“Luz
própria que, nas novas gerações, parece mudar a percepção da sua figura. Sem
lhe alterar, porém, a essência da mensagem. Assim como se, num mundo composto
de mudança, tomando sempre novas qualidades, continuamente nele se fossem vendo
novidades, criadoras de novas esperanças, para recorrer, contrariando-lhe o
pessimismo, ao nosso poeta maior”.
Adelino Gomes
Foi com o maior orgulho
que, no passado dia 30 de Abril, resolvemos aceitar a imerecida tarefa de
apresentar o mais recente livro do jornalista José A. Salvador, no Salão Nobre
do Sport Clube Vianense. Na altura dissemos que falar de Liberdade e
Fraternidade, dois condimentos necessários a uma verdadeira revolução
cognitiva, forma única de nos livrarmos do medo, é falar, inevitavelmente, de
ZECA AFONSO. E era de Zeca Afonso, nas comemorações dos quarenta anos das
“PORTAS QUE ABRIL ABRIU» e dos cinquenta de «GRÂNDOLA, VILA MORENA», através de
José António Salvador, precisamente na noite em que se nos abriram portas para
as «CANTIGAS DE MAIO», sendo que no dia seguinte era Dia Mundial dos
Trabalhadores, que «Um velho soluço / Traz-me o teu anexo / Priva-me dos braços
/ Quebra-me a infância / Livra-me do medo (…).», qual poema escrito por Zeca
Afonso, em 1973, aquando da sua prisão em Caxias, na clausura forçada da
PIDE-DGS, inspiraria o título para o terceiro livro a seu respeito [depois de
Livra-te do medo – Estórias & andanças do Zeca Afonso (1984) e Zeca Afonso:
O rosto da utopia (1994)] pela pena acutilante, cirúrgica e aturada do insigne
jornalista e enófilo português José António Salvador, nascido em Espinho em
1947, onde fez a instrução primária. Depois de completar os estudos secundários
no Liceu Alexandre Herculano, no Porto, frequentou a Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, período durante o qual conheceu Zeca Afonso e integrou
a Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra durante a crise estudantil
de 1969. Iniciou a sua actividade profissional como jornalista em O Comércio do
Porto nesse mesmo ano, para integrar, sucessivamente, as redacções dos jornais
Diário de Lisboa (1970-75), República (1975), Gazeta da Semana (1976-77), Nô
Pintcha (Guiné-Bissau, 1977-78), Diário Popular (1978-88, com interregnos nos
países lusófonos). Foi também colaborador do jornal A Voz Portucalente, órgão
da Diocese do Porto, fundado por D. António Ferreira Gomes, após o seu regresso
do exílio em 1969. E porque seria incomportável esmiuçarmos aqui todo o seu
vastíssimo curriculum, apraz-nos apenas registar o facto de que, em 1992, foi
fundador da SIC, onde durante dois anos programou a informação, desenvolveu
diversas coberturas jornalísticas e entrevistou, ao longo da sua vida
profissional, em jornais e na SIC, grandes vultos da Cultura, das Letras, da
Música e das Artes. Resta-nos acrescentar que o Clube de Imprensa distinguiu-o
por duas vezes, em 1987 e 1991, com o 1.º Prémio Viagem pelas reportagens
«Tejo, por este rio acima» e «Cabo Verde, o sonho das ilhas», publicadas,
respectivamente, no Expresso e em O Jornal. A Academia Portuguesa de
Gastronomia atribuiu-lhe o Prémio Cultura e Literatura Gastronómica 2004 pelo
conjunto da sua obra na área dos vinhos e da gastronomia.
Estas pequenas notas
biobibliográficas de José A. Salvador eram quase como um necessário “imperativo
categórico”, sem que para isso seja necessariamente kantiano, face ao conteúdo,
à partilha e à cumplicidade deste magnífico livro, esteticamente perfeito, em
boa hora editado pela Porto Editora, diríamos, a mais completa obra até hoje
escrita de homenagem ao nosso grande Zeca Afonso, aquele que soube chamar a si
«a reserva inesgotável de Alegrias, a
raiva dos oprimidos, a bondade de um homem simples com quem, às portas de
Arroiolos, me embebedara um dia de sol e serra», e que, como faz questão de
salientar a editora, principalmente pelo papel do cantor em todo o processo
revolucionário, em Portugal, quer antes, quer após a queda do regime de
Salazar: «foi indiscutivelmente uma das grandes
vozes da Revolução de Abril. “Grândola, Vila Morena” é um tema que, ainda hoje,
procura ser instrumento de intervenção».
De facto, este
extraordinário trabalho de José Salvador, com Carta de Resposta em jeito de prefácio do Jornalista Adelino Gomes
(pela terceira vez que o faz), tem o condão de reavivar certos traços de
personalidade e mesmo certos dados de Zeca Afonso, aparentemente irrelevantes,
que ganharam, com o passar dos anos, uma luz própria que se impõe a quem
revisita a sua vida e a sua obra. Contrariando o aviso à navegação de José
Salvador, que nos alerta para o facto de não esperarmos encontrar um livro
emocionalmente asséptico, afectivamente distanciado ou politicamente neutral,
sempre lhe conseguimos percepcionar uma informação objectiva, mesmo que
“condicionada” pela amizade pessoal, aprofundada durante meses de convívio
regular que com ele manteve em 1983: «Se
achares que o que eu digo não tem interesse, não faças o livro» – disse-o
na altura Zeca Afonso, com a mesma mestria do contraditório, que nós utilizamos
para reforçar, de uma forma mais modesta – do sapateiro que não quer ir além da
chinela –, a nossa convicção de estarmos perante um trabalho sério,
cientificamente sério, porque lhe percepcionamos a tal “informação objectiva” revelada
através de uma verdadeira “clarividência objectiva”. Esta é uma obra de leitura
obrigatória para quem preza a Liberdade, à boa maneira de “Tomadas da
Bastilha”, em Coimbra de 1968.
É evidente que não
iremos discorrer de uma forma minuciosa acerca das cerca de trezentas páginas
deste «Zeca Afonso: Livra-te do Medo»,
dado que o fizemos na altura da apresentação, mas não seria “bom-tom” da nossa
parte se não nos referíssemos a esta magnífica obra como ricamente preenchida com
uma grande entrevista, proficuamente ilustrada com excelentes fotografias e
vários documentos de que são exemplo, entre outros, “Autos de Interrogatório”
da PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado] e mais tarde da DGS
[Direcção Geral de Segurança], com “Ordem de Internamento”, articulados com
confidencialidades para a Secretaria de Estado da Informação e Turismo. Aludiremos
ainda, agora sim para terminar, o facto de estarmos perante uma biografia
inédita, de viva voz, com a maior Voz da Liberdade em Portugal, magnanimamente
elaborada – porque cientificamente irrepreensível – por José António Salvador.
Por nós, pelos
Estaleiros Navais de Viana do Castelo (dado que foi na qualidade de
ex-trabalhador, por exigência do autor, que tivemos que apresentar o livro),
pela Liberdade (sem castração), pela Fraternidade, pela Revolução Cognitiva, o
Zeca Afonso está hoje e sempre entre nós. De facto, A CANTIGA É UMA ARMA, que
incomodou e continua a incomodar. Em nome do Zeca, O QUE FAZ FALTA É ACORDAR A
MALTA!
NOTA MÁXIMA!
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