Friday, April 19, 2013

Nos tempos que correm: “Sabedoria sem Respostas” e as respostas em Daniel Kolak e Raymond Martin!


“Todo o homem tem duas espécies de educação: uma que lhe é dada por outrem, e outra, mais importante, que ele dá a si mesmo”.

Gibson

Se há livro que nos marcou profundamente, no início dos novos milénio e século, foi precisamente aquele nos fala de “Sabedoria sem Respostas: Uma Breve Introdução à Filosofia”, da autoria de Daniel Kolak, professor na Universidade de New Jersey e de Raymond Martin, da Universidade de Maryland – ambos autores de uma outra pérola: «The Experience of Philosophy» –, obra que viria a ser traduzida do original «Wisdom without Answers: A Brief Introduction to Philosophy» (2002) por Célia Teixeira, e publicada pela Temas & Debates, em 2004.
Nesta maravilhosa obra – a nosso ver, desculpem-nos a premeditada insistência cognitiva, também aconselhável a políticos e religiosos –, os autores começam por realçar a noção errada que muitas vezes se faz da Filosofia como sendo apenas um corpo de conhecimento, onde se espera receber informação, em vez se pensar pela própria cabeça. Assentes nessa noção, difundem o propósito em contrariar o “queixume” de muitos filósofos, face à desmotivação dos seus estudantes, quando os sentem inaptos – ou muito pouco preparados – “para lidarem com a matéria usada nas disciplinas introdutórias”. Ainda, segundo os autores, importa contrariar a afeição pelas respostas feitas, de forma a prepará-los para darem novo sentido às coisas. E, logo a seguir, reafirmam a nossa condição de crianças, “impertinentes” nas perguntas, com total abertura, muitas vezes irrespondíveis, quando procurávamos e queríamos sabê-las: Sabíamos que não sabíamos as respostas, e queríamos sabê-las. À nossa condição de espanto, enquanto crianças, relegamos a curiosidade infantil para a estrutura de respostas que silencia a nossa capacidade de agir, só porque, inevitavelmente, nos tornamos adultos. Por isso, muitas dessas perguntas ficaram por responder: De onde viemos? Qual o objectivo da nossa vida? Qual a natureza do Universo em que vivemos? O que nos acontece quando morremos?


Prosseguindo o raciocínio dos autores, constatamos a aparente solidez das nossas crenças, hipoteticamente transmissoras de conhecimento – assentes em respostas que escondem mais do que revelam –, mas não de sabedoria. Numa alusão clara ao pensamento de Sócrates, Kolak e Martin, chamam a nossa atenção para o principal obstáculo ao estudo da filosofia, quando recorremos ao pressuposto de sabermos de mais. O objectivo do livro vai, precisamente, no sentido de trazer os leitores “para o domínio da filosofia como o faria Sócrates se ainda estivesse entre nós: afastando-o das respostas durante o tempo suficiente, para que possa ter a experiência da sabedoria do desconhecedor”. Daí, o sentido de fazer da filosofia uma actividade e não um corpo de conhecimentos, cultivando a perícia, ou seja, “a habilidade para nos vermos a nós próprios e ao mundo de muitas perspectivas diferentes”. Impelem-nos mesmo em sustentarmos o objectivo de nos desenvencilharmos (por completo) da dependência das respostas. Abordam, também, o sentido de «perspectiva» como “uma interpretação que vai para lá dos factos e que se apoia nos pressupostos, convicções ou valores da pessoa que faz a interpretação”. E dão o exemplo do feto de três meses que é intencionalmente abortado, levando a que se equacione o objecto de interpretação em duas perspectivas, a do assassinato e uma outra assente em dois pressupostos diferentes: o feto não era uma pessoa, na melhor das hipóteses era uma pessoa em potência, e a morte de pessoas em potência nem sempre é um assassínio. Dão outros vários exemplos onde são postos em confronto os pontos de vista dos outros – os quais nos custam admitir – com os nossos, os que julgamos como sendo a única janela válida para a “verdadeira realidade”. A filosofia é-nos “revelada” por estes dois autores, em forma de nos mostrar como identificar as limitações dos nossos próprios pontos de vista e a sair de nós próprios.
A nota introdutória, por exemplo, culmina com o relato de uma lenda antiga de três homens sábios de três impérios diferentes que, um dia, se encontraram à entrada de um reino pacífico. Cada um deles, em face de uma guerra tripolar – apesar dos seus sábios conselhos, tinham levado à ruína dos seus impérios –, tinha vindo à procura de asilo. A rainha do reino pacífico colocá-los-ia perante um enigmático teste de adivinhação da cor de um ponto que previamente havia sido pintado nas suas testas, sentenciando a não resolução de tal enigma pela decisão de nenhum estar a altura de ser sábio no seu reino, sendo, por isso, decapitados. Tudo se resume à prática de observação, não havendo forma de conseguir descobrir respostas, olhando apenas para os nossos pontos de vistas. Os autores escolheram esta lenda como forma de nos chamarem à atenção para a preventiva excessividade de raciocínio, aliada à ludibriável desconfiança em relação aos outros; para a sensação do enigma se tornar insolúvel, só porque queremos inflectir apenas sobre o nosso ponto (de vista); e, finalmente, para resposta racional, obtida pela observação dos pontos (de vista) dos outros. À pergunta da rainha, de qual deles teria um ponto verde pintado na testa, tornar-se-ia sábio do reino, aquele que vislumbrara a realidade de todos os pontos serem vermelhos.
Em catorze capítulos – Onde?, Quando?, Quem?, Liberdade?, Conhecimento, Deus, Realidade, Experiência, Consciência, Cosmos, Morte, Sentido, Ética e Valores –cheios de vivacidade, dos quais destacamos sete (Onde? – Capítulo primeiro, coloca-nos a nós leitores na interactividade de sabermos onde estamos, onde fica a Terra, o nosso sistema solar, o Universo, sendo que este último, não existindo mapas, confere-nos, contudo, a sua localização por dentro dele estarmos colocados; Quando? – os autores, equacionados pela resposta óbvia do leitor em dizer aqui e agora, reformulam o quando é o agora, quando é o presente, estampando os cinquenta séculos de história como um pequeno segmento de tempo dentro do espaço tempo de aproximadamente quinze milhares de milhões de anos, que é a idade actualmente calculada do Universo; Quem? – sendo que esse “quem” somos nós: Quem é o leitor? E de uma pergunta simples transformamo-la num enigma complexo, só porque fazemos questão em dizer o nosso nome, a nossa idade, os nossos interesses, a nossa profissão, o local onde vivemos, etc.; Liberdade – Porque razão está a ler isto? É indiferente a razão que nos levou a ler este livro, mesmo que alguém o tenha dito para o fazer; Conhecimento – O leitor tem várias crenças. Mas quais das suas crenças é conhecimento, se é que alguma o é? A ilusória autoconfiança do apostador de corridas de cavalos quando acredita ardentemente que o seu cavalo vai ganhar; Deus – Poderá o conhecimento de que Deus existe fornecer a ponte necessária entre a experiência e a realidade – entre os nossos estados mentais subjectivos e o mundo exterior?; Ética – Como podem as autoridades encarregues do seu condicionamento saber que o leitor é mau por natureza? Numa escrita escorreita, Kolak e Martin apontam para a realidade presente de pais, professores, legisladores, políticos e líderes religiosos estarem a treinar-nos para nos ajustar ao mundo que eles herdaram dos seus pais, dos seus professores, dos legisladores, dos políticos e dos líderes religiosos, os quais por sua vez os herdaram das suas autoridades e assim por diante), qualquer um de nós aprenderá a evitar as respostas fáceis e será conduzido ao mundo fascinante do pensamento filosófico. Serão examinadas algumas das questões fundamentais. De facto, na qualidade de leitores, corroboramos da ideia que nos fica da abordagem frontal das perguntas, permitindo-nos através dela explorar os modos como elas (as perguntas) nos afectam: Deus existe?; Porque existe o Universo?; O que é o eu?; Qual o significado da vida?; Que é a morte?; Dispomos de livre-arbítrio?; Que é o conhecimento?; Que significa a moral?, etc., etc.
           As respostas preconcebidas são abandonadas logo à partida, face à aprendizagem no pensar de forma crítica “nas ideias filosóficas que podem transformar a sua vida”. A de todos nós, diremos nós, mesmo que alguns se assumam no “não assunto” de distinguirem a relação entre valores e factos!

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