“É provável que haja quem ache
chocante que eu não resigne ao silêncio depois do acto que cometi, e depois
também da declaração de inimputabilidade que o sancionou e da qual, segundo o
modo de dizer espontâneo, beneficiei”
Louis Althusser
É evidente que
não iremos falar da loucura em Althuser, qual “L’Avenir dure longtemps” soçobra
no impensável e no trágico com o assassinato de sua mulher Hélène, mas d’A Defesa
da Tese de Amiens, texto extraído da obra «Posições» de Louis Althusser
(1918-1990) – autor francês criador de uma variante do marxismo, e que na linha
de Gramsci cria as categorias de aparelho
ideológico e aparelho repressivo do Estado –, obra essa que, como se pode
ler em sinopse, reagrupa vários artigos importantes que marcaram a sua evolução
entre 1964 e 1975. O texto, ora em análise, “Defesa da Tese de Amiens”,
reproduz o essencial da argumentação com que, em Junho de 1975, Louis Althusser
defendeu os seus trabalhos num Doutoramento de Estado na Universidade de
Amiens. De facto, é assim que inicia o referido texto – numa espécie de
introdução –, onde procura fazer uma pequena retrospectiva sobre a filosofia e
a política, nomeadamente dos autores do séc. XVIII, como uma propedêutica –
segundo ele – necessária à compreensão do pensamento de Marx. Sendo já, na
altura, comunista, tentaria a partir dali também ser marxista, ou seja,
depreendendo-se das suas palavras, procuraria compreender o que quer dizer marxismo.
Numa espécie
de autobiografia intelectual – deambulando pelos pensamentos de Immanuel Kant,
Thomas Hobbes, Maquiavel, Hegel, Espinosa, John Locke, Montesquieu e
Jean-Jacques Rousseau –, Louis Althusser acaba por se quedar no pensamento de
Marx: Tomo como prova, além de toda a
história da filosofia, o próprio Marx, que só se definiu apoiando-se em Hegel,
para dele se demarcar. E penso ter seguido, de longe, o seu exemplo,
autorizando-me a passar por Espinosa para compreender porquê Marx teve que
passar por Hegel (p. 132). E este será o ponto de partida para as três vias
(“selvagens”) de abordagem aos seus ensaios, que, segundo Louis Althusser, os
atravessam e se cruzam: A «última instância…» –
Partindo do pressuposto que a parte exprime o todo e só se compreende as partes
em função do “todo estruturado”, Althusser começa por nos apresentar um “todo”
sobredeterminado com níveis e instâncias relativamente autónomas. Apresenta
mesmo a sociedade na metáfora dum edifício, cujos
andares assentam, segundo a lógica do edifício, sobre a base (p.140). A
base é que define o todo do edifício; a base é a economia. Discorrendo através
dum processo histórico sem sujeito e sem fim ou fins, que irá culminar num
processo da ideologia, o mesmo filósofo francês afirma que na configuração
social há – diferente da lógica dialéctica: certamente,
Hegel não procurou a dialéctica após a rejeição da Origem e do Sujeito (p.
144) – “todos parciais”, sem prioridade de um centro. A nível económico
opera-se a rejeição da unicausalidade económica da história e das lutas sociais
atribuindo-se a instâncias, abrindo assim espaço à dialéctica de cariz
estrutural, porque definida através das determinações e subdeterminações.
Renova-se assim a explicação dos processos sociais, superando os extremismos de
se imputar, invariavelmente, a causa económica a todos os acontecimentos
sociais e políticos: o tópico marxista
designa o lugar onde nos devemos bater, porque é nele que se luta, para
transformar o mundo. Mas este lugar não é um ponto, nem é fixo, é um sistema
articulado de posições orientadas pela determinação em última instância (p.
148); Sobre o processo de conhecimento – Passando ao processo
de conhecimento, Louis Althusser apresenta alguns argumentos, não para construir uma «teoria do
conhecimento», mas para pôr em questão algumas evidências cegas, com que uma
certa filosofia marxista se julga muitas vezes protegida dos adversários
(p. 156). Inspirando-se em Marx, que empregava várias vezes o conceito de
«produção» de conhecimentos, a tese central de Althusser vai no sentido da
ideia do conhecimento como produção, que
ao ser levado à letra sugere um processo, um processo sem sujeito. Por outro
lado, ao pretender alcançar a distinção das Três Generalidades: a primeira desempenhando o papel de
matéria-prima teórica; a segunda de instrumento de trabalho teórico; e a terceira
o concreto-de-pensamento ou conhecimento, sendo que no final do processo –
resultante do concreto-de-pensamento, da totalidade-de-pensamento – chega ao
conhecimento do concreto-real, do objecto real: o processo do conhecimento acrescenta a cada passo ao real o seu
próprio conhecimento, mas a cada passo o real o reabsorve (p. 159); e,
finalmente, Marx e o humanismo teórico – A principal tese de
Althusser é o anti-humanismo teórico que consiste em afirmar a primazia da luta
de classes e criticar a individualidade como produto da ideologia burguesa. Tal
como afirmara Marx: «Uma sociedade não é composta por indivíduos». O homem é
uma pura abstracção. O homem não tem qualquer eficácia em termos de
conhecimento, dado que é considerado como agente de produção, não é mais que isso para o modo de
produção capitalista, ou seja, um simples
«portador de funções», completamente anónimo, intermutável, uma vez que pode
ser lançado à rua, se é operário (p. 166). Assim, o motor da história é a luta de classes, de forma a auxiliar a classe operária a fazer a
revolução, e a suprimir ulteriormente, no termo do comunismo, a luta de classes
e as próprias classes (p.170).
Não admira, pois, que o pensamento de Althusser tenha influenciado os
meios intelectuais universitários, na década de setenta, marcados pela geração
do Maio 68, da qual muitos hoje detêm o poder político e económico, e meteram o
marxismo na gaveta. Mais grave é que alguns estão hoje em partidos
ultraliberais, não tendo qualquer eficácia em termos de conhecimento e
dispensam a ética, como quem “limpa o cú a meninos”. São simples portadores de
funções!
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