência das dificuldades inerentes à conjuntura económica presente, que o país e a Europa atravessam, esperamos ansiosamente pela segunda fase do projecto de recuperação do Paço de Giela e área envolvente, que passará pela adjudicação da obra e sua concretização. Será bom para o município e, sobretudo, para toda a região alto minhota!

9 comments:

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Jéssica Silva said...

Um sítio bem giro :)

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